Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Interessante questão, envolvendo o IOF na internalização no Brasil de recursos financeiros, relativos à exportação de produtos brasileiros para outro País, que lá se encontravam depositados.
Pode uma Autoridade, hierarquicamente inferior ao Chefe do Poder Executivo, modificar regra que este veiculou em Decreto, para exigir mencionado Imposto na referida operação?
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0804718-93.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: TERPHANE LTDA
ADVOGADO: Amanda Rodrigues Guedes
ADVOGADO: Lais Borges De Noronha
ADVOGADO: Washington Lacerda Gomes
ADVOGADO: Flavio Marcos Diniz
ADVOGADO: Gilson Jose Rasador
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença Tipo A, registrada eletronicamente.
Vistos, etc.
EMENTA: - TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. IOF
Autoridades
do âmbito de Ministério da área Fazendária e Econômica não podem
modificar Decreto do Chefe do Poder Executivo, relativamente ao IOF.
Concessão da segurança.
1. Breve Relatório
TERPHANE LTDA. este impetrou Mandado de Segurança, em 25.03.2019, com pedido de concessão de Medida Liminar inaudita altera parte, em
face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE / PE ,
autoridade administrativa vinculada funcionalmente à UNIÃO FEDERAL
(FAZENDA NACIONAL). Aduziu, em síntese, que: a Impetrante seria
pessoa jurídica de direito privado regularmente constituída, que teria
como objeto social a exploração do ramo de importação, exportação e
comercialização de mercadorias, conforme seu Estatuto Social anexo; no
desenvolvimento das atividades que compõem o seu objeto a Impetrante
realizaria exportações de produtos para o exterior e, de acordo com
autorização da Lei n.º 11.371, de 28 de novembro de 2006, manteria
recursos em moeda estrangeira, relativos ao recebimento de tais
exportações em instituição financeira no exterior, mas especificamente
no Banco J. P. Morgan; de acordo com o art. 15-B, I, do Decreto n.º
6.306, de 14 de dezembro de 2007, nas operações de câmbio relativas ao
ingresso no País de receitas de exportação de bens e serviços, a
alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras "IOF" ficaria reduzida a
ZERO; todavia, a Coordenação Geral de Tributação da Receita Federal do
Brasil "COSIT" teria publicado a Solução de Consulta nº 246, de 24 de
dezembro de 2018, manifestando orientação a todos os órgãos e
autoridades fazendárias federais, bem como aos contribuintes, no sentido
de que a redução da alíquota do IOF a zero somente se aplicaria aos
ingressos de receitas realizadas ocorridas dentro do processo ou do
ciclo de exportação, contrariando a norma contida no Decreto n.
6.306/2007; com base em tal orientação, os bancos que operam no mercado
de câmbio teriam passado a reter e recolher aos cofres da União Federal o
IOF à alíquota de 0,38% sobre o ingresso de receitas de exportação
realizadas após o encerramento do ciclo de exportação, conforme atestam
os documentos anexos; esse mesmo procedimento seria adotado pelo Banco
J. P. Morgan, contratante do câmbio, na próxima operação de ingresso de
receitas de exportação em curto prazo, conforme documentos ora juntados;
diante da clara violação a direito líquido e certo da Impetrante,
perpetrada por determinação da Autoridade Impetrada, não restaria outra
alternativa senão a busca junto ao sempre independente Poder Judiciário
de ordem que lhe assegure o direito de não sofrer desconto indevido de
IOF na operação de câmbio no ingresso de receitas decorrente de
exportações. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela concessão de medida liminar inaudita
altera parte, para determinar à DD Autoridade coatora que se abstenha,
por si ou por seus subordinados, de impedir a Impetrante de remeter ao
Brasil recursos provenientes de operações de exportação originalmente
mantidos no exterior, com incidência do IOF à alíquota ZERO, conforme
expressamente previsto no art. 15-B, I do Decreto nº 6.306, de 2007,
determinando-se que referida DD Autoridade coatora se abstenha de
considerar os valores de IOF aqui discutidos como base para negativa de
certidão de regularidade fiscal (arts. 205 e 206 do CTN), para inscrição
no CADIN ou outro cadastro de devedores e, ainda, para autuação do
contribuinte, inclusive quanto às operações já praticadas com a
aplicação da alíquota 0(zero) do IOF. Requereu, ainda, que, deferida a
medida liminar, fosse imediatamente oficiado o BANCO CENTRAL DO BRASIL,
com endereço na Rua da Aurora, 1259 - Santo Amaro, Recife - PE,
50040-090, para que determine / autorize todas as instituições
financeiras a realizar as operações de câmbio de receitas de exportação
da Impetrante sob alíquota ZERO do IOF, em especial o BANCO J. P. MORGAN
DO BRASIL, com endereço à AV. Brigadeiro Faria Lima, 3.729 - Itaim
Bibi, São Paulo/SP, 04.538-905. Protestou o de estilo. Inicial instruída
com procuração e documentos.
Foi exarada decisão deferindo a medida liminar (Id. 4058300.10242157).
A
autoridade apontada como coatora apresentou Informações. Aduziu, dentre
outros aspectos, que: após o recebimento dos recursos em conta mantida
no exterior estaria encerrado o ciclo de exportação; encerra-se o ciclo
da exportação; se em data posterior ao depósito o exportador decide
internar os recursos ao Brasil, esta internação de moeda não fará parte
de um processo de exportação e estará sujeito à alíquota de 0,38%,
conforme o Decreto nº 6.306, art. 15-B, caput; o entendimento externado
pela RFB na Solução de Consulta nº 246/2018 foi amplamente divulgado nos
meios oficiais e pelas próprias instituições financeiras,
intermediárias dos contratos de câmbio; seria impossível proceder a
compnsação antes do trânsito em julgado, caso concedida a segurança;.
Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança.
(Id. 4058300.10302787).
A
UNÃO pugnou pela devolução do prazo para a necessidade de retificação
dos registros informatizados deste processo de "União" para "Fazenda
Nacional" (Id. 4058300.10326261).
A
União (Fazenda Nacional) manifestou interesse no feito e registrou que
deixaria de interpor recurso contra a decisão concessiva da medida
liminar com amparo em Nota Técnica Justificativa administrativamente
arquivada (Id. 4058300.10337781).
O MPF não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.10525792).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir..
2. Fundamentação
Inexistindo
alteração das circuntâncias fático-jurídicas desde a prolação da
decisão que concedeu a medida liminar (Id. 4058300.10242157), passo a
transcrevê-la para integrar a fundamentação desta sentença, verbis:
"(...).
Pugna a Impetrante por provimento jurisdicional liminar inaudita altera parte,
para determinar à DD Autoridade coatora que se abstenha, por si ou por
seus subordinados, de impedir a Impetrante de remeter/trazer para Brasil
recursos provenientes de operações de exportação, originalmente
mantidos no exterior, com incidência do IOF à alíquota ZERO, conforme
expressamente previsto no art. 15-B, I, do Decreto nº 6.306, de 2007,
determinando-se que mencionada DD Autoridade coatora se abstenha de
considerar os valores de IOF aqui discutidos como base para negativa de
certidão de regularidade fiscal (arts. 205 e 206 do CTN), para inscrição
no CADIN ou outro cadastro de devedores e, ainda, para autuação do
contribuinte, inclusive quanto às operações já praticadas com a
aplicação da alíquota 0 do IOF.
Alegou
que a Coordenação Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil
"COSIT" teria publicado a Solução de Consulta nº 246, de 24 de dezembro
de 2018, manifestando orientação a todos os órgãos e autoridades
fazendárias federais, bem como aos contribuintes, no sentido de que a
redução da alíquota do IOF a zero somente se aplicaria aos ingressos de
receitas realizadas ocorridas dentro do processo ou do ciclo de
exportação, contrariando a norma contida no Decreto n. 6.306/2007 e com
base em tal orientação, os bancos que operam no mercado de câmbio teriam
passado a reter e recolher aos cofres da União Federal o IOF à alíquota
de 0,38% sobre o ingresso de receitas de exportação realizadas após o
encerramento do ciclo de exportação.
Pois bem.
A COSIT (Coordenação do Sistema de Tributação) publicou, em 24 de dezembro de 2018, a Solução de Consulta n. 246,
contendo a interpretação fiscal quanto à incidência do IOF (Imposto
sobre Operações Financeiras) em operações de câmbio, relativas a
pagamentos de exportações, quando do recebimento e manutenção dos
recursos em conta bancária aberta no Exterior.
Para um melhor entendimento da matéria, transcrevo trecho da mencionada Solução de Consulta n.246, verbis:
"ASSUNTO: Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF
EMENTA: RECURSOS PROVENIENTES DE EXPORTAÇÕES. MANUTENÇÃO NO EXTERIOR. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR.
Não incide IOF quando da manutenção de recursos em moeda estrangeira em
instituição financeira fora do país, relativos aos recebimentos de
exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior,
realizadas por pessoas físicas ou jurídicas. Nesta situação, não há
liquidação de contrato de câmbio e, portanto, não se verifica a
ocorrência do fato gerador do imposto conforme definido no art. 63, II
do Código Tributário Nacional (CTN) e no art. 11 do Decreto 6.306, de
2007. No
entanto, se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior
forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação,
remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%,
conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.
OPERAÇÕES DE CÂMBIO RELATIVAS AO INGRESSO NO PAÍS DE RECEITAS DE EXPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS. ALÍQUOTA ZERO.
No caso de operações de câmbio relativas ao ingresso no país de
receitas de exportação de bens e serviços, há a incidência do IOF na
operação de câmbio à alíquota zero, conforme expressa previsão no art.
15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional - CTN); Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994; e Lei nº 11.371, de 28 de novembro de 2006; Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007.".[Negritei).
Com efeito, vê-se que a COSIT concluiu pela incidência de IOF apenas quando "os
recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data
posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil,
haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput
do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.".
Como
se sabe, utilizando-se da faculdade concedida no § 1º do art. 153 da
vigente Constituição da República e no art. 65 do Código Tributário
Nacional(Lei 5.172, de 1966), a UNIÃO, por meio do Chefe do Poder
Executivo, reduziu a 0%(zero por cento) a alíquota do IOF incidentes
sobre receitas decorrentes de exportação brasileira para outro País.
Nesse aspecto, o Brasil seguiu a saudável orientação econômico-financeira de que não se "exporta tributos, mas produtos".
É
que todo País, principalmente aqueles que têm sérios problemas no
balanço de pagamento, como o Brasil, necessitam quase que
desesperadamente de adquirir moeda estrangeira, para reservas
monetárias(controle cambial) via Banco Central do Brasil.
Em
termos práticos, no entender da Receita, se a Empresa exportadora
recebe pagamento por exportação em banco em outro País e imediatamente,
ou seja, dentro do período de "conclusão do processo de exportação",
remete o pagamento em moeda estrangeira para o Brasil(fato gerador do o
IOF, art. 63-II, CTN), continuará gozando da alíquota zero desse
Imposto, o que não ocorrerá se mencionada remessa der-se fora desse
período de "conclusão do processo de exportação", quando então sofrerá retenção do IOF, sob alíquota de 0,38%(trinta e oito centésimos por cento).
No final da mencionada Solução de Consulta, a DD Autoridade Fazendária invoca o "art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.".
Bem, quanto a essa operação, consta nesse dispositivo desse Decreto o seguinte:
§ 4º Enquadram-se no disposto no inciso I as operações de câmbio
relativas ao ingresso no País de receitas de exportação de serviços
classificados nas Seções I a V da Nomenclatura Brasileira de Serviços,
Intangíveis e Outras Operações que produzam variações no patrimônio -
NBS, exceto se houver neste Decreto disposição especial. (Incluído pelo Decreto nº 8.731, de 2016)"
Note-se que nesse Decreto não há qualquer limitação quanto ao tempo para ingresso das Receitas no Brasil.
A limitação da mencionada Solução de Consulta teria respaldo na Lei que deu origem a esse Decreto?
Vejamos.
Lei nº 5.143, de 20.10.1966, já com diversas alterações:
"Art 3º O impôsto será cobrado com as seguintes alíquotas:
I - empréstimos sob qualquer modalidade, as aberturas de crédito, e os descontos de títulos - 0,3%;
Il - seguro de vida e congêneres e de acidentes pessoais e do trabalho - 1,0%;
III - seguros de bens, valôres, coisas e outros não especificados, excluídos o resseguro, o seguro de crédito a exportação e o de transporte de mercadorias em viagens internacionais: - 2,0%.".
Note-se que, no inciso III desse artigo de Lei, as receias decorrentes de exportação ficam à margem da tributação.
E nela, tampouco nas outras Leis que a alteraram parcialmente, há regra idêntica à consignada na noticiada Solução de Consulta.
E
mencionada restrição é do tipo que não pode, sequer, ser veiculada em
Decreto, porque por Decreto o Presidente da República só poderá
reduzir a zero a alíquota do Imposto em debate e/ou restabelecê-la até a
alíquota máxima fixada em Lei.
Qualquer
outra restrição, com relação a esse imposto, tendo em vista o
princípio da legalidade restrito, previsto no inciso I do art. 150 da
vigente Constituição da República, só poderá ser fixada por Lei.
Assim, mencionada Solução de Consulta choca-se diretamente com esse dispositivo constitucional e, por isso, não pode prevalecer.
3. Dispositivo
Posto
isso, concedo a pleiteada medida liminar e determino que a DD.
Autoridade apontada como coatora abstenha-se, por si ou por seus
subordinados, de exigir o imposto em questão à alíquota de 0,38(trinta e
oito centésimos por cento), aplicando, sim, a alíquota O%(zero) sobre
os valores decorrentes de exportações que a Impetrante realizou para
outros Países, e que também forneça à Impetrante, se requerer na via
administrativa, certidão positiva de débito, com efeito de certidão
negativa, conforme regras dos arts. 205 e 206 do acima invocado Código
Tributário Nacional, exceto se outro(s) débito(s) existir(erem), e que
mencionada DD Autoridade coatora tome todas as providências necessárias
para o devido cumprimento desta decisão, sob as penas do art. 26 da Lei
nº 12.016, de 2009.
Oficie-se
o Banco Central do Brasil, conforme requerido, para o fiel cumprimento
desta decisão, sob as penas do art. 77 e respectivos Parágrafos do
vigente Código de Processo Civil.
Notifique-se
a DD. Autoridade apontada coatora, para a apresentação das informações,
no prazo legal, bem como para dar imediato cumprimento a esta decisão,
sob as penas acima indicadas.
Outrossim,
determino que a União (Fazenda Nacional), por seu órgão de
representação judicial próprio, seja cientificada desta decisão, para os
fins legais.
No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Recife, 01.04.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE".
Diante
de tal contexto e considerando que a DD Autoridade Impetrada, nas
Informações, limitou-se a repetir o consignado no ato ora impugnado,
mencionada e transcrita medida liminar merece ser ratificada e tornada
definitiva, para todos os fins de direito.
Mencionado
ato administrativo, de caráter normativo, como já dito na decisão acima
transcrita, invade esfera privativa do Chefe do Poder Executivo,
contrariando a ali mencionada regra constitucional, por isso, não pode
continuar sendo aplicada. .
3. Dispositivo
Posto isso, ratifico a medida liminar, concedida na decisão sob identificador 4058300.10242157, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental e
concedo a segurança tornando definitiva referida medida liminar,
garantindo à Impetrante o direito de trazer para o Brasil os recursos
financeiros provenientes de operações de exportação, que se encontram
depositados em Instituições Financeiras em outro País, com incidência
do IOF à alíquota ZERO, conforme expressamente previsto no art. 15-B, I,
do Decreto nº 6.306, de 2007.
Condeno
a DD A autoridade coatora, ainda, a compensar as quantias eventualmente
exigidas da Impetrante e por ela recolhidas, retroativamente aos
últimos cinco anos, contados a partir da data da impetração deste
Mandado de Segurança, observadas as regras legais e administrativas
pertinentes, bem como o trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão
que a mantenha(art. 170-A, CTN)
Atualização
mediante aplicação da taxa SELIC, desde o recolhimento indevido até a
data da efetiva compensação ou recebimento em restituição.
Custas na forma da Lei.
Sem honorários sucumbenciais (art. 25, da Lei n.º 12.016/2009).
Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição (§ 1º do art. 14 Lei n. 12.016/2009), sem efeito suspensivo(§ 3º do art. 14 da mesma Lei).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 28.06.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal-PE