terça-feira, 24 de maio de 2022

TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO. EXIGÊNCIAS LEGAIS PARA ENQUADRAMENTO COMO TERRENO DE MARINHA OU ACRESCIDO DE MARINHA.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue intressante sentença, pesquisada e minutada pela Assessora Patrícia Pessoa Luna, sobre prescrição e exigências para que a UNIÃO possa considerar um terreno como terreno de marinha ou acrescido de marinha. 

Boa leitura. 



 PROCESSO Nº: 0819383-17.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: RICARDO BARRETO DORNELAS CAMARA e outro
ADVOGADO: Ighor Fernando Rocha Galvao
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


 

Sentença tipo A

 

Ementa: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DEMARCAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA OU ACRESCIDO DE MARINHA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MARCO INICIAL. DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. APLICABILIDADE DA REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

- Nulas são as decisões administrativas ou os respectivos atos administrativos, lançadas(os) nos autos de processos administrativos demarcatórios, noticiados na petição inicial e na contestação,  nas(os) quais o terreno onde está o imóvel de propriedade dos Autores foi considerado terreno de marinha, porque não foi, nos referidos processos administrativos, observada solenidade fixada em Lei, com a notificação pessoal dos interessados identificados e com domicílio certo, solenidade aquela que tinha por meta a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, cuja inobservância também findou por ferir outro princípio constitucional, o do devido processo legal.

- Procedência.

 

Vistos etc.

1. Relatório

NELMA DE HOLANDA CORDEIRO LIMA e RICARDO BARRETO DORNELAS CAMARA, qualificados na petição inicial, ajuizaram, em 08/10/2019, esta "AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA" em face da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. Sustentaram, inicialmente, a competência desta Justiça Federal. Alegaram, em síntese, que: seriam legítimos proprietários da sala comercial nº 510 do Edf. Clinical Center Karla Patrícia, localizada na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE; em outubro de 2017, teriam recebido em sua sala comercial do antigo proprietário do imóvel (Sr. PAULO ROBERTO DE BARROS E SILVA) cobranças relativas à taxa de ocupação ("terreno de marinha") da sala comercial, que seria de propriedade dos autores desde maio de 1994 (identificada no DARF como cadastrada sob o RIP nº 2531 0129364-32; as cobranças se refeririam aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, sendo as mesmas lançadas em nome do antigo proprietário do imóvel; o primeiro boleto recebido pelo antigo proprietário se encontraria anexado a esta exordial como matéria de prova; o imóvel aludido nunca teria estado em área de marinha, como comprovaria a Certidão Vintenária recentemente expedida pelo 1º Cartório de Registro de Imóveis de Recife, cuja primeira linha já salientaria tratar-se de "fração ideal de terreno PRÓPRIO", ou seja, alodial, sem ônus ou gravames registrados; os autores teriam se dirigido à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para requerer a motivação da cobrança e o ato administrativo que a teria embasado; os atendentes apenas teriam informado que o imóvel havia sido demarcado como terreno de marinha e que a cobrança, doravante, seria devida, anualmente; o Condomínio do Edifício teria repassado aos condôminos informações conseguidas junto àquele órgão, registrando que as salas do edifício teriam sido todas colocadas sob oneração por meio do Processo Administrativo nº 04962.005742/2013-37, aberto em 05/09/2013 (que não seria um processo demarcatório); o despacho que "demarcou" uma única sala daquela edificação como ocupante de terreno de marinha (e teria servido de base para cadastrar todas as demais salas do prédio) teria se dado em 21/11/2013; o próprio órgão teria admitido que violou as leis regentes desse tipo de processo demarcatório ao confirmar nesse documento que nunca teria realizado qualquer audiência ou notificação de interessados; no mesmo processo administrativo, outro absurdo, todas as 142 salas teriam sido cadastradas em nome da Empresa DINIZ ENGENHARIA LTDA, antiga proprietária do terreno (cujo registro de incorporação data de 1991), o que teria impedido que os verdadeiros proprietários tomassem conhecimento da "demarcação", pois os boletos de cobrança seriam enviados para o domicílio fiscal do proprietário cadastrado no RIP (endereço declarado no imposto de renda); no referido processo administrativo, a SPU, mesmo ciente de que o terreno fora transacionado em 1991, teria ordenado o cadastramento de todas as unidades em nome daquela empresa; na folha n. 095, constaria a criação dos 142 RIPs; na folha 096, a servidora alertaria que não possui os nomes dos proprietários, e, mesmo assim, teria cadastrado os imóveis em nome de quem não mais possuiria relação jurídica com os imóveis; "em 2013, a SPU "convola" um "referido" procedimento administrativo da década de 60, sem sequer notificar os reais proprietários das salas do edifício, mesmo ciente de que o grosso dessa informação poderia ser solicitado ao cartório de registro de imóveis, deixa a situação "correr solta" e, em 2017, "joga" todos esses débitos para os reais proprietários, de maneira açodada e ilegal". Teceram outros comentários. Transcreveram dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Requereram, em sede de tutela provisória de urgência: "5.1. Que, reconhecida a patente falta de intimação pessoal dos interessados, o frontal desrespeito à legislação em vigor na demarcação da linha de preamar média de 1831 e a ausência de procedimento administrativo individual, que seja deferida a antecipação dos efeitos da tutela para suspender os efeitos do reconhecimento do imóvel do autor, de cadastro RIP nº 2531 0129364-32, como terreno de marinha; 5.2. Que, uma vez suspensos os efeitos do reconhecimento do imóvel dos Autores como sendo terreno de marinha, requer que seja deferida antecipação dos efeitos da tutela para sustar as cobranças anuais de foro e eventuais pagamentos de laudêmio até o fim da presente demanda". No mérito, requereram: "5.3. No mérito, o reconhecimento da nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da pretensão inicial como terreno de marinha, cancelando-se, por consequência, o cadastro RIP junto à SPU; 5.4. Que seja reconhecida a consequência financeira da referida nulidade, com a anulação/cancelamento da taxa de ocupação e de todos os encargos legais originados na inscrição do imóvel no RIP; 5.5. Que a União seja condenada a devolver ao autor, a título de repetição de indébito, TODOS os valores pagos por ele ilegalmente a título de taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2019, anos em que o autor quitou a taxa de ocupação, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC, ou outro índice de que se vale a Justiça Federal, e juros legais de mora de 1% (um por cento) ao mês; 5.6. Que seja declarada a inexistência de relação jurídica do imóvel com a demandada, por não se tratar de "terreno de marinha" originado de procedimento demarcatório regular". Protestaram o de estilo. Atribuíram valor à causa. Inicial instruída com instrumentos de procuração e documentos.

Decisão proferida em 16/10/2019 (id. 4058300.12193789), na qual foi deferido liminarmente o pedido de concessão de tutela provisória de urgência cautelar; bem como se determinou a citação da UNIÃO.

Citada, a UNIÃO apresentou contestação (id. 4058300.12874499). Como prejudicial de mérito, arguiu exceção de prescrição. No mérito, alegou, em síntese, que: o imóvel objeto da ação estaria localizado em área da União, possuindo a natureza jurídica de Acrescido de Marinha, com cadastro na SPU/PE sob o RIP 2531.0129402-00, em regime de ocupação, e possuiria débitos em aberto; a demarcação da área onde se localiza o imóvel objeto da ação teria sido realizada através do processo demarcatório n.º 10197/86-28 (Linha n.º 05 - Pina /Boa Viagem) com aprovação das linhas de Marinha em 25/10/1960; o Decreto nº 4.105/1868  traria em seu bojo o conceito de terreno de marinha e regularia a concessão dos terrenos de marinha, dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente e o processo demarcatório para tanto, prevendo regras para o processo demarcatório dessas áreas; o art. 202, do Decreto Lei 9760-46, teria convalidado as demarcações que lhe foram anteriores, sob a condição de terem sido seguidos os ritos previstos nas normas vigentes à época. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais. Requereu, ao final: "... seja declarada a absoluta IMPROCEDÊNCIA do pedido autoral com a condenação da parte ex adversa ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados por V. Exa. (art. 20, § 4º., do Código de Processo Civil), e demais encargos de estilo, tais como custas processuais e despesas decorrentes da sucumbência". Protestou o de estilo.

A UNIÃO requereu dilação de prazo para apresentar a prova do cumprimento da obrigação de fazer (id. 4058300.12874613). Em seguida, apresentou petição, pugnando pela juntada de documentos que comprovariam o cumprimento da decisão judicial (id. 4058300.131050400).

A Parte Autora apresentou réplica à contestação (id. 4058300.13445865).

Comunicação enviada pelo E. TRF-5ª Região com o inteiro teor do v. acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 0815477-87.2019.4.05.0000, bem como o seu trânsito em julgado, no qual foi improvido o recurso interposto pela UNIÃO (id. 4050000.21923820).

Despacho no qual foram as partes intimadas sobre a produção de novas provas (id. 4058300.17249364).

A UNIÃO informou não ter mais provas a produzir (id. 4058300.17379936) e a Parte Autora pugnou pela juntada de uma decisão do STJ, acerca de imóvel situado na mesma edificação (id. 4058300.17655355).

Vieram os autos conclusos.

É o Relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo, por não divisar necessidade a realização de outras provas, uma vez que cabe apenas decidir se a demarcação do imóvel em questão seguiu ou não as regras constitucionais e legais da época, possível com as provas que se encontram nos autos (art. 355, I, CPC).

2.2 - Da exceção de prescrição

Defende a UNIÃO, como prejudicial de mérito, a ocorrência de prescrição, sob o fundamento de que o processo demarcatório em questão ocorreu em 1960, estando, portanto, prescrito o próprio fundo de direito, tendo em vista que desde a data da declaração da demarcação do terreno de marinha até a propositura da presente ação transcorreram mais de 05 (cinco) anos (Decreto-Lei n° 20.910, de 6 de janeiro de 1932).

Na réplica à contestação (id. 4058300.13445865), os Autores alegaram, verbis:

"1. Os autores adquiriram o imóvel em 1994, inexistindo naquela data, ou ainda, anterior àquela, qualquer registro público de ônus sobre o imóvel; 2. Em 2013, mediante um procedimento administrativo completamente viciado, tendo em vista a inexistência de notificação pessoal dos autores na demarcação, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), cadastrou o imóvel dos requerentes como acrescido de marinha, inexistindo ainda, informação de tal alteração no Ofício de Registro Público de Imóveis até os dias atuais, conforme documentos apresentados; 3. Em outubro de 2017, os autores foram surpreendidos e receberam a notificação extrajudicial do antigo proprietário (Sr. PAULO ROBERTO DE BARROS E SILVA), informando-lhe da existência de débitos perante a União, surgindo deste fato o seu direito à pretensão de impugnar o ato eivado de nulidade (actio nata)." 


Assiste razão à Parte Autora.

Explico.

Da análise dos documentos acostados aos autos, vê-se que, quando da aquisição do imóvel em tela pelos Autores, no ano de 1994, não existia em seu registro público informações de que se tratava de bem da União. Em 2013, a partir do "Requerimento de Inscrição de Ocupação", formulado por um dos condôminos do Ed. Clinical Center Karla Patrícia (processo administrativo nº 04962.005742/2013-37), a Secretaria do Patrimônio da União - SPU cadastrou o imóvel em comento como acrescido de marinha, em regime de ocupação. E, apenas em outubro de 2017, ocorreram as notificações para cobrança dos encargos decorrentes da demarcação, nascendo, então, de acordo com o princípio da actio nata, a pretensão da Parte Autora (momento em que teve ciência inequívoca da demarcação), data a partir da qual deverá ser contado o prazo prescricional.

Segundo pacífico entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, a data da cobrança da taxa de ocupação é o termo inicial da contagem do prazo prescricional das ações em que se pretende a anulação dos processos de demarcação de terreno de marinha. Nesse sentido:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO DAS AÇÕES EM QUE SE PRETENDE A ANULAÇÃO DOS PROCESSOS DE DEMARCAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 1o. DO DECRETO 20.910/1932. TERMO INICIAL CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVA ANÁLISE DA PRESCRIÇÃO. AGRAVO INTERNO DO ENTE FEDERATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. A jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento de que a data da cobrança da taxa de ocupação é o termo inicial da contagem do prazo prescricional das ações em que se pretende a anulação dos processos de demarcação de terreno de marinha, devendo ser aplicado o art. 1o. do Decreto 20.910/1932.

3. Uma vez que o Tribunal de origem reconheceu a prescrição da pretensão, considerando como termo inicial da contagem do prazo o término do procedimento administrativo de demarcação da área e tendo em vista que não há no acórdão informação quanto à data da cobrança da taxa de ocupação, devem os autos retornar à origem, a fim de que a questão seja examinada nos termos do entendimento firmado por esta Corte Superior.

4. Agravo Interno do Ente Federativo a que se nega provimento.

(AgInt no AgInt no REsp 1524201/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020[1]) (G.N.)

Desse modo, como a presente ação foi ajuizada em 08/10/2019, portanto, 02 (dois) anos após a cobrança da taxa de ocupação (termo inicial), é de ser rejeitada a exceção de prescrição levantada pela UNIÃO.

2.2 - Do mérito propriamente dito

2.2.1 - Cinge-se a questão de mérito, objeto da presente ação, em verificar se o processo demarcatório nº 10197/86-28, que aprovou a Linha Preamar Média de 1831 em 1960, realizado pela SPU, e o processo de inscrição do referido imóvel em regime de ocupação (RIP: 2531.0129364-32), no ano de 2013, podem ser considerados válidos com relação aos Autores.

Eis a íntegra dos pedidos formulados na petição inicial pelos Autores:

"5.3. No mérito, o reconhecimento da nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da pretensão inicial como terreno de marinha, cancelando-se, por consequência, o cadastro RIP junto à SPU; 

5.4. Que seja reconhecida a consequência financeira da referida nulidade, com a anulação/cancelamento da taxa de ocupação e de todos os encargos legais originados na inscrição do imóvel no RIP; 

5.5. Que a União seja condenada a devolver ao autor, a título de repetição de indébito, TODOS os valores pagos por ele ilegalmente a título de taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2019, anos em que o autor quitou a taxa de ocupação, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC, ou outro índice de que se vale a Justiça Federal, e juros legais de mora de 1% (um por cento) ao mês; 

5.6. Que seja declarada a inexistência de relação jurídica do imóvel com a demandada, por não se tratar de "terreno de marinha" originado de procedimento demarcatório regular."

Pois bem.

O procedimento administrativo de demarcação de terreno de marinha encontra-se regulado pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946 (arts. 9º ao 14), de acordo com o qual compete ao Serviço de Patrimônio da União - SPU realizar a "determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias" (art. 9º).

No caso sob análise, a Parte Autora comprova que adquiriu, por meio de "Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda com Cessão de Direitos", em 24/05/1994, dos Srs. Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho, Paulo Roberto de Barros e Silva e Fenando de Oliveira Barros, a sala comercial nº 510, do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, localizada na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE (id. 4058300.12089207).

O referido imóvel foi adquirido pelos promitentes cedentes por meio de "Escritura Pública de Ajuste para Incorporação, Permuta, Destinação, Discriminação e Instituição de Condomínio", lavrada em 31/05/1991, registrada no Registro Geral de Imóveis - 1º Ofício (matrícula nº 58.122), em 04/06/1992, sendo o imóvel identificado como "fração ideal de terreno próprio", conforme consta da "Certidão Vintenária" juntada aos autos (id. 4058300.12089202).

Observa-se dos documentos acostados que a partir do "Requerimento de Inscrição de Ocupação", formulado por um dos condôminos do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, em 04/09/2013 (processo administrativo nº 04962.005742/2013-37), a Secretaria do Patrimônio da União - SPU informou que o imóvel objeto do aludido procedimento foi abrangido pelo Processo Demarcatório nº 10197/86-28, que resultou na aprovação, em 25/10/1960, da Linha do Preamar Médio (LPM) de 1831, devidamente traçada pela Divisão de Identificação e Fiscalização - DIIFI, caracterizando o imóvel como acrescido de marinha (id. 4058300.12089259):

"ASSUNTO: INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO

[...]

Trata o presente processo do pedido de inscrição de ocupação do terreno de marinha, situado na, N° 636, Pina, Recife-PE, formulado pela Sra. Maria Carolina Lins de Albuquerque.

2. A LPM de 1831 está devidamente traçada pela Divisão de Identificação e Fiscalização - DIIFI, aprovada em 25/10/1960 de acordo com o Processo n° 10197/86-28 caracterizando o imóvel como acrescido de marinha, de acordo com planta fls.80, certificado cadastral SPU-PE, Fls.82 e Memorial Descritivo de fls.83.

3. As audiências previstas no art.100 do Decreto-Lei n° 9.760/46 não foram realizadas, tendo em vista que o imóvel se encontra fora de um raio de 1.320,00m de qualquer estabelecimento Militar e distar mais de 100,00m da atual orla marítima e, por fim, se encontrar em área já urbanizada.

4. Para tanto, quanto à formalidade jurídica dos autos, opinamos que o mesmo encontra-se devidamente instruído e apto para se conceder a inscrição de ocupação precária do imóvel acima caracterizado no percentual de 5% (cinco por cento), haja vista se tratar de inscrição posterior a 1º de outubro de 1988, conforme determina o art. 1º, inciso II do Decreto nº 2.398/87, de 21 de dezembro de 1987 e Portaria n° 07 de 31/01/2001, conforme determina o art. 2º, VII, § 4º, de acordo com e que sejam cobradas as taxas de ocupação devidas, em atenção ao art. 47 da Lei nº 9.636/98

5. Finalizando, proponho que seja concedida a inscrição de ocupação, em seguida à DIIFI, para depois de analisados os documentos apresentados, incluir/corrigir os dados do imóvel na base de dados do SIAPA, calcular o domínio pleno e a taxa de ocupação no percentual acima recomendado e, por fim, à DIREP para expedir o(s) Documento(s) de Arrecadação de Receita Federal (DARF) necessário(s) à regularização do sobredito imóvel, além de verificar se há necessidade de se cobrar laudêmios das transferências de direitos de ocupações existentes no processo.

[...]."   ,                                                                                                                       (G.N.)

Dessa forma, deferido o noticiado requerimento administrativo e concedida a inscrição de ocupação do aludido imóvel, em 24/12/2013, foram relacionadas/individualizadas as demais unidades do condomínio em questão e encaminhadas para as respectivas inscrições de ocupação (id. 4058300.12089259).

Como visto no documento supratranscrito, o procedimento administrativo que levou à inscrição de ocupação das demais unidades do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, que teve início no ano de 2013, por solicitação de um condômino, se desenvolveu sem qualquer intimação pessoal da Parte Autora, ou do antigo proprietário do imóvel em questão, culminando com a cobrança de taxas de ocupação do imóvel dos Autores (RIP: 2531.0129364-32) relativa aos anos de 2009 a 2019 (id. 4058300.12089278).

Da análise dos documentos acostados, conclui-se, portanto, que à época da Escritura Pública registrada no Registro Geral de Imóveis (1992) não existia no registro público informações de que se tratava de bem da União. Aliás, tal fato é reconhecido pela própria Secretaria de Patrimônio da União, em parecer administrativo assinado eletronicamente pelo Chefe de Divisão Sr. Joselito Felix Dantas, em 04/12/2017 (id. 4058300.12089272):

"3 - O procedimento de transferência foi efetuado considerando o conhecimento a data da lavratura da escritura, eximindo a geração da multa, vista que na época da transação foi expedida certidão de domínio pela SPU, considerando o imóvel Alodial (próprio), dispensando o promitente Comprado da obrigação da apresentação do titulo que deu origem a transferência." (sic)(G.N.)

A UNIÃO, embora alegue em sua defesa que a demarcação da área onde se localiza o imóvel objeto da ação foi realizada mediante o processo demarcatório nº 10197/86-28, em 25/10/1960, não fez a comprovação nos autos de que tenha havido notificação pessoal dos interessados à época acerca do processo de demarcação, assim como não demonstrou que, em data anterior a outubro de 2017, tenha dado ciência aos Autores ou mesmo aos antigos proprietários do procedimento administrativo que levou à inscrição de ocupação das demais unidades do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, no ano de 2013.

Sobre a necessidade de intimação pessoal dos interessados identificados e com domicílio certo para a validade dos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha, o C. Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento, no qual identifica 03 situações distintas, a saber: 1) nos procedimentos demarcatórios realizados até 31.05.2007, deve-se respeitar o disposto no art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/1946, em sua redação original[2], com a necessária intimação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido; 2) naqueles procedimentos ocorridos entre o período de vigência da Lei n. 11.481/2007 (01/06/2007) até a publicação da decisão de concessão de liminar pelo STF na ADI n. 4.264/PE (DJe 25/03/2011), deve-se observar a redação dada pela Lei n. 11.481/2007[3] ao art. 11 do Decreto Lei n. 9.760/1946, que autoriza a convocação de todo e qualquer interessado por edital; e 3) nos procedimentos iniciados após 27/05/2011, a intimação pessoal dos interessados e com endereço conhecido passou a ser novamente obrigatória. Nesse sentido:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. TERRENO DE MARINHA. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. EXEGESE DO ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946.

1. O Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi tempestivamente apresentado. In casu, a Corte Regional expressamente motivou o acórdão nos seguintes termos: a) o imóvel deixou de pertencer à União, após a entrada em vigor da EC 46/2005; b) o processo administrativo de demarcação de terras é viciado por nulidade absoluta, decorrente da notificação editalícia dos confrontantes com endereço conhecido; e c) no período que antecedeu a CF/1988, os Decretos 66.227/1970 e 71.206/1972 não eram suficientes para atribuir à União a propriedade de imóveis na área territorial denominada "Gleba Rio Anil".

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022 do CPC.

3. "A jurisprudência desta Corte de Justiça, em respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, consolidou o entendimento de que, nos procedimentos demarcatórios realizados até a publicação da Lei n. 11.481, de 31 de maio de 2007, deve-se respeitar o disposto no art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/1946, na sua redação original, sendo necessária a intimação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido; naqueles ocorridos entre o período de vigência da Lei n. 11.481/2007 (1º de junho de 2007) até a publicação da decisão proferida pelo STF na ADIN n. 4.264/PE (DJe 25/03/2011), não há que se falar em ilegalidade da convocação dos interessados apenas por edital, e nos (procedimentos) iniciados após 27 de maio 2011, a intimação pessoal dos interessados e com endereço conhecido passou a ser novamente obrigatória" (AgInt no REsp 1.388.335/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 5/9/2017).

4. Impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que este examine a validade da intimação por edital à luz do regime jurídico vigente na data de sua realização, conforme os parâmetros acima estabelecidos.

5. Recurso Especial parcialmente provido."

(REsp 1814353/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 09/09/2019[4])

Nessa mesma linha, confira-se julgado da E. 3ª Turma do TRF da 5ª Região, ao apreciar situação semelhante relacionada a imóvel localizado na mesma edificação do imóvel em apreço:

"EMENTA: APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TERRENO DE MARINHA E ACRESCIDOS. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. FIXAÇÃO DA LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MARCO INICIAL. DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. APLICABILIDADE DA REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL. INSCRIÇÃO DO REGIME DE OCUPAÇÃO REALIZADO EM 2013. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PROVIMENTO.

1. Apelação interposta por particular em face de sentença que, em sede de ação anulatória de débito, extinguiu o feito, com resolução do mérito, em razão da prescrição da pretensão (art. 487, II, do Código de Processo Civil), no que tange aos pedidos fundamentados na premissa da nulidade do processo demarcatório e julgou improcedente o pedido de repetição do indébito, no que tange à alegada ocorrência de decadência de parte das taxas de ocupação objeto da controvérsia, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/15.

2. Em suas razões recursais, o particular alegou que:

i) se trata de Ação Anulatória de Débito Fiscal ajuizada em face da União Federal, objetivando a nulidade do ato de inscrição do imóvel do autor como de marinha, tendo em vista, a ilegalidade no procedimento demarcatório, ante a inexistência de notificação pessoal do recorrente no procedimento administrativo ocorrido em 2013, que, qualificou o imóvel do apelante como público (terreno de marinha);

ii) o apelante adquiriu o imóvel em 1992, inexistindo naquela data, ou ainda, anterior àquela, qualquer registro público de ônus sobre a propriedade;

iii) em 2013, mediante um procedimento administrativo completamente viciado, tendo em vista a inexistência de notificação pessoal do autor na demarcação, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), cadastrou o imóvel como acrescido de marinha;

iv) em outubro de 2017, o apelante foi surpreendido e recebeu em sua residência, as cobranças relativas à taxa de ocupação de seu imóvel, surgindo deste fato o seu direito à pretensão de impugnar o ato eivado de nulidade (actio nata);

v) deve ser afastada a ocorrência de prescrição, seja porque imprescritível o ato administrativo nulo, seja porque, no caso concreto, o suposto prazo prescricional apenas poderia ter início com o recebimento do DARF para pagamento, o que somente ocorreu em outubro de 2017;

vi) colacionou precedente e juntou aos autos decisão do STJ, em sede de recurso especial, acerca de imóvel situado na mesma edificação.

3. O cerne da questão nos autos consiste em perquirir se está configurada a prescrição da pretensão autoral, qual seja a declaração de nulidade do processo de demarcação de terreno de marinha incidente sobre o imóvel descritos na inicial, de sua propriedade.

4. Quando da aquisição do imóvel em comento, em 1992, não existia em seu registro público informações de que se tratava de bem da União, conforme certidão vintenária acostada aos autos. Assim, de acordo com o princípio da actio nata, somente com as notificações para cobrança dos encargos decorrentes da demarcação, que ocorreram apenas em outubro de 2017, nasceu a pretensão da parte autora (momento em que teve ciência inequívoca da demarcação), data a partir da qual será contado o prazo prescricional. Esse foi o entendimento firmado por esta Terceira Turma ao apreciar situação semelhante relacionada a imóvel situado na mesma edificação do imóvel em apreço, no qual se entendeu não restar configurada a prescrição da pretensão autoral. (Precedente: Processo nº 08123406320184058300, Apelação Cível, Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, 3ª Turma, Julgamento: 01/07/2021).

5. Nesse diapasão, deve ser afastada a prescrição da pretensão autoral, notadamente porque a ação foi proposta em agosto de 2018, ou seja, antes de decorridos cinco anos.

6. Nos termos do que dispõe o art. 1.013, § 4º, do CPC, passa-se ao julgamento da legalidade do processo demarcatório da Linha Preamar Média de 1831 realizado pela SPU.

7. A União Federal sustentou que a demarcação da área onde se localiza o imóvel objeto da ação foi realizada mediante processo demarcatório nº 10197/86-28 em 25/10/1960. Ocorre, todavia, que não há comprovação nos autos de que tenha havido notificação pessoal dos interessados à época acerca do processo de demarcação. Com efeito, a apelada não demonstrou que, em data anterior a outubro de 2017, houvera ciência do apelado ou mesmo dos antigos proprietários acerca da incorporação dos bens ao patrimônio federal.

8. Essa prova poderia ter sido realizada através da demonstração de envio de prévias cobranças da taxa de ocupação ou mesmo de notificações pessoais aos anteriores ocupantes/proprietários, o que não foi feito.

 9. Esta Corte Regional e o Colendo Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacífico, no sentido de que, nos procedimentos demarcatórios da faixa de marinha ocorridos até 31/05/2007, é mister a notificação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido, na forma da redação original do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46, notadamente em razão dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

10. Precedentes: STJ, REsp 1755321 / ES. Segunda Turma. Rel.: Min. Herman Benjamin. DJe: 27/11/2018; TRF 5ª Região, Apelação Cível nº 0802542-65.2015.4.05.8500. Quarta Turma. Rel.: Des. Federal Edilson Pereira Nobre Júnior. Data do julgamento: 16/03/2017; STJ, AGRESP 200901746747, CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJE DATA:13/05/2010.

11. A interpretação do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46 não pode ser outra que não a de que a citação por edital só poderá ser adotada pela União quando for desconhecido o proprietário do imóvel a ser demarcado, o que não se mostrou ser o caso dos autos.

12. Deve-se ter em conta que a notificação editalícia apenas vem sendo admitida no interstício temporal entre a publicação da Lei nº 11.481/2007 e da concessão de liminar pelo STF na ADI n. 4.264/PE, com efeitos apenas ex nunc - entre 01.06.2007 e 27.5.2011.

13. Considerando que, no caso vertente, a demarcação ocorreu em data anterior - no ano de1960 -, deveria ter sido observada a necessidade de prévia intimação pessoal do então proprietário/ocupante.

14. Nesses termos, o registro do bem apontado na inicial - Sala comerciai nº 205 do Edf. Clinical Center Karla Patrícia, localizadas na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE - como terreno de marinha é nulo, eis que advindo de procedimento administrativo irregular, tornando sem efeito, por ilação, as cobranças de taxas de ocupação e demais encargos financeiros correlatos em face da apelante.

15. Apelação provida, a fim de reformar a sentença e julgar procedente a pretensão autoral, para: a) reconhecer a nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da lide como terreno de marinha; b) reconhecer a nulidade da cobrança da taxa de ocupação e encargos legais originados da inscrição do imóvel como terreno de marinha; c) declarar o direito do autor à repetição do indébito dos valores pagos pelo autor a título de taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2009 a 2017, acrescidos de correção monetária e juros de mora de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal. Inversão do ônus da sucumbência, mantido o percentual de 10% sobre o proveito econômico obtido - valor dos débitos cancelados, na forma do art. 85, § 2º, do CPC."

(PROCESSO: 08115030820184058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 11/11/2021)  (G.N.)

Nessa situação, indubitavelmente, a UNIÃO não demonstrou ter feito, na demarcação de 1960, a necessária notificação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido, e assim procedeu também por ocasião do procedimento administrativo que levou à inscrição de ocupação das demais unidades do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, em 2013.

Acertada, pois, a decisão que suspendeu os efeitos desses processos administrativos demarcatórios, acostada sob identificador nº 4058300.12193789.

Nulo, írrito, sem nenhum valor é o ato demarcatório lançado nos autos dos noticiados procedimentos administrativos, tanto no de demarcação de 1960, como no de inscrição de ocupação realizado em 2013, por total ausência de notificação dos Interessados.

E os atos desses processos administrativos demarcatórios são nulos porque foi ignorada solenidade prevista em Lei, com o consequente ferimento aos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, hoje plasmados, o primeiro no inciso II do art. 5º e no art. 37 da vigente Constituição da República do Brasil e os demais, respectivamente, nos incisos LIV e LV do referido art. 5º dessa Carta republicana.

Ressalto que a UNIÃO, por regular processo administrativo demarcatório, com observância dos procedimentos estabelecidos na nova redação do art. 11 do mencionado Decreto-lei nº 9.760, de 05.09.1946, dada pela Lei nº 13.139, de 26.06.2015(sem prejuízo do direito de os Autores impugnarem a possível futuro processo administrativo demarcatório), até poderá enquadrar o imóvel objeto desta ação como terreno de marinha ou terreno acrescido de marinha, mas enquanto isso não ocorrer o imóvel dos Autores é considerado alodial, sem qualquer limitação foreira, e sobre tal imóvel não paira nenhum direito da UNIÃO no campo do domínio direto.

Assim sendo, há de se reconhecer a nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da lide como terreno de marinha e, consequentemente, a nulidade da cobrança da taxa de ocupação e demais encargos legais originados de tal inscrição, bem como declarar o direito dos Autores à repetição do indébito dos valores comprovadamente pagos a título de taxa de ocupação.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Rejeito a exceção de prescrição levantada pela UNIÃO.  

3.2 - Julgo procedentes os pedidos desta ação para reconhecer a nulidade plena do noticiado procedimento demarcatório de 1960, que declarou ser o imóvel dos Autores terreno de marinha, bem como do processo administrativo de inscrição de ocupação realizado em 2013, pelo que determino que a UNIÃO, pela referida Secretaria de Patrimônio da União em Pernambuco - SPU/PE, cancele dos seus registros o cadastramento do imóvel inscrito sob o RIP nº 2531 0129364-32 (sala comercial nº 510, do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, localizada na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE) como sendo terreno de marinha e que também providencie idêntico cancelamento perante o respectivo Cartório de Registro de Imóveis, se neste tiver providenciado algum registro,  e que tome todas essas providências no prazo de 30(trinta)dias, fornecendo aos Autores, se solicitada, a respectiva certidão, com a informação de que não se trata de terreno de marinha, tudo sob pena de pagamento de multa mensal, correspondente a R$ 2.000,00(dois mil reais), cujo valor será atualizado de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, sem prejuízo da responsabilização pessoal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.

3.3 - Outrossim, condeno a UNIÃO a cancelar todos os lançamentos e respectivas inscrições em dívida ativa(se tiver havido), bem como eventuais Certidões de Dívida Ativa - CDAs, relativamente às respectivas cobranças de taxa de ocupação/foro anual, laudêmio e respectivas multas e/ou outros acréscimos, bem como a restituir os valores que a tais títulos lhe tenham sido pagos em decorrência dos mencionados atos administrativos, ora reconhecidos por nulos de pleno direito, e exigidos dos Autores,  atualizados conforme Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.

3.4 - Condeno ainda a UNIÃO a ressarcir as custas processuais despendidas pelos Autores, bem como em verba honorária, a qual arbitro em 10%(dez por cento) do valor atualizado da causa, observando-se, quanto à atualização, os índices e formas do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal.

3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487-I, CPC).

3.6 - Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, em face da regra do inciso I do § 3º do art. 496 do vigente Código de Processo Civil.

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 24,05.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE




(mppl)



[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AgInt no REsp 1524201/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201500727452&dt_publicacao=01/07/2020

[2] Decreto-Lei n. 9.760/1946

"Art. 11. Para a realização do trabalho, o S. P. U. convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando." (redação original)

[3] Art. 11.  Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.                      (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)                  (Vide ADI 4.264) 

[4] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1814353/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 09/09/2019.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201900929419&dt_publicacao=09/09/2019


segunda-feira, 23 de maio de 2022

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE. INSS E BANCOS.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A imprensa noticia todos os dias a existência de "golpes" contra os idosos, configurados em falsos contratos de empréstimos consignados, cujos montantes são recebidos pelos "Golpistas" e as parcelas de pagamento são debitadas, mês a mês, no valor dos benefícios desses idosos, perante o INSS.

Trata-se, neste processo, desta matéria. 

Boa leitura.  


PROCESSO Nº: 0800364-84.2022.4.05.8311 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: N M C
ADVOGADO: L A De L e outro
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


 

DECISÃO

1. Relatório

N M C, qualificado na petição inicial, propôs esta "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS" contra o BANCO BRADESCO S.A., BRADESCO PROMOTORA e INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL (INSS). Requereu, inicialmente, o benefício da justiça gratuita e prioridade na tramitação do feito. Alegou, em síntese, que: as instituições rés estariam efetuando cobranças indevidas de mensalidades de empréstimos consignados, que o autor não teria conhecimento nem recebido em sua conta; estaria com 4 empréstimos ativos, conforme extrato bancário anexo: 1) empréstimo no ano de 2017, no valor de R$ 2.602,15, a ser pago 65 meses, com parcelas mensais no importe de R$ 40,11 (quarenta reais e onze centavos) sendo descontado de sua aposentadoria, 27 meses, pagando até o presente momento o valor de R$ 1.082,97; 2) empréstimo no ano de 2018, no valor de R$ 15.142,91, a ser pago 72 meses, com parcelas mensais no importe de R$ 422,79, sendo descontado de sua aposentadoria 46 meses, pagando até o presente momento o valor de R$ 19.448,79; 3) empréstimo no ano de 2020, no valor de R$ 10.488,68, a ser pago 84 meses, com parcelas mensais no importe de R$ 194,43, sendo descontado de sua aposentadoria 22 meses, pagando até o presente momento o valor de R$ 4.277,46; até a presente data, o autor teria pagado o valor de R$ 24. 809,22; o autor, que NÃO SOLICITOU EMPRÉSTIMO ALGUM JUNTO AOS BANCOS RÉUS, teria se dado conta da existência destes no final de 2021, no momento em que teria tirado um extrato bancário; como nunca havia solicitado tal empréstimo, de imediato teria entrado em contato diversas vezes com o Banco via e-mail e telefonemas para entender a origem do débito, quando lhe teria sido enviada cópia do contrato com sua suposta assinatura; o autor nunca teria assinado ou autorizado tal documento. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requereu a concessão de tutela provisória de urgência: "e. Requer a CONCEDER A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, inaudita altera pars e initio litis, nos moldes do art. 300 do CPC, para que seja determinada a abstenção de qualquer desconto, sob o pretexto de pagamento de parcelas de empréstimo consignado, do benefício da parte demandante, junto ao INSS, até que seja resolvida a discussão judicial a respeito da inexistência do referido contrato; f. Deferido o pedido anterior, EXPEDIR a competente Ordem Judicial assinalando-se prazo para seu implemento, com a fixação de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por cada desconto indevidamente realizado". Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Inicial instruída com procuração e documentos.

Vieram conclusos os autos. Decido. 

2. Fundamentação

2.1 - Benefício da justiça gratuita

Merece ser concedido, provisoriamente, à Parte Autora, o benefício da justiça gratuita, porque há indícios de que preenche os requisitos legais para a obtenção desse benefício, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do CPC).

Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a Parte Autora não se encontra assistida por Defensor(a) Público(a).

2.2 - Da tramitação prioritária do processo

Merece ser concedido ao Autor o benefício de tramitação prioritária do feito, porque a parte autora é pessoa com idade superior a 60 (sessenta) anos (CPC, art. 1.048, I).

2.3 - Do pedido de tutela provisória de urgência

Os requisitos para o deferimento da tutela provisória de urgência estão elencados no art. 300 do CPC, verbis:

"Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."

Portanto, devem estar sempre presentes para a concessão da tutela de urgência antecipada: a probabilidade do direito alegado, que surge do confronto entre as alegações da Parte Autora e as provas constantes dos autos, baseada em uma cognição sumária; e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, quando houver uma situação de urgência que não possa aguardar o desenvolvimento natural do processo, sob pena de ineficácia ou inutilidade do provimento final.

Objetiva a Parte Autora, em sede de tutela provisória de urgência, a cessação de todos os descontos de empréstimos consignados que teriam sido realizados de forma indevida em seu nome, junto ao INSS.

Não obstante os argumentos explanados na inicial mostrarem-se relevantes e os documentos trazidos pelo Autor servirem de início de prova material, estes necessitam ser submetidos ao contraditório, a fim de se proceder a uma análise mais acurada dos fatos.

No entanto, a imprensa noticia todos os dias a existência de "golpes" contra os idosos, configurados em falsos contratos de empréstimos consignados, cujos montantes são recebidos pelos "Golpistas" e as parcelas de pagamento são debitadas, mês a mês, no valor dos benefícios desses idosos, perante o INSS.

O Autor, em face do descrito na petição inicial, pode estar sendo uma vítima.

Então, por cautela, pelo menos até que as Partes do polo passivo apresentem contestação, tenho que deva determinar que cada uma das instituições bancárias, ora Rés, passe a depositar em juízo, mês a mês, os valores recebidos do INSS em contas judiciais vinculadas a este processo, uma para cada um dos mencionados contratos e respectivos Bancos, na agência 1029, da Caixa Econômica Federal, que funciona na sede desta Justiça Federal,  até ulterior decisão judicial, sob pena de pagamento da multa mensal, fixada no dispositivo infra.

3. Dispositivo

Poto isso:

3.1 - Concedo à Parte Autora, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita, sob as condições estabelecidas na fundamentação supra, e defiro a prioridade na tramitação do feito.

3.2 - Concedo, em parte, o pedido de tutela provisória de urgência, na forma do subitem 2.3 supra e determino que as Instituições Bancárias Rés (BANCO BRADESCO S.A. e BRADESCO PROMOTORA), no prazo de 10(dez) dias, passem a depositar em juízo, mês a mês, os valores que receberem do INSS, decorrentes dos contratos descritos na petição inicial, em contas judiciais, uma para cada um dos mencionados contratos e dos respectivos Bancos, contas judiciais essas vinculadas a este processo,  na agência 1029, da Caixa Econômica Federal, que funciona na sede desta Justiça Federal, até ulterior decisão judicial, sob pena de pagamento de multa mensal correspondente a 100%(cem por cento) do desconto que for feito na conta previdenciária do ora Autor, sem prejuízo da responsabilização pessoal do Gerente da respectiva Agência dos referidos Bancos, no campo administrativo, civil e criminal.

3.3 - Citem-se os Réus, na forma e para os fins legais, e intimem-se as instituições bancárias Rés (BANCO BRADESCO S.A. e BRADESCO PROMOTORA) para cumprimento desta decisão, no prazo acima consignado.

Recife, 23.05.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE