quinta-feira, 4 de agosto de 2022

PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO DE VERBAS. TEMA 905 DO STJ.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Aplicação do Tema 905 do STJ na atualização de verbas previdenciárias vencidas e outras questões. 

Boa leitura. 




PROCESSO Nº: 0805559-64.2014.4.05.8300 - EMBARGOS À EXECUÇÃO

EMBARGANTE: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
EMBARGADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS UNIVERSIDADES FE DE PE
ADVOGADO: José Carlos Almeida Júnior
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

                                                                   DECISÃO

1.Relatório

Em petição de Id. 4058300.20078580, a Parte Embargada apresenta discordância quanto aos cálculos da Contadoria, sob as seguintes alegações:

a)  não foram calculados corretamente os juros de mora, em face de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos julgados relativos aos REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, REsp 1.495.146/MG, referentes ao Tema 905;

b)  incorreta a incidência de juros sobre os valores pagos administrativamente, bem como, a utilização da UFIR até Dez/2000 (argumentos na petição apresentada em 22/02/2017);

c)   no que tange às substituídas Vanda Rodrigues, Vaneide Maria do Nascimento e Vania Monte Menezes, como já dito, os valores considerados pela contadoria na coluna "valores principais" contemplam importâncias diferentes das constantes tanto do cálculo exequendo quanto do cálculo da Embargante.

2. Fundamentação

2.1. Quanto a aplicação do percentual de juros de 1% ao mês até julho/2001.

Assiste razão à Parte Embargada quando menciona a tese firmada pela Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Tema 905 da sistemática dos recursos repetitivos tendo como recursos: REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, REsp 1.495.146/MG.

Destaco o trecho que diz respeito ao ponto ora tratado:

    "3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.

    3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.

    As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.

    3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos.

    As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001: juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.

    3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas.

    No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.

    3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.

    As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

    3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.

    A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices."[1]

2.2. Da incidência de juros sobre os pagamentos administrativos

Tenho adotado o entendimento de alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça - STJ, segundo o qual as parcelas pagas administrativamente, enquanto tramitava a ação de conhecimento, devem ser deduzidas na fase executiva, com a mesma atualização das parcelas vencidas, para que possa haver equilíbrio na execução.

2.3. Cálculos das substituídas Vanda Rodrigues, Vaneide Maria do Nascimento e Vania Monte Menezes

Essa questão deve ser esclarecida pela Contadoria, inclusive, porque pode se tratar de mero erro material a ser corrigido.

3. Dispositivo

Posto isso, retornem os autos à Contadoria para elaboração de novos cálculos observando-se os parâmetros indicados na fundamentação supra.

Após, vista às partes para manifestação e em seguida venham-me conclusos para julgamento.

Cumpra-se com urgência por tratar-se de processo de META 02

Recife, 04.08.2022.

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR

    Juiz Federal Titular da 2ª vara da JFPE


 (arf)





[1]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 905. 

Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1416079&num_registro=201402838362&data=20180320&formato=PDF

Acesso em 03.08.2022.

terça-feira, 19 de julho de 2022

MANDADO DE SEGURANÇA: IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL ESCOLHIDO. ISENÇÃO DO IPI. AUTOMÓVEL. DEFICIÊNCIA OCULAR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

Na sentença e no acórdão que seguem, discute-se a impropriedade da escolha de mandado de segurança para pleito que exige dilação probatória e também a questão da isenção do IPI quando se sofre de deficiência ocular. 

Boa Leitura.  

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: FCC
ADVOGADO: CF SC
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
 

 

Sentença tipo C

 

EMENTA:.  PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS.

Sem provas pré-constituídas, o mandado de segurança não é viável.

Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito e denegação da segurança, com ressalvas para uso da ação própria.

 

Vistos, etc. 

1. Breve Relatório

F C C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Aduziu, em síntese, que: conforme laudo médico comprobatório, que estaria anexando com a peça inicial, ainda na infância perdera a visão do olho direito, desenvolvendo visão monocular em razão de ambliopia, de sorte a possuir acuidade visual, com correção, de 20/400; tal situação caracterizaria, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho - MG, hipótese de deficiência visual permanente, catalogada pelo Código Internacional de Doenças sob o código H53.0; em razão da condição de saúde acima descrita, o requerente teria experimentado,  ao longo de sua vida, limitações em sua capacidade sensorial, com a alteração das noções de profundidade e distância, além de vulnerabilidade de ordem biopsicossocial; tais limitações seriam atestadas, inclusive em sua Carteira Nacional de Habilitação - CNH, conforme prova em anexo;  no presente ano, o impetrante teria tomado conhecimento de que teria entrado em vigor a Lei nº 14.126/2021, que classificaria a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; tal determinação normativa o teria incentivado  a buscar o reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico, da tutela que lhe fora legalmente concedida; ante a comprovada condição de deficiente visual do impetrante, este, em busca da efetivação de sua garantia constitucional e legal de tutela e inclusão, teria requerido à Receita Federal do Brasil, aos 13 de setembro de 2021, a concessão de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre veículos automotores; tal pedido contudo,  fora denegado pela Administração Tributária aos 27 de setembro do presente ano; discordando da decisão administrativa, o autor recorrera à Delegacia da Receita Federal do Brasil em Recife; contudo fora surpreendido por novo despacho denegatório, prolatado por esta d. Autoridade,  que adjetiva de coatora, aos 30 de setembro de 2021, sob o argumento de que "O laudo não atesta deficiência visual na forma da legislação aplicável. Para a isenção requerida, a Lei nº 8.989/1995 (que permanece me vigor), no artigo 1o, § 2o estabelece que a acuidade visual deve ser igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção. Não é possível concluir que estão presentes todos os requisitos para ser considerado portador de deficiência visual no âmbito da legislação isentiva de IPI."

Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

a) A concessão de medida liminar, para determinar ao impetrado que imediatamente conceda a isenção tributária ao impetrante, sob pena de multa diária;

b) Ao final, seja confirmada a liminar e concedida a segurança pleiteada em definitivo;

c) Seja dada ciência do presente mandamus à Advocacia Geral da União, órgão de representação judicial do impetrado, bem como à autoridade coatora, para que prestem as informações necessárias no prazo legal. Dá-se a causa o valor de R$1.192,40 (mil reais), para fins de alçada.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

O Mandado de Segurança é uma espécie de ação constitucional que se destina à proteção de direito líquido e certo contra ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público.
 
Por sua vez, o conceito de direito líquido e certo resulta de fato jurígeno cuja existência e delimitação são evidentes, posto que passíveis de demonstração documental, motivo pelo qual deve ser comprovado de plano na peça vestibular, por meio de prova inequívoca.

  No caso em tela, a impetrante defende que DD Autoridade impetrada teria ofendido o seu direito líquido e certo ao deixar de conceder a isenção tributária em debate, tendo em vista ser portadora de deficiência (visão monocular) que assegura o gozo do benefício fiscal, anexando aos autos laudo médico atestando a sua condição.
 
 
No entanto, o portador de visão monocular, por si só, não preenche os requisitos para a concessão da isenção, sendo necessário, a despeito disso, que apresente acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações (§ 2º do art. 1º da Lei n° 8.989/1995), para que fosse possível a isenção requerida.
 
Nos termos em que disposto no art. 1º, IV, parágrafo 2º, da Lei nº 8.989/95, a visão monocular não é suficiente para assegurar isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, devendo ser demonstrado que o outro olho possui acuidade visual igual ou menor que 20/200 e/ou campo visual inferior a 20º (tabela snellen)."
 
 
Com efeito, da leitura atenta do Laudo de Avaliação para isenção de IPI, anexado aos autos (Id. 4058300.21158132), vê-se que não houve qualquer indicação do grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental.

 Dessa forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança.

Óbvio que o Impetrante pode e deve buscar os seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive a realização de perícia.

 3. Dispositivo

POSTO ISSO, reconheço a inadequação da via mandamental, indefiro a petição inicial(inciso V do art. 295 do Código de Processo Civil),  denego a segurança e julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do § 5º do art. 6º da Lei 12.016/2009 c/c o inciso IV do art. 485 do Código de Processo Civil.

Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e da Súmula 512 do STF).

Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.

Intimem-se.

Recife, 22.11.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

A Sentença supra foi mantida pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no acórdão que segue. 

PROCESSO Nº: 0822198-16.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: F C DO C

ADVOGADO: C F S C

APELADO: FAZENDA NACIONAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Vladimir Souza Carvalho - 4ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

(Relatório)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

O apelante, em suas razões recursais, defende que i) o indeferimento da isenção pleiteada pelo apelante, que é pessoa com deficiência, contraria a Lei 14.126/2021, que classificou a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais; ii) o impetrante, ainda na infância, perdeu a visão do olho direito, passando a ter visão monocular em razão de ambliopia, com acuidade visual, com correção, de 20/400, o que, conforme atestado pela Secretaria de Saúde do Município de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], caracteriza deficiência visual permanente permanente [CID H53.0], inclusive com tal condição atestada em sua Carteira Nacional de Habilitação [CNH]; iii) diante da Lei 14.126/2021, que classifica a visão monocular como deficiência para todos os efeitos legais, o impetrante busca tutela jurídica; iv) a ratio normativa que orienta a concessão da isenção em questão é a proteção e inclusão da pessoa com deficiência, não havendo razão para se discriminar deficientes que tem cegueira em um dos olhos, situação que causa restrições sensoriais e vulnerabilidade social; v) a interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.989/95 não afronta o art. 111, inc. II, do Código Tributário Nacional; vi) o art. 1º, § 1º, da Lei 8.989 considera pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, comprometendo a função física; vii) a ausência de preenchimento dos campos de indicação da acuidade visual no laudo expedido pela Receita Federal foi uma opção da equipe técnica, ante a inadequação do referido laudo frente à inovação decorrente da Lei 14.126/2021, pois tais características não dizem respeito àqueles que tem "visão monocular" ; e  que vii) a via mandamental é adequada por estar o direito do impetrante demonstrado por prova pré-constituída; por fim, requer o provimento da apelação, anulando-se a sentença recorrida e, em respeito à teoria da causa madura, que seja concedida a segurança, reconhecendo-se o direito do impetrante à isenção, ou caso assim não se entenda, que a sentença seja anulada, devolvendo-se a matéria para reapreciação do Juízo a quo.

Ao ser intimada para apresentar contrarrazões, a Fazenda Nacional apresentou contrarrazões remissivas [conforme autorizado pela Ordem de Serviço 39, de 25 de maio de 2020, do Procurador-Chefe da Defesa da 5ª Região] às informações fiscais e à própria sentença; por fim, requer o desprovimento da apelação do autor.

É o relatório. 

(Voto)

O desembargador Vladimir Souza Carvalho (relator): Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, nos termos do art. 295, inc. V, do Código de Processo Civil, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,

"o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

"De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

Passo à análise das provas pré-constituídas.

Embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

Dessa forma, é necessária prova técnica que demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

Por este entender, voto pela manutenção da sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

É como voto. 

(Ementa)

Tributário. Apelação de sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, impetrada para reconhecimento de isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência.

1.Conforme relatado, trata-se de apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial, denegando a segurança, observando que "o impetrante pode e deve buscar seus direitos pela via ordinária, que comporta ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia".

2. O autor busca com o mandado de segurança aquisição de veículo automotor com isenção de IPI para pessoa portadora de deficiência; a sentença recorrida considerou que "ser portador de visão monocular, por si só, não é suficiente para concessão da isenção em questão, nos termos do disposto no art. 1º, inc. IV, § 2º, da Lei 8.989/1995" e que, no caso,  "o Laudo de Avaliação anexado aos autos não indica o grau de acuidade visual, eis que o campo destinado a essa informação (4.3 Deficiência Visual) não foi preenchido, omitindo-se, dessa forma, acerca de requisito indispensável para a pretensão mandamental. Desta forma resta afastada a liquidez e a certeza do direito invocado pela parte impetrante, vez que o desate da controvérsia implicaria em abertura de fase de instrução probatória, o que não se coaduna com a estreita via do mandado de segurança'.

3. A Lei 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, concede em seu art. 1º, inc. IV, o referido benefício diante de veículos com as características ali especificadas, adquiridos por "pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal"; em seguida, no §1º, considera pessoa com deficiência aquela com "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (...)".

4. "De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a visão monocular é caracterizada quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal" e "as pessoas monoculares têm dificuldades com noções de distância, profundidade e espaço, o que prejudica a coordenação motora e, consequentemente, o equilíbrio. A deficiência pode ser ocasionada por algum tipo de acidente ou por doenças, como glaucoma, toxoplasmose e tumores" [Fonte: Agência Câmara de Notícias https://www.camara.leg.br/noticias/738508-sancionada-lei-que-classifica-visao-monocular-como-deficiencia-visual/].

5. Dessa forma, aferir a acuidade do melhor olho para o reconhecimento da isenção à pessoa com visão monocular, equivale a dizer que muitas dessas pessoas, mesmo não tendo a visão de um olho, não seriam consideradas deficientes visuais, simplesmente por ainda ter o outro olho com acuidade; portanto, tal critério parece incompatível para detectar/aferir a visão monocular, contrariando a finalidade da isenção em questão.

6. Do ponto de vista da literalidade da legislação, tem-se que a Lei 8.989, concessiva da isenção, reproduz em seu art. 1º, §1º, a definição de pessoa com deficiência fixada no art. 2º, da Lei 13.146/2015 [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência], incluindo-se aqui a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza sensorial.

7. Paralelamente, o art. 1º, § 1º, inc. IV, Lei 8.989, concede o direito à isenção à pessoa com deficiência visual; enquanto a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, classifica, em seu art. 1º, a visão monocular como "deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais", sendo o Poder Executivo incumbido, expressamente, pelo art. 2º, § 2º, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que data de 2015, de criar instrumentos para avaliação da deficiência.

8. Ressalte-se que o dispositivo indicado pela sentença [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], que exigia acuidade do melhor olho igual ou menor a 20/200 [tabela Snellen] ou campo visual inferior a 20°, foi revogado pela Lei 14.287, de 31 de dezembro de 2021.

9. Dessa forma, i) a lei da isenção teve revogado o dispositivo que exigia a aferição da acuidade para o "melhor olho", autorizando, sem tal exigência, a isenção à pessoa com deficiência visual; e ii) o art. 1º, da Lei 14.126, classifica expressamente a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, "para todos os efeitos legais"; portanto, a concessão da isenção em questão à pessoa com visão monocular é plenamente compatível com a lei isentiva, sem qualquer ofensa à interpretação literal exigida pelo art. 111, do Código Tributário Nacional, e tal condição, por si só, é suficiente para concessão do benefício em questão, bastando para tanto a devida comprovação daquela condição [visão monocular].

10. No que diz respeito à análise da prova pré-constituída nos autos, embora no Laudo de Avaliação da Receita Federal não estejam marcados os critérios sobre o "melhor olho", nem sobre o "campo visual inferior a 20º", mas apenas o campo indicando que o impetrante é portador de deficiência visual; há outro Laudo de Avaliação, expedido em 13 de setembro de 2021, pelo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Bom Despacho [Estado de Minas Gerais], indicando "acuidade visual do olho direito: 20/400 e olho esquerdo 20/20",  "deficiência de caráter permanente", sendo que tal situação levou ao despacho administrativo de indeferimento da isenção, em 13 de setembro de 2021, sob fundamento de que a legislação [§ 2º, art. 1º, da Lei 8.989], agora revogada, exigia acuidade menor que 20/200 (0,3) no melhor olho e o impetrante no melhor olho não se enquadra em tal situação.

11. Há indicação do Código Internacional de Doenças [CID] H53.0 no laudo Serviço Médico da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal referido, que corresponde a ambliopia, que conta com diferentes graus/classificações.

12. De outro lado, a visão monocular é caracterizada pela visão muito reduzida em um dos olhos, o que para a Organização Mundial de Saúde [OMS] corresponde a acuidade igual ou inferior a 20/200, enquanto para o Conselho Brasileiro de Oftalmologia é inferior a 20/400.

13. Dessa forma, é necessária prova técnica, cuja produção é incompatível com o mandado de segurança, para que se demonstre de forma clara e irrefutável o enquadramento do caso na visão monocular, vez que a acuidade indicada nos autos parece estar no limiar do que é admitido para a deficiência apontada.

14. Apelação desprovida, mantendo-se a sentença de extinção do feito sem julgamento de mérito, resguardando a possibilidade, conforme sentenciado, de que o impetrante, pela via ordinária, tenha acesso a ampla dilação probatória, inclusive realização de perícia.

/jsdfb 

(Acórdão)

Vistos, etc.

Decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, do voto e das notas taquigráficas constantes dos autos.

Recife, (data do sistema)

Desembargador Vladimir Souza Carvalho - Relator



22052014445916800000023501837

 

 

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

 


quarta-feira, 6 de julho de 2022

IMPORTAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. PRAZO.

`Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Discute-se, na decisão infra, o problema do prazo para finalização do desembaraço aduaneiro na importação de mercadorias. 

Boa leitura. 


 PROCESSO Nº: 0810784-84.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: G B P LTDA
ADVOGADO: L  B A De A
IMPETRADO: DELEGADO DA ALFÂNDEGA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 D E C I S Ã O

 1. Breve Relatório

G B P LTDA impetrou, em 30.06.2022, contra alegado ato omissivo, atribuído ao ILMO. SR. DELEGADO DA ALFÂNDEGA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE - ALF/REC, objetivando que se determine o imediato prosseguimento dos processos de despacho aduaneiro da Declaração de Importação de 22/1115065-8, registrada pela Impetrante no SISCOMEX em 13 de junho de 2022 e que, até o momento, não sofrera a verificação considerada necessária pela Receita Federal.

Para tanto, aduziu, em síntese, que:  seria empresa dedicada ao comércio exterior, com enfoque no ramo de importação e revenda de mercadorias importadas (doc. 01); a Impetrante teria efetuado operação de importação via Porto de Suape/PE, consignada na DI de nº 22/1115065-8, registrada em 13/06/2022 (doc. 04); a declaração de importação supracitada teria sido parametrizada para o canal vermelho de conferência aduaneira (doc. 05), e, posteriormente, no dia 17/06/2022, fora distribuída para realização da verificação física das mercadorias pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo despacho aduaneiro (doc. 06); desde então, o despacho aduaneiro estaria interrompido, portanto, há mais de 13 (treze) dias, aguardando a realização da verificação física das mercadorias pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável, sem quaisquer novas movimentações, situação que, aliada ao largo período de trâmite das cargas na Alfândega (dezoito dias), estaria causando graves prejuízos à Impetrante, em razão da impossibilidade de continuidade do exercício de suas atividades, afora todos os custos de armazenamento da carga e de demurrage, cujo prazo de livre estadia foi encerrado no dia 28/06/2nada obstante a legislação estabelecer o prazo de 08 (oito) dias para a prática, pelo órgão ou autoridade responsável, dos atos do processo administrativo pelo qual este é responsável, as mercadorias importadas estão retidas pela Receita Federal desde o registro das Declarações de Importação, não sendo razoável a sujeição da Impetrante a um período de espera indefinido, superior à demora que poderia ser razoavelmente tolerada; seria de conhecimento público e notório que a Autoridade Coatora, por seus servidores, teria entabulado movimento paredista em busca de majorar os seus proventos, o que estaria prejudicando, também, o regular andamento do feito administrativo e, consequentemente, o exercício da atividade empresarial da Impetrante.

Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes.

Pugnou, ao final:

a) pela concessão de medida liminar para imediato e regular processamento da Declaração de Importação de nº 22/1115065-8, registrada pela Impetrante no SISCOMEX em 13 de junho de 2022; Receita Federal;

b) Deferida e cumprida a liminar requestada, requer a Impetrante a notificação da Autoridade Coatora Impetrada para prestar informações no prazo legal, bem como que seja dada ciência ao órgão público a que é vinculada e, após, seja intimado do Ilmo. Representante do Ministério Público Federal, para que traga aos autos o seu judicioso parecer, na forma da lei;

c) Que sejam julgados procedentes os pedidos formulados no presente Mandado de Segurança e concedida a segurança pleiteada no sentido de determinar o imediato prosseguimento dos processos de despacho aduaneiro da Declaração de Importação de 22/1115065-8, registrada pela Impetrante no SISCOMEX em 13 de junho de 2022. 
 

Inicial instruída com procuração e documentos. 

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

A Lei nº 12.016/2016, em seu art. 7º, III, autoriza a concessão de medida liminar, desde que se configure a presença de dois requisitos, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

No caso, reputo presente esses dois requisitos.

Explico.

A fiscalização aduaneira é procedimento voltado à conferência de mercadorias oriundas de importações, para o qual não haja previsão de prazo específico para sua conclusão.

A despeito da inexistência de prazo específico, é farta a jurisprudência no sentido de que deve ser utilizado como parâmetro o prazo de 08 (oito) dias,  fixado no art. 4º  do Decreto Lei nº 70.235/71, que trata sobre o processo administrativo fiscal, o qual tem a seguinte redação: "Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias".

Nesse sentido, confira-se precedente recente do E. TRF5ª Região a seguir transcrito:

"PROCESSO Nº: 0810452-81.2021.4.05.8000 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL PARTE AUTORA: YARA BRASIL FERTILIZANTES S/A ADVOGADO: Fernanda Candido Siegmann Nery e outros PARTE RÉ: FAZENDA NACIONAL RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal André Luís Maia Tobias Granja EMENTA. TRIBUTÁRIO. MERCADORIA IMPORTADA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. PRAZO. 8 DIAS. DECRETO Nº 70.235/1972. INOBSERVÂNCIA. 1. Trata-se de remessa necessária em face de sentença que confirmou a liminar e concedeu a segurança, para determinar que a parte impetrada conclua os procedimentos necessários para que a impetrante possa proceder com a retificação e desembaraço das DI's nºs 21/0223226-2 e 21/0223250-5, no prazo corrido de 08 (oito) dias previsto no Dec. 70.235/72, sob pena de multa.

2. Na inicial do presente mandamus, impetrado em 28 de junho de 2021, a parte impetrante relata ser pessoa jurídica que se dedica à industrialização, comércio, importação e exportação de fertilizantes simples ou compostos, matérias-primas correlatas e corretivos do solo. Que, no desenvolvimento da sua atividade, importou matérias-primas e produtos para revenda para o consumo, conforme DI's nºs 21/0223226-2 e 21/0223250-5 e respectivos CEMercante, Invoices, BL e laudos que instruíram a inicial. Que as referidas DIs foram devidamente registradas em 03/02/2021, mas até o momento, ainda não foram desembaraçadas, pois a Autoridade Portuária alega que, devido a problemas sistêmicos, não consegue informar no Siscomex a presença de carga no Porto. Que, na prática, o Porto de Maceió estaria em greve. Que, em razão de tal problema, está impossibilitada de prosseguir com a devida retificação das DIs e prosseguimento do desembaraço das suas mercadorias. Assim, busca que seja determinado ao Delegado da Alfandega do Porto de Maceió - AL que, no prazo máximo de 48 horas, "conclua procedimentos necessários para que a impetrante possa proceder com a retificação e desembaraço das DI's nºs 21/0223226-2 e 21/0223250-5, eis que transcorrido o prazo de 08 (oito) dias previsto no Dec. 70.235/72, sob pena de multa diária".

3. Inicio afastando a alegação de ilegitimidade passiva da autoridade impetrada, pois os documentos juntados aos autos demonstram claramente que a demora na liberação das mercadorias se deu em virtude de "problemas com a habilitação do porto de Maceió", que não estaria conseguindo realizar a "Presença de Carga" no sistema MANTRA. É o que se depreende da leitura de correspondência eletrônica trocada entre o impetrante e o Chefe do Subsetor de Operações - SUSOPE do Porto de Maceió.

4. No mérito, a partir das informações e documentos acostados nos autos, noto que as declarações de importação (DI's nºs 21/0223226-2 e 21/0223250-5), desde o dia 03/02/2021, foram registradas (...), porém, até o presente momento não houve o desembaraço para a liberação da matéria-prima.

5. Consta ainda do bojo da inicial informação prestada por Jeferson Ramos de Lima, Chefe do Subsetor de Operações - SUSOPE, no sentido de que "durante o período em que ficamos impossibilitados de operar nos Sistemas de Comércio Exterior - SISCOMEX, em razão de problemas com a habilitação do porto de Maceió, não foi possível informar o início e término da operação do Navio 'IRIS EXPRESS', Imo - 9403114, Escala 21000034889, Atracado em 07/02/2021 e Desatracado em 11/02/2021. Em virtude disso, não estamos conseguindo realizar a Presença de Carga no sistema MANTRA".

6. A despeito da inexistência de prazo específico para a apreciação de pedidos dessa natureza, tenho que o mandamento constitucional constante do inciso LXXVIII do art. 5º é claro quando assegura em favor de todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

7. Destarte, se desde fevereiro ocorreu o registro dos produtos e até o presente momento o desembaraço não ocorreu, a omissão não pode ser fomentada pelo judiciário, até porque, como já frisado pela impetrante, a atividade empresarial fica prejudicada, o que atenta ainda mais contra a liberdade econômica, também assegurada no âmbito constitucional (art. 170), notadamente em tempos de pandemia, que assola as empresas em função das diversas restrições impostas pelos órgãos governamentais.

8. Como bem aventado pela impetrante, o Dec. 70.235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências, pode ser utilizado aqui para suprir a lacuna concernente à ausência de prazo específico para a resolução do caso, nos termos do art. 4º ("Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias").

9. Ademais, a própria parte impetrante, em 14 de julho, após o deferimento da liminar, em 1 de julho, atravessou petição para comunicar que "A parte Impetrada, informa que procedeu com as ações necessárias, em conjunto com a Agência de Navegação contratada pela Impetrante, com vistas ao registro da carga e do passe de saída, possibilitando assim, a retificação e desembaraço das DI's nºs 21/0223226-2 e 21/0223250-5 pela impetrante, nos termos da decisão". Assim, tem-se que se está diante de situação consolidada de fato. 10. Remessa Necessária improvida. acapf ".[1] (GN)

Nessa toada, historiou  que: 1) efetuou a operação de importação via Porto de Suape/PE, consignada na DI de nº 22/1115065-8, registrada em 13/06/2022 (Id. 4058300.2325678; 2) foi parametrizada  para o canal vermelho de conferência aduaneira, e, posteriormente, no dia 17/06/2022, foi distribuída para realização da verificação física das mercadorias pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo despacho aduaneiro; 3)  o despacho aduaneiro estaria interrompido, portanto,  aguardando a realização da verificação física das mercadorias por prazo superior ao legalmente previsto.

Diante de tal sucessão de acontecimentos, vê-se, pois, que restou extrapolado o prazo de 8 (oito) dias. 

Reputo, pois, presentes os requisitos autorizadores da liminar requerida.

Registro, entretanto, que considerando a complexidade inerente aos procedimentos de fiscalização aduaneira, inclusive com a devida checagem dos containers, tenho por razoável fixar mais 3(três) dias para a conclusão da declaração de importação objeto do presente mandado de segurança, desde que não haja outro impedimento, não noticiado nestes autos.

3. Dispositivo

Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar, e determino que a DD Autoridade coatora, no prazo máximo de 3(três) dias, conclua a operação aduaneira  com relação às mercadorias discriminadas na Declaração de Importação de 22/1115065-8,, com observação das formalidade legais, inclusive no campo fiscalizatório, desde que não haja outro impedimento, não noticiado nestes autos.

Notifique-se a DD Autoridade apontada como coatora para prestar, na forma e no prazo legal, as suas Informações, bem como para comprovar que CUMPRIU a decisão supra, sob as penas da Lei, sob as penas do art. 26 da Lei 12.016, de 2009.

Outrossim, dê-se ciência deste mandado de segurança à UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, por meio da sua representação judicial, a PGFN, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei 12.016, de 2009 

Oportunamente, abra-se vista ao MPF, para os fins do  art. 12 da Lei por último invocada.

Finalmente, deve ser excluída a anotação de prevenção acusada pelo Pje, uma vez que inexistente.

Cumpra-se. Intimem-se. 

Recife, 06.07.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE

lsc

_____________________________________

[1] BRASIL. Tribunal Regional da 5ª Região.  PROCESSO: 08104528120214058000, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 10/03/2022.

Disponível em Julia | Pesquisa Inteligente (trf5.jus.br).

Acesso em 30.03.2022.