segunda-feira, 6 de julho de 2015

"DESAPOSENTAÇÃO" DO INSS E APROVEITAMENTO DO TEMPO E DAS CONTRIBUIÇÕES PARA NOVA APOSENTADORIA NO ESTADO DE PERNAMBUCO. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ENTRE OS SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
 
O Segurado aposentado no INSS que inicia atividade no serviço público direto da União, do Estado ou do Município tem direito de cancelar aquela aposentadoria para aproveitar o respectivo tempo e as respectivas contribuições no novo vínculo de emprego estatutário, para aposentar-se por esse novo vínculo. Os sistemas previdenciários, segundo regras da Constituição e Legais, compensam-se, via encontro de contas.
A Sentença que segue trata desse assunto.
Boa leitura.
 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA


Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Junior

Processo nº 0015266-94.2011.4.05.8300 Classe 29  Ação Ordinária

Autor: A T DE S
Advogado: F A B G de M, OAB/PE ...

Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS E OUTRO

Procurador Federal, Procurador do Estado

 

Registro nº

Certifico que eu, ___________________, registrei esta Sentença às fls. ____________.

Recife, ____/____/2015

 

Sentença tipo A

 

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE OPÇÃO DO SEGURADO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA DO INSS. CONTAGEM DO TEMPO PERANTE O ESTADO DE PERNAMBUJCO, PARA OBTENÇÃO DE NOVA APOSENTADORIA PERANTE ESTE E RESPECTIVA FUNDAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. POSSIBILIDADE.

 

 

1 - Relatório

 

A T DE S, qualificada na petição inicial, propôs esta ação ordinária de desaposentação contagem recíproca do tempo de serviço em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS e do ESTADO DE PERNAMBUCO. Alegou, em síntese, que: a) é aposentada, por tempo de contribuição, junto ao INSS, e percebe os seus proventos por meio do benefício de nº 42/106.694.824-8, no valor mensal de R$ 1.723,15; b) paralelamente à sua condição de aposentada pelo INSS, é ocupante do cargo de Técnico Judiciário-TJP, lotada na Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, com matrícula de nº 176202-8, com a percepção de vencimentos fixos na ordem de R$ 3.393,63; c) por não possuir tempo de contribuição suficiente para a aposentadoria pelo Estado de Pernambuco/Tribunal de Justiça necessitaria da contagem do tempo de serviço que foi prestado e utilizado para obtenção de sua aposentadoria previdenciária; d) diante da impossibilidade da contagem de tempo de serviço para a obtenção de mais de uma aposentadoria sob o mesmo regime ou regimes distintos formulou, administrativamente perante o INSS, pedido de cancelamento do seu benefício; e) o pedido formulado foi indeferido sob o fundamento de que “de acordo com o art. 181-B do Decreto 3.048, de 06.05.1999, as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial, concedidas pela Previdência Social, na forma deste regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis (incluído pelo Decreto nº 3.265, de 1999)”. Diante da incerteza de que, obtido o cancelamento de sua aposentadoria previdenciária, o respectivo tempo de contribuição será acatado plenamente pelo Estado de Pernambuco/Tribunal de Justiça de Pernambuco, propôs a presente ação para satisfação da pretensão e realização do direito que lhe cabe como titular no sentido de obter, junto ao INSS e o Estado de Pernambuco/TJPE, o cancelamento da aposentadoria previdenciária, perante aquele, e, a contagem do respectivo tempo de contribuição para fim da aposentadoria estatutária que faz jus. Teceu outros comentários. Juntou precedentes jurisprudenciais. Deu valor à causa. Ao final, requereu a citação dos Requeridos. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

R. despacho que determinou a citação (fl. 30).

O INSS apresentou contestação às fls.31-40 e documentos de fls. 41-44. No mérito, que o ato de concessão de aposentadoria encontra-se pronto, acabado e sem vício, sendo, dessa forma um ato jurídico perfeito nos termos do §1º do art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[1], motivo pelo qual a Autarquia-ré não pode ser compelida a desfazê-lo sob o argumento foi aquém das expectativas do beneficiário; que o INSS pode optar pela manutenção da aposentadoria diante do poder/dever da Administração de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social; que esse ato (desaposentação) implicará em futuro prejuízo aos cofres públicos, ao se ver obrigado a arcar com um benefício de maior monta, tendo a parte Autora, a mesma expectativa de sobrevida; que o benefício é irrenunciável, não havendo como vislumbrar vícios no ato da parte Autora, pelo fato de estar em pleno gozo da capacidade civil; que em obediência ao princípio da legalidade cabe ao administrador fazer apenas o que a lei determina e, diante da ausência de previsão legal, o INSS não pode cancelar a aposentadoria; que o direito à aposentadoria integra uma rede de proteção social, compulsória, que o estado mantém em proveito do cidadão, de tal sorte que não é um direito patrimonial, disponível ou renunciável. Ao final, requereu que a ação seja julgada totalmente improcedente, com a condenação da parte Autora em custas e honorários advocatícios.

A parte Autora requereu a juntada do comprovante de recolhimento das custas judiciais (fls. 45-46).

Cópia da contestação às fls. 48-54 e documentos de fls. 55-58.

O Estado de Pernambuco apresentou contestação às fls. 67-78. Em preliminar arguiu a ilegitimidade passiva ad causam et ad processum do Estado de Pernambuco e esclareceu que a competência para gerir o Sistema Previdenciário Estadual é da FUNAPE – FUNDAÇÃO DE APOSENTADORIA E PENSÕES DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO, nos termos do art. 3º, §1º, da Lei Complementar Estadual nº 28/2000. Em prejudicial de mérito, a decadência do direito de revisão de ato de aposentadoria, e que o cancelamento do benefício previdenciário de aposentadoria não gozaria de previsão normativa (uma criação jurídica com base na premissa que a aposentadoria é um direito patrimonial disponível, que permitiria a renúncia de seu titular). No mérito, que a renúncia do benefício de aposentadoria com fundamento em direito patrimonial disponível somente se tornaria lógica quando todos os elementos substantivos do direito renunciado pudessem ser tidos como renunciados em conjunto. Ao final pugnou pela improcedência do pedido autoral.

A parte Autora apresentou réplica às contestações, oportunidade na qual refutou os argumentos apresentados e reiterou os termos de sua petição inicial (fls. 82-91.

Despacho que determinou a suspensão do andamento do feito até que o E. STJ decida quanto à uniformização da jurisprudência (fl. 92-92v).

A parte Autora requereu o julgamento dos autos conforme estado do processo (fls. 110-112).

Decisão que acolheu, em parte, a preliminar de defesa do ESTADO DE PERNAMBUCO, não para afastá-lo, do polo passivo, mas para determinar que a parte Autora indicasse para o polo passivo, como litisconsorte necessária, a FUNDAÇÃO DE APOSENTADORIAS E PENSÕES DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO - FUNAPE; rejeitou a preliminar de decadência do direito, levantada na defesa do ESTADO DE PERNAMBUCO (fl. 117-117v).

A parte Autora, em cumprimento à decisão de fl. 117-117v, requereu a citação da FUNAPE (fl. 119).

O ESTADO DE PERNAMBUCO noticiou a interposição de agravo retido (fls. 136-138).

R. decisão que determinou a citação da FUNAPE – FUNDAÇÃO DE APOSENTADORIAS E PENSÕES DOS SERVIDORES DO ESTADO DE PERNAMBUCO, e determinou a intimação da parte Autora para falar sobre o agravo retido (fl. 139).

A parte Autora apresentou contrarrazões ao agravo retido (fls. 141-144).

Certificado a ausência da apresentação de contestação pela FUNAPE (fl. 148v).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2 – Fundamentação

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, eis que prescinde de dilação probatória.

2.1 – Matérias Preliminares

Examinemos as questões de cunho preliminar.

2.1.1 – FUNAFIN, FUNAPE E ESTADO DE PERNAMBUCO

Inicialmente, esclareça-se que todo Servidor do Estado de Pernambuco tem descontado dos seus vencimentos 13,5%(treze e meio por cento), a título de contribuição previdenciária para o FUNAFIN, e o Estado de Pernambuco recolhe por cada Servidor, para o mesmo fundo,  27%(vinte e sete por cento), num total de 40,5%(quarenta e meio por cento). Esse fundo previdenciário financia as aposentadorias e pensões dos servidores públicos do mencionado Estado.

A FUNAPE– Fundação de Aposentadorias e Pensões do Estado de Pernambuco é a gestora desse Fundo e é quem paga as aposentadorias e pensões dos mencionados Servidores.

 O servidor em licença sem vencimento tem a opção de contribuir para o FUNAFIN, contando tempo para a aposentadoria. Neste caso, deverá recolher 40,5% sobre a remuneração do cargo. Este percentual é a soma das contribuições do servidor (13,5%) e do Estado (27%). Vale ressaltar que, se o servidor atrasar o recolhimento por mais de três meses, o vínculo com o fundo será cancelado, não contando este período para a aposentadoria.[2]

2.1.2 – Legitimidade Passiva ad causam do Estado de Pernambuco e da FUNAPE

Na decisão de fls. 117-117vº, deixou-se para apreciar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Estado de Pernambuco, depois da contestação da referida Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco – FUNAPE.

Todavia, mencionada Fundação, regularmente citada, conforme certidão de fl. 148, não apresentou contestação.

Em face do consignado no subtópico “2.1.1” supra, tenho que não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Estado de Pernambuco, porque, embora os benefícios previdenciários dos seus Servidores sejam pagos pela FUNAPE, enquanto o Servidor mantém vínculo com esse Estado é ele obrigado a recolher 27%(vinte e sete por cento)do valor dos vencimentos que lhe paga, a favor desse Servidor, para o FUNAFIN, para futuro custeio dos seus benefícios previdenciários, administrados e pagos pela FUNAPE.

Portanto, tem o Estado de Pernambuco interesse nesta demanda, porque, mesmo que a Autora venha a obter a aposentadoria, no Estado de Pernambuco,  mais cedo(desde que se conte o tempo no qual contribuiu para o INSS), o referido Estado, embora venha a ficar desobrigado de recolher os referidos 27%(vinte e sete por cento)ao mês, deverá realizar encontro de contas com o INSS, visando o repasse deste para o FUNAFIN das contribuições que a ora Autora pagou à mencionada Autarquia Federal, uma vez que a sua aposentadoria será suportada pela FUNAPE.

Aliás, esse encontro de contas dos sistemas previdenciários, para as devidas compensações, encontra-se expresso na Constituição da República e na Lei nº 8.213, de 24.07.1991, que trata das aposentadorias e pensões pagas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. [3]

Assim, tenho que não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Estado de Pernambuco, devendo ser mantido no polo passivo desta ação, juntamente com a FUNAPE, porque ambos têm interesse na demanda.   

2.1.3 – Impossibilidade Jurídica do Pedido

Esta preliminar foi levantada, indiretamente, na defesa do Estado de Pernambuco. 

Reza o inciso III do art. 96 da Lei Federal nº 9.213, de 1991:

  “Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

   I – (...);

   II – ( ...);

    III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de   aposentadoria pelo outro;”. 

Esse dispositivo legal, aparentemente, veda o pleito da Autora, pelo que haveria impossibilidade jurídica do pedido.

Mas a Autora quer, previamente, o cancelamento da aposentadoria obtida perante o INSS, para depois poder utilizar o respectivo tempo e as respectiva contribuições(pelo sistema de compensação, examinado no subtópico anterior)no Estado de Pernambuco e obter aposentadoria no serviço público deste, do qual é Servidora do respectivo Tribunal de Justiça, obviamente à luz da sua legislação, logo via a sua FUNAPE.

Então, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, porque o mérito consiste em se saber se procede ou não o pleito da Autora: ou seja, se cabe a pretendida “desaposentação” perante o INSS e obtenção, perante o Estado de Pernambuco, de aposentadoria mais vantajosa.

2.1.4 – A Revelia da FUNAPE

Como a Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco - FUNAPE não apresentou contestação, conforme certificado à fl. 148v, decreto a sua revelia, sem os seus respectivos efeitos legais, à luz do que dispõe o art. 320, inciso II, do CPC. 

2.2 -  Do mérito

A matéria a ser dirimida diz respeito à possibilidade de renúncia a benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição perante o INSS, com aproveitamento do respectivo tempo para fins de expedição de certidão de tempo para contagem recíproca junto ao regime estatutário ao qual a parte Autora se encontra vinculado, perante o Estado de Pernambuco.

A renúncia à aposentadoria por tempo de serviço, a chamada “desaposentação”, quando ocorre para fins de percepção de uma nova aposentadoria, mais vantajosa, perante outro Ente diverso daquele que lhe concedeu a aposentadoria(o INSS), tem sido admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça-STJ, porque inexiste Lei que autorize à instituição Previdenciária(o INSS)a compelir o Segurado a continuar aposentado.

Nesse sentido, confira-se julgado do C. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC, NÃO CARACTERIZAÇÃO. DIREITO DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. EFEITOS EX NUNC. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO ENTRE OS REGIMES PREVIDENCIÁRIOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA. OBSERVÂNCIA AINDA DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.334.488/SC. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E NESSA PARTE PROVIDO.
1. (...).
2. Cinge-se a tese recursal no reconhecimento do direito à renúncia do benefício aposentadoria por tempo de serviço para fins de expedição de certidão de tempo para contagem recíproca junto ao regime próprio da União.
3. O recorrente aposentou-se por tempo de serviço, no Regime Geral de Previdência Social, em 19/2/1992, tendo computado 34 anos e 4 meses. Posteriormente, aprovado em concurso público, foi nomeado em 30/12/1993 para o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, hoje transformado no cargo de Auditor da Receita Federal do Brasil. Recebeu proventos do Regime Geral por 19 (dezenove) anos; está próximo de alcançar a aposentadoria compulsória no Regime Próprio.
4. A jurisprudência do STJ que se firmou no âmbito da Terceira Seção, ao interpretar a legislação em comento, é no sentido de que a abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada. Não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o consequente início de outra.
5. O STJ decidiu, em sede de representativo da controvérsia, ser possível renunciar à aposentadoria, objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado. Recurso Especial Repetitivo 1.334.488/SC.
6. Em observância da jurisprudência que vem se firmando no âmbito do STJ e também pela força vinculante do acórdão proferido em representativo da controvérsia, impõe-se o julgamento de procedência.
7. Recurso especial conhecido em parte e nessa parte provido, restabelecendo a sentença de primeiro grau.
(REsp 1401755/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014)”

Assim, a parte Autora tem o direito a renunciar a sua aposentadoria, seja  proporcional, seja integral, concedida pelo Regime Geral de Previdência Social(INSS), para ter o direito de ver computado, no Estado de Pernambuco, onde passou a ser Servidora por concurso público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada, não podendo a Administração do INSS, tampouco do Estado de Pernambuco, opor-se a tal pedido nem, tampouco, condicioná-la à restituição dos valores recebidos.[4]
 
A Autora não é obrigada a restituir ao INSS os valores que já recebeu da sua aposentadoria, porque para tanto fez os devidos pagamentos das respectivas contribuições no momento legal próprio, tendo pois havido o sinalagma perfeito(bilateralidade) e a respectiva comutatividade(proporção no que pagou e no que recebeu e ainda tem direito de receber), sendo que, como posteriormente o Estado de Pernambuco, por seu Fundo e por sua Fundação(a FUNDAPE), é que irá lhe pagar a aposentadoria como Servidora Estatutária, terá o direito de compensação dos valores das contribuições, conforme visto acima e relembrado na nota de rodapé 4 infra.  E, no sentido de que a ora Autora não tem que devolver ao INSS nenhuma parcela dos valores que já recebeu a titulo de proventos da aposentadoria que ora busca cancelar, verba essa de natureza efetivamente alimentar, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça-STJ, por sua 6ª Turma[5]. 

3 - Dispositivo 

Posto isso: 

3.1)            rejeito as matérias preliminares acima examinadas, reconheço a legitimidade passiva para esta causa do Estado de Pernambuco e da Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco – FUNAPE, pelo que mantenho ambos no polo passivo, ficando determinado, desde já, que a Secretaria deste Juízo, antes da publicação desta sentença, providencie a autuação dessa Fundação, no polo passivo, perante a Distribuição; 

3.2)            decreto a revelia da Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco – FUNAPE, sem os efeitos da confissão; 

3.3)            julgo procedente o pedido, condeno o INSS a cancelar o benefício de aposentadoria nº 42/106.694.824-8, relativo à aposentadoria concedida à Autora, sem desta exigir restituição dos valores já pagos a título de proventos de aposentadoria, e condeno o Estado de Pernambuco e a FUNAPE a computar o tempo de contribuição na atividade privada, quando as contribuições foram recolhidas para o INSS, para posterior aproveitamento no regime previdenciário dos Servidores do Estado de Pernambuco, ao qual se encontra atualmente vinculada a Autora, com lotação no Tribunal de Justiça desse Estado, cabendo a esse Estado e à FUNAPE cuidarem, na via administração, da respectiva compensação financeira entre os dois sistemas previdenciários. 

3.4)            Outrossim, condeno os Requeridos, pro rata,   a ressarcirem a Autoras do valor custas judiciais que recolheu(fl. 46)e a pagar aos respectivos Patronos desta honorários advocatícios que, à luz dos parâmetros do § 4º do art. 20 do vigente Código de Processo Civil – CPC, arbitro em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 

Atente a Secretaria deste Juízo para o final do subtópico “3.1” desta fundamentação.  

P.R.I. 

Recife, 06 de julho de 2015. 
 

Francisco Alves dos Santos Jr.
     Juiz Federal, 2ª Vara/PE

 




[1] Decreto-lei nº 4.657,de 04.09.1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
  “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.      (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.     (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
[3] Constituição da República Federativa do Brasil.
   “Art. 201 – (...).
    § 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”. 
   No mesmo sentido e em tom regulamentador, a Lei nº 8.213, de 24.07. 1991
   Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.         (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98).
§ 1o  A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou de serviço, conforme dispuser o Regulamento.       (Renumerado pela Lei Complementar nº 123, de 2006)
§ 2o  Não será computado como tempo de contribuição, para efeito dos benefícios previstos em regimes próprios de previdência social, o período em que o segurado contribuinte individual ou facultativo tiver contribuído na forma do § 2o do art. 21 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, salvo se complementadas as contribuições na forma do § 3o do mesmo artigo       . (Incluído pela Lei Complementar nº 123, de 2006).”
 
[4] Obviamente, quanto à parte financeira, como vimos acima, os sistemas compensar-se-ão na forma da legislação própria.
[5] REsp 557.231/RS, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 08/04/2008.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A INADIMPLÊNCIA DO MUNICÍPIO E SUAS CONSEQUÊNCIAS ADMINISTRATIVAS.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
Segue sentença que trata de importante assunto de Direito Constitucional, Direito Financeiro e Direito Administrativo, relativo a inadimplência de Município para com o Fundo Nacional de Educação-FNDE e a negativação do seu nome(do Município)perante o Cadastro Único de Convênios-CAUC, situação essa que o impede de firmar novos Convênios perante a administração pública federal, estadual e intramunicipal.
 
Boa leitura.
 
PROCESSO Nº: 0807618-25.2014.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: MUNICIPIO DE GOIANA
ADVOGADO: P G D DE R  (e outro)
RÉU: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR 
Sentença tipo A

Ementa:- DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONVÊNIO. NOME NO CAUC.

-O Município que sofre restrições no CAUC - Cadastro Único de Convênios, que não seja decorrente de dívidas relativas à saúde, educação e assistência social, não pode receber transferências voluntárias da União para realização de pavimentação em suas ruas.

-A expressão ação social do art. 26 da Lei nº 10.522, de 2002, não pode ser considerada, porque fere regra da Constituição da República e da Lei Complementar nº 101, de 2000. 

-As despesas apresentadas não se enquadram como despesas com assistência social.

-Improcedência.

1. Breve Relatório

O MUNICÍPIO DE GOIANA ajuizou a presente ação ordinária com pedido de antecipação de tutela em desfavor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE e da UNIÃO, alegando, em síntese, que: estaria inserido no CAUC-SIAFI em face de irregularidade no Convênio firmado e executado pela antiga gestão municipal junto ao Ministério da Educação (aquisição de veículo automotor para transporte escolar); o convênio firmado apresentaria irregularidades quanto à prestação de contas, conforme especificações constantes na Inicial; as pendências existentes teriam se originado na gestão do antigo chefe do Poder Executivo, que não teria executado a totalidade do objeto pactuado; o convênio tivera vigência iniciada em 19/10/2007 e finalizada em 19/10/2012; tais irregularidades teriam ocasionado a restrição visualizada no item 2.1 do CAUC; tais restrições no CAUC causariam sérios danos ao Município; tendo em vista a impossibilidade de o autor cumprir a pendência, teria providenciado que o real culpado pela restrição fosse responsabilizado pessoalmente, no caso o ex-prefeito Sr. Henrique Fenelon de Barros Filho, tendo tomado medidas nesse sentido, quais sejam, Notificação Extrajudicial; Abertura de Tomadas de Contas Especial; Inscrição do prejuízo na Dívida Ativa do Município; tais medidas teriam sido tomadas em razão da responsabilidade não ser do ente municipal, mas sim pessoal do chefe do Poder Executivo à época; que deveria ser dada a oportunidade de firmar novos convênios em razão da imediata retirada das restrições existentes no CAUC/SIAFI com relação ao convênio n. 654069; existiriam vários convênios que necessitariam ser assinados até o dia 30.12.2014, conforme propostas em anexo (doc.08); caso o município não estivesse regular na data final para realização dos atos necessários, tais recursos retornariam à União, gerando sérios riscos aos munícipes; pela impossibilidade atual em decorrência da restrição existente, a edilidade municipal não poderia ser beneficiada pela realização de novos convênios, exceto, conforme a Lei, os  relativos à educação, saúde e assistência social. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, para determinar que a parte ré, retirasse, no prazo máximo de 48h, do sistema CAUC/SIAFI e dos demais meios de restrições creditícias, as irregularidades impostas ao Município-Autor, com referência à pendência do Convênio n. 654069, firmado junto ao Ministério da Educação, bem como suspender qualquer medida coercitiva para a cobrança do débito.

Inicial instruída com procuração e documentos.

Em 29.12.14, o Juiz de Plantão, I B de C N, deferiu o pleito antecipatório.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE apresentou Contestação[1]. Aduziu, em síntese, que: tivera agido de acordo com o ordenamento jurídico vigente; o Município teria apenas promovido a abertura de uma Comissão Interna; os atos administrativos seriam vinculados; a inscrição do município estaria plenamente justificada; o novo gestor fora omisso ao não comprovar a propositura de ação judicial. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.

Desembargador Bruno L. C. Carra, TRF/5aªR, cassou  a acima noticiada decisão do Juiz Plantonista, que havia antecipado a tutela.[2].

É o relatório, no essencial.

2. Fundamentação

2.1. Ilegitimidade Passiva da UNIÃO

Observo, prefacialmente, que a União, apesar de regularmente citada, não apresentou Contestação.
Todavia, como o FUNDO NACIONAL DE EDUCAÇÃO-FNDE tem personalidade jurídica própria, porque constituído como Autarquia, e foi ele que firmou o convênio em questão com o Município, ora Autor, entregando a este recursos das suas receitas, tenho que a UNIÃO não tem interesse na lide, sendo, pois, parte claramente ilegítima, devendo, por isso, ser excluída do polo passivo.


2.2. Do mérito


2.2.1 - Estrutura do  assunto no Direito Positivo e na Jurisprudência


2.2.1.1 - Estabelece o § 3º do art. 195 da Constituição da República de 1988:
"§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.".
Tenho que esse dispositivo constitucional não foi contrariado, nem atenuado, pelo § 3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000, o qual tem o seguinte texto:
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:

I - existência de dotação específica;

II - (VETADO)
 
III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;

IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:

a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos; 
b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;

c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;

d) previsão orçamentária de contrapartida.

§ 2o É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada. 
§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.[3]
Registre-se que essa Lei Complementar traça normas gerais de direito financeiro, com ampliação do já estabelecido na Lei nº 4.320, de 1964[4], normas essas que, após a Constituição de 1988,  só podem ser veiculadas por Lei Complementar(§ 2º do art. 24 c/c art. 163 e § 9º do art. 165, todos da Constituição da República).

No confronto das regras dessa Lei Complementar com o texto constitucional, conclui-se que, quando o Ente Público tem dívidas para com a Seguridade Social, não poderá, em hipótese alguma, receber transferências voluntárias.

Mas se as dívidas disserem respeito a outras matérias(que não as de seguridade social), e se as transferências voluntárias forem destinadas a educação, saúde e assistência social(que não seja a de seguridade social), referida transferência voluntária poderá ser realizada.

E essa interpretação se impõe, porque não se pode admitir que uma Lei Complementar possa modificar o estabelecido em regra constitucional.

E, diante desse quadro, não há dúvida que o § 2º do art. 24[5] e o art. 26[6] da Lei nº 10.522, de 2002, são redondamente inconstitucionais, porque, além de contrariarem o acima transcrito dispositivo da Constituição da República, também modificam o também transcrito § 3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000, buscando flexibilizar o rigor de ambos.

2.2.1.2 -  No caso em análise, os convênios listados na inicial possuem os seguintes objetos (implantação de infra-estrutura turística para apoio à rota náutica; requalificação das vias turísticas nos núcleos litorâneos; serviços de pavimentação, drenagem e acessibilidade; aquisição de máquinas e equipamentos para cultivo de cana de açúcar; aquisição de equipamentos e acessórios para o Cine Teatro Polytheama).

Conquanto as obras objeto dos convênios  sejam benéficas à população do Município, tenho que não se enquadram nos setores de educação, saúde e assistência social.

Para ilustrar o entendimento acima, confiram-se os precedentes transcritos a seguir, aplicáveis mutatis mutandis ao caso:


ADMINISTRATIVO. TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS FEDERAIS. MUNICÍPIO. INSCRIÇÃO NO CAUC. DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. LIBERAÇÃO CABÍVEL APENAS EM CASOS DE AÇÕES DESTINADAS À ASSISTÊNCIA SOCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. Apelação de Município do Estado do Rio Grande do Norte contra sentença que julgou improcedente sua demanda onde requereu que lhe fosse garantido o direito ao recebimento de recursos provenientes de convênios junto ao Ministério de Turismo e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
 
2. O art. 25, parágrafo 1º, IV, a, da LC 101/00 determina a comprovação por parte do ente federado de que está em dia com pagamento de tributos, financiamentos e empréstimos federais, para que tenha direito a transferência de verbas federais voluntárias. Entretanto, excepcionalmente, dita exigência será afastada em casos de transferência de recursos destinados a ações sociais (educação, saúde e assistência social) e ações em áreas de fronteira, de acordo com o art. 25, parágrafo 3º, da LC 101/00 e art. 26, caput e parágrafo 2º, da Lei 10.522/02.

3. (...).

4. Conquanto as obras objeto dos convênios (retroescavadeira e um caminhão caçamba; pavimentação com drenagem superficial das águas e urbanização do acesso à Lagoa do Quirambú) sejam benéficas à população do Município apelante, estas não se inserem no conceito de ações sociais, posto que este abrange as melhorias nos setores de educação, saúde e assistência social.

5. Precedentes deste Tribunal (PROCESSO: APELREEX23389/SE, RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL MARGARIDA CANTARELLI, Quarta Turma, JULGAMENTO: 24/07/2012; PROCESSO: AC547442/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO (CONVOCADO), Segunda Turma, JULGAMENTO: 16/10/2012).
6. Apelação improvida.

(PJE: 08000931720134058400, AC/RN, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 10/12/2013)


TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA DE ATUALIZAÇÃO NO CAUC. VERBAS DESTINADAS A OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA. CABIMENTO.

- Trata-se de apelação através da qual o Município demandante requer o afastamento da exigência de atualização de seus dados no CAUC, a fim de concretizar convênio com o Ministério do Turismo.

- O art. 25, parágrafo 1º, IV, a, da LC 101/00 determina a comprovação por parte do ente federado de que está em dia com pagamento de tributos, financiamentos e empréstimos federais, para que tenha direito a transferência de verbas federais voluntárias. Excepcionalmente, dita exigência será afastada em casos de transferência de recursos destinados a ações sociais (educação, saúde e assistência social) e ações em áreas de fronteira, de acordo com o art. 25, parágrafo 3º, da LC 101/00 e art. 26, caput e parágrafo 2º, da Lei 10.522/02.

- As obras objeto do convênio com o Ministério do Turismo - pavimentação de ruas, melhoria de orla fluvial, sinalização de pontos turísticos e recuperação de parque ecológico -, conquanto sejam benéficas à população do Município, não se inserem no conceito de ações sociais, pois não são destinadas a melhoria nos setores de educação, saúde e assistência social, nos termos do art. 203, CF.

- Precedentes desta Corte (PROCESSO: 00090141220104058300, AC522589/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCO BRUNO MIRANDA CLEMENTINO (CONVOCADO), Quarta Turma, JULGAMENTO: 31/07/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 02/08/2012 - Página 690; PROCESSO: 200883000054664, AC470917/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, JULGAMENTO: 28/07/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 04/08/2011 - Página 138)

- Apelação do Município não provida.

(PROCESSO: 00007102420104058300, AC509352/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ EDUARDO DE MELO VILAR FILHO (CONVOCADO), Segunda Turma, JULGAMENTO: 12/03/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 21/03/2013 - Página 341)

Com efeito, a amplíssima expressão "ações sociais", previstas no art. 26 da Lei nº 10.522,de 2002, pelas razões expostas no item anterior desta fundamentação, não podem ser consideradas para o fins ora em debate.

À luz dos argumentos do subitem "2.1" supra, tenho que a acepção ideal para o conceito "ações sociais" dizem respeito a questões como merenda escolar, bolsa família, aquisição de livros escolares, cursos de extensão(inglês, teatro, cinema),  fornecimento de medicamentos etc.


Acerca do tema, decidiu  recentemente o E. STJ, verbis:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO MOVIDA POR MUNICÍPIO QUE OBJETIVA A LIBERAÇÃO DE VERBA FEDERAL OBJETO DE CONTRATO DE REPASSE FIRMADO COM A UNIÃO. PAVIMENTAÇÃO DE VIAS URBANAS. INSCRIÇÃO NO SIAFI/CAUC. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ART. 26 DA LEI N. 10.522/2002. CONTROVÉRSIA SOBRE A ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE "AÇÕES SOCIAIS".

1. A legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal foi reconhecida em razão de constar, no contrato de repasse, como representante da União e agente operador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Urbano de Municípios de Pequeno Porte, sendo, assim, responsável pelas medidas de repasse de verbas. Essa premissa fática, que, pontua-se, não pode ser revista em sede de recurso especial, conforme entendimentos das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ, denota a necessidade de a Caixa Econômica Federal figurar no pólo passivo de ação que objetiva a liberação de valores constantes do contrato que firmou com a municipalidade autora.

2. Considerando que a suspensão da restrição para a transferência de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios trata de norma de direito financeiro e é exceção à regra, estando limitada às situações previstas no próprio artigo 26 da Lei n. 10.522/2002 (execuções de ações sociais; ou ações em faixa de fronteira), a interpretação da expressão "ações sociais" não pode ser abrangente a ponto de abarcar situações que o legislador não previu; nessa linha, o conceito da expressão "ações sociais", para o fim da Lei n. 10.522/2002, deve ser resultado de uma interpretação restritiva, teleológica e sistemática, mormente diante do fato de que qualquer ação governamental em prol da sociedade pode ser passível de enquadramento no conceito de ação social.

3. A ação social a que se refere mencionada lei é referente às ações que objetivam atender a direitos sociais assegurados aos cidadãos, cuja realização é obrigatória por parte do Poder Público, como aquelas mencionadas na Constituição Federal, nos artigos 6º, 193, 194, 196, 201, 203, 205, 215 e 217 (alimentação, moradia, segurança, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, ordem social, seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto).

4. O direito à infra-estrutura urbana e aos serviços públicos, os quais abarcam o direito à pavimentação de vias públicas, compõem o rol de direitos que dão significado à garantia do direito a cidades sustentáveis, conforme previsão do art. 2º da Lei n. 10.257/2001- Estatuto das Cidades. Nada obstante, a pavimentação de vias públicas não pode ser enquadrada no conceito de ação social previsto no art. 26 da Lei n. 10.522/2002.[7]

5. Ônus de sucumbência invertidos; porém, não no patamar de 10% sobre o valor da causa (R$ 243.750,00), uma vez que se trata de município de pequeno porte, cujos respectivos valores farão falta ao erário. Em atenção ao valor da causa e ao princípio da razoabilidade, arbitra-se a verba honorária de sucumbência em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, montante que deverá ser distribuído, proporcionalmente, entre a CEF e a União.

6. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, na parte, providos.

(REsp 1372942/AL, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 11/04/2014).

2.2.1.3 - O caso em debate

No caso dos autos, o Município-autor confessa que se encontra negativado no CAUC - Cadastro Único de Convênios e pretende obrigar os Réus a concretizarem transferências voluntárias para cumprimento dos noticiados Convênios, sob o argumento principal de que isso se caracterizaria como ação social, e por isso ficaria sob a salvaguarda do invocado art. 26 da Lei nº 10.522, de 2002, e do§ 3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000.

Diante do acima fundamentado, tenho que o pedido desta ação não procede, primeiro porque considerei inconstitucional o invocado art. 26 da Lei nº 10.522,de 2002, pelo que resta afastada a expressão ação social, segundo, porque, mesmo considerando-se válida a expressão assistência social¸ não se pode ter como tal a pavimentação de ruas, requalificação das vias turísticas nos núcleos litorâneos, drenagem e acessibilidade; aquisição de máquinas e equipamentos para cultivo de cana de açúcar; aquisição de equipamentos e acessórios para o Cine Teatro Polytheama, objetos do Convênio em debate.

Ademais, o Município-autor não deixa claro por qual motivo encontra-se negativado no CAUC - Cadastro Único de Convênios, pois, se for por conta de atrasos previdenciários e/ou com saúde pública e assistência social da seguridade social, vale dizer, com a Seguridade Social, em face do § 3º do art. 195 da Constituição da República, não poderia receber transferências voluntárias da União em hipótese alguma.
Por outro lado, como consta da acima referida decisão do Desembargador do TRF/5ªR, que cassou a decisão do Juiz Plantonista, não há sequer prova de que o Município-autor instalou Tomada de Conta Especial contra o ex-prefeito, tampouco que tenha entrado com as ações judiciais pertinentes para dele exigir o ressarcimento dos cofres público-municipais.

À luz do acima invocado, como se trata de um pequeno Município do Estado de Pernambuco, a verba honorária há de ser fixada à luz dos parâmetros do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil - CPC, ou seja, em valor fixo e módico.

2.2.1.4 - A antecipação da tutela
 
Não há que se cassar a decisão do Juiz Plantonista que antecipou a tutela, porque já cassada pelo Desembargador Federal na decisão mencionada no Relatório supra.


3. Conclusão

Posto isso:

a) de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva ad causam  da UNIÃO e, com relação a ela, indefiro a petição inicial(art. 295, II, CPC) e dou o processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267, I e VI e respectivo § 3º, todos do CPC);

b) incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do § 2º do art. 24 e do art. 26, todos da Lei Ordinária Federal nº 10.522, de 2002;

c) julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno o Município-autor em verba honorária, no valor de R$ 2.000,00(dois mil reais), que serão atualizados(juros e correção monetária)a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, obsevados os índices do manual de cálculos do  Conselho da Justiça Federal - CJF;

d) de ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.


P.R.I.


Recife, 02 de julho de 2015.


Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

















[1] Id. 4058300.824131

[2] Id. 4050000.1791603

[3] Negritei.

[4] Esta Lei Ordinária, após o advento da Constituição da República de 1988, passou a ter status de Lei Complementar, porque trata de matérias que só por Lei Complementar, doravante, poderão ser tratadas, pelo que se tem que a Lei Complementar 101, de 2000, apenas modificou e ampliou a Lei 4.320,de 1964. 

[5] Lei nº 10.522, de 2002:

"Art. 24 - (...).

§ 2o Não se aplica o disposto neste artigo aos débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, exceto quando se tratar de transferências relativas à assistência social. (Negritei)."


[6] Lei nº 10.522, de 2002:

"Art. 26. Fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais e ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objeto de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - Siafi.".







[7] Negritei.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

AÇÃO MONITÓRIA: SENTENÇA E RESPECTIVA CONCLUSÃO.

Por Francisco Alves dos Santos Jr

Uma sentença de ação monitória, merecendo destaque a sua conclusão, que segue a risca as regras do vigente Código de Processo Civil.
Boa leitura.




PROCESSO Nº: 0800702-09.2013.4.05.8300 - MONITÓRIA
AUTORA: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
RÉU: A DA C A
ADVOGADO: A DA C A
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 

 

Sentença registrada eletronicamente

Sentença tipo B

EMENTA: CONTRATO PARTICULAR DE ABERTURA DE CRÉDITO À PESSOA FÍSICA PARA FINANCIAMENTO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO. INADIMPLÊNCIA. EMBARGOS MONITÓRIOS REJEITADOS. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DA AÇÃO MONITÓRIA, COM CONVERSÃO EM TÍTULO EXECUTIVO.




1 -Relatório

A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA, qualificada na petição inicial, propôs esta ação monitória em face de A DA C A. Aduziu, em síntese, que: a) celebrou em 06.05.2010, com o Requerido, um contrato particular de abertura de crédito à pessoa física para financiamento de materiais de construção e outros pactos, instrumento de nº 1242.160.0003127-96, por intermédio do qual foi disponibilizado um limite de crédito de R$ 18.900,00 (dezoito mil e novecentos reais); b) o Requerido utilizou, efetivamente, os créditos concedidos, deixando, contudo, de efetuar o pagamento das parcelas mensais, em montante idôneo aos valores utilizados e aos respectivos encargos, ensejando os vencimentos antecipados das dívidas; c) conforme demonstrativos de débitos acostados, a soma dos débitos inadimplidos, atualizados até 26.02.2013, alcançam o valor de R$ 26.446,89 (vinte e seis mil, quatrocentos e quarenta e seis reais e oitenta e nove centavos). Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela citação do Requerido, para, no prazo legal, pagar a importância acima indicada, devidamente acrescida dos encargos pactuados. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Despacho[1] que determinou o recolhimento das custas processuais.

A CAIXA requereu[2] a juntada do comprovante do recolhimento das custas processuais.

Despacho[3] que fixou os honorários advocatícios e determinou a citação do Requerido.

Certificado[4] o não cumprimento da citação.

A CAIXA informou[5] novos endereços para citação do Requerido.

Despacho[6] que determinou a citação do Requerido nos novos endereços indicados.

A parte Requerida opôs Embargos[7] Monitórios. Alegou, em síntese, que efetuara o pagamento do valor contratado; que o material de construção não fora utilizado no imóvel indicado pela CAIXA; que esse bem, indicado pela CAIXA para eventual penhora, era de sua propriedade com os demais irmãos, quando da contratação do empréstimo, mas, em 25.09.2012, abrira mão do quinhão a que fazia jus em favor de sua irmã A da C A, a qual, por sua vez, o alienara em novembro de 2012.

A CAIXA apresentou impugnação[8] aos Embargos. No mérito, requereu a constituição do título executivo judicial para cobrança da dívida constituída pelo Requerido diante do inadimplemento do contrato de financiamento firmado entre as partes, e, na mesma oportunidade, requereu a intimação do Ministério Público Federal para apuração de crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

O Ministério Público Federal ofertou seu r. parecer[9] opinando pelo regular prosseguimento do feito, com a intimação da partes para informarem se têm outras provas a produzir, bem como registrou que teria tirado cópia integral do processo para distribuição entre os ofícios criminais para apuração de crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

Despacho[10] que determinou a intimação das Partes para, querendo, produzir novas provas.

Certidão[11] de intimação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.

2 -Fundamentação

Esta ação monitória enquadra-se perfeitamente no seu desenho, traçado no art. 1.102-A do Código de Processo Civil, pois se está diante de um contrato que não goza de liquidez e certeza legais, pelo que não pode ser cobrado pela via executiva. Busca-se, nesta monitória, essa liquidez e certeza, pois a liquidez e certeza dizem respeito aos parâmetros legais e contratuais.

O Réu não discute a existência do contrato, tampouco a sua validade. Também não contesta a nota promissória a ele vinculada; cinge-se apenas a alegar problemas particulares que o impossibilitam de adimplir a dívida que se pretende executar.

Na verdade, a Planilha[12] de evolução da dívida comprova que o crédito contratado (R$ 18.900,00) foi utilizado em sua totalidade em 01 (uma) compra realizada no dia 10.05.2010, no estabelecimento comercial "COM S I MADEIRAS" por meio do cartão CONSTRUCARD. Nesse sentido, percebe-se, da leitura do contrato, que o sistema do financiamento de materiais de construção funciona com o CONSTRUCARD, espécie de cartão de crédito a ser utilizado pelo mutuário exclusivamente nas lojas credenciadas para este fim (Cláusula Segunda[13]).

Pela Planilha[14] de evolução da dívida, observa-se que o demandado tornou-se inadimplente a partir de 06.08.2011, não tendo pago mais nenhuma parcela a partir de então. A propósito, tal fato não foi negado pelo demandado, tornando-se incontroverso.

Assim, verifico que a CAIXA portou-se de acordo com a legislação de regência na cobrança de todos os encargos no contrato em questão.

3 –Dispositivo

Posto isso, rejeito os embargos monitórios, julgo procedentes os pedidos da ação monitória proposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERA, dou por constituído, de pleno direito, o título executivo judicial, e que se dê prosseguimento a este feito na forma prevista no Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei, conforme previsto no § 3º do art. 1.102-C do  vigente Código de Processo, com redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005, intimando-se o Devedor, A DA C A, qualificado nos autos,  agora na situação de Executado, para pagar a sua dívida no valor  que se encontra  indicado na petição inicial desta ação monitória e no respectivo contrato que a instrui, mais os respectivos encargos, e que a intimação se faça na forma e para os fins do art. 475-J e respectivos parágrafos do vigente Código de Processo Civil.

Custas e honorários advocatícios a cargo do ora Réu,  fixados estes, nos termos da decisão[15], em R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 01 de julho de 2015.


Francisco Alves dos Santos Jr.

Juiz Federal, 2ª Vara/PE