segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E RESPEITO À INDEPENDÊNCIA DO JULGADOR ADMINISTRATIVO

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Nestes trinta e poucos anos de magistratura federal, já vi muitos pleitos estranhos, mas o consignado na petição inicial deste processo, creio que nem F. Kafka seria capaz de engendrar. Quase uma distopia, por sua pretendida antecipação do que poderia vir a acontecer, como que querendo que se escrevesse o que a DD Autoridade ainda iria escrever. 

A pesquisa legal e a argumentação jurídica foi realizada pela competente  Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques, sendo dela também parte da minuta do texto. 

Boa leitura.


 PROCESSO Nº: 0801592-30.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: A. K. P.
ADVOGADO: T C Da C
REPRESENTANTE: A L DA S
IMPETRADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AUTORIDADE COATORA: GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



DECISÃO

1. Relatório

A K P, qualificado na petição inicial, representado por Guardiã, Srª A L da S, impetrou, em 02/02/2022, este mandado de segurança preventivo com pedido de liminar em face do GERENTE GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO DA SRIV, localizado na Av. Dantas Barreto, 300, bairro de Santo Antônio, Recife/PE. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: em 10/01/2022 teria protocolado o requerimento de retificação do CNIS de sua falecida mãe, e o requerimento estaria em análise; deveria ser garantido o seu direito, de maneira preventiva, a uma decisão administrativa fundamentada no "porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, e porque aceita ou não aceita o pedido de retificação do CNIS, devendo realizar a retificação ou não, mas desde que seja fundamentada a decisão"(sic); a não fundamentação da decisão feriria direito líquido e certo do Impetrante, e a decisão de deferir ou indeferir o requerimento deveria ser fundamentada; assim, independentemente do reconhecimento ou não do pedido à retificação do CNIS, a decisão deveria ser fundamentada. Teceu outros comentários e requereu:

"A) Que seja deferido os benefícios da justiça gratuita, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, cumulado com o art. 9 da lei 1060/50, garantindo a gratuidade da justiça em todas as instâncias, em formalidade com o acesso à justiça.

B) Que seja julgado procedente o pedido liminar ora formulado, requerendo que a autoridade coatora ao realizar a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$: 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC.

C) Que seja julgado totalmente procedente a presente ação, para que a autarquia realize a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, desde de que fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC. E) Que seja arbitrado por vossa excelência astreintes como multa por descumprimento de ordem judicial, tanto no pedido de liminar quanto no final da presente ação. (...)"

Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 - Ressalto, inicialmente, que não há, no caso concreto, a decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, porque o ato atacado neste writ ainda vai ser realizado, pois se trata de mandado de segurança preventivo.

2.2 - O benefício da assistência judiciária merece ser concedido, provisoriamente, podendo a Parte do polo passivo impugnar essa concessão.

2.3 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão de medida liminar, conforme consta do inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.4 - Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo estaria prestes a ser violado por ato do INSS, eis que teria direito a uma decisão fundamentada no seu requerimento de retificação do CNIS de sua falecida genitora. E, com esteio no dever de motivação das decisões administrativas, informa o conteúdo que deve estar presente na almejada decisão administrativa, sob pena de malferir direito líquido e certo do administrado.

Como é sabido, o princípio da motivação das decisões, não se aplica apenas ao Judiciário(art. 93, IX e X, da vigente Constituição da República), mas também aos Julgadores administrativos, conforme estabelece o art. 50 da Lei nº 9.784/99.

Assim, os atos administrativos de conteúdo decisório devem conter os motivos que levaram a Autoridade pública a decidir de determinada forma, o que possibilitará o seu controle externo.

Pois bem, sem maiores delongas, ao analisar os documentos anexados, data venia, não há um único elemento que possa indicar que a DD Autoridade apontada como coatora decidirá sem observar mencinado princípio, agasalhado no referido dispositivo legal. .

Por outro lado, não se pode estabelecer, previamente, o conteúdo da decisão administrativa, sob pena de ingerência indevida do Judiciário na Administração.

Com efeito, o controle jurisdicional do ato administrativo, em casos tais, é admitido somente depois de editado, desde que evidenciada flagrante ilegalidade (ausência/deficiência de motivação) ou abuso de poder, o que, repito, data venia,  não se vê nestes autos.

Nessas circunstâncias, não está presente o fumus boni iuris, requisito necessário à concessão da medida liminar.

3. Dispositivo

Posto ISSO:

3.1 - Concedo à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita e, preliminarmente, afasto a existência de decadência para utilização do mandado de segurança.

3.2 - Indefiro o pedido de concessão da medida liminar;

3.3 - Notifique-se a referida DD Autoridade para prestar informações no prazo legal de 10(dez) dias, e que também se dê ciência à representação processual do INSS, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei acima referida.

No momento oportuno, ao MPF para apresentação do seu r. parecer legal.

Intime-se.

Recife, 07.02.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(rmc) 

 



Nenhum comentário:

Postar um comentário