sábado, 4 de março de 2017

RENÚNCIA FISCAL DA UNIÃO. PROTERRA E PIN X FUNDO DE PARTICIPÇÃO DOS ESTADOS – FPE. A ACO 758/SE.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal e Mestre em Direito Público.


1. Introdução

Publiquei, neste blog, no dia 10.12.2016, trabalho sob o título de “Renúncias Fiscais da UNIÃO no campo do IRPJ e IPI. Reflexos no Cálculo do Repasse para o Fundo de Participação dos Municípios – FPM. STF. Repercussão Geral”, onde transcrevi notícia do site da Suprema Corte, relativa ao RE nº 705.423/SE, segundo a qual o seu Plenário, modificando entendimento que imperava nas suas duas Turmas, firmou o entendimento, por maioria, em grau de repercussão geral, sob a Relatoria do Ministro Edson Fachin, que os valores relativos a incentivos fiscais de quaisquer espécies, no campo do Imposto de Renda - IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI,  não necessitariam ser excluídos da base de cálculo do montante a ser repassado para o Fundo de Participação dos Municípios – FPM.
Nota 1 - Vejo no Portal do site do Supremo Tribunal Federal – STF, (http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado), acessado em 03.03.2017, que essa Corte apenas decidiu enviar o mencionado RE 705.423/SE para repercussão geral. Ainda não consta nesse Portal do site do STF o resultado oficial do julgamento dessa repercussão geral.
Mas, conforme consta da nota de rodapé 6 do trabalho acima  referido, aqui publicado em 10.12.2016, houve o julgamento de tal repercussão geral, por maioria, e de forma favorável à UNIÃO, ou seja, ali se concluiu que esta poderia calcular o valor para repasse ao FPM depois de abater do valor do IRPJ e do IPI arrecadado ou a arrecadar as parcelas relativas ao PROTERRA e ao PIN e a quaisquer outros incentivos fiscais concedidos ao setor privado, na área de tais impostos.

Aqui, vamos analisar outro julgado do mesmo Plenário da mesma Suprema Corte, no qual a solução foi exatamente em sentido contrário e extrair a conclusão que segue.

1.           Fundamentação

No julgamento da Ação Civil Ordinária – ACO nº 758,  proposta pelo Estado de Sergipe, o mesmo Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF decidiu, quanto ao PROTERRA e PIN, incentivos tributário-financeiros dados pela UNIÃO, que os valores desses incentivos não podem ser deduzidos do total do IRPJ arrecadado, antes do cálculo do repasse do Fundo de Participação dos Estados – FPE.
Ou seja, os valores de tais incentivos não podem gerar reflexos no cálculo do Fundo de Participação dos Estados – FPE.
A respeito, v. a notícia colhida em Portal do site do STF (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=332563&caixaBusca=N), acessado em 03.03.2017, dando ganho de causa para mencionado Estado de Sergipe.
Eis a notícia:
“Notícias STF
Segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
STF julga procedente ação de Sergipe contra repasse do FPE com deduções
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Civil Originária (ACO) 758, por meio da qual o Estado de Sergipe contestava repasse do FPE (Fundo de Participação dos Estados e do DF) com deduções feitas pela União no valor arrecadado a título de Imposto de Renda. O julgamento, que já contava com seis votos pela procedência, seguindo o relator, ministro Marco Aurélio, foi concluído na sessão desta segunda-feira (19) com os votos dos ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, que acompanharam a  divergência.
O governo sergipano alegou ter sido prejudicado no rateio das verbas do FPE com as deduções feitas pela União no valor arrecadado a título de Imposto de Renda (IR) em virtude de dois programas de incentivo fiscal, o Proterra (Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste) e o PIN (Programa de Integração Nacional). A União, por sua vez, alegava que a dedução era feita porque a destinação de recursos aos programas ocorria no momento do pagamento do Imposto de Renda e porque o contribuinte optava pela aplicação de determinada parcela do tributo nos referidos incentivos fiscais.
O repasse de receitas tributárias para o FPE é determinado na Constituição, na alínea “a” do inciso I do artigo 159. O dispositivo prevê que a União deve destinar ao FPE 21,05% do produto da arrecadação do IR e dos impostos sobre produtos industrializados.
No início do julgamento, em abril de 2009, o relator, Ministro Marco Aurélio  votou pela procedência da ação, por entender que a regra da Constituição disciplina de forma clara o cálculo do FPE e, que os programas PIN e PROTERRA, criados por meio de normas infraconstitucionais, teriam afetado a regra constitucional. Em outras palavras, somente por meio de emenda constitucional é que a União poderia alterar o cálculo do FPE. Caso contrário, alertou,  naquela ocasião, referido Ministro, “ficará aberta a porta, aqui, ao sabor de certa política governamental”, podendo a União esvaziar o conteúdo de regras constitucionais que versem sobre a partilha da arrecadação de tributos.
Acompanharam o relator as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto (aposentado) e Teori Zavascki.
Divergência
Abrindo a divergência, o ministro Menezes Direito (falecido) afirmou, na linha do parecer do Ministério Público Federal (MPF), que a receita do PIN e do Proterra seria dedutível da arrecadação do imposto de renda porque o estado optou em participar dos programas de incentivo fiscal. O ministro Eros Grau (aposentado) se juntou à divergência, ao argumento de que a Constituição é clara ao determinar que ao FPE será entregue uma parcela do produto da arrecadação, no caso, do Imposto de Renda e dos impostos sobre produtos industrializados.
Na sessão desta segunda, em voto-vista, o ministro Gilmar Mendes se juntou à divergência, por entender que os estados têm direito apenas ao produto da arrecadação. Mesmo entendendo que estados (e municípios) necessitam de medidas compensatórias, no caso de deduções, o ministro frisou que a Constituição não assegura aos entes federados, automaticamente, nenhuma compensação.
“Do ponto de vista estritamente constitucional, entender que apenas a União deva suportar a repercussão econômica da instituição de benefícios fiscais de tributos de sua competência, ainda que o produto de sua arrecadação seja partilhado, parece tolher sua competência constitucionalmente prevista e inverter o modelo de federalismo de cooperação”. Não é isso que determina a regra constitucional, disse o ministro. Para ele, pertence aos estados apenas o produto da arrecadação, na forma do artigo 159, sendo a União livre para exercer a sua competência tributária, inclusive promovendo medidas de incentivo fiscal, sem prejuízo da adoção de medidas compensatórias.
Ao acompanhar também a divergência, o ministro Edson Fachin lembrou do seu voto no Recurso Extraordinário (RE) 705423, quando ele se manifestou pelo desprovimento do pedido que buscava a exclusão, do repasse das cotas do Fundo de Participação dos Município (FPM), de desonerações em impostos concedidas pelo governo federal. De acordo com o ministro, a matéria em discussão nesse dois  
Visível a divergência entre o entendimento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 705.423/SE, sob repercussão geral, debatido no trabalho que publicamos no dia 10.12.2016 neste blog(v. introdução supra) e o entendimento adotado no julgamento, pelo mesmo Plenário dessa Suprema Corte, da ACO 758/SE, ora sob exame.
Como consta daquele trabalho de 12.10.2016, no RE 705.423/SE, tratou-se do reflexo de todos os incentivos fiscais da UNIÃO na área do IR e do IPI no cálculo da verba a ser repassada para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM;  aqui, trata-se dos reflexos dos incentivos fiscais denominados PROTERRA e PIN no cálculo da verba a ser repassada para o Fundo de Participação dos Estados - FPE.
Diante desse quadro, temos que o Plenário do Supremo Tribunal Federal ainda não trouxe à luz uma definição a respeito da matéria, pois  o Fundo de Participação dos Municípios – FPM e o Fundo de Participação dos Estados – FPE têm uma mesma base de cálculo constitucional, qual seja, os valores da arrecadação do IR e do IPI(art. 159, I e II, da Constituição da República).
Naquele trabalho de 10.12.2016, sustentei a tese de que incentivos tributários de cunho financeiro, como o PROTERRA, PIN e Outros semelhantes só podem ser abatidos do valor do IR arrecadado pela UNIÃO depois que esta fizer os cálculos dos valores que serão repassados para os FPM e FPE, ou seja, que não podem gerar reflexos no cálculo dos valores dos repasses para esses FUNDOS, porque esses incentivos fiscais ocorrem após o fato gerador do IR, qual seja, no momento em que os Contribuintes calculam esse IR e decide indicar uma parcela para o PROTERRA e/ou para o PIN e/ou para Outro incentivo fiscal semelhante. O Contribuinte também poderá optar pela não indicação de parcela do IR a recolher para qualquer das finalidades desses incentivos ficais, quando então recolherá para os cofres da UNIÃO a totalidade do IR. Vale dizer, mencionados incentivos ficais têm cunho claramente financeiro e são extraídos do valor do IR devido à UNIÃO, que esta, por mera liberalidade legal(a iniciativa da respectiva Lei partiu, com exclusividade, do ou da Presidente da República, por força do § 2º do art. 165 da Constituição da República), autoriza o Contribuinte a aplicar em um ou em mais de um daqueles incentivos fiscais. Daria no mesmo, se o Contribuinte fosse obrigado a arrecadar o total do IR, finalisticamente pertencente à UNIÃO, e esta, posteriormente, repassasse o valor para o PROTERRA, PIN e Outros semelhantes.   
Ali também sustentei que os incentivos fiscais de natureza eminentemente tributários, como isenções do IR ou do IPI e reduções de base de cálculo, estes sim podem gerar reflexos no cálculo daqueles FUNDOS, ou seja, que a UNIÃO pode considerá-los no valor da arrecadação daqueles tributos para calcular as parcelas desses FUNDOS, pois tais incentivos implicam em redução do valor da arrecadação de tais tributos, redução essa que se concretiza no momento do fato gerador, de forma que quando o Contribuinte calcula o valor a recolher de cada um desses impostos automaticamente levará em consideração a parcela do valor da isenção, total ou parcial, ou da redução da base de cálculo. Então o valor a arrecadar será exatamente esse, sem possibilidade de alteração.

2.     Conclusão

Espera-se, pois, que, quando a Suprema Corte vier a dar uma definição para a matéria, e o princípio da segurança jurídica indica que isso deve ocorrer o mais brevemente possível,  leve em consideração os aspectos discutidos nos últimos dois parágrafos do tópico anterior, estabelecendo que, quanto aos incentivos fiscais da modalidade isenção e/ou redução da base de cálculo daqueles impostos, poderá calcular o valor do repasse para os referidos FUNDOS sobre o valor líquido da arrecadação de tais Impostos, vale dizer, permitir que os valores de tais incentivos fiscais gerem reflexos no cálculo dos valores para aqueles FUNDOS; todavia, quando o incentivo fiscal for da modalidade do PROTERRA, PIN e assemelhados, a UNIÃO terá que calcular o valor dos repasses para tais FUNDOS sobre o valor total do IR e do IPI, antes de abater os valores desses incentivos fiscais, ou seja, não permitir que os valores de tais incentivos fiscais gerem qualquer reflexo na base de cálculo dos valores para repasses dos mencionados FUNDOS.  

Recife, 03.03.2017.