Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Na sentença abaixo, debate-se a respeito de Banco Oficial que financia um imóvel para uma Particular e contrata uma Seguradora, cujo prêmio de seguro é pago por essa Particular, mas que, posteriormente, constata-se que o contrato de seguro não cobre danos detectados no imóvel, situação essa que implica na responsabilização do Banco Oficial pela restauração desse imóvel.
Discute-se também a respeito da verba honorária, quando a causa é patrocinada pela Defensoria Pública da União.
Boa leitura.
PODER
JUDICIÁRIO
JUSTIÇA
FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção
Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0013924-48.2011.4.05.8300 Classe: 29 - AÇÃO ORDINÁRIA
AUTOR:
M. M. DA S.
Defensor Publico
Da União: Ana Carolina C Erhardt
RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA E OUTRO
Advogado:
L C. P., OAB/PE nº .
Registro nº
Certifico que eu,
___________________, registrei esta Sentença às fls. ____________.
Recife,
____/____/20___
Sentença tipo A
Ementa: - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
IMÓVEL COM DEFEITO. RESTAURAÇÃO. RESPONSABILIDADE.
-Contrato de seguro, firmado pela Caixa Econômica Federal-CEF com a C. Seguros S/A, sem
cobertura para o problema, afasta-se esta do polo passivo e aquela responde
perante a Mutuária.
-Procedência.
Vistos, etc.
M. M. DA S., sob o patrocínio
da Defensoria Pública Federal, propôs esta “ação condenatória de obrigação de
fazer, com pedido de tutela antecipada” contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL-CEF e
a C. S. S/A. Aduz, em síntese, que teria celebrado com a CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL contrato de mútuo nº 815810000746-7, sob o regime do Sistema
Financeiro de Habitação; que, no mesmo instrumento, teria firmado relação
contratual com a seguradora C. S. S/A, imposta pela CAIXA, conforme
cláusula 20ª do aludido contrato; que, atualmente, o imóvel adquirido pela
Autora apresentaria “o
piso abatido, consoante vistoria realizada pela C.Seguros”;
que teria procurado o agente financiador para acionar a proteção securitária do
imóvel, havendo sido injustificadamente negada tal proteção; que a CAIXA teria
negado cobertura ao sinistro sob o argumento de que o imóvel não apresentaria
nenhum dos riscos cobertos pela apólice contratada; que nenhuma providência
teria sido adotada pela CAIXA, tampouco pela Seguradora; que a Autora
continuaria residindo no mesmo local; que os danos possuiriam caráter
progressivo. Teceu outros comentários. Requereu a antecipação dos efeitos da
tutela, sem a ouvida da parte contrária, a fim de que as Demandadas
providenciassem a reforma do imóvel, de forma emergencial, com o desiderato de
proteger a integridade física e moral da Demandante e de sua família. Ao final,
requereu: a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a citação da CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL e da C. SEGUROS; a procedência dos pedidos, confirmando a
tutela antecipada deferida, para condenar as Demandadas na obrigação de fazer
consistente na reparação do imóvel; a condenação das Rés a ressarcirem a Autora
todos os gastos por ela efetuados com reformas na unidade habitacional; a
condenação das Demandadas a reparar danos morais. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com
cópia de documentos (fls. 20/56).
Decisão, às fls. 57-58, deferindo o pedido
do benefício da Justiça Gratuita, bem como deferindo o pedido de antecipação de
tutela apenas com relação à CEF, condenando-a a reformar imediatamente o
imóvel, de forma a deixá-lo em condições normais de uso e que fizesse toda a
obra no prazo de 40 (quarenta) dias, sob pena de multa mensal, no valor de
R$2.000,00 (dois mil reais).
A Caixa Econômica Federal-CEF, à fl. 65,
noticiou a interposição de Agravo de Instrumento. Juntou cópia do referido
recurso às fls. 66-82.
A CEF apresentou Contestação às fls.83-103. Suscitou, preliminarmente, ilegitimidade
passiva da Caixa, em face da ausência de responsabilidade em caso de vício de
construção. No mérito, alegou que o contrato de financiamento noticiado nos
autos teria sido firmado em 28/11/2008, sem cobertura pelo FCVS, com prazo de
liquidação em 200 (duzentas) prestações, possuindo, atualmente, um saldo
devedor de R$28.821,61, conforme documentação anexa; os danos constatados pela
vistoria no referido imóvel, qual seja, o abatimento do piso da cozinha, devido
à deficiência da execução do contrapiso, não se aplicariam a nenhum dos riscos
cobertos pela apólice contratada; de acordo com as condições, com exceção dos
riscos de incêndio e explosão, a garantia do seguro somente se aplicaria aos
riscos decorrentes de eventos de causa externa, ou seja, aqueles resultantes da
ação de forças ou agentes estranhos e anormais; a CEF impugna as razões postas
na Inicial de que existiriam defeitos ou vícios nos imóveis e que os mesmos
seriam passíveis de reparos por cobertura de apólice habitacional, sendo certo
que as circulares que regulam a matéria são SUSEP nº08/95 e 111/99; de igual
forma e pelos mesmos motivos, os riscos cobertos, de danos progressivos, de
prejuízos indenizáveis, de forma de indenizações e de cláusulas penais cabíveis
à hipótese não seriam aquelas sustentadas na Exordial; a todo evidência, pelo
que se narrou na Inicial, se existem problemas nos imóveis, o que a CEF não
reconhece, estes decorrem do mau uso do mesmo, aliado ao desgaste natural e
pela falta de reparos necessários por parte dos Autores durante todos estes
anos decorridos desde as suas edificações e comercializações; se não bastasse,
a parte autora pretende a condenação da seguradora dos valores necessários ao
reparo dos imóveis, sob a alegação de existência de vícios construtivos,
porquanto não há previsão contratual ou securitária para tanto; segundo
informam os Autores, não se tratam de danos futuros e imprevisíveis passíveis de cobertura securitária , mas sim
de vícios construtivos existentes nos imóveis e que nada tem a ver com
sinistro, mas sim com problemas de edificação, ou seja, na origem dos imóveis
e, portanto, de período anterior à contratação do financiamento habitacional e
do seguro; o fato afasta qualquer responsabilidade civil do construtor e de
seus responsáveis técnicos, os vícios de construção, se constatados, são de
responsabilidade exclusiva da construtora e dos engenheiros responsáveis, que
assumiram , perante o CREA, a responsabilidade técnica pelo projeto e pela
execução da obra, conforme se infere das Anotações de Responsabilidade Técnica,
que são obrigatórias à consecução de qualquer obra do tipo; o seguro, por sua
vez, é um contrato em que as cláusulas estipuladas devem ser respeitadas tanto
pela seguradora quanto pelo segurado; sua interpretação há de ser restritiva e
não extensiva, haja vista que as cláusulas do contrato de seguro seriam
taxativas; a parte autora questiona a negativa de cobertura securitária em
razão dos vícios construtivos, que, segundo ela, afligiram os imóveis, garantia
do contrato de mútuo; verifica-se, de plano, que a hipótese suscitada na
Inicial não está dentre aquelas compreendidas na apólice securitária; não se
pode presumir cobertura por vício intrínseco, como é o caso de vício de
construção alegado; seria preciso que os contratos firmados fossem expressos no
sentido de que os vícios de construção não seriam cobertos pelo Seguro;
trata-se de disposição necessária; os vícios, se contratados, seriam de
responsabilidade exclusiva das construtoras e dos engenheiros responsáveis; a
responsabilidade direta seria da Caixa Seguros, pelos danos físicos acobertados
pela Apólice de Seguro Habitacional; o Código de Defesa do Consumidor seria
inaplicável ao caso em questão, dano moral não teria sido comprovado pela a
Autora; seria impossível se atribuir
a responsabilidade solidária; inexistiriam os requisitos para a concessão da tutela antecipada, nos
termos do art. 273 do CPC. Teceu outros comentários. Pugnou, ao
final, pelo acolhimento das preliminares, bem como pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos às
fls. 104-109.
A C S S/A apresentou
Contestação (fls.114-149). Aduziu, em síntese, que: inexistiria previsão
contratual, nos
casos de vício de construção, no tocante à indenização; seria
impossível condenar
a Caixa Seguradora em danos morais, em face da responsabilidade do alienante;
a responsabilidade
seria do Agente Financeiro (culpa
in vigilando); os construtores seriam responsáveis pela solidez da obra;
seria descabida a condenação em danos morais;
caso fosse deferido o pedido de condenação em danos morais, deveria
haver razoabilidade no seu arbitramento; inexistiria o preenchimento dos
requisitos para concessão do pleito antecipatório. Teceu outros comentários.
Pugnou pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos às fls.
Juntou procuração e documentos (fls.
150-168).
A Caixa Econômica Federal-CEF pugnou pela
concessão de novo prazo para conclusão da reforma(fls. 170-171 e fls. 174-175). Juntada de documentos às fls. 177-187 e fls.
189-195.
Decisão, à fl. 196, mantendo a decisão
agravada,
bem como o prazo para a restauração do imóvel. Determinou-se, ainda, a
intimação da parte autora para se manifestar.
Réplica às fls. 199-201.
Petição da Caixa Econômica Federal-CEF, à
fl. 203, pugnando pela concessão de
prazo para verificar seu interesse em ingressar na lide, ante o que dispõe a
Resolução nº 297 do Conselho Curador do FCVS.
Petição da CEF, às fls. 207-208, na qual
foram descritas as tentativas para que fosse dado inicio à reforma, bem como
rogando dilação de prazo.
Certidão, à fl. 209, contendo informações
acerca da tramitação, no TRF/5ªR, do Agravo
de Instrumento noticiado nos autos.
É o relatório, no essencial. Passo a
decidir.
2. Fundamentação
1.
Preliminar de Ilegitimidade Passiva Ad Causam
A Caixa Econômica Federal-CEF tem
financiado imóveis e no respectivo contrato impõe um contrata de seguro, que
firma com a C Seguros S/A. Todavia,
o contrato de seguro, do qual o Beneficiário do Financiamento, embora
pague o respectivo prêmio mensal, dele não participa, têm cláusulas que apenas
favorecem à Seguradora, como no presente caso em que o imóvel foi financiado e
depois apresentou inúmeros defeitos, mas não são cobertos pelo seguro.
E note-se que a alegação da Seguradora, na
via administrativa, de que o seguro não cobria o tipo de problema descrito na
petição inicial, foi aceito cordatamente pela Caixa Econômica Federal-CEF, que
não propôs contra a Seguradora nenhum tipo de ação judicial.
Assim procedendo, esse Banco Oficial
finda por obrigar o Mutuário a pagar prêmio de seguro para a Seguradora
inutilmente, e ainda assume o ônus de responder por este tipo de ação, porque
passa a ser a única responsável perante o Mutuário, quando a este entrega
imóvel com defeito, como no presente caso.
Ou seja, a Seguradora recebe fortunas de
Mutuários da Caixa Econômica Federal-CEF, sem nenhum risco, Isto é, com risco
zero.
Esse lamentável fato, que se repete
perante este juízo corriqueiramente, indica favorecimento inexplicável para a
Seguradora com o placet de uma
Empresa Estatal, como a Caixa Econômica Federal-CEF, por isso essa prática deve
ser investigada pelo Ministério Público Federal, o qual, se for o caso, deverá tomar as medidas
pertinentes e que estejam ao seu alcance para corrigi-la, para o que a
Secretaria deste Juízo deve encaminhar-lhe cópia, capa a cada, deste feito.
Ademais, se a própria Caixa Econômica
Federal-CEF admitiu que o contrato que firmou com a C S S/A não cobre
o tipo de dano detectado no imóvel da Autora, embora referida Seguradora não
tenha levantado, na sua longa e prolixa defesa de fls. 114- 149, preliminar de
ilegitimidade passiva ad causam, há
de ser rejeitada esse tipo de preliminar da defesa da Caixa Econômica
Federal-CEF, mas, de ofício, afastar
mencionada Seguradora do polo passivo, desse, porque visível essa sua
ilegitimidade(art. 267-VI, e respectivo § 3º, do Código de Processo Civil).
2.
Mérito
Ante mencionada situação, em que a Caixa
Econômica Federal-CEF financia um imóvel, cobre referido financiamento com um
seguro que só favorece à Seguradora e, eventualmente, à própria Caixa Econômica
Federal-CEF, mas deixa o seu Cliente, o Mutuário, no caso, a Autora, sem
nenhuma cobertura, fica a Caixa Econômica Federal-CEF obrigada a arcar com a
restauração do imóvel quando este apresenta defeitos, como ocorreu com o imóvel
da ora Autora.
E esse entendimento, como bem demonstrado
na bem elaborada petição inicial, da lavra da d. Defensora Pública Ana Carolina
Cavalcanti Erhardt, tem respaldo no Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990, aplicável nas
relações com as Instituições Financeiras, como já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça(Súmula 297)e o C.Supremo
Tribunal Federal[1].
Realmente, segundo o mencionado Código, a
responsabilidade da Caixa
Econômica Federal-CEF, para o caso, é objetiva(art. 14) e plenamente
solidária(art. 18).
E nessa mesma esteira é firme o
entendimento dos Tribunais, tendo a Autora indicado na sua petição inicial
importante precedente do E. Superior Tribunal de Justiça, do qual destaco a
seguinte passagem:
“3. O agente financeiro responde pelas manifestações que exara na fase
de contratação do negócio jurídico de aquisição da moradia, notadamente aquelas
relacionadas com as condições físicas e situação estrutural do imóvel, tendo
legitimidade passiva ad causa neste passo, para as ações em que se pretende
reparação patrimonial, de modo amplo..”.[2]
3. Verba
Honorária
Segundo o E.
Superior Tribunal de Justiça, não cabe verba honorária a favor da Defensoria
Pública apenas quando esta patrocina causa contra pessoa jurídica de direito
público(Súmula 421 –
Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua
contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença” do E. Superior
Tribunal de Justiça).
No presente caso,
a Parte Ré é a Caixa Econômica Federal-CEF que, embora sendo uma empresa
pública federal, tem natureza jurídica de direito privado(art. 5º do
Decreto-lei 200, de 1967, alterado pelo Decreto-lei 900, de 1969), logo, quando
sucumbe em ação promovida pela Defensoria Pública da União poderia, em tese,
ser condenada a pagar verba honorária.
A Lei Complementar nº 132, de 2009, permite a Defensoria
Pública executar verbas sucumbenciais que lhes sejam favoráveis, tendo que
destiná-las ao(s) Fundo(s) para o seu aparelhamento e para capacitação
profissional dos seus membros e servidores.
O Projeto de Lei Complementar nº 331, de 2002, para criação desse
Fundo, vem tramitando no Congresso Nacional com muita dificuldade, já tendo
sido arquivado e desarquivado por várias vezes. A última informação colhida por
minha Assessoria, no dia de hoje, no site da Câmara dos Deputados[3],
é no sentido de que o Deputado Mendes Ribeiro Filho requerera o seu desarquivamento
em 18.02.2003.
Talvez seja por essa situação que a d. Defensora Pública da União, que
assina a peça inicial, não pediu a condenação da Caixa Econômica Federal-CEF em
verba honorária e quando isso acontece o Judiciário não pode condenar a Parte
vencida nessa verba(art. 460 do Código de Processo Civil).
Conclusão
Posto isso:
a)
Rejeito a preliminar de ilegitimidade
passiva ad causam da
defesa da Caixa Econômica Federal-CEF, mas,
de ofício, com base no § 3º do art. 267 e respectivo inciso VI do Código
de Processo Civil, afasto do pólo
passivo a C S S/A e com relação a essa Requerida dou este processo
por extinto, sem resolução do mérito;
b)
ratifico a decisão de fls. 57-57vº, na qual foi a
tutela judicial antecipada, julgo procedente os pedidos desta ação e condeno a
Caixa Econômica Federal-CEF a restaurar o imóvel da Autora, relativamente a
todos os defeitos nele surgidos, de forma que fique em condições seguras e
adequadas de moradia, bem como a ressarcir a Autora de eventuais despesas que
já tenha comprovadamente efetuado na reparação dos defeitos do imóvel em
questão, devendo o respectivo valor ser atualizado a partir do dia seguinte ao
do efetivo desembolso pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho
da Justiça Federal-CJF e, a partir da data da intimação da execução
desta sentença(art. 475-J do CPC), acrescido de juros de mora, à razão de
0,5%(meio por cento)ao mês, sobre o valor já monetariamente corrigido, sem prejuízo da cobrança da multa fixada na
decisão de fls. 57-57vº, ora ratificada, conforme venha a se apurar na fase de
execução;
Outrossim, condeno a Caixa
Econômica Federal-CEF nas custas processuais.
Sem verba honorária.
Dê-se vista ao Ministério Público
Federal, para os fins indicados no item “1” da fundamentação supra.
P. R. I.
Recife, 18.05.2012.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
[1] O C. Supremo Tribunal Federal firmou o
entendimento de que as regras de Código de Proteção e Defesa ao Consumidor
aplicam-se aos contratos firmados com as Instituições Financeiras. ADI 2591/DF,
rel. orig. in. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006
(ADI-2591). FONTE: INFORMATIVO STF 430, DE 05.09.2006.
[2] V.
fl. 09 destes autos. Nesse sentido, v. outros julgados do mesmo E. Tribunal
indicados na peça inicial.
[3]
Disponível em HTTP://www.camara.gov.br/proposiçoesWeb/prop_imp?idProposiçao=67119&ord=1&t...
Acesso em 18.05.2012.