sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

IPHAN: ILEGTIMIDADE ATIVA AD CAUSAM SUPERVENIENTE NA AÇÃO DE RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL HISTÓRICO E TOMBADO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
Segue sentença que enfrenta um problema inusitado: o IPHAN propôs uma ação contra um Particular para obrigar este a restaurar um imóvel considerado histórico, por se encontrar em área tombada do bairro do Recife Antigo, na cidade do Recife, no Estado de Pernambuco, Brasil. Mas, no decorrer da tramitação do feito constatou-se que mencionado Particular não tinha condições econômico-financeiras para arcar com as despesas dessa restauração, regra geral altamente custosa. Quando isso acontece, o Decreto-lei nº 25, de 1937, estabelece que cabe ao IPHAN fazer a restauração ou desapropriar o imóvel para tanto, sempre às expensas da UNIÃO. Logo, o IPHAN não pode ser Autor neste tipo de ação.
Boa Leitura.  
 
 
 
 
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
             Seção Judiciária de Pernambuco                              
2ª VARA
 
 
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
 
Processo nº 0020121-87.2009.40.05.8300      Classe 1  Ação Civil Pública
Autor(a): Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN e Outros
Adv.: F J P. A, procurador federal(AGU/PRF 5ªR).
Ré(u): J P B S
Adv.: Ana Carolina C. Erhardt, defensora pública da Defensoria Pública da União.
 
 
Registro nº
Certifico que eu, ___________________, registrei esta Sentença às fls. ____________.
Recife, ____/____/20___
 
 
 
Sentença tipo C
 
 
 
Ementa: - DIREITO ADMINISTRATIVO. RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL HISTÓRICO. PROPRIETÁRIO POBRE. RESPONSABILIDADE PELA RESTAURAÇÃO: IPNHAN E UNIÃO.
 
Se o proprietário de imóvel histórico encontra-se no estado de miserabilidade jurídica, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO, restaurar referido imóvel, ou desapropriá-lo para essa finalidade.
Ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir do IPHAN para acionar judicialmente proprietário naquela situação para a restauração.
Ilegitimidade passiva ad causam do referido proprietário.
Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.
 
 
Vistos, etc.
 
Breve Relatório
 
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL- IPHAN propôs esta ação contra J P B S, proprietário do imóvel situado na Rua de Santa Cruz, nº 220, bairro da Boa Vista, Recife-PE, alegando que se trata de imóvel do sítio histórico, que teria sido descaracterizado, ilegalmente, pelo Réu e pedindo para condená-lo à respectiva restauração.
O Réu foi citado e ofertou defesa via Defensoria Pública da União, quando então lhe foi concedido o benefício da Justiça Gratuita, em face da sua reconhecida miserabilidade jurídica.
Mais tarde, o Município do Recife e a FUNDARPE, bem como o Ministério Público Federal integram-se no polo ativo.  
O então d. Juiz Federal Substituto desta Vara, Dr. Cláudio Kitner, atendendo a pleito da Defensoria Pública da União, que patrocina a defesa do Réu, determinou a realização de perícia na r. decisão de fls. 187-189.
Tanto o IPNHAN, autor, como o Ministério Público Federal, integrado no polo ativo, manifestaram-se no sentido de que essa perícia seria desnecessária(233-233vº e fls. 246-249vº, respectivamente).
 
Fundamentação
 
O feito merece ser chamado à ordem, para os fins que seguem.
Data maxima venia do d. Magistrado acima referido, tenho que realmente não haveria  necessidade de realização de perícia, pois resta incontroverso que o imóvel em questão faz parte do sítio histórico e está claramente deteriorado e que foi submetido a reformas que atingiram detalhes da sua configuração histórica.
Eu disse haveria, porque há outro assunto processual importante que tem que ser enfrentando.
No decorrer da tramitação deste processo, constatou-se que o ora Réu não tem a menor condição econômico-financeira para realizar as obras de restauração do imóvel em questão.
Quando isso acontece, à luz do Decreto-Lei nº  25, de 30.11.1937, ainda em vigor, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO, realizar as obras ou desapropriar o imóvel para tal finanldiade, verbis:
“Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.”[1]
Ora, pede-se nesta ação que o Réu, proprietário, seja condenado a restaurar o imóvel em questão.
Sabe-se que esse tipo de restauração é envolve valores financeiros de monta, porque exige mão de obra especializada e aquisição de parte do material no exterior, como, para o presente caso, ocorrerá com os azulejos portugueses, que foram claramente retirados do imóvel após o ano de 2008.
A constatação do estado de miserabilidade jurídica do Réu deu-se na tramitação desta ação, situação essa que caracteriza o superveniente advento da sua ilegitimidade passiva ad causam, e também as supervenientes ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir do IPNHAN,  uma vez que, diante da situação supra, cabe-lhe a realização das  obras, às expensas da  UNIÃO, ou providenciar a desapropriação do imóvel para mencionada finalidade.
E essas situações processuais, detectadas no decorrer da tramitação do processo, têm que ser levadas em consideração pelo juiz quando da sentença(art. 462 do código de processo civil).  
A rigor, o IPHAN e a UNIÃO deveriam figurar como Réus, e a ação deveria ser proposta pelo Ministério Público Federal e/ou pelo Município do Recife e pela FUNDARPE, que foram integrados no polo ativo na decisão de fls. 160-160vº, para obrigá-los à noticiada restauração e/u desapropriação e restauração.
Aliás, o Ministério Público Federal também pediu sua integração no polo ativo(fl. 170vº), pedido esse que foi deferido na r. decisão de fl. 187-189.
  Na ação civil pública, processo nº 2003.83.00.009840-2, proposta pelo Ministério Público Federal contra um Particular, também para condenar este a restaurar imóvel histórico no bairro do Recife Antigo, na cidade do Recife-PE, tendo o IPNHAN integrado-se no polo ativo como Assistente, mas, no decorrer da tramitação do feito, constatou-se que o Particular proprietário não tinha condições econômico-financeiras para a restauração, pelo que, via decisão judicial interlocutório, que foi mantida pelo E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. o IPHAN foi deslocado do polo ativo para o polo passivo e a  UNIÃO foi chamada à lide para este polo e ambos foram condenados à restauração do imóvel e/ou desapropriação-restauração.[2]  
Todavia, aqui, neste feito, não vejo como tomar a mencionada providência processual, porque o Autor desta ação é o próprio IPHAN, pelo que me resta reconhecer sua superveniente ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir,  e a superveniente ilegitimidade passiva ad causam do Réu, com os consequentes indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.
 
Conclusão
 
POSTO ISSO, chamo o feito à ordem, revogo a r. decisão na qual se determinou a realização de perícia, reconheço, com base no art. 462 do código de processo civil,  as supervenientes ilegitimidade ativa ad causam do IPHAN e sua falta de interesse processual de agir contra o ora Réu, bem como a  ilegitimidade passiva ad causam do Réu, indefiro a petição inicial(art. 295-II e III do código de processo civil) e, consequentemente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
Sem custas e sem verba honorária, ex lege.
 
P.R.I.
 
Recife, 18 de dezembro de 2013.
 
 
Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2ª Vara-PE
   




[1] Mantida a ortografia da época da edição do diploma legal.
[2] A respectiva sentença e decisões do TRF/5ª foram publicadas, em 04.12.2013, no blog deste magistrado, a saber: franciscoalvessantosjr.blogspot.com.