sexta-feira, 2 de julho de 2010

A RESPEITO DA IRRETROATIVIDADE DO ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR 118, DE 2005

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

   Aqui, examino um caso recente de lei interpretativa que, pelo inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, tem efeito retroativo à data da Lei que interpreta. Refiro-me aos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, publicada no Diário Oficial da União-DOU de 09.02.2005 e que entrou em vigor 120 dias após sua publicação, que têm a seguinte redação:
“Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”.
   Mencionados dispositivos legais vieram à luz para se antepor ao entendimento que se firmou no Superior Tribunal de Justiça-STJ, no sentido de que a prescrição de crédito na repetição de indébito, relativo a tributo submetido a lançamento por homologação, só se inicia após a extinção do crédito tributário , que ocorre com a concretização da homologação desse lançamento, seja expressa ou tácita(inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN). A Fazenda Pública tem o prazo decadencial de cinco anos para essa homologação, contado da data do fato gerador(§ 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional-CTN). Como, regra geral, a Fazenda Pública silencia, ou seja, não faz a homologação expressa, concretiza-se a homologação tácita, no final desse prazo de cinco anos. Daí então se inicia o prazo prescricional, também de cinco anos, previsto no inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, para o Contribuinte pedir(exigir)a restituição do tributo que tenha pago indevidamente. E por isso se diz que, segundo o Superior Tribunal de Justiça-STJ, o contribuinte tem 5(cinco)anos + 5(cinco)anos para repetir. A teoria que se popularizou como “teoria dos cinco + cinco’. Referida Lei Complementar, no seu art. 3º, estabeleceu que esse prazo seria de 5(cinco)anos, contados, não da extinção do crédito tributário(que, como o vimos em nota de rodapé acima, só ocorre com a homologação do ‘lançamento’ ), mas sim do pagamento indevido. Logo, eliminou a possibilidade de contar-se cinco anos(para homologar) + cinco anos(para requerer a restituição), ficando apenas este último prazo, contado do pagamento.
   E o art. 4º da ora analisada Lei Complementar 118, de 2005, determina que, quanto à regra do referido art. 3º, se observe o disposto no acima referido inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, ou seja, que seja considerada regra legal interpretativa e, portanto, retroativa.
   Seria mencionado art. 3º uma nova regra, frente à regra do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, ou seria uma regra que apenas interpreta esta?
   No ano de 1977, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF decidiu que o prazo do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN iniciar-se-ia do pagamento indevido e nesse sentido sempre se posicionou o jurista Luciano Amaro, no seu conhecido livro Direito Tributário Brasileiro, registrando ser inadequado o texto do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, o qual, ao invés de se referir a pagamento, refere-se à extinção do crédito tributário.
    E parece-me que assim tem que ser, porque o Direito Tributário não pode modificar os institutos de direito privado(art.110 do Código Tributário Nacional-CTN)e, em direito privado, o prazo prescricional para repetição indébito sempre se iniciou depois da ocorrência do pagamento indevido, e como juiz federal, venho adotando esse entendimento nas decisões interlocutórias e sentença onde este assunto é debatido.
    No entanto, como vimos acima, o Superior Tribunal de Justiça-STJ não adotou esse entendimento e firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo total chegaria a dez anos(os cinco anos decadenciais para a Fazenda Pública homologar e os cinco anos prescricionais para o Contribuinte requerer a restituição do indevidamente pago).
    Com o advento da Lei Complementar 118, de 2005, adotando o referido entendimento do Supremo Tribunal Federal-STF(cinco anos do pagamento indevido), os Contribuintes foram ao Judiciário, sustentando a tese de que não se trataria de regra legal interpretativa, mas sim de uma nova regra, pelo que só poderia alcançar fatos(pagamentos indevidos), ocorridos depois da sua vigência, em face do princípio da irretroatividade das leis, agora expresso na alínea “a” do inciso III do art. 150 da Constituição da República.
   O assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça-STJ e este, em um primeiro momento, concluiu que a nova Lei só seria aplicável a processos que se iniciaram após sua entrada em vigor e, posteriormente, assentou o entendimento de que ela só seria aplicável a fatos(pagamentos indevidos)efetuados após a sua vigência.
   Essa matéria também já chegou ao Supremo Tribunal Federal-STF, onde está sob análise do seu Plenário Recurso Extraordinário nº 566.621/RS, interposto pela União em abril de 2007, ao qual se deu repercussão geral, interposto pela União, e em cujo site, no dia 01.07.2010, colhi a seguinte notícia: “Decisão: Após os votos da Senhora Ministra Ellen Gracie(relatora) e dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso d Mello e Cezar Peluso(presidente),conhecendo e negando provimento ao recurso, e os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, dando-lhe provimento, foi o julgamento suspenso para colher o voto do Senhor Ministro Eros Grau. (...).”. Portanto, na mencionada data já havia cinco votos pela inconstitucionalidade e quatro pela constitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei Complementar, na qual manda aplicar ao art. 3º da mesma Lei o inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto que, que seja considerada regra interpretativa e, portanto, retroativa à data em que o Código Tributário Nacional-CTN entrou em vigor. Caso seja mantida a maioria, teremos que o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma, adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido.
   E mudou, pois findou o julgamento em 04.08.2011, e a União foi vencida, por maioria, seis votos a quatro.
   Eis a decisão:
 “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.08.2011.v”. as Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.08.2011.v”.
   Portanto, concluiu-se pela inconstitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei Complementar, na qual mandava aplicar ao art. 3º da mesma Lei o inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto é, estabelecia que tal regra seria interpretativa e, por isso, era retroativa à data em que o Código Tributário Nacional-CTN entrara em vigor.
   Então, tem-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, em 04.08.2011, findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma, adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido, e passou a admitir que o art. 110 do Código Tributário Nacional-CTN pode ser inobservado, ou seja, que leis do campo tributário podem modificar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado.
   Num embate mais amplo, Estado x Capital, também podemos concluir que a noticiada apertada maioria da composição do plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, formação de 04.08.2011, deu ganho de causa ao Capital, certamente gerando aumento na despesa pública ou não realização de receita pública(no caso de compensação realizada pelo Contribuinte). Oxalá, essa montanha de dinheiro seja bem aplicada pelos Empresários, para maior desenvolvimento do Brasil!