terça-feira, 23 de agosto de 2022

SUS. REMÉDIO DE ALTA COMPLEXIDADE. STJ E STF. UM CASO DE CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma decisão com atualização da matéria relativa a remédio de alta complexidade a ser forneceido pelo SUS. 

Boa leitura. 

PROCESSO Nº: 0812107-27.2022.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: E G DA S
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



D E C I S Ã O 

1. Breve Relatório

Busca a parte autora provimento jurisdicional que lhe assegure a  antecipação dos efeitos da tutela, inaudita altera parte, de forma que se determine que à União e ao Estado de Pernambuco disponibilizem ao Autor o medicamento ABIRATERONA (ZYTIGA®) 250 MG, na dose de 04 (quatro) comprimidos por dia, 120 comprimidos ao mês, de forma contínua, até a progressão da doença ou toxidade limitante, pelo tempo que se fizer necessário, ou, alternativamente, disponibilizem em Juízo numerário suficiente para a aquisição direta da medicação pela parte junto aos fornecedores pelo tempo necessário aos trâmites burocráticos de sua aquisição e disponibilização pelos demandados;

Inicial instruída com procuração e documentos.

Decisão sob Id. 4058300.23549367 na qual foi concedido o benefício da Justiça Gratuita e determinada a remessa dos autos ao NATS/PE.

O NATS ofertou parecer sob Id. 4058300.23828663.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1.  Da responsabilidade solidária dos entes federativos 

O funcionamento adequado do SUS é de responsabilidade solidária da União, dos Estados-Membros e dos Municípios, consoante assentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ. 2. O reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso que tramita no STJ, mas de eventual Recurso Extraordinário a ser interposto. 3. A superveniência de sentença homologatória de acordo implica a perda do objeto do Agravo de Instrumento que busca discutir a legitimidade da União para fornecimento de medicamentos. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1107605, Segunda Turma, Relator(a) HERMAN BENJAMIN, DJE Data: 14/9/2010). 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Corte Especial firmou a orientação no sentido de que não é necessário o sobrestamento do recurso especial em razão da existência de repercussão geral sobre o tema perante o Supremo Tribunal Federal (REsp 1.143.677/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 4.2.2010). 2. O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos às pessoas carentes que necessitam de tratamento médico, o que autoriza o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam dos referidos entes para figurar nas demandas sobre o tema. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1159382, Segunda Turma, Relator(a) MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE Data: 1/9/2010)."

Nada obstante, referida solidariedade não obsta que o magistrado, diante de uma situação concreta, direcione o cumprimento da ordem de fornecimento de medicamentos a determinado ente, de forma a melhor operacionalizar o atendimento célere do comando judicial, tal como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 855178, sem prejuízo das compensações financeiras que se façam necessárias entre os entes. 

2.2. Das premissas a serem observadas sobre o tema

Programaticamente, o direito à saúde integra o sistema de proteção da Seguridade Social e configura direito social prestacional, expressamente consagrado nos art. 6º e 196 da vigente Constituição da República.

O seu objeto programático (constituído por prestações materiais na esfera da assistência médica e hospitalar) está vinculado, de forma contundente, ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ser analisado nesta perspectiva e à luz do direito positivo concretizador dessa programação constitucional, sem desprezar a dogmática jurídico-constitucional que estrutura o sistema como um todo, especialmente os princípios da universalidade da saúde pública, com as limitações  do princípio da legalidade e da igualdade de tratamento.

E no centro disso tudo exsurge a tenebrosa escassez de recursos, cuja alocação exige escolhas trágicas pela impossibilidade de atendimento integral a todos.

O Supremo Tribunal Federal traçou diretrizes que devem ser ponderadas na solução de conflitos, que podem ser assim resumidas:

"I. É de natureza solidária a responsabilidade dos entes da Federação no serviço público de saúde;

II. Em princípio, o conteúdo do serviço público de saúde restringe-se às políticas adotadas pelo SUS. Por isso, "deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sem que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".

III. Sujeitam-se ao controle judicial as políticas públicas eleitas pelo SUS pela não inclusão de fármacos e procedimentos. Não basta afirmar o direito à saúde para obrigar o SUS a fornecer fármaco ou a realizar procedimento não incluído no sistema. É indispensável a realização de ampla prova para demonstrar a existência da situação singular ("razões específicas do seu organismo") da ineficácia ou impropriedade do tratamento previsto no SUS.

IV. A Administração Pública não é obrigada a fornecer fármaco sem registro na ANVISA, já que sua inclusão no Sistema Único de Saúde depende prévio registro.".

De outro prisma, decidiu o Superior Tribunal de Justiça - STJ, no Recurso Especial nº 1.657.156/RJ,  representativo da controvérsia, com publicação em 12/09/2018, sobre a concessão de medicamento não constante nos Protocolos Clínicos do SUS e estabeleceu a exigência de três requisitos cumulativos para autorizar sua concessão na via judicial, verbis:

"i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência."

Modula-se os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018

Em sede de embargos de declaração, opostos pelo Estado do Rio de Janeiro, o Superior Tribunal de Justiça -STJ esclareceu que, no caso do fornecimento de medicamentos fora da lista do SUS, conforme precedente estabelecido no citado repetitivo, o requisito do registro na ANVISA afasta a obrigatoriedade de que o poder público forneça remédios para uso off label - aquele prescrito para um uso diferente do que o indicado na bula, fora do rótulo -, salvo nas situações excepcionais autorizadas pela Agência, modificando um trecho do acórdão a fim de substituir a expressão existência de registro na Anvisa para existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.

O Relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que o esclarecimento em embargos de declaração é necessário para evitar que o sistema público seja obrigado a fornecer medicamentos que, devidamente registrados, tenham sido indicados para utilizações off label que não sejam reconhecidas pela ANVISA nem mesmo em caráter excepcional.

Segundo o Relator, ainda que determinado uso não conste do registro na ANVISA, na hipótese de haver autorização, mesmo precária, para essa utilização, deve ser resguardado ao usuário do SUS o direito de também ter acesso ao medicamento.

Todavia, mais  recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF),  decidiu, em 22/05/2019, que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. A decisão foi tomada, por maioria de votos, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 657718, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Marco Aurélio.

Com efeito, o Plenário, por maioria de votos, fixou a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral:

"1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I - a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II - a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;  

III - a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.".

Mencionada Suprema Corte ainda vai decidir quanto aos medicamentos, já aprovados pela ANVISA, mas que, devido ao alto custo e à ausência de forças orçamentárias para custeá-los, ou ainda pelo fato de que possam ser substituídos por outros  fármacos que se encontram nas listas de procedimentos do  SUS, não foram incluídos rol dos medicamentos que podem ser fornecidos pelo SUS.

Essa matéria já se encontra sub judice, no Recurso Extraordinário n.º 566.471-RN. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 11.03.2020, que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS) e  as situações excepcionais ainda serão definidas na formulação da tese de repercussão geral (Tema 6) [1].

Conforme consta no site do STF(2), o julgamento desse RE foi pautado para 10.11.2021, e posteriormente, pautado para outra data, que consta do Dje 217, de 2021, divulgado em 04.11.2021.

Fixadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto.

2.3. Das especificidades dos tratamentos em questão

O Sistema Único de Saúde já prevê um programa específico para o tratamento do câncer, concretizado através dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e das Unidades de Assistência de Alta Complexidade (UNACONs), que se realiza por meio de cadastramento prévio e, portanto, verificação do caso clínico, encaminhamento e acompanhamento conforme evolução da doença.

Deste modo, para a obtenção de tratamento específico, indispensável a sua sujeição à política pública existente para o tratamento de câncer, estabelecida pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e executada por intermédio dos CACONs, não sendo possível o fornecimento direto de medicamento para tratamento privado.

Somente com a prescrição do tratamento junto aos centros de alta complexidade vinculados ao INCA poderá o paciente postular o medicamento excepcional, não padronizado pelo SUS, e desde que reste comprovado que o tratamento público usualmente fornecido tenha se mostrado ineficaz no combate ao avanço da doença.

Não mais havendo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos que integram a Rede de Atenção Oncológica, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.

Os procedimentos oncológicos são realizados através de autorizações (APAC-Onco), nas quais devem constar as informações pertinentes ao tratamento de cada paciente, como diagnóstico, tipo histológico,  bem como o tratamento proposto.

Desta feita, o médico oncologista, dentro de um protocolo estabelecido, tem relativa liberdade para indicar o melhor tratamento para o paciente, com exceções de alguns casos pontuais que apresentam portarias específicas.

Esses procedimentos são periodicamente auditados por gestores ligados ao Ministério da Saúde e, em grande parte, possuem teto remuneratório, que, na verdade, é o maior entrave na efetivação dos tratamentos de câncer, responsável pela imensa maioria das ações de medicamentos antineoplásicos.

E acerca do caso em análise, assim foi o parecer do Núcleo de Assessoria Técnica em Saúde (NATS) do TJPE, cuja conclusão foi a seguinte (Id. 4058300.22468028):

 "O medicamento ABIRATERONA foi incorporado ao SUS a partir da Portaria SCTIE/MS nº 38 de 24 de julho de 2019. A disponibilização do tratamento deve ser realizada pelo CACON/UNACON, que são unidades de alta complexidade no tratamento em oncologia vinculadas ao SUS. Em Pernambuco são habilitados os seguintes centros:

(....)".

Dessa forma, tenho por configurada a probabilidade do direito de acesso ao medicamento, considerando que já há decisão para sua incorporação, de modo que não se vislumbra justificativa para a negativa de fornecimento, especialmente diante da gravidade da doença, que evoluirá com prejuízos clínicos caso não se tenha acesso ao fármaco.

Na hipótese, entraves burocráticos para a implementação da terapia não podem impor limitações ao direito da saúde do paciente, especialmente quando se trata de doença grave.

Por sua vez, a hipossuficiência é atestada por meio da declaração de 4058300.23529813, que deve ser presumidamente aceita para fins de comprovação das frágeis condições financeiras do requerente, que, ressalte-se, está sendo assistido pela Defensoria Pública do Estado de Pernambuco.

Resta, ainda, repita-se, igualmente demonstrado, o perigo de dano, considerando a necessidade do medicamento solicitado para controle da evolução da doença, conforme atestado pelo relatório médico de Id. 4058300.23529816

Nesse sentido, comprovados os requisitos necessários à concessão da tutela provisória de urgência, faz jus o(a) demandante ao fornecimento imediato do medicamento pelo Estado, em caráter de urgência.

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto:

a) Defiro a tutela de urgência requerida para determinar que o ESTADO DE PERNAMBUCO forneça ao Autor, no prazo de 10 (dez) dias úteis,  o medicamento  ABIRATERONA (ZYTIGA®) 250mg, nos termos da prescrição médica constante dos autos, sem prejuízo de posteriores compensações financeiras que se fizerem necessárias entre os entes federados na esfera administrativa (vide item 2.1 supra);

b) Determino que o ESTADO DE PERNAMBUCO adote todas as providências administrativas para evitar delongas desnecessárias ao cumprimento desta decisão, autorizando o réu, de logo, caso não possua o(s) medicamento(s) em seus estoques, a adquiri-lo(s) urgentemente,  deixando para momento posterior qualquer ajuste financeiro a ser feito (vide item 2.1 supra);

c) advirto o ESTADO DE PERNAMBUCO de que o desatendimento do prazo assinalado no item b, para o fornecimento da medicação supracitada, nas dosagens e quantidades prescritas, conduzirá à aplicação de multa diária, sem prejuízo do sequestro dos recursos necessários para o cumprimento da obrigação;

d) Intime-se o ESTADO DE PERNAMBUCO para cumprimento desta decisão, no prazo consignado, anexando-se aos expedientes os documentos médicos juntados ao feito;

e) No momento oportuno, digam as partes se há provas a produzir, especificando-as e justificado o seu requerimento (Prazo de 15 dias, contato em dobro em favor da advocacia Pública).

f) Caso não seja requerida a produção de prova, voltem-me os autos conclusos para julgamento.

Cumpra-se, COM URGÊNCIA.

Recife, 23.08.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(lsc)

 _________________________________________________

[1] Disponível em 

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=439095&caixaBusca=N

Acesso em 22.08.2022.

[2] Disponível em

https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2565078

Acesso em 23.08.2022.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO DE VERBAS. TEMA 905 DO STJ.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Aplicação do Tema 905 do STJ na atualização de verbas previdenciárias vencidas e outras questões. 

Boa leitura. 




PROCESSO Nº: 0805559-64.2014.4.05.8300 - EMBARGOS À EXECUÇÃO

EMBARGANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
EMBARGADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS UNIVERSIDADES FE DE PE
ADVOGADO: José Carlos Almeida Júnior
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

                                                                   DECISÃO

1.Relatório

Em petição de Id. 4058300.20078580, a Parte Embargada apresenta discordância quanto aos cálculos da Contadoria, sob as seguintes alegações:

a)  não foram calculados corretamente os juros de mora, em face de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos julgados relativos aos REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, REsp 1.495.146/MG, referentes ao Tema 905;

b)  incorreta a incidência de juros sobre os valores pagos administrativamente, bem como, a utilização da UFIR até Dez/2000 (argumentos na petição apresentada em 22/02/2017);

c)   no que tange às substituídas Vanda Rodrigues, Vaneide Maria do Nascimento e Vania Monte Menezes, como já dito, os valores considerados pela contadoria na coluna "valores principais" contemplam importâncias diferentes das constantes tanto do cálculo exequendo quanto do cálculo da Embargante.

2. Fundamentação

2.1. Quanto a aplicação do percentual de juros de 1% ao mês até julho/2001.

Assiste razão à Parte Embargada quando menciona a tese firmada pela Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Tema 905 da sistemática dos recursos repetitivos tendo como recursos: REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, REsp 1.495.146/MG.

Destaco o trecho que diz respeito ao ponto ora tratado:

    "3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.

    3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.

    As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

    3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos.

    As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.

    3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas.

    No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.

    3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

    As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

    3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.

    A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices."[1]

2.2. Da incidência de juros sobre os pagamentos administrativos

Tenho adotado o entendimento de alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça - STJ, segundo o qual as parcelas pagas administrativamente, enquanto tramitava a ação de conhecimento, devem ser deduzidas na fase executiva, com a mesma atualização das parcelas vencidas, para que possa haver equilíbrio na execução.

2.3. Cálculos das substituídas Vanda Rodrigues, Vaneide Maria do Nascimento e Vania Monte Menezes

Essa questão deve ser esclarecida pela Contadoria, inclusive, porque pode se tratar de mero erro material a ser corrigido.

3. Dispositivo

Posto isso, retornem os autos à Contadoria para elaboração de novos cálculos observando-se os parâmetros indicados na fundamentação supra.

Após, vista às partes para manifestação e em seguida venham-me conclusos para julgamento.

Cumpra-se com urgência por tratar-se de processo de META 02

Recife, 04.08.2022.

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR

    Juiz Federal Titular da 2ª vara da JFPE


 (arf)





[1]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 905. 

Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1416079&num_registro=201402838362&data=20180320&formato=PDF

Acesso em 03.08.2022.

terça-feira, 19 de julho de 2022

MANDADO DE SEGURANÇA: IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL ESCOLHIDO. ISENÇÃO DO IPI. AUTOMÓVEL. DEFICIÊNCIA OCULAR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

Na sentença e no acórdão que seguem, discute-se a impropriedade da escolha de mandado de segurança para pleito que exige dilação probatória e também a questão da isenção do IPI quando se sofre de deficiência ocular. 

Boa Leitura.  

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: FCC
ADVOGADO: CF SC
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
 

 

Sentença tipo C

 

EMENTA:.  PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS.

Sem provas pré-constituídas, o mandado de segurança não é viável.

Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito e denegação da segurança, com ressalvas para uso da ação própria.

 

Vistos, etc. 

1. Breve Relatório

F C C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Aduziu, em síntese, que: conforme laudo médico comprobatório, que estaria anexando com a peça inicial, ainda na infância perdera a visão do olho direito, desenvolvendo visão monocular em razão de ambliopia, de sorte a possuir acuidade visual, com correção, de 20/400; tal situação caracterizaria, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho - MG, hipótese de deficiência visual permanente, catalogada pelo Código Internacional de Doenças sob o código H53.0; em razão da condição de saúde acima descrita, o requerente teria experimentado,  ao longo de sua vida, limitações em sua capacidade sensorial, com a alteração das noções de profundidade e distância, além de vulnerabilidade de ordem biopsicossocial; tais limitações seriam atestadas, inclusive em sua Carteira Nacional de Habilitação - CNH, conforme prova em anexo;  no presente ano, o impetrante teria tomado conhecimento de que teria entrado em vigor a Lei nº 14.126/2021, que classificaria a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; tal determinação normativa o teria incentivado  a buscar o reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico, da tutela que lhe fora legalmente concedida; ante a comprovada condição de deficiente visual do impetrante, este, em busca da efetivação de sua garantia constitucional e legal de tutela e inclusão, teria requerido à Receita Federal do Brasil, aos 13 de setembro de 2021, a concessão de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre veículos automotores; tal pedido contudo,  fora denegado pela Administração Tributária aos 27 de setembro do presente ano; discordando da decisão administrativa, o autor recorrera à Delegacia da Receita Federal do Brasil em Recife; contudo fora surpreendido por novo despacho denegatório, prolatado por esta d. Autoridade,  que adjetiva de coatora, aos 30 de setembro de 2021, sob o argumento de que "O laudo não atesta deficiência visual na forma da legislação aplicável. Para a isenção requerida, a Lei nº 8.989/1995 (que permanece me vigor), no artigo 1o, § 2o estabelece que a acuidade visual deve ser igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção. Não é possível concluir que estão presentes todos os requisitos para ser considerado portador de deficiência visual no âmbito da legislação isentiva de IPI."

Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

a) A concessão de medida liminar, para determinar ao impetrado que imediatamente conceda a isenção tributária ao impetrante, sob pena de multa diária;

b) Ao final, seja confirmada a liminar e concedida a segurança pleiteada em definitivo;

c) Seja dada ciência do presente mandamus à Advocacia Geral da União, órgão de representação judicial do impetrado, bem como à autoridade coatora, para que prestem as informações necessárias no prazo legal. Dá-se a causa o valor de R$1.192,40 (mil reais), para fins de alçada.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

O Mandado de Segurança é uma espécie de ação constitucional que se destina à proteção de direito líquido e certo contra ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público.
 
Por sua vez, o conceito de direito líquido e certo resulta de fato jurígeno cuja existência e delimitação são evidentes, posto que passíveis de demonstração documental, motivo pelo qual deve ser comprovado de plano na peça vestibular, por meio de prova inequívoca.

  No caso em tela, a impetrante defende que DD Autoridade impetrada teria ofendido o seu direito líquido e certo ao deixar de conceder a isenção tributária em debate, tendo em vista ser portadora de deficiência (visão monocular) que assegura o gozo do benefício fiscal, anexando aos autos laudo médico atestando a sua condição.
 
 
No entanto, o portador de visão monocular, por si só, não preenche os requisitos para a concessão da isenção, sendo necessário, a despeito disso, que apresente acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações (§ 2º do art. 1º da Lei n° 8.989/1995), para que fosse possível a isenção requerida.
 
Nos termos em que disposto no art. 1º, IV, parágrafo 2º, da Lei nº 8.989/95, a visão monocular não é suficiente para assegurar isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, devendo ser demonstrado que o outro olho possui acuidade visual igual ou menor que 20/200 e/ou campo visual inferior a 20º (tabela snellen)."
 
 
Com efeito, da leitura atenta do Laudo de Avaliação para isenção de IPI, anexado aos autos (Id. 4058300.21158132), vê-se que não houve qualquer indicação do grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental.

 Dessa forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança.

Óbvio que o Impetrante pode e deve buscar os seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive a realização de perícia.

 3. Dispositivo

POSTO ISSO, reconheço a inadequação da via mandamental, indefiro a petição inicial(inciso V do art. 295 do Código de Processo Civil),  denego a segurança e julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do § 5º do art. 6º da Lei 12.016/2009 c/c o inciso IV do art. 485 do Código de Processo Civil.

Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e da Súmula 512 do STF).

Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.

Intimem-se.

Recife, 22.11.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

A Sentença supra foi mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no acórdão que segue. 

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: F C DO C

ADVOGADO: C F S C

APELADO: FAZENDA NACIONAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Vladimir Souza Carvalho - 4ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

(Relatório)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

O apelante, em suas razões recursais, defende que i) o indeferimento da isenção pleiteada pelo apelante, que é pessoa com deficiência, contraria a Lei 14.126/2021, que classificou a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; ii) o impetrante, ainda na infância, perdeu a visão do olho direito, passando a ter visão monocular em razão de ambliopia, com acuidade visual, com correção, de 20/400, o que, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], caracteriza deficiência visual permanente permanente [CID H53.0], inclusive com tal condição atestada em sua Carteira Nacional de Habilitação [CNH]; iii) diante da Lei 14.126/2021, que classifica a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais, o impetrante busca tutela jurídica; iv) a ratio normativa que orienta a concessão da isenção em questão é a proteção e inclusão da pessoa com deficiência, não havendo razão para se discriminar deficientes que tem cegueira em um dos olhos, situação que causa restrições sensoriais e vulnerabilidade social; v) a interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.989/95 não afronta o art. 111, inc. II, do Código Tributário Nacional; vi) o art. 1º, § 1º, da Lei 8.989 considera pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, comprometendo a função física; vii) a ausência de preenchimento dos campos de indicação da acuidade visual no laudo expedido pela Receita Federal foi uma opção da equipe técnica, ante a inadequação do referido laudo frente à inovação decorrente da Lei 14.126/2021, pois tais características não dizem respeito àqueles que tem "visão monocular" ; e  que vii) a via mandamental é adequada por estar o direito do impetrante demonstrado por prova pré-constituída; por fim, requer o provimento da apelação, anulando-se a sentença recorrida e, em respeito à teoria da causa madura, que seja concedida a segurança, reconhecendo-se o direito do impetrante à isenção, ou caso assim não se entenda, que a sentença seja anulada, devolvendo-se a matéria para reapreciação do Juízo a quo.

Ao ser intimada para apresentar contrarrazões, a Fazenda Nacional apresentou contrarrazões remissivas [conforme autorizado pela Ordem de Serviço 39, de 25 de maio de 2020, do Procurador-Chefe da Defesa da 5ª Região] às informações fiscais e à própria sentença; por fim, requer o desprovimento da apelação do autor.

É o relatório. 

(Voto)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

"De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

Passo à análise das provas pré-constituídas.

Embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

Dessa forma, é necessária prova técnica que demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

Por este entender, voto pela manutenção da sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

É como voto. 

(Ementa)

Tributário. Apelação de sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, impetrada para reconhecimento de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência.

1.Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

2. O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,  "o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

3. A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

4. "De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

5. Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

6. Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

7. Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

8. Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

9. Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

10. No que diz respeito à análise da prova pré-constituída nos autos, embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

11. Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

12. De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

13. Dessa forma, é necessária prova técnica, cuja produção é incompatível com o mandado de segurança, para que se demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada nos autos parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

14. Apelação desprovida, mantendo-se a sentença de extinção do feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

/jsdfb 

(Acórdão)

Vistos, etc.

Decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, do voto e das notas taquigráficas constantes dos autos.

Recife, (data do sistema)

Desembargador Vladimir Souza Carvalho - Relator



22052014445916800000023501837

 

 

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