sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MUNICÍPIOS: CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PRIVADA SEM LICITAÇÃO; PRETENDIDA PARTICIPAÇÃO NO VALOR DA MULTA DE 100% DO IMPOSTO DE RENDA, NA REPATRIAÇÃO DE ATIVOS AUTORIZADA PELA LEI Nº 13.254, DE 2016.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Podem os Municípios contratar escritórios de advocacia privada sem licitação pública?


Os Municípios têm direito à participação, pelo respectivo Fundo Constitucional, sobre o valor da multa de 100% de imposto de renda, incidente nos valores que serão repatriados para o Brasil, em decorrência da Lei nº 13.254/2016?


Esses assuntos da atualidade brasileira,  tão importantes,  são debatidos na decisão que segue. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809303-96.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO
ADVOGADO: W R F
ADVOGADO: L A S
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR


 DECISÃO


  1. RELATÓRIO
       O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO, qualificado nos autos, propôs a presente "AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da UNIÃO FEDERAL onde pleiteia o repasse dos valores devidos ao Município a título de FPM e incidentes sobre os valores pagos a título de multa pelos aderentes ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Aduziu, em síntese, que: a) a União Federal teria editado a Lei nº 13.254/2016 que dispôs sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens e direitos remetidos ao exterior; b) para adesão e gozo dos benefícios da lei, caberia aos contribuintes declarar os bens, recursos e direitos de origem lícita remetidos ou mantidos no exterior, bem como, realizar o pagamento do imposto de renda sob a alíquota de 15% e da correspondente multa de 100% do valor do imposto devido; c) a referida Lei inicialmente dispõe em seu art. 6º, que os valores arrecadados com a cobrança de imposto de renda à alíquota de 15% serão repartidos com Estados e Municípios, nos termos do art. 159, I, da Constituição Federal; d) a mesma divisão não está sendo respeitada em relação à multa cobrada com base no artigo 8º, que prevê alíquota de 100% sobre o valor estipulado no artigo 6º; e) teria ocorrido afronta aos artigos 159, I, da CF/88, 160 e 162da CF/88, e artigo 161, II, da CF; f) haveria manifesto perigo de dano no fato de o Município deixar de perceber verbas decorrentes de transferências constitucionais obrigatórias da União que são essenciais à consecução de suas atividades públicas; g) poderá haver perigo de dano, no fato de perecer o direito do Município aos depósitos referentes a FPM a serem efetuados no próximo dia 30/11/2016, conforme Resolução 726/2016 da Secretaria do Tesouro Nacional.  Teceu considerações a respeito do direito pretendido, especificamente sobre a natureza jurídica da multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/2016 e citou precedentes jurisprudenciais em defesa do seu pleito. Ao final requereu liminarmente:
1."a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na formado art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação." 2. "Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo."
         É o relatório, no essencial.
         Passo a fundamentar e a decidir.

        2. FUNDAMENTAÇÃO

        2.1 - Preliminarmente, constato que o Sr. Prefeito contratou um escritório de advocacia para representar, judicialmente, o Município-autor.
            Constato, também, que não há nos autos prova da licitação e do respectivo contrato, relativos à contratação do mencionado Escritório de Advocacia.
        Como se sabe, qualquer Unidade da Federação pode ter o Órgão Procuradoria, para a defesa judicial e extrajudicial dos seus interesses e, na ausência desse Órgão, pode contratar Escritório de Advocacia ou Advogado, mas, para tanto, tendo em vista regras constitucionais e legais vigentes, só poderá fazê-lo por licitação pública, uma vez que nessa seara não existe a figura legal denominada de "notória especialização", que poderia dispensar a licitação(inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, e, principalmente, o respectivo § 1º).
      O assunto não é desconhecido do Superior Tribunal de Justiça, que já teve oportunidade de decidir a respeito do assunto, no qual determinado Prefeito e determinado Advogado foram enquadrados no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa(Lei 8.429, de 1992), porque o primeiro contratou o segundo para representar judicialmente o Município, sem licitação pública, para serviços advocatícios que não se enquadravam na denominada "notória especialidade", com a agravante de que o Município tinha o Órgão Procuradoria Jurídico-Judicial(Nesse sentido, vide: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Recurso Especial - REsp nº 1..368.129/GO, julgado em 27/10/2015, publicado no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 12/02/2016).
         Então, para evitar possíveis nulidades e/ou problemas futuros, é pertinente que essa questão fique preliminarmente esclarecida, devendo o Município autor atender às determinações da conclusão infra, abrindo-se vista ao Ministério Público Federal, para os fins legais,  porque, como vimos, a matéria envolve a questão da probidade administrativa e poderá resvalar para a área criminal.

            2.2 - Do Pedido de Antecipação de Tutela

      A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual.
        O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico da tutela de urgência. Eis o seu texto:
    "Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.    § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.    § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.    § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.". 
      No presente caso,  pretende o Município/Autor a concessão da tutela de urgência para que seja determinado à UNIÃO:
"O deferimento de liminar, inaudita altera pars, que ordene à União Federal, através de sua Procuradoria Regional da Fazenda Nacional, com endereço na Av. Gov. Agamenon Magalhães, 2864 - Espinheiro, Recife - PE, 52020-000, a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na forma do art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação.

Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo.".
    Examinemos a questão, no campo do direito constitucional e tributário.
     Os valores que serão repatriados, à luz da mencionada Lei nº 13.254, de 13.01.2016, serão submetidos à incidência do Imposto de Renda, à alíquota de 15%(quinze por cento), conforme art. 6º dessa Lei, e à multa desse imposto no percentual de 100%(cem por cento)do valor desse imposto.
     Há previsão nessa Lei que do valor do Imposto de Renda haverá rateio para o Fundo de Participação dos Estados - FPE e para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM(§ 1º do art. 6º dessa Lei), na forma preconizada no art. 159 da Constituição da República. 
     Todavia, não há determinação para idêntica participação dos Estados e dos Municípios no valor da multa acima mencionada.
    No que diz respeito aos Municípios, que interessa para este feito, a  alínea "b" do inciso I do art. 159 da Constituição da República estabelece que a UNIÃO remeta para o Fundo de Participação dos Municípios vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do valor que arrecadar a título de imposto de renda.   A alínea "d" desse dispositivo constitucional ainda determina que a UNIÃO repasse para referido Fundo 1%(um por cento)do valor desse imposto, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano.   
    Note-se que o referido dispositivo constitucional não faz menção a valores relativos a multas que sejam cobradas com referência a esse imposto.
   Por outro lado, o Legislador define tributo no art. 3º do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:
" Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.".
     Extrai-se dessa definição de tributo que o valor da multa tributo não é, pois constitui sanção de ato ilícito, logo não se confunde com o valor do imposto, da taxa, nem das contribuições.
     Dessa forma, prima facie, a UNIÃO não se encontra constitucionalmente obrigada a repassar para o Fundo de Participação dos Estados, tampouco para o Fundo de Participação dos Municípios nenhuma parcela do valor da mencionada multa tributária.
     Não desconheço a existência de r. decisão da d. Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, na qual deferiu medida liminar na Ação Cívil Originária (ACO) 2939 para determinar à União que depositasse em conta judicial, à disposição do STF, o valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados devido a Pernambuco, incidente sobre a multa prevista na Lei 13.254/2016. Posteriormente, a mesma d. Ministra concedeu outras medidas liminares a outros 21 Estados e o DF.
Destaco a parte final do decisum:
"12. A discussão, porém, possui aspectos inovadores, diante das circunstâncias especiais em que se encontra proposta. O RERCT é iniciativa pioneira, com contornos jurídicos especiais. Trata-se, a rigor, de uma opção concedida ao contribuinte, descaracterizado o caráter impositivo da incidência de seu regramento, premissa que há de ser considerada com cuidado. Essas constatações indicam, inclusive, a necessidade de oportuna manifestação do Plenário desta Suprema Corte, diante das destacadas peculiaridades com que o tema se apresenta. Em face de tais fatores determinei, na conexa ACO nº 2.931, concomitantemente à citação, a oitiva da ré a respeito da pretensão antecipatória do direito pleiteado. A presente decisão não representa alteração de entendimento a esse respeito. Dá-se, exclusivamente, em razão da alegada premência na distribuição de recursos ao Fundo de Participação dos Estados, a ser realizada nesta data, segundo informações prestadas pelo autor.
Diante do exposto, defiro, em juízo de mera delibação, o pedido subsidiário deduzido na Petição nº 63.015/2016 (doc. 4), no sentido de determinar o depósito, em conta judicial à disposição deste juízo, do valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados relativo ao autor, incidente sobre a multa a que se refere o art. 8º da Lei nº 13.254/16.
Comunique-se, com urgência, para cumprimento imediato, o teor da presente decisão, cuja cópia deverá ser encaminhada à Advocacia-Geral da União.
Na mesma oportunidade, CITE-SE a União para contestar o feito, no prazo de 30 (trinta) dias (artigos 183 e 335 do Novo Código de Processo Civil, c/c art. 247, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Intimem-se. Brasília, 10 de novembro de 2016. Ministra Rosa Weber Relatora"
     No entanto, data maxima venia, pelas razões acima aduzidas, penso que mencionadas r. decisões dessa d. Ministra da nossa Suprema Corte não encontram respaldo nas regras constitucionais acima invocadas, tampouco no também invocado art. 3º do Código Tributário Nacional.

          3. Conclusão

            Posto isso:
          3.1 - concedo ao Município-autor o prazo de 5(cinco) dias para: 3.1.1 - informar se tem constituída Procuradoria própria e, se tiver, que junte nos autos cópia da respectiva Lei Municipal; 3.1.2 - tendo ou não Procuradoria própria, juntar comprovantes da licitação, que culminou com a contratação do Escritório de Advocacia que o representa neste feito, juntando também o respectivo contrato; 3.2.3 - que se dê vista ao Ministério Público Federal, para tomar ciência desse fato e, se, for o caso, para tomar as medidas legais pertinentes.

          3.2 - indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.

      Intimem-se.

       Recife, 25.11.2016.

     Francisco Alves dos Santos Júnior
        Juiz Federal, 2a Vara-PE.