sábado, 6 de março de 2021

"ENTRA A PULSO", UMA LUTA SEM FIM. USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA AFORADO.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

A comunidade "Entra a Pulso" fica numa área muito valorizada da cidade do Recife, tendo por vizinho mais famoso o Shopping Center Recife. Pois bem,  essa comunidade adveio de ocupação de terreno acrescido de marinha por pessoas carentes,  quando a região ainda era um alagado. Como se sabe, terreno de marinha ou acrescido de marinha é de propriedade da UNIÃO. Lá pelo deste século, UNIÃO aforou todo o terreno para o Município do Recife. Então, algumas pessoas que ocupam o lugar há muitos anos propuseram ação de usucapião do domínio útil contra a UNIÃO e contra o MUNICÍPIO DO RECIFE. Na sentença abaixo, julga-se uma dessas ações. 

Boa leitura. 



Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna. 




PROCESSO Nº: 0009837-35.2000.4.05.8300 - USUCAPIÃO

AUTOR: MARIA LEOPOLDINA DA SILVA
ADVOGADO: Renan Resende Da Cunha Castro e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outros
ADVOGADO: Larissa Rangel Wanderley e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
  

 

Sentença Tipo A, registrada eletronicamente

 

EMENTA:- USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. DOMÍNIO ÚTIL. CONTRATO DE CESSÃO SOB O REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO.

- A UNIÃO cedeu a área onde está edificado o imóvel usucapiendo para o MUNICÍPIO DO RECIFE (cessionário), com vistas a proceder à regularização fundiária dos moradores de baixa renda da comunidade denominada "Entra Apulso".

- Terreno acrescido de marinha, sob regime de aforamento, pode o respectivo domínio útil ser objeto de usucapião (Súmula 17 do TRF/5ªR).

Procedência. 

Vistos etc.

1. Relatório

MARIA LEOPOLDINA DA SILVA, qualificada na petição inicial, propôs, em 02/06/2000, esta "AÇÃO DE USUCAPIÃO " contra VAN HOVER FERREIRA VELOSO, LIGIA DA PAUMA VELOSO, MIKAEL EL JAIME, EDVANDO MORENO GOES, EDVALDO MORENO GOES e UNIÃO, objetivando a declaração de domínio útil da Autora sobre o imóvel descrito na inicial, situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (parte da gleba do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE). Alegou, em síntese, que: residiria no imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa, Viagem, Recife/PE, por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, exercendo, em relação ao referido bem, posse mansa, pacífica, ininterrupta e com ânimo de dono durante toda a extensão do aludido período; a área de terreno usucapienda se encontrava abandonada, não afetada por eventual proprietário a qualquer destinação específica, somente lhe sendo atribuída função social pelos demandantes, quando nela teriam edificado acessão e passado a residir; o imóvel objeto da presente ação de usucapião possuiria área inferior a 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados); a propriedade do terreno seria da União Federal (terreno de marinha), havendo aforamento estabelecido em favor do suplicado, conforme certidão de propriedade exarada pelo Registro Geral de Imóveis desta Capital; pretenderiam os requerentes, dada a impossibilidade de adquirir o domínio pleno do imóvel em tela, usucapir o domínio útil referente àquele imóvel, ou seja, extinguir a relação de aforamento existente entre a União e o suplicado e, ao mesmo tempo, criar novo aforamento, entre  suplicantes e União; os autores preencheriam todos os requisitos constitucionais estabelecidos no art. 183, pois exerceriam posse em relação a imóvel com área inferior a 250m2, por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com ânimo de enfiteuta e utilizando-o exclusivamente para sua moradia, tornando-se assim hábeis a adquirir o domínio útil da área acima descrita. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos constitucionais e legais. Requereu, ao final: a) a citação por edital de VAN HORVEN FERREIRA VELOSO e sua esposa, LIGIA DA PAUMA VELOSO, MIKAEL EL JAIME, EDVANDO MORENO GOES E EDVALDO MORENO GOES; b) a citação por mandado da UNIÃO e dos confinantes posseiros; c) cientificação dos representantes legais das Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, para que manifestem interesse na presente ação; d) a concessão do benefício da justiça gratuita; e) seja julgado o presente feito procedente em todos os seus termos, declarando-se, por sentença, o domínio útil dos suplicantes sobre a área usucapienda. Deu valor à causa. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

Distribuída originariamente para esta Justiça Federal, em 02/06/2000, foi declinada a competência para a Justiça Estadual (id. 4058300.11821967), porque a UNIÃO peticionou nos autos, petição protocolada em 08/08/2001, instruída com documento, dizendo não ter interesse na demanda (id. 4058300.11821965).

Remetido o feito à Justiça Estadual, este enfrentou conflito negativo de competência entre uma das Varas de Sucessões e Registros Públicos e uma das Varas Cíveis, sendo, por fim, estabelecida a competência da 32ª Vara Cível da Capital (id. 4058300.11821997), onde teve regular prosseguimento (processo nº 001.2003.18172-1).

Naquele Juízo foi concedido o benefício da gratuidade da justiça à Parte Autora; realizadas audiências com oitivas de testemunhas (id. 4058300.11822001). Os Réus EDVANDO MORENO GOES e EDVALDO MORENO GOES apresentaram contestação (id. 4058300.11822004) e juntaram documentos. A Parte Autora e referidos Réus apresentaram razões finais (id. 4058300.11822020 e 4058300.11822022).

O Ministério Público do Estado de Pernambuco ofertou r. parecer (id. 4058300.11822026).

Oficiada, a UNIÃO peticionou (id. 4058300.11822036), alegando que o imóvel em questão teria sido construído sobre terreno de sua propriedade, esclarecendo que o terreno fora cedido, sob regime de aforamento gratuito, ao Município do Recife, ainda não registrado no RGI, juntando documentos.

Considerando o interesse da UNIÃO, foi determinada a remessa dos autos a esta Justiça Federal (id. 4058300.11822038).

Certificada a reativação deste feito na Justiça Federal (id. 4058300.11822046).

Decisão proferida em 13/06/2014 (id. 4058300.11822046), na qual foi decretada a revelia da União, sem os respectivos efeitos; determinada a remessa dos autos ao MPF para a devida apuração das responsabilidades do Servidor que assinou o documento id. 4058300.11822036; e intimação da Parte Autora para indicar o Município do Recife para o polo passivo, como litisconsorte necessário, e requerer sua citação.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL noticiou a extração de cópia de peças dos autos para distribuição, no âmbito do GOCC, para apurar responsabilidade, no campo administrativo (improbidade) e criminal (id. 4058300.11822050).

A Parte Autora apresentou manifestação (id. 4058300.11822047).

Despacho no qual foi deferido o pedido da Parte Autora para que fossem oficiadas a Fazenda Municipal e da Gerência de Regularização Fundiária da Secretaria de Habitação e também a Secretaria de Patrimônio da UNIÃO, para que prestem informações acerca do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, do imóvel, terreno acrescido de marinha referente à área denominada "Entra Apulso" (id. 4058300.11822057).

Oficiados, o Município do Recife (id. 4058300.11822060) e a SPU (id. 4058300.11822061) apresentaram manifestação.

Despacho no qual foi determinada a intimação da Parte Autora para indicar o Município do Recife para o polo passivo, como litisconsorte necessário, conforme já determinado na decisão supra (id. 4058300.11822063).

Certificado decurso de prazo sem manifestação da Parte Autora (id. 4058300.11822063).

Determinada a intimação pessoal da Parte Autora para cumprimento do despacho supra, sob pena de extinção do feito (id. 4058300.11822065).

A Parte Autora ingressou com petição (id. 4058300.11822067), na qual indica o Município do Recife como litisconsorte passivo necessário, juntando substabelecimento e requerendo que todas as publicações sejam exclusivamente feitas em nome do advogado Dr. Renan Resende da Cunha Castro (OAB/PE 31.910).

Determinada a citação do Município do Recife para os fins legais (id. 4058300.11822068).

O MUNICÍPIO DO RECIFE apresentou contestação (id. 4058300.11822073), pugnando, ao final, seja o presente processo extinto sem resolução do mérito. Juntou documentos.

Intimada para se manifestar sobre a petição do Município do Recife, a Parte Autora quedou-se silente, conforme certificado nos autos (id. 4058300.11822076).

Decisão proferida em 07/03/2018 (id. 4058300.11822083), na qual foram convalidados os atos praticados pelo d. Juiz de Direito da 32ª Vara Cível da Capital; se determinou que a Secretaria procedesse à anotação dos nomes dos Advogados dos Réus EDVANDO MORENO GÓIS e EDVALDO MORENO GÓES, que apresentaram contestação, e a respectiva intimação de todos os atos processuais; remessa dos autos à Distribuição para inclusão do MUNICÍPIO DO RECIFE como litisconsorte necessário; intimação das partes sobre a produção de novas provas; bem como abertura de  vista ao Ministério Público Federal.

O MUNICÍPIO DO RECIFE informou que não tem provas a produzir (id. 4058300.11822096).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou seu r. parecer, no qual esclarece que "deixa de se manifestar neste feito, sem prejuízo de que esse entendimento seja revisto em face de fato superveniente que torne necessária a sua intervenção" (id. 4058300.11822098).

Despacho no qual se determinou que a Secretaria certificasse se foram citados por Edital os possíveis interessados na presente ação e se decorreu o prazo para manifestação, devendo também ser certificado se a Fazenda Pública Estadual foi notificada para ciência desta ação, e se esta se pronunciou nos autos, conforme requerido pela Autora; se determinou que a Secretaria certificasse ainda se houve pronunciamento dos Réus EDVANDO e EDVALDO MORENO GOES; bem como a abertura de vista à UNIÃO para manifestação acerca do requerido pela Parte Autora. Após, viessem os autos conclusos para julgamento (id. 4058300.11822103).

Em cumprimento à decisão supra, foi certificado pela Secretaria desta 2ª Vara: "...CERTIFICO que os Réus, VAN HORVEN PERREIRA VELOSO, LÍGIA DA PAUMA VELOSO e MIKAEL EL JAIME, citados por Edital, não apresentaram Contestação atá a presente data. CERTIFICO que os Réus, EDVANDRO MORENO GOES e EDVALDO MORENO GOES, citados por edital, apresentaram CONTESTAÇÃO às fls. 125/132. CERTIFICO que a UNIÃO FEDERAL foi citada à fl. 42v e restou declarada a sua revelia na r. decisão de fl. 350v, alínea "a". CERTIFICO que o MUNICÍPIO DO RECIFE apresentou CONTESTAÇÃO às fIs. 396/397. CERTIFICO que até a presente data não consta dos autos manifestação do confinante posseiro, senhor PEDRO JOAQUIM DA SILVA. CERTIFICO, ao final, que no Edital de fls. 35/36 também restou consignada a citação dos "terceiros possíveis interessados, ausentes incertos e desconhecidos", os quais, não consta, até a presente data, manifestação nos autos. CERTIFICO que a FAZENDA ESTADUAL foi intimada para manifestar interesse nos autos (fl. 43v), mas, até a presente data, não consta manifestação nos autos..." (id. 4058300.11822103).

A UNIÃO apresentou manifestação, na qual esclarece a situação do Contrato de Cessão realizado com o Município do Recife (id. 4058300.11822110).

Ato ordinatório no qual foi a Parte Autora intimada para manifestação (id. 4058300.11822105).

Em cumprimento à Resolução Pleno nº 3, de 21 de março de 2018, foi procedida à migração dos autos físicos para o sistema de Processo Judicial Eletrônico - PJe (id. 4058300.11872744).

Ato ordinatório no qual foram as partes intimadas da migração do processo para o PJe (id. 4058300.11904515).

Apenas a UNIÃO manifestou ciência nos autos da digitalização do processo (id. 4058300.11995311).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2 - Fundamentação

2.1 - O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção outras provas além das que já constam dos autos.

2.2 - Das preliminares suscitadas pelos Réus EDVANDO e EDVALDO MORENO GOES (id. 4058300.11822004)

2.2.1 - Da nulidade de citação

Registre-se que a preliminar de nulidade de citação por edital, suscitada pelos Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes não deve prosperar, haja vista que o comparecimento à audiência e a apresentação de contestação sanaram a nulidade por eles apontada, conforme o disposto no parágrafo único, do art. 239, do CPC:

"Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução."

Logo, não merece acolhida tal preliminar.

2.2.2 - Da litigância de má-fé

A alegada litigância de má-fé da Autora, levantada pelos referidos Réus, também não merece acolhida, porque não devidamente demonstrada nos autos (art. 80, do CPC).

2.2.3 - Da conexão com a Ação Reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300

Suscitaram os referidos Réus a preliminar de conexão do presente feito com a ação reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300, proposta pelos ora Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes contra vários possuidores, entre os quais a ora Autora, cujo feito tramitou perante a 1ª Vara Federal/PE.

Em consulta aos sites da JFPE e do TRF-5ª Região[1], pude constatar que o v. acórdão, que manteve a r. sentença de improcedência, transitou em julgado.

Assim, resta prejudicada tal preliminar.

2.2.4 - Da inépcia da inicial

No que concerne à preliminar de inépcia da petição inicial pela impossibilidade jurídica do pedido, levantada pelos referidos Réus em sua contestação, tenho por prejudicada, porque não mais prevista como uma das condições da ação no novo Código de Processo Civil, conforme se extrai do § 1º do seu art. 330 (correspondente ao Parágrafo Único do art. 295 do revogado CPC), onde não mais figura como caso de inépcia da petição inicial.

Ademais, a questão lançada nesta preliminar confunde-se com o próprio mérito da causa e será apreciada a seguir.

2.3 Do mérito

2.3.1 Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade que se implementa pelo decurso de prazo temporal e pelo qualificado animus domini, além de outros requisitos legais específicos.

No caso dos autos, trata-se de usucapião especial urbana prevista no art. 183 da CF/1988, reproduzido no art. 9º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e no art. 1.240, do Código Civil, in verbis:

"Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião."

Depreende-se da leitura do dispositivo supra os pressupostos da posse hábil para a usucapião especial urbana: a) posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini; b) prazo reduzido de 5 (cinco) anos; c) limitação de área urbana (até 250 m2); d) utilização do imóvel vinculada à moradia do possuidor e/ou de sua família; d) não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano; e) a propriedade por usucapião especial será reconhecida uma única vez; e f) vedação à aquisição de imóveis públicos por usucapião.

2.3.2 - Pretende a Autora usucapir o domínio útil do imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificado em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE).

No caso sob análise, alega a Autora que detém, há mais de 20 (vinte) anos, a posse mansa, pacífica, de forma contínua e ininterrupta, com animus domini, sobre o imóvel usucapiendo.

Narra que o imóvel descrito nos autos tem uma área total de 56,73 m2, edificado entre os lotes 12 e 13, da Quadra K, do referido Loteamento Sítio do Meio, no bairro de Boa Viagem, Recife/PE, na comunidade denominada "Entra Apulso".

Esclarece que a área de terreno onde o imóvel foi construído encontra-se situada em uma Zona Especial de Interesse Social - ZEIS[2], assim constituída pela Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife (Lei municipal nº 14.511/1983).

Pois bem.

O art. 20 da Constituição Federal estabelece, expressamente, que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:

"Art. 20. São bens da União:

(...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"

A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):

"Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."

Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n º 9.760/46:

"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião."

Por sua vez,  os institutos de aforamento e ocupação são disciplinados pelo Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de imóvel público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação (arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.

2.3.3 - Sobre a possibilidade de aquisição do domínio útil de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria firmou-se no sentido de que é possível tal aquisição, desde que se trate do domínio útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje revogado no campo privado.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:

"É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."

No aforamento(enfiteuse), o Beneficiário(aforador ou enfiteuta tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.

Já no regime de ocupação, o Beneficiário, mero ocupante, não tem domínio útil, mas apenas a posse precária, de sorte que a União se mantém com o domínio pleno do terreno de marinha, inviabilizando o pleito de usucapião.

2.3.4 - No caso dos autos, em que pese o considerável atraso no andamento do feito provocado pelo "engano" da UNIÃO, dizendo que não teria interesse na demanda porque o terreno não seria de sua propriedade, conforme se extrai do relatório supra, ainda na Justiça Estadual alegou o ente federal que o imóvel em questão teria sido construído sobre terreno de sua propriedade, submetido a regime de aforamento, cedido, gratuitamente, ao Município do Recife, o que fez os autos regressarem a esta Justiça Federal, por incompetência absoluta daquele Juízo Estadual.

Segundo ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU (Ofício nº 0496/2013 SPU/PE/MP), juntado pela UNIÃO, restou demonstrado que o imóvel em discussão constitui terreno acrescido de marinha, sendo informado ainda que os lotes citados (12 e 13 do Loteamento Sítio do Meio) fazem parte de cessão, sob regime de aforamento gratuito, ao Município do Recife (id. 4058300.11822036):

"(...)

Entretanto conforme nossa base cartográfica, o imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha Nº 55 encontra-se edificado em parte dos lotes 12 e 13 do loteamento SÍTIO DO MEIO com natureza Acrescido de Marinha.

Esclarecemos também que os lotes citados fazem parte de cessão sob regime de Aforamento Gratuito ao Município do Recife ainda não registrado no RGI.

Segue cópia do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito."

Do mencionado Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, celebrado entre a União e o Município do Recife em 29/08/2003 (id. 4058300.11822036), extrai-se que o imóvel usucapiendo está localizado na comunidade denominada "Entra Apulso", com área total de 29.206,05 m², inserida nos loteamentos "Sítio do Meio" e "Jardim Continental", no bairro de Boa Viagem, Recife/PE, conforme processo administrativo nº 05014.000972/200340.

Consta do citado contrato de cessão de aforamento gratuito que o Município Cessionário, ora Réu, se obriga a providenciar as alterações cadastrais referentes ao domínio útil das unidades imobiliárias incluídas no contrato de cessão junto à SPU/GRPU:

"Art. 3º Fica o cessionário obrigado a: I- ... II - fornecer à Gerência Regional de Patrimônio da União no Estado do Pernambuco os dados cadastrais e peças técnicas dos desmembramentos e transferências de domínio útil efetivados; III- -transferir, independentemente do pagamento do valor correspondente, o domínio útil de frações do imóvel  cedido aos ocupantes caracterizados como carentes ou de baixa renda, na forma da lei, bem como àqueles que vierem a ser assentados de acordo com o caráter social do empreendimento, limitado a uma unidade imobiliária por família; IV-  Os adquirentes do domínio útil de frações da área cedida, que comprovarem, perante a Gerência Regional de Patrimônio da União no Estado do Pernambuco - GRPU/PE, a condição de carentes, ficarão isentos do pagamento de foros, conforme disposições do Decreto nº 1.466, de 26 de abril de 1995, e do art. 17 do Decreto nº 3.725, de 10 de janeiro do 2001. "

Note-se que referido contrato de cessão de aforamento gratuito, celebrado com vistas a proceder à regularização fundiária dos moradores de baixa renda da comunidade "Entra Apulso", ainda não foi implementado pelos Réus União e Município do Recife, conforme ofícios remetidos, em resposta a este Juízo, pela SPU (Ofício SEI 0 11416/2015-MP - id. 4058300.11822061) e pela Secretaria de Habitação do Recife (Ofício. nº 3/2O15 GAB/SEHAB - id. 4058300.11822060).

Registro ainda que Ação Reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300 (1ª Vara Federal/PE), proposta pelos ora Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes contra vários possuidores que construíram seus imóveis no Lote 12, do Loteamento "Sítio do Meio", entre os quais a ora Autora, foi julgada improcedente, cujo v. acórdão transitado em julgado restou assim ementado:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. APELAÇÃO. BEM IMÓVEL ADQUIRIDO EM 1980. ÁREA INSERIDA EM ZONA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL - ZEIS. CONTRATO DE CESSÃO SOB REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO. A UNIÃO FEDERAL (CEDENTE) CEDEU A ÁREA PARA O MUNICÍPIO DO RECIFE (CESSIONÁRIO). IMPLANTAÇÃO DE ÁREA DE URBANIZAÇÃO E REGULARIZAÇAO FUNDIÁRIA DAS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA QUE OCUPAVAM A REFERIDA ÁREA. DESTINAÇÃO SOCIAL. CONSTATAÇÃO DE QUE OS AUTORES NUNCA DETIVERAM A POSSE DO IMÓVEL OBJETO DOS AUTOS. HIPÓTESE DE ABANDONO DE POSSE. SENTENÇA MANTIDA.

1. A sentença recorrida julgou a ação improcedente, tendo em vista a destinação social dada à área em que está localizado o imóvel objeto dos autos, e, ainda, a constatação do abandono da posse, nos termos da sentença de fls. 366/379.

2. Os autores alegam ter adquirido o imóvel da Sra. Virgínia da Cruz Lapa, em 2.03.19880; que estão pagando regularmente o IPTU e foro incidentes no referido imóvel; que sempre cuidaram do estado de conservação do imóvel; que o imóvel foi invadido; que logo em seguida teriam promovido ação de reintegração de posse; que a matéria pertinente ao pagamento dos impostos e foro não foi apreciada pela sentença, e que, em caso de improcedência a responsabilidade pelos pagamentos dos foros deveria ser transferida para os detentores atuais da posse; que não se revela justo pagarem os impostos devidos e não usufruírem da posse do imóvel descrito na p.

3. A referida área encontra-se localizada nas proximidades do Shopping Center Recife, tendo sido objeto de CONTRATO DE CESSÃO SOB O REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO, em que a UNIÃO FEDERAL figura como cedente e a MUNICÍPIO DO RECIFE como cessionário.

4. Os demandantes não chegaram seque a ocupar os referidos imóveis desde a sua aquisição, razão porque não podem ser beneficiados com o ato de cessão em favor do Município do Recife.

5. A sentença recorrida esclareceu, de forma pormenorizada, a desídia dos autores da ação na recuperação da posse do imóvel, constatando, ainda, a hipótese de abandono de posse disciplinada pelos arts. 103, V, e 105, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 9.760/46, com a redação dada pela Lei nº 11.481/2007).

6. No que concerne aos pagamentos de foro que os demandantes alegam estar efetivando, o respectivo ressarcimento apenas poderá ser admitido através do ajuizamento de ação própria, vez que a presente demanda restringe-se apenas à reivindicação de bem imóvel que não mais se encontra na posse dos autores desde o ano de 1987.

7. Apelação improvida.

(PROCESSO: 200083000029841, APELAÇÃO CIVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 25/04/2013, PUBLICAÇÃO: 02/05/2013)"    (G.N.)

No caso concreto, portanto, considerando todo o conjunto probatório dos autos, tenho que se encontram visíveis, na posse da Autora, todos os característicos de posse mansa e pacífica, com animus domini, a autorizar o deferimento do domínio útil por usucapião do imóvel descrito nos autos, com uma área total de 56,73 m2 (id. 4058300.11821944), situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificado em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE), na comunidade denominada "Entra Apulso".

Ademais, não há nenhum indício nos autos de que a ora Autora seja proprietária de outro imóvel, havendo sim indícios de que realmente não é proprietária de nenhum outro imóvel, conforme declara nos autos (id. 4058300.11821944).

Desse modo, o imóvel em apreço, como visto, é conceituado como terreno acrescido de marinha, em regime de aforamento, conforme Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, em que a UNIÃO figura como cedente e o MUNICÍPIO DO RECIFE como cessionário, o que possibilita a aquisição de domínio útil mediante ação de usucapião.

2.4 Da verba sucumbencial

Suportará o pagamento das verbas de sucumbência os Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes, titulares do domínio útil do lote 12 da quadra K, do Loteamento "Sítio do Meio", que ofertaram resistência à pretensão da Autora, a UNIÃO e o MUNICÍPIO DO RECIFE, que ficarão obrigados a regularizar o aforamento no nome da Autora, conforme veremos na conclusão infra.

Ficam excluídos da obrigação sucumbencial os demais Réus e confinantes, porque não ofertaram resistência ao pleito autoral.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Rejeito as preliminares de nulidade da citação e litigância de má-fé suscitadas pelos Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes.

3.2 - Restam prejudicadas as preliminares de conexão e inépcia da inicial levantadas pelos referidos Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes.

3.3 - Julgo procedentes os pedidos desta ação de usucapião e declaro que a ora Autora é a titular do domínio útil do terreno acrescido de marinha onde se encontra edificada sua residência, localizada na Rua Visconde de Jequitinhonha, nº 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificada em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE), e condeno os Réus UNIÃO e MUNICÍPIO DO RECIFE a regularizarem o respectivo aforamento em nome da ora Autora e que o façam no prazo de 60(sessenta) dias, contados do dia seguinte à data do trânsito em julgado, concretizando o registro no Sistema Integrado de Administração Patrimonial - SIAPA - SPU, bem como nos cadastros do Município Cessionário, nos termos do noticiado Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, e no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, para todos os fins de direito, sob pena de pagamento de multa mensal, à ora Autora, no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), pro rata, atualizados a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, sem prejuízo da responsabilização pessoal dos Servidores e ou respectivas Chefias que deram azo ao pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.

3.4 - Outrossim, condeno os Réus EDVALDO MORENO GOES, EDVANDO MORENO GOES, UNIÃO e MUNICÍPIO DO RECIFE em honorários advocatícios, os quais, considerando que o valor da condenação não se mostra capaz de servir como base de cálculo adequada, fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do parágrafo 8º do art. 85, do CPC, pro rata, com atualização pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal. 

3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC).

3.6 - Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496, I, do CPC).

Custas ex lege.

Registre-se. Intimem-se.

Recife/PE, 05.03.2021.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara da JFPE

 

 

(mppl)

 

 


[1] https://cp.trf5.jus.br/processo/0002984-10.2000.4.05.8300

[2] "As Zonas Especiais de Interesse Social-ZEIS são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária e construção de habitação de interesse social."

Disponível no site da Prefeitura do Município do Recife:

https://licenciamento.recife.pe.gov.br/node/921

 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONSERVAÇÃO DE RODOVIA. DNIT E DER-PE.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Sentença com profunda análise da chamada responsabilidade objetiva do Estado por ato omisso, corporificado em comisso, com indicação da jurisprudência dos Tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal. Trata também da culpa concorrente do Autor. 

Boa leitura.  


Obs.: sentença minutada e pesquisada pela Assessora MARIA PATRICIA PESSOA DE LUNA



PROCESSO Nº: 0806938-35.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: L S DA S
ADVOGADO: N R F Da S
RÉU: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES
LITISCONSORTE: DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE PE - DER/PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença tipo A


EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO EM RODOVIA FEDERAL.

- Tratando-se de atividade específica do Estado, prevista em Lei, embora os danos sofridos pelo Autor decorram de omissão de Ente estatal, eleva-se à categoria de ato comissivo, conforme precedente do STF, sob repercussão geral, referido na fundamentação.

- No caso dos autos, o acidente que causou danos de ordem moral e material ao Autor ocorreu devido à  falha/desnível na placa de concreto da rodovia.

- Reparação de danos materiais e morais, mitigada pelo reconhecimento da culpa concorrente do Autor, devida pelos Réus, que devem propor ação regressiva contra a(s) pessoa(s) física(s) de suas Direções responsáveis pelo setor de recuperação das rodovias federais e ou contra eventual Empresa Terceirizada responsável pela área em que ocorreu o acidente.

- Procedência parcial do pedido.


Vistos etc.

1. Relatório

L S DA S, qualificado na petição inicial, ajuizou, em 19/05/2017, a presente "AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS" em face do DNIT - DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE. Inicialmente, requereu os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: no dia 01 de março de 2017, por volta das 05:00h, o Demandante teria se dirigido para o seu local de trabalho, situado na Rodovia BR 101 Sul, KM 70, G.P 2.3, LJ02, CURADO, Recife/PE, em sua motocicleta Honda CG150 TITAN MIX ES de placa KFM 4449, fazendo seu percurso diário, qual seja, a Rodovia Federal BR 232 sentido Recife; ao chegar nas imediações da cidade de Moreno/Jaboatão da referida rodovia, especificamente no quilômetro 21,1, o Autor teria sofrido um acidente automobilístico em decorrência de colisão com um "buraco" que se encontrava na rodovia, haja vista que a placa de concreto da via estava quebrada, apresentando elevações inferiores e nítidas deformidades; não haveria no local qualquer sinalização e indicação que o trecho se encontrava em má condição, ou até restringido para que os transeuntes não chegassem a passar por ele, conforme comprova o BAT da PRF anexo; o Autor teria tomado todos os cuidados necessários, bem como trafegado em velocidade compatível com a estabelecida para a rodovia, mesmo assim não teria conseguido evitar que o evento danoso acontecesse; após o acontecimento, o Autor teria sido socorrido pelo Sistema de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU e encaminhado ao Hospital Armínio Moura, onde teria tido os primeiros atendimentos médicos, restando evidenciado através do atendimento que o autor sofreu enormes prejuízos físicos, haja vista que teve inúmeras escoriações, fratura 1/3 médio da clavícula, conforme demonstraria o Prontuário Eletrônico do Paciente; o acidente teria causado inúmeros transtornos ao Autor, pois, em virtude desse acontecimento, não teria conseguido voltar as suas atividades laborais até o momento da inicial, estando recebendo auxílio acidente pelo INSS, conforme documentos acostados, o que teria lhe causado imenso abalo psicológico, ante a vergonha, angústia e sensação de inferioridade, em virtude das dores físicas suportadas no período de recuperação, além do sentimento de impotência por não poder trabalhar e muitas vezes ocorrer o fato de ficar mal visto por seu patrão e colegas de trabalho, ficando sem serventia para estes desde o dia do acidente até o momento da inicial, tempo esse que já faria pouco mais de 2 meses; em virtude do acontecimento, o Peticionante teria sofrido inúmeros danos de ordem patrimonial, além dos morais, vez que sua motocicleta teria tido inúmeras peças deterioradas em virtude do acidente, as quais estariam elencadas nos orçamentos acostados à presente vestibular, estando os equipamentos sem substituição por não estar o Autor em condições financeiras para adquiri-los, totalizando um dano material, sob a alçada do menor orçamento de R$ 1.112,61. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Pugnou, ao final: "d) julgar PROCEDENTE a presente pretensão para condenar o réu: d.1)   no pagamento de indenização pelos danos morais causados ao autor, por todos os motivos acima esboçados, em decorrência do evento danoso causado pela omissão do réu, que deverá ser arbitrada por esse Juízo, conforme os arts. 186, 927 e 944 do CC, mas em valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), acrescidos de juros e correção monetária; d.2) no pagamento de indenização ao autor dos danos materiais, consubstanciado nas despesas com a reparação da motocicleta no valor de R$ R$ 1.112,61 (um mil cento e doze reais e sessenta e um centavos)". Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Inicial instruída com procuração e documentos.

Despacho no qual foi concedido ao Autor o benefício da justiça gratuita e determinada a citação do Réu (id. 4058300.3528999).

O DNIT apresentou Contestação (id. 4058300.3710546). Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade passiva, vez que o trecho apontado teria sido delegado ao DER-PE. No mérito, defendeu a ausência do nexo de causalidade entre a ação ao Agente Estatal e o dano, afirmando que o Autor não teria demonstrado satisfatoriamente que o acidente teria ocorrido por culpa da Administração, pela deficiência do serviço; afirmou que no período de 60 dias antes do acidente até 30 dias depois não teria ocorrido nenhum outro acidente no trecho, exceto o do Autor, apesar do intenso fluxo de veículos na rodovia, o que comprovaria que o acidente teria sido um caso isolado, provavelmente ocasionado por impudência e imperícia do condutor, ressaltou que, ainda que houvesse uma placa danificada na rodovia, um veículo passando em velocidade adequada sentiria apenas trepidação, sugerindo que o Autor estava em velocidade acima da permitida para o trecho. Por fim, contestou os valores requeridos a título de reparação de danos morais e materiais, o primeiro por sua exorbitância, defendendo a inexistência de sua caracterização, e o segundo por ausência de 3 orçamentos, pugnando pela improcedência dos pedidos do Autor. Anexou documentos aos autos. Protestou o de estilo.

O Autor peticionou requerendo o aditamento da inicial para incluir o DER/PE na lide (id. 4058300.3713945), o que foi aceito pelo Réu (id. 4058300.4573907) e deferido pela decisão de identificador 4058300.4817712.

Regularmente citado, o DER/PE apresentou Contestação (id. 4058300.5782002). Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade passiva, vez que a responsabilidade pela manutenção de rodovias federais seria do DNIT. No mérito, defendeu a inexistência de qualquer ação estatal que possibilitasse a ocorrência do evento danoso, afirmando que o Autor não teria comprovado os fatos alegados, mormente a existência do suposto buraco na via que teria ocasionado o acidente. Afirmou que o autor não comprovou a existência do nexo causal entre o acidente e a má conservação da via, de forma que o acidente teria provavelmente decorrido da imprudência e imperícia do Autor, por imprimir velocidade excessiva na via. Sobre os danos materiais, questionou a ausência de, pelo menos, 3 orçamentos para evitar o enriquecimento sem causa, além de não ter demonstrado os alegados danos, carecendo de lastro probatório. Por fim, defendeu a inexistência dos danos morais, bem como impugnou os valores requeridos, pugnando pela improcedência dos pedidos do Autor. Protestou o de estilo. Em seguida, o DER/PE anexou documento aos autos (id. 4058300.5888774).

Intimada para apresentar réplica, a Parte Autora quedou-se silente, conforme certificado nos autos (id. 4058300.6520224). 

Despacho exarado em 18/11/2018 (id. 4058300.8063685), na qual foram as partes intimadas acerca da produção de provas.

Intimados para manifestarem o interesse na produção de provas, apenas o DER/PE informou seu desinteresse (id. 4058300.8822684), quedando-se inertes o Autor e o DNIT, conforme certificado (id. 4058300.9599816).

Decisão proferida em 15/08/2019 (id. 4058300.10628271), na qual foram rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam arguídas pelo DNIT e pelo DER, respectivamente; o processo foi dado por saneado e determinada a realização de audiência de instrução e debates.

Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 15/10/2019, foram colhidos os depoimentos da Parte Autora, do Preposto do DNIT e da testemunha do Juízo, Sra. JULIANA GOMES FIRMINO, policial rodoviária federal responsável pela elaboração do BAT, sendo a audiência totalmente gravada pelo Sistema Kenta. Após a colhida dos depoimentos, a instrução foi dada por encerrada e determinada a abertura de vista dos autos para alegações finais, conforme Termo de Audiência acostado (id. 4058300.12200809).

As partes apresentaram razões finais (id. 4058300.12348715, 4058300.12401342 e 4058300.12805649).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 Da ilegitimidade passiva ad causam suscitada pelo DNIT e pelo DER

As preliminares de ilegitimidade passiva levantadas pelo DNIT e pelo DER, respectivamente, em suas peças de defesa, foram apreciadas e rejeitadas na decisão proferida em 15/08/2019 (id. 4058300.10628271), contra a qual não foi interposto recurso, nada tendo mais a ser decidido a respeito de tal pleito.

Obviamente, se forem vencidos, o DNIT e o DER/PE têm, respectivamente, a obrigação legal de buscarem ressarcimento, via ação regressiva, contra quem foi responsável pela não reparação da pista de rolamento, da mencionada rodovia federal: dos seus Servidores e ou Dirigentes que não providenciaram o reparo ou, se for o caso, que não cobraram de alguma Empresa Terceirizada mencionado reparo e/ou da própria Terceirizada, tudo sob a fiscalização do Ministério Público Federal e Estadual e do Tribunal de Contas da UNIÃO e do Estado.

2.2 Do mérito

2.2.1 Cinge-se a questão de mérito, objeto da presente ação, em saber se o Autor tem direito à reparação civil por danos materiais e morais, a serem suportados pelos Réus (DNITI e DER), em virtude do acidente de trânsito ocorrido em 01/03/2017, por volta das 05:00h, quando o Autor trafegava, em sua motocicleta Honda CG150 TITAN MIX ES de placa KFM 4449, pela BR 232, sentido Recife, nas imediações da cidade de Moreno/Jaboatão dos Guararapes da referida rodovia, especificamente no km 21,1, acidente tal causado por um "buraco" que se encontrava na rodovia, pois a placa de concreto da via estaria quebrada, conforme consta do Boletim de Acidente de Trânsito lavrado pela Polícia Rodoviária Federal (id. 4058300.3322821).

2.2.2 Como se sabe, a responsabilidade civil visa, fundamentalmente, ao restabelecimento do equilíbrio patrimonial rompido em decorrência de ato ilícito gerador de dano à esfera moral ou patrimonial de determinado sujeito de direito.

Rezam os arts. 186 e 927, do Código Civil:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Os arts. 186 e 927 do Código Civil, acima transcritos, preveem a obrigação em indenizar àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

No caso sob análise, sendo apontado como agentes causadores do dano o DNIT e o DER-PE, autarquias federal e estadual, respectivamente, o tratamento a ser dispensado seria o inerente à responsabilidade civil objetiva, ou seja, independentemente de culpa, que está prevista no § 6º do art. 37 da Constituição Federal:

"Art. 37.(...).

"§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

A partir da redação desse dispositivo constitucional, constata-se, primeiro, que ele diz respeito a atos comissivos e, em segundo lugar, que nele se adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade objetiva estatal, de modo que o Ente público pode ser responsabilizado tanto por atos ilícitos como por atos lícitos, desde que deles decorram prejuízos passíveis de ser indenizados, e desde que o dano causado seja decorrente de sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atuação do agente público e o dano.

Desse modo, figuram como requisitos da responsabilidade objetiva do Estado: a conduta lesiva imputável a um de seus agentes, o dano indenizável e o nexo de causalidade entre a conduta impugnada e o dano.

Importa ressaltar ainda que a responsabilidade estatal, fundamentada na aludida teoria do risco administrativo, em casos excepcionais, admite a exclusão de reparação, nas situações de caso fortuito e força maior (CC, art. 393) e também por conta de culpa exclusiva da vítima, ou seu abrandamento, na hipótese de culpa concorrente do lesado (CC, art. 945).

No que concerne às condutas omissivas do Estado, ou seja, aquelas que, se cumpridas ao tempo e modo adequados, poderiam evitar o dano causado ao particular, a jurisprudência do Col. Supremo Tribunal Federal vem se firmando no sentido de que, nesses casos, a responsabilidade civil também é objetiva, seja das pessoas jurídicas de direito público, seja das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

Nesse sentido, o Plenário do Col. STF firmou posicionamento sobre a responsabilidade objetiva do Estado quanto às condutas omissivas no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526, submetido à sistemática da repercussão geral, assentando a aplicabilidade da teoria do risco administrativo também quanto às condutas omissivas do Estado, cujo v. acórdão restou assim ementado:

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.

2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.

(...)

 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.

9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.

(RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159  DIVULG 29-07-2016  PUBLIC 01-08-2016)"[1]

E, mesmo que não se adote essa avançada tese, não há dúvida que, em caso de omissão do Estado, também cabe indenização, embora sob a responsabilidade subjetiva, devendo ser discutida, nesse caso, a culpa estatal, sendo imprescindível comprovar a inércia na prestação do serviço público, bem como demonstrar o mau funcionamento deste serviço, para que venha a ser configurada a responsabilidade civil do Estado. Nesse sentido, eis um julgado do Superior Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA AUTARQUIA FEDERAL. VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. OMISSÃO DA AUTARQUIA FEDERAL EM FISCALIZAR ANIMAIS NA RODOVIA. MORTE DA VÍTIMA POR ANIMAL NA PISTA DE ROLAMENTO EM RODOVIA FEDERAL. FATO INCONTROVERSO. VALORAÇÃO DOS CRITÉRIOS JURÍDICOS CONCERNENTES À UTILIZAÇÃO DA PROVA E À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO. DEVER DE VIGILÂNCIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CARACTERIZADA. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. INOVAÇÃO RECURSAL.

AGRAVO INTERNO DA AUTARQUIA FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Tribunal de origem, em sede de Apelação e Reexame Necessário, afastou a responsabilidade civil do DNIT por entender que seria impossível tal Entidade o controle extensivo de toda rodovia.

2. Todavia, com efeito ficou reconhecido que o acidente ocorreu em Rodovia Federal, em razão da presença de animal transitando na pista, situação que denotaria negligência na manutenção e fiscalização pelo DNIT, além de não haver nos autos quaisquer indícios de culpa exclusiva da vítima e de força maior.

3. Não há que se falar no afastamento da Responsabilidade Civil do Ente Estatal, isso porque é dever do Estado promover vigilância ostensiva e adequada, proporcionando segurança possível àqueles que trafegam pela rodovia. Trata-se, desse modo, de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e à formação da convicção, e não de reexame do contexto fático-probatório dos autos.

4. Assim, há conduta omissiva e culposa do Ente Público, caracterizada pela negligência, apta a responsabilizar o DNIT, nos termos do que preceitua a teoria da Responsabilidade Civil do Estado, por omissão (AgInt no AgInt no REsp. 1.631.507/CE, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 28.8.2018; e REsp. 1.198.534/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe de 20.8.2010).

5. Com relação à redução do valor arbitrado a título de indenização, é certo que tal tema sequer foi mencionado nas razões das Contrarrazões do Recurso Especial, e somente foi suscitado em sede de Agravo Interno, o que caracteriza inovação recursal, vedada diante da preclusão consumativa.

6. Agravo Interno da Autarquia Federal a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1632985/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2019, DJe 19/11/2019)"[2]

Feitas essas considerações, passo a examinar se é possível exigir dos Réus a reparação dos danos de ordem moral e material requerida pelo Autor.

2.2.3 Impõe-se, portanto, verificar, no caso em apreço, a presença dos elementos que são integrantes da responsabilidade civil estatal, quais sejam: 1) a consumação do dano; 2) a omissão administrativa; 3) o nexo causal entre a omissão e o evento danoso; 4) o elemento subjetivo (dolo ou culpa, este nas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência); e 5) a ausência de causa excludente de responsabilidade.

Pois bem.

No caso dos autos, depreende-se dos documentos acostados, principalmente do Boletim de Acidente de Trânsito - BAT lavrado pela Polícia Rodoviária Federal (id. 4058300.3322821), que no dia 01/03/2017, o Autor trafegava, por volta das 05:00h, em sua motocicleta Honda CG150 TITAN MIX ES, Placa KFM 4449, pela BR 232, sentido Recife, nas imediações da cidade de Moreno/Jaboatão dos Guararapes da referida rodovia, especificamente no km 21,1, quando teria caído da motocicleta devido à placa de concreto da via estar danificada/desnivelada.

Em virtude do acidente, o Autor sofreu escoriações e fraturou a clavícula (id. 4058300.3322824 a 4058300.3322837), o que impossibilitou seu retorno ao trabalho (id. 4058300.3322846, 4058300.3322850, 4058300.3322857), além de ter danificado o veículo, conforme orçamentos de serviços fornecidos por oficinas anexados aos autos (id. 4058300.3322856).

Dúvidas não há, portanto, quanto à existência do evento danoso.

Com relação à configuração do nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano sofrido, resta demonstrado nos autos que o acidente descrito na inicial ocorreu em virtude de defeito na placa de concreto da rodovia, que ocasionou a perda do controle do veículo pelo condutor, levando à queda da motocicleta.

Consta do Boletim de Acidente de Trânsito, lavrado pela Polícia Rodoviária Federal e confeccionado no local do acidente (id. 4058300.3322821):

"NARRATIVA: APÓS ANÁLISE DO LOCAL DO ACIDENTE, VERIFICOU-SE QUE O CONDUTOR DE V1 HONDA CG150 TITAN MIX ES PLACA KFM 4449/PE, CAIU DEVIDO A PLACA DE CONCRETO ESTÁ QUEBRADA." (SIC)

Convém registrar que, em seu depoimento, na audiência de instrução e debates realizada, a testemunha chamada por este Juízo, a Sra. Juliana Gomes Firmino, policial rodoviária federal responsável pela elaboração do referido BAT, esclareceu que, embora não conste do citado Boletim fotografia da área onde ocorreu o acidente, foi realizada a diligência no local e constatada a falha na placa de concreto da via.

Por outro lado, é certo que a manutenção, conservação e fiscalização das rodovias federais é responsabilidade tanto do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT (art. 82 da Lei nº. 10.233/2001[3]), quanto do Departamento de Estradas de Rodagem de Pernambuco - DER/PE, autarquia estadual conveniada, responsável por "receber e conservar o trecho rodoviário federal delegado", "responsabilizar-se pela administração do trecho rodoviário delegado" e "responsabilizar-se perante terceiros por atos e eventos posteriores à vigência do presente Convênio, afetos à exploração do trecho delegado", o que implica a responsabilidade solidária entre os conveniados.

E, ainda, o Código de Trânsito Brasileiro estabelece em seu art. 1º, § 3º, que órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, objetivamente, pelos danos causados aos cidadãos:

"Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

(...)

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro."

Do conjunto probatório dos autos, inclusive do depoimento do preposto da Autarquia Federal (Sr. Ryan Souza de Morais), restou configurado que os Réus tiveram ciência de que a BR-232 estava necessitando de restauração, tanto é assim que foram enviados ofícios do DNIT ao DER/PE, também Réu na presente demanda, para "correção das falhas de segurança viária", antes e depois do acidente em questão (id. 4058300.3710596, 4058300.3710600).

Conclui-se, portanto, ser incumbência dos Réus conservar e manter sinalizadas as rodovias federais, sendo, pois, evidente, a constatação de que o dano causado à Parte Autora se deu, em parte, pela omissão da Parte Ré, por não ter adotado qualquer providência no sentido de evitar o acidente, como, p. ex., desviar o tráfego ou instalar sinalização adequada no local, restando evidenciada a relação de causalidade entre estes.

Não obstante a omissão da Parte Ré, infere-se do depoimento pessoal do condutor do veículo, ora Autor, que o mesmo concorreu, em alguma medida, para a ocorrência do evento danoso (id. 4058300.12200809):

"... eu tinha saído de Vitória e ia pro trabalho no Recife... tinha um pouco de movimento por ser de manhã... entre cinco e cinco e meia ... e estava um pouco chovendo... eu vinha a 70 a 80 km... tinha uma elevação, um negócio assim embaixo... quebrado... eu vinha atrás do carro, aí tava um pouco chovendo, eu baixei a viseira, mas só que do lado esquerdo vinha outro carro também... eu vinha a 8 ou 6 metros (de distância do carro da frente)..."

(Ao ser indagado se não tinha dado para ver a falha na pista porque estava muito próximo ao carro da frente)

"... deu pra ver não, nem deu pra desviar também... quando a moto bateu, eu tentei segurar... fui, fui, cheguei mais ou menos ainda uns 10 metros... ela puxou pra um lado, eu segurei, puxou pro outro..."

Note-se que o Autor conhecia bem o trajeto, pois se deslocava diariamente de sua residência ao local de trabalho; o acidente ocorrera em dia chuvoso, portanto, a pista estava molhada; o condutor trafegava numa velocidade entre 70 e 80 km por hora, em uma distância aproximada entre 6 e 8 metros do automóvel que estava a sua frente, razão pela qual não teria visto o "buraco/desnível" da pista, não conseguindo desviar e, assim, evitar o acidente.

Embora não delimite uma distância mínima entre veículos, o Código de Trânsito Brasileiro prevê que o condutor deva guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, podendo o motorista ser autuado por infração grave, verbis:

"Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

        I - a circulação far-se-á pelo lado direito da via, admitindo-se as exceções devidamente sinalizadas;

        II - o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade e as condições do local, da circulação, do veículo e as condições climáticas;"


"Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo:

        Infração - grave;

        Penalidade - multa."        (G.N.)

Ora, a distância segura entre veículos é aquela em que o motorista terá tempo e espaço para frear e parar sem colidir com outro veículo nem com qualquer obstáculo que esteja na pista. Destaco ainda que, na ocasião do acidente, chovia, a pista estava molhada, portanto, escorregadia e a visibilidade comprometida. O que demandaria maior prudência do condutor, principalmente por se tratar de motocicleta.

Diante de tais fatos, há que se reconhecer que a vítima concorreu, em parte,  para a concretização do acidente, visto que deixou de observar, na velocidade em que vinha (entre 70 e 80 km), o distanciamento seguro entre o seu veículo (motocicleta) e o automóvel que estava à sua frente, sobretudo em face de ser um dia chuvoso, e, consequentemente, não conseguiu desviar da falha/desnível existente na rodovia, para evitar o acidente.

Entretanto, o reconhecimento de culpa concorrente, pelos motivos acima demonstrados, será considerado para a redução do quantum indenizatório acaso devido pelos Réus, visto que não tem o condão de romper o nexo de causalidade existente entre a falha/desnível na rodovia e os danos suportados pelo Autor, na medida em que resta configurada a conduta omissiva da Parte Ré, que teria, como visto acima, o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso, mantendo e conservando adequadamente a rodovia federal.

Nestes termos, comprovada a responsabilidade da Parte Ré e o reconhecimento de culpa concorrente da vítima, passa-se à apreciação da possibilidade de reparação dos danos de ordem moral e material, na forma requerida pela Parte Autora.

2.2.4 Eis o pedido formulado na petição inicial:

"d) julgar PROCEDENTE a presente pretensão para condenar o réu:

d.1)   no pagamento de indenização pelos danos morais causados ao autor, por todos os motivos acima esboçados, em decorrência do evento danoso causado pela omissão do réu, que deverá ser arbitrada por esse Juízo, conforme os arts. 186, 927 e 944 do CC, mas em valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), acrescidos de juros e correção monetária;

d.2) no pagamento de indenização ao autor dos danos materiais, consubstanciado nas despesas com a reparação da motocicleta no valor de R$ R$ 1.112,61 (um mil cento e doze reais e sessenta e um centavos)"

2.2.4.1 Quanto ao valor da indenização pelos danos materiais (emergentes), referente ao ressarcimento pelas avarias na motocicleta acidentada, a Parte Autora apresentou nos autos dois orçamentos de diferentes oficinas de conserto de veículos (id. 4058300.3322856), orçamentos tais não impugnados especificamente pela Parte Ré.

Consoante remansosa jurisprudência dos Tribunais pátrios, os parâmetros para a fixação da indenização devem levar em conta os valores dos orçamentos emitidos por oficinas acionadas pela Parte Autora, que cotaram os valores para o conserto do veículo, devendo ser fixado o de menor valor apresentado.

Sobre a fixação do valor dos danos materiais em reparação de acidente em veículo, confira-se o seguinte precedente do E. TRF da 5ª Região:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. COLISÃO DE VEÍCULOS. DANOS CAUSADOS À VIATURA OFICIAL DA POLÍCIA FEDERAL. PERDA TOTAL. NÃO CONFIGURADA. PREJUÍZO PATRIMONIAL. VALOR DO MENOR ORÇAMENTO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Apelação interposta pela União, objetivando a majoração do valor fixado na sentença recorrida a título de indenização por danos materiais causados à viatura oficial da Polícia Federal. Alega a apelante que, em face das avarias causadas, é incontestável a ocorrência da perda total do veículo, de modo que o montante de fato necessário à reparação do prejuízo sofrido corresponde ao valor de cotação do automóvel antes do acidente.

2. Tratando-se de acidente de veículo, havendo perda total, o dano emergente será o integral valor do veículo, só havendo que se falar em valor do conserto, na hipótese de perda parcial.

3. Hipótese em que a "perda total" alegada fundamentou-se apenas em conclusão unilateral da Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal, que, em face dos valores expressos nos orçamentos do conserto do veículo, atestou a inviabilidade econômica de sua recuperação. Em nenhum momento fez-se referência a critérios técnicos ou a fundamentos jurídicos que de fato justificassem o reconhecimento da ocorrência da perda total e do consequente direito à indenização no valor integral do automóvel.

4. No caso, as únicas provas de fato idôneas à comprovação das avarias causadas ao veículo são os três orçamentos emitidos por oficinas acionadas pela apelante, de modo que os respectivos valores é que devem ser tomados como parâmetros quando da fixação da indenização.

5. Em face da divergência entre dos valores orçados, impõe-se reconhecer o acerto do juízo de origem que fixou a indenização pelos danos emergentes no valor do menor orçamento apresentado. Precedente desta E. Primeira Turma (AC343161/SE. Data de Julgamento: 17/09/09. Unânime. DJE: 08/10/09).

6. Apelação improvida.

(PROCESSO: 200481000199863, AC463626/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Primeira Turma, JULGAMENTO: 11/02/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 04/03/2010 - Página 128)"               (G.N.)

Assim, considerando os dois orçamentos juntados, e não impugnados pelos Réus, tenho que o valor da indenização pelos danos materiais decorrentes do acidente (reparação da motocicleta) deva ser fixado no orçamento de menor valor entre os apresentados pelo Autor, in casu, no montante de R$ 1.112,61 (um mil cento e doze reais e sessenta e um centavos) e, em face do reconhecimento da culpa concorrente do condutor, ora Autor, este montante há de ser reduzido em 50% (cinquenta por cento), fixando a indenização pelos danos emergentes em R$ 556,31 (quinhentos e cinquenta e seis reais e trinta e um centavos).

2.2.4.2 O dano moral se caracteriza pela ofensa aos direitos da personalidade do indivíduo, insuscetíveis de avaliação pecuniária.

Embora não se possa quantificar a intensidade da dor sofrida pelo Autor com o acidente em apreço, é certo que a indenização por danos morais não pode representar um enriquecimento sem causa do beneficiário. Mas o montante da indenização deverá ser suficiente para desencorajar a reiteração de condutas ilícitas e lesivas por parte dos Réus e, ao mesmo tempo, para amenizar, na medida do possível, os abalos subjetivos causados ao Autor.

Assim, atendendo as circunstâncias e as particularidades do caso concreto, bem como a proporcionalidade da reparação, arbitro a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). No entanto, ante o reconhecimento da culpa concorrente da vítima, deve esse valor indenizatório ser reduzido à metade, ou seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais).

2.2.4.3 Com relação ao pedido do DNIT para dedução do valor do seguro obrigatório, em observância à Súmula 246 do STJ, o DPVAT eventualmente recebido pelo Autor deve ser deduzido do valor a ser pago a título de indenização:

"STJ Súmula nº 246 - O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada."

2.3 Verba Sucumbencial

À luz do § 14 do art. 85 do CPC, a verba honorária pertence ao Patrono das Partes e, mesmo quando há sucumbência recíproca, não mais pode ser objeto de compensação, logo cada Parte pagará a verba honorária ao Patrono da outra Parte sobre a parcela que sucumbiu.

Deverá ser observado o percentual mínimo, em face da simplicidade do caso, tudo conforme regra do § 2º do mencionado dispositivo legal, sem prejuízo dos parâmetros do seu § 3º e das regras dos seus §§ 4º e 5º, na fase executiva. 

Então, o Advogado do Autor fará jus à verba honorária na parte em que este for vencedor e o Autor, beneficiário da justiça gratuita, terá que pagar verba honorária quanto aos tópicos em que for vencido aos Patronos da Parte Requerida, ficando, no entanto, a respectiva cobrança sob condição suspensiva e temporária do § 3º do art. 98 do CPC.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 Julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados nesta ação, para condenar, pro rata e solidariamente, os Réus (DNIT e DER-PE) ao pagamento de indenização: a) a título de danos materiais (reparação do veículo), no montante de R$ 556,31 (quinhentos e cinquenta e seis reais e trinta e um centavos); b) a título de danos morais, que arbitro em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Estes valores devidos a título de indenização (danos materiais e morais, respectivamente) serão acrescidos de juros e correção monetária, até a data da expedição do(s) requisitório(s), na forma e pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, devendo ser descontado do valor arbitrado aquele eventualmente percebido a título de indenização do seguro DPVAT, a ser apurado na execução do título judicial.

3.2 Condeno a Parte Ré (DNIT e DER-PE) ao pagamento de honorários advocatícios, no percentual de 10%(dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação (§ 3º, I, do art. 85, do CPC).

3.3 Outrossim, como a Parte Autora pediu indenização por danos de ordem material e moral, este nunca inferior ao valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), diante da sua sucumbência parcial quanto a esses pedidos, a condeno a pagar verba honorária aos Procuradores da Parte Ré, pro rata, no mesmo percentual (10%) e sobre este valor menos o valor a tal título fixado nesta sentença, ficando, no entanto, a respectiva cobrança sob condição suspensiva e temporária do § 3º do art. 98 do CPC, por se encontrar o Autor em gozo do benefício da Justiça Gratuita.

Custas ex lege.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, §3º, incisos I e II, do vigente CPC).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 26.02.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE.


(mppl)



[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159  DIVULG 29-07-2016  PUBLIC 01-08-2016.

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11428494


[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1632985/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2019, DJe 19/11/2019.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201602754140&dt_publicacao=19/11/2019


[3]  Lei nº. 10.233/2001

"Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:

I - estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou reposição de vias, terminais e instalações;

II - estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para a elaboração de projetos e execução de obras viária-s;

III - fornecer ao Ministério dos Transportes informações e dados para subsidiar a formulação dos planos gerais de outorga e de delegação dos segmentos da infra-estrutura viária;

IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias;

V - gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias, decorrentes de investimentos programados pelo Ministério dos Transportes e autorizados pelo Orçamento Geral da União;(Vide Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001).

(...)"