segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO À PENSÃO PREVIDENCIÁRIA QUANDO UM(A) DOS(AS) COMPANHEIRO(A) FALECE. MOMENTO DA AFERIÇÃO DA QUALIDADE DE DEPENDENTE. ENTENDIMENTO DO STJ.

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

O companheiro ou companheira de Segurado ou de Segurada falecido(a) do INSS, sem provar que deste era dependente quando do seu falecimento,  não faz jus à respectiva Pensão Previdenciária. 
Na bem alinhavada decisão infra, minutada e pesquisada pela competente Assessora abaixo indicada, com pequenas alterações feitas pelo Juiz, esse assunto é detalhadamente debatido, inclusive com transcrição do famoso precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a união estável homo afetiva e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao momento em que se apura a existência da dependência para gerar o direito à Pensão Previdenciária. 
Boa leitura. 

Observação: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques.


PROCESSO Nº: 0816986-19.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: J D C
ADVOGADO: A N C Da S B
ADVOGADO: M D L L De P
ADVOGADO: S D M Da R E
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

D E C I S Ã O

1-Relatório


J D C, qualificada na Petição Inicial, ajuizou em 27/11/2018 esta ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL pretendendo, a título de tutela provisória de urgência, a imediata concessão do benefício de pensão por morte em razão do óbito da Srª M das N C L, que teria sido sua companheira até a data do óbito em 06/09/2014. Alegou, em síntese, que: teria convivido em união estável, pública e duradoura, com a Srª M das N C L; a união teria perdurado por mais de 40 anos, até a data do óbito da referida senhora, ocorrido em 06/09/2014; o INSS teria indeferido o seu pedido administrativo de concessão de pensão, embora a Autora tivesse comprovado a existência de união estável com a falecida segurada, com provas que seriam contemporâneas à união estável; a união estável teria sido reconhecida judicialmente na ação de reconhecimento de união estável que teria tramitado na 4º Vara de Família da Capital, no processo tombado sob o nº 049512-76.2015.8.17.0001; além disso, a Autora teria sido considerada Inventariante e única herdeira legal da de Cujus, nos autos do processo de Inventário , tombado sob o nº 0012370-38.2015.8.17.0001, em curso na 1ª Vara de Sucessões da Capital; teceu outros comentários e afirmou que teria preenchido os requisitos legais para a concessão do benefício; processualmente, requereu o gozo do benefício da assistência judiciária gratuita e a tramitação prioritária do processo e, ainda, a concessão da tutela antecipada a fim de ser determinada a imediata implantação da pensão; a procedência do pedido para "compelir o INSS a conceder e implantar definitivamente, O BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE A QUE FAZ JUS A AUTORA, A PARTIR DA DATA EM QUE FOI CESSADO ADMINISTRATIVAMENTE, DATA DO ÓBITO DA DE CUJUS, MARIA DAS NEVES COUCEIRO LINS, DEVENDO O PAGAMENTO DAS PARCELAS EM ATRASO SER DEVIDAMENTE CORRIGIDOS E PAGAS À AUTORA, NA FORMA DA LEI, DETERMINANDO AINDA QUE A FUNCEF também COMPLEMENTE O VALOR DO PAGAMENTO DA PENSÃO POR MORTE, PAGOS PELO INSS À AUTORA, QUE SE ENCONTRAM EM ATRASO, COMO É DE SUA OBRIGAÇÃO;" Juntou instrumento de procuração e documentos.


2. Fundamentação

2.1. Dos benefícios da Justiça Gratuita e de prioridade de tramitação

 Inicialmente, merece ser concedido à parte autora, provisoriamente,  o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do CPC).

Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a parte Autora não é assistida por Defensor Público

No que se refere ao pedido de prioridade de tramitação, nos termos do art. 1.048, I do CPC, há igualmente de ser deferido, uma vez que preenchido o requisito etário para a concessão do benefício.

2.2. Do pedido de tutela de urgência

2.2.1 - Da norma contida no artigo 300 do Código de Processo Civil, colhem-se os pressupostos de concessão da tutela de urgência, das quais são espécie a tutela antecipada e a tutela cautelar.

Dispõe o aludido artigo, em seu "caput", que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Assim, além de a tutela de urgência submeter a parte interessada à demonstração da probabilidade do direito, convencendo o magistrado da veracidade de suas alegações, deve demonstrar a existência de risco iminente para o autor, de dano irreparável ou de difícil reparação.

Concomitante com estes requisitos extraídos do "caput" do art. 300, urge que a providência antecipatória não produza efeitos irreversíveis, ou seja, resultados de ordem que torne impossível a devolução da situação ao estado anterior (art. 300, § 3º, do CPC). É preciso, portanto, que o quadro fático, alterado pela tutela de urgência, tenha possibilidade de ser recomposto.

Somente a concorrência destes requisitos é que permite a concessão da tutela de urgência, liminarmente ou após justificação prévia (art. 300, §2º, CPC).

2.2.2 - Pois bem, à luz do disposto no art. 74 da Lei nº 8.213/91, são três os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte: a) o óbito (ou morte presumida); b) a qualidade de segurada da pessoa falecida; c) a existência de dependentes, na forma prevista no art. 16 da Lei nº 8.213/1991.

 O (a) companheiro (a) do (a) segurado (a) figura no rol dos dependentes para fins de recebimento da pensão por morte:
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; "
No que concerne à qualidade de companheira, a Constituição da República vigente, de 1988,  reconhece, no seu art. 226 e respectivo §3º,  a união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, e o referido dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 9.278/96, que assim dispõe:
"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição da família.".
Por seu turno, no âmbito do RGPS, a Lei 8.213/91 assim define o (a) companheiro (a): 
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. ".
Note-se que mencionada Lei não faz referência à união estável entre "homem e mulher", mas apenas à união estável "com o segurado ou com a segurada", mas se reporta ao referido § 3º do art. 226 da Constituição. 
Todavia, interpretando o art. 1.732 do Código Civil do Brasil conforme com a vigente Constituição da República, o Plenário do Suprem Tribunal Federal consolidou o entendimento de que pessoas do mesmo sexo podem constituir união estável, verbis:
"Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO.
1. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir "interpretação conforme à Constituição" ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de "promover o bem de todos". Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana "norma geral negativa", segundo a qual "o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido". Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da "dignidade da pessoa humana": direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO "FAMÍLIA" NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão "família", não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por "intimidade e vida privada" (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE "ENTIDADE FAMILIAR" E "FAMÍLIA". A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia "entidade familiar", não pretendeu diferenciá-la da "família". Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado "entidade familiar" como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por ela adotados", verbis: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. ".
(ADPF 132, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001[1]) (Grifei).
2.2.3 - Tecidas essas premissas gerais, passo ao exame do pedido de tutela de urgência.

Cumpre verificar a satisfação dos requisitos legais pela parte autora. 

O evento morte de Maria das Neves Couceiro Lins ocorrido em 06/09/2014 está comprovado pela certidão de óbito (Id. 4058300.8830679).

A qualidade de segurada de Maria das Neves Couceiro Lins está demonstrada, pois a falecida era titular de benefício previdenciário de Aposentadoria por Tempo de Contribuição (Id. 4058300.8830703).

A controvérsia versa sobre a existência de união estável entre a parte autora e a falecida até a data do óbito.

Com a finalidade de comprovar a união estável com a falecida, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais destaco:
 1-  Conta conjunta em nome de Maria das Neves Couceiro Lins e/ou Jaira Dourado Cavalcanti aberta em 02/07/1985 com registro de movimentação em julho de 1987;

2-  Maria das Neves Couceiro Lins figurou como responsável por despesas médicas referentes a atendimentos médicos prestados a Jaira Dourado Cavalcanti em 12/03/2014; e

3-  Sentença que declarou a união estável entre a Autora e Maria das Neves Couceiro Lins, proferida nos autos processo tombado sob o nº 049512-76.2015.8.17.0001, que tramitou perante 4º Vara de Família da Capital, e que foi confirmada pelo E. TJPE em sede de recurso de Apelação.
Pois bem, dos documentos trazidos aos autos há fortes indícios da relação de união estável havida entre a Autora e a Srª Maria das Neves Couceiro Lins, entretanto, não se pode concluir da prova documental que a união estável tenha perdurado até a data do óbito; afinal, a jurisprudência do E. STJ é firme no sentido de que a aferição da qualidade de dependente ao benefício de pensão por morte deve ser aferida no momento do óbito, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE FILHA MAIOR INVÁLIDA. INCAPACIDADE. AFERIÇÃO NO MOMENTO DO ÓBITO. JURISPRUDÊNCIA REMANSOSA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a aferição da qualidade de dependente do postulante ao benefício pensão por morte deve ser aferida no momento do óbito.

2. O Tribunal de origem, soberano na análise das provas, consignou que a invalidez é anterior ao óbito do instituidor da pensão por morte.

3. Nesse sentido, os argumentos utilizados para fundamentar a pretensão trazida no recurso especial somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame de matéria fática, o que é vedado ante o óbice da Súmula 7/STJ.

4.. Agravo regimental não provido.".

(AgRg nos EDcl no AREsp 821.543/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 26/04/2016[2])
 Saliento que, embora a coabitação não seja um requisito para o reconhecimento da união estável, pode constituir um relevante indício, o que, pela leitura da r. Sentença e do v. Acórdão, não ocorria com a Autora e a falecida Maria das Neves Couceiro Lins, o que poderá ser esclarecido durante a fase instrutória, sobretudo na audiência de instrução a ser realizada no momento oportuno.

Com essas considerações, reputo ausente, neste momento processual, o requisito da probabilidade do direito alegado, pois, embora os documentos trazidos pela Autora sirvam de início de prova material, e apesar de os argumentos explanados mostrarem-se relevantes, a constatação da união estável e que a dita união perdurou até a data do óbito  requer dilação probatória a fim de se proceder a uma análise mais acurada dos fatos, não comportando decisão in limine

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto:

3.1- concedo à parte autora, provisoriamente, os benefícios da Justiça Gratuita e a prioridade de tramitação processual por ser idosa;

3.2 - indefiro o pedido de tutela de urgência;

3.3 - cite-se o INSS e o intime para apresentar a íntegra do processo administrativo de concessão de pensão da Autora, bem como para informar acerca de dependente habilitado à pensão deixada pela falecida Maria das Neves Couceiro Lins.

Int.

Recife, 10.12.2018


Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(rmc)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Médica Especialista Latu Sensu em Medicina do Trabalho x Médica Especialista em Medicina do Trabalho, à luz das Resoluções do Conselho Federal de Medicina.

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 


Na decisão que segue, após acurado estudo de Normas do Conselho Federal de Medicina do Trabalho, realizado pela competente Assessora abaixo identificada e aprovado pelo Juiz da causa, chegou-se à conclusão que a Especialização latu sensu em medicina do trabalho não corresponde à Especialização em Medicina do Trabalho, obtida perante Entidade própria, para poder exercer esse importante ramo da medicina, que exige muita responsabilidade e exímia competência desse tipo de Profissional. 
Boa leitura. 


Texto pesquisado e minutado pela Assessora MARIA PATRICIA PESSOA DE LUNA.



PROCESSO Nº: 0817157-73.2018.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: T A C
ADVOGADO: J D C De S J
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 
DECISÃO

1. Relatório


T A C, qualificada na inicial, impetrou este "MANDADO DE SEGURANÇA" em face de ato atribuído ao Ilmo. Sr. Dr. Presidente do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco. Aduziu, em síntese, que: a Autoridade Impetrada teria negado a expedição de título de especialista em Medicina do Trabalho à Impetrante, com base nas Resoluções do CFM n° 1634/2002 (já revogada), 1799/2006 e 1960/2010 (dispõe sobre o Registro de Qualificação de Especialidade Médica em virtude de documentos e condições anteriores a 15 de abril de 1989); a Impetrante seria detentora de certificado de diploma de Pós-Graduação Lato Sensu / Especialização em Medicina do Trabalho, e devidamente inscrita do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE), de acordo com o art. 17 da Lei 3268/57; viria exercendo tal especialidade, sem qualquer oposição do Conselho, durante o período de 03/11/2008 a 02/01/2009, junto ao Centro Médico Otávio de Freitas, e, desde 15/01/2014, estaria exercendo junto às Indústrias Reunidas Raymundo da Fonte S/A, sendo Médica Coordenadora do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) desde 07/08/2014 e a responsável técnica do Ambulatório para todos os efeitos legais desde 14/04/2017; a partir de Dezembro do corrente ano, passaria a viger nova norma regulamentadora (portaria Mtb n. 2018/2014 (nova NR-4)), emitida pelo Ministério do Trabalho, cujo teor vai de encontro ao mencionado art. 17, tendo em vista que passará a exigir Registro de qualificação de especialista em Medicina do Trabalho aos médicos com função de coordenar PCMSOs, por exemplo, função esta exercida pela Impetrante; a Impetrante, por vir exercendo a especialidade de Medicina do Trabalho haveria uma década faria jus ao registro dessa especialidade perante o Conselho Regional de Medicina, de forma a garantir o exercício de sua atual função - a qual exerceria legalmente desde 2014 - não obstante a referida nova exigência da Portaria do Ministério do Trabalho.Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Pugnou, ao final: "a) A concessão do pedido de TUTELA DE URGÊNCIA, em favor da impetrante, inaudita altera parte, a fim de conceder, desde já, a segurança no sentido de determinar que a autoridade coatora realize a expedição de título de especialista da impetrante em Medicina do Trabalho, evitando a consumação do dano". Deu valor à causa. Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a fundamentar e a decidir.


2. Fundamentação


2.1 Do pedido de medida liminar

A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).

O presente mandado de segurança objetiva que a Autoridade apontada como coatora "realize a expedição de título de especialista da impetrante em Medicina do Trabalho" no Conselho Regional de Medicina.

No caso concreto, tenho por não caracterizada a presença do fumus boni juris, eis que, prima facie, não se reveste de ilegalidade o ato apontado como coator do Ilmo. Sr. Dr. Presidente do CREMEPE, que indeferiu o pedido da Impetrante para fins de registro da especialidade em Medicina do Trabalho naquele Conselho Regional de Medicina, decisão essa calcada nas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM n° 1634/2002, 1799/2006 e 1960/2010), uma vez que não compete aos Conselhos Regionais de Medicina registrarem o certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação lato sensu.

Dispõe a Resolução CFM nº 1799/2006, verbis:

"O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e

CONSIDERANDO a Lei n° 3.268, de 1957, que prevê que os médicos devem registrar seus títulos de especialistas nos CRMs;

CONSIDERANDO a Norma Regulamentadora n° 4 do Ministério do Trabalho, com redação dada pela Portaria Tem/SST n° 11, de 17 de setembro de 1990, que em seu item 4.4.1, alínea b, dispõe: "4.4.1 Para fins desta Norma Regulamentadora, as empresas obrigadas a constituir Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho deverão exigir dos profissionais que os integram, comprovação de que satisfazem os seguintes requisitos: (...), b) Médico do Trabalho - médico portador de certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, ou portador de certificado de residência médica em área de concentração em saúde do trabalhador ou denominação equivalente, reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica, do Ministério da Educação, ambos ministrados por universidade ou faculdade que mantenha curso de graduação em medicina";

CONSIDERANDO o Convênio Associação Médica Brasileira/Conselho Federal de Medicina/Comissão Nacional de Residência Médica, publicado em 8 de maio de 2002 e regulamentado pelo art. 1° da Resolução CFM n° 1.634, de 29 de abril de 2002, que estabelece critérios para o reconhecimento e denominação de especialidades e áreas de atuação na Medicina, e a forma de concessão e registro de títulos;

CONSIDERANDO ser vedada ao médico a divulgação de especialidade ou área de atuação não reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina ou pela Comissão Mista de Especialidades, conforme determina o art. 4° da Resolução CFM n° 1.634, de 2002;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária do dia 11 de agosto de 2006;

RESOLVE:
Art. 1° Não compete aos Conselhos Regionais de Medicina registrarem o certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação, definido na 1ª parte, alínea "b" do item 4.4.1 da NR-4, haja vista este certificado não conferir ao médico o título de especialista em Medicina do Trabalho.

Art. 2° Os médicos que atenderem as normas do Convênio AMB/CFM/CNRM terão seus títulos de especialista em Medicina do Trabalho registrados nos Conselhos Regionais de Medicina. Art. 3º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.".(G.N.)

Por sua vez, o convênio de reconhecimento de especialidades médicas firmado entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), firmado nos termos da acima referida Resolução CFM nº 1.634/2002, alterada pela Resolução CFM nº 1.970/2011, estabelece que o título de especialista deve ser obtido por meio das sociedades das respectivas especialidades, filiadas à Associação Médica Brasileira - AMB:

"O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e a Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, que altera Lei nº 3.268/57, e,

CONSIDERANDO que o objeto deste convênio visa disciplinar e uniformizar a nomenclatura de especialidades médicas e suas áreas de atuação;

CONSIDERANDO que são polos distintos a conferir os certificados, um deles decorrente da competência da Comissão Nacional de Residência Médica do MEC e outro da Associação Médica Brasileira e seus departamentos (sociedades) de especialidade;

CONSIDERANDO que tais competências não se confundem quer quanto às estratégias de formação quer quanto à forma de avaliação e outorga do certificado;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária realizada em 8 de junho de 2011,

RESOLVE:

Art. 1º O artigo 3º da Resolução CFM nº 1.634, de 11 de abril de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 3º Fica vedada ao médico a divulgação de especialidade ou área de atuação que não for reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina".

Art. 2º As alíneas "a", "b" e "c" da Cláusula Primeira, do Objeto, do Convênio AMB/CFM celebrado na Resolução CFM nº 1.634, de 11 de abril de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

a.    CNRM - Credenciar, autorizar, avaliar e fiscalizar o funcionamento dos programas de Residência Médica, conferindo seus certificados;

b.    AMB - Orientar as suas sociedades de especialidade e fiscalizar a forma de concessão de títulos e certificados emitidos pelas mesmas e em conformidade com este convênio;

c.    CFM - Registrar os títulos e certificados emitidos na forma da lei e deste convênio.".(G.N.)

Da análise dos documentos acostados à inicial, observo que a Impetrante, apesar de comprovar ter concluído o curso de Pós-graduação Lato Sensu / Especialização em Medicina do Trabalho no ano de 2009 (id. nº 4058300.8902421), não faz prova de que tenha apresentado para fins de registro no CREMEPE, ora Impetrado, o "título de especialista", nos termos das supratranscritas resoluções do CFM.

Especialização latu sensu, prima facie, não corresponde ao título de especialista, na forma das regras acima transcritas das Resoluções do  referido Conselho Federal de Medicina.
Essa situação afasta, a existência do fumus boni iuris e, consequentemente, a possibilidade de conceder-se a pretendida medida liminar. Ausente esse pressuposto  desnecessária a análise da presença do periculum in mora, tendo em vista que a concessão do provimento demanda a concomitância desses pressupostos.


3. Dispositivo


Posto isso:

3.1 - Indefiro o pedido de medida liminar.

3.2 - Notifique-se a DD Autoridade apontada como coatora, na forma e para os fins do  inciso I do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.3 - Outrossim, determino que o Órgão de representação judicial do mencionado Conselho seja cientificado desta decisão, para os fins do inciso II do art. 7º da mencionada Lei.

3.4 - No momento oportuno, ao Ministério Público Federal - MPF para, querendo, apresentar o r. parecer legal.
Cumpra-se.

Intime-se.

Recife, 03.12.2018.
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE.

MPPL


(PL)

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

VALOR DOS SERVIÇOS DE CAPATAZIA, NO PORTO DE DESTINO, NÃO ENTRA NA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, CONFORME ACORDO DE VALORAÇÃO ADUANEIRA - AVA, DO QUAL O BRASIL É SIGNATÁRIO.

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 
Os Tratados e Acordos Internacionais, aprovados pelo Congresso Nacional via Decreto Legislativo, e publicados pelo Poder Executivo via Decreto, modificam o direito positivo interno e não podem ser modificados por Instruções Normativas do Secretário da Receita Federal do Brasil. 
O Acordo de Valoração Aduaneira - AVA, do qual o Brasil é signatário, afasta a incidência do Imposto de Importação sobre o valor dos serviços de capatazia no Porto de destino. 
Concessão da tutela provisória de urgência de antecipação, afastando aplicação  de Instrução Normativa do Secretário da Receita Federal do Brasil, pela qual se pode exigir mencionado imposto sobre o valor dos serviços de capatazia no Porto brasileiro, quando da internalização da mercadoria importada, porque se choca com as regras do referido Acordo Internacional. 
Boa leitura da decisão infra, na qual esse assunto é debatido. 


PROCESSO Nº: 0817179-34.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: FMM P C A LTDA.
ADVOGADO: A L De O
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



D E C I S Ã O


1. Breve Relatório


FMM PERNAMBUCO COMPONENTES AUTOMOTIVOS LTDA, qualificada na Inicial, ajuizou esta   AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face da UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL). Aduziu, em síntese, que: para o desenvolvimento de suas atividades industriais e comerciais, a Autora importaria mercadorias por diversos portos do Brasil, estando sujeita à incidência do Imposto de Importação em suas operações; a entrada da mercadoria no território nacional seria a materialização da hipótese de incidência do Imposto de Importação, tributo cuja base de cálculo seria definida por tratado internacional denominado Acordo de Valoração Aduaneira ("AVA"), internalizado no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo 30/94 e cuja execução é determinada pelo Decreto 1.355/94; entretanto, a IN SRF 327/03,  da Secretaria da Receita Federal do Brasil, pela qual se regulamentou a legislação relativa à cobrança do imposto de importação no Brasil, estaria contradizendo o disposto no AVA, por determinar que as despesas de capatazia no destino sejam incluídas no Valor Aduaneiro; pelo disposto no Acordo de Valoração Aduaneira, o valor da capatazia na origem seria parte integrante do Valor Aduaneiro; no entanto, a capatazia executada no destino, não poderia integrar o Valor Aduaneiro para fim de tributação do Imposto de Importação, conforme expressamente estabelecido no AVA; o O STJ já teria pacificado a discussão sobre a matéria, conforme precedentes ali citados; o entendimento firmado pela Egrégia Corte imporia a aplicação do AVA, afastando a IN/SRF no que lhe contradiz, concluindo pela exclusão da capatazia no porto de destino; o E Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região já comungaria do entendimento do STJ, não havendo qualquer divergência por parte das Turmas responsáveis pelo julgamento a matéria; o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região já teria pacificado o tema em questão, sendo objeto de Súmula 92 ali transcrita;  seria o caso de se conceder a tutela de urgência, para reconhecer a ilegalidade do art. 4°, § 3°, da IN SRF 327/03, eis que resultaria na ilegal majoração do Imposto de Importação por ato infraconstitucional, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, afastando imediatamente a incidência tributária indevida. Pugnou, ao final, fosse reconhecido o indébito tributário e o direito da Autora à repetição dos valores indevidamente recolhidos nos 5 (cinco) anos anteriores à distribuição da presente Ação. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.

Passo a fundamentar e a decidir.


2. Fundamentação


Para a concessão da tutela de natureza cautelar, como medida de urgência, faz-se mister a presença concomitante dos requisitos da aparência do bom direito e do receio de dano irreparável - artigo 300 do NCPC.

O cerne da questão consiste em saber se o valor pago a título de despesas de "capatazia", armazenamento e quaisquer outras ocorridas após a chegada do navio a porto brasileiro devem ou não compor o valor aduaneiro (base de cálculo do Imposto de Importação - II, PIS-Importação, COFINS-Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI).

Nesse contexto, transcrevo, de início, o inciso I, do § 1º, do artigo 40 da Lei nº 12.815/2013, atual Lei dos Portos, que define o trabalho portuário de "capatazia":   

I - capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário

Transcrevo, outrossim, o artigo 8º do Decreto nº 1.355/94 (Acordo de Valoração Aduaneira) e o artigo 77 do Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), que define quais despesas integram o valor aduaneiro:

"Art. 8

(...)

2. Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo em parte, dos seguintes elementos:

(a) o custo do transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação;

(b) os gastos relativos ao carregamento, descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação; e

(c) o custo do seguro

(...)."

 "Art. 77.  Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 8, parágrafos 1 e 2, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 1994; e Norma de Aplicação sobre a Valoração Aduaneira de Mercadorias, Artigo 7o, aprovado pela Decisão CMC no 13, de 2007, internalizada pelo Decreto no 6.870, de 4 de junho de 2009): (Redação dada pelo Decreto nº 7.213, de 2010).

I - o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;

II - os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e

III - o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II. 


Infere-se da leitura dos dispositivos acima transcritos que os gastos passíveis de inclusão no valor aduaneiro, para fins de definição do valor do imposto, são aqueles despendidos com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas  "até o porto ou local de importação".

A Instrução Normativa nº 327/03, da SRF, por sua vez, refere-se a valores relativos à descarga das mercadorias importadas, já no território Nacional. Referida IN estabelece que "os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro". Transcrevo, para tanto, o § 3º do seu art. 4º:

"Art. 4º Na determinação do valor aduaneiro, independentemente do método de valoração aduaneira utilizado, serão incluídos os seguintes elementos:

I - o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;

II - os gastos relativos a carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas, até a chegada aos locais referidos no inciso anterior; e

III - o custo do seguro das mercadorias durante as operações referidas nos incisos I e II.

[...]

§ 3º Para os efeitos do inciso II, os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada."



Da leitura do conceito de "capatazia" acima transcrito, depreende-se que a realização dos referidos serviços ocorrem em momento posterior à chegada da mercadoria, já no porto situado no território nacional.
Neste diapasão, penso que o artigo 4º, §3º, da Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao determnar a inclusão, no valor aduaneiro, das despesas de "capatazia" em território nacional, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09.

 Neste sentido, transcrevo os seguintes precedentes:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS COM MOVIMENTAÇÃO DE CARGA ATÉ O PÁTIO DE ARMAZENAGEM (CAPATAZIA). INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE.

1.     O STJ já decidiu que "a Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado" (REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro Benedito 2. Agravo Regimental não provido. (REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4.11.2014). 1434650/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 30/06/2015)



TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESA DE CAPATAZIA. ART. 4º, PARÁGRAFO 3º, DA IN SRF 327/2003. IMPOSSIBILIDADE. ADOÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃOPER RELATIONEM. APELAÇÃO IMPROVIDA.

- Cinge-se a presente controvérsia em torno da legalidade da IN nº 327/2003 da SRB, à luz do disposto no Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, que permitiu a inclusão no cálculo do valor aduaneiro relativo às mercadorias importadas pela impetrante, de custos referentes à capatazia, ou seja, relacionados ao trabalho de carregamento, descarregamento, manuseio e armazenagem de cargas no Porto de Suape/PE, ainda que representem despesas ocorridas em momento posterior a chegada do navio no respectivo porto.

- A SRB, ao editar a IN n.º 327/2003 possibilitando a inclusão no valor aduaneiro de gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional, extrapolou os limites estabelecidos legalmente, na medida em que, tanto o GATT, como o Decreto n.º 6.759/09, somente permitem a incidência de tais custos, para fins de composição da base de cálculo do imposto de importação, quando representarem despesas incorridas até a chegada do navio no respectivo porto.

- Precedente do eg. Superior Tribunal de Justiça: REsp 1239625/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 04/11/2014.

- Apelação e remessa oficial improvidas.

(PROCESSO: 08000672120154058312, APELREEX/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO), 4ª Turma, JULGAMENTO: 20/08/2015, PUBLICAÇÃO:  )



"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS DE CAPATAZIA. INCLUSÃO.IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se o valor pago pela recorrida ao Porto de Itajaí, referente às despesas incorridas após a chegada do navio, tais como descarregamento e manuseio da mercadoria (capatazia), deve ou não integrar o conceito de "Valor Aduaneiro", para fins de composição da base de cálculo do Imposto de Importação. 2. Nos termos do artigo 40, § 1º, inciso I, da atual Lei dos Portos (Lei 12.815/2013), o trabalho portuário de capatazia é definido como "atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário". 3. O Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto 6.759/09, ao mencionar os gastos a serem computados no valor aduaneiro, referem-se à despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado. A Instrução Normativa 327/2003, por seu turno, refere-se a valores relativos à descarga das mercadorias importadas, já no território nacional. 4. A Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado. 5. Recurso especial não provido". (REsp 1239625/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 04/11/2014) "TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS COM MOVIMENTAÇÃO DE CARGA ATÉ O PÁTIO DE ARMAZENAGEM (CAPATAZIA). INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE. 1. O STJ já decidiu que "a Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado" (REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4.11.2014). 2. Agravo Regimental não provido". (AgRg no REsp 1434650/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 30/06/2015) Presentes tanto a probabilidade do direito, haja vista a majoração da base de cálculo do imposto, decorrente de norma infralegal que desrespeitou os limites estabelecidos pelo Acordo de Valoração Consular e pelo Decreto 6.759/09, qualificada pela urgência da medida, vez que o retardo na liberação de bens e mercadorias ordinariamente comercializados pelas recorrentes, acarretaria óbice à regular continuidade do exercício empresarial. Ante o exposto e com fundamento nos artigos 294 e 300, c/c o art. 932, inciso II, do novo Código de Processo Civil, CONCEDO EM PARTE A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL, para determinar que as agravadas recolham os impostos que incidem sobre a importação (Imposto de Importação - II, PIS-Importação, COFINS-Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI), excluindo-se da base de cálculo as despesas de capatazia, ocorridas após a chegada do navio aos portos, bem como para determinar que sejam desembaraçadas as mercadorias importadas, mediante CAUÇÃO em espécie, no valor aduaneiro e demais encargos, a ser realizada na Ação Ordinária nº 13935-68.2016.4.01.3400, cuidando o MM. Juízo de primeiro grau das pertinentes diligências que se façam necessárias ao cumprimento desta decisão. Comunique-se. Vista à agravada para contrarrazões. Intime-se. Diligências legais. Após, voltem-me conclusos. Brasília, 20 de maio de 2016. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES RELATOR


Presente, assim, a aparência do bom direito.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também está evidente  ante a possibilidade de vir a demandante a ser autuada em razão do não recolhimento do tributo nos moldes exigidos.

Sendo assim, o deferimento da tutela de urgência é medida que se impõe.


3. Dispositivo


Diante de todo o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, no sentido de determinar a imediata suspensão da exigência do recolhimento do Imposto de Importação sobre o valor dos serviços de capatazia do Porto de destino, qual seja, do Porto aqui no Brasil e determino, por consequência,  que a UNIÃO, por seu Órgão próprio,  abstendo-se da aplicação do do § 3º do art. 4° da IN SRF 327/03, providenciando para que não se exija, nas importações efetuadas pela Autora, incidência do Imposto de Importação sobre mencionado valor com despesas de capatazia, sob as penas da Lei.

Considerando tratar-se de matéria em que não se admite a autocomposição, deixo de determinar a realização de audiência de conciliação (artigo 334, parágrafo quarto, inciso II, do Código de Processo Civil).

Cite-se a UNIÃO, na forma e para os fins legais, e a intime para cumprir o acima determinado, sob as penas da Lei.
Finalmente, proceda a Secretaria às anotações pertinentes, uma vez que inexiste a prevenção acusa pelo sistema PJE.

Cumpra-se, com urgência.
Intimem-se.

Recife, 29.11.2018

Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE


(lsc)