segunda-feira, 5 de agosto de 2013

OMISSÃO DA ANATEL. LESÃO A DIREITO DE USUÁRIO POR CONCESSIONÁRIA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA QUE A ANATEL CUMPRA COM O SEU PODER-DEVER LEGAL. POSSIBILIDADE.

       Por Francisco Alves dos Santos Júnior.


        Pode o Judiciário obrigar determinada Autarquia a cumprir o seu poder-dever legal, a pedido de determinado Usuário do serviço público, quando essa Autarquia for omissa e essa omissão estiver causando ao usuário lesão de direito?
       Esse assunto é discutido na sentença que segue.
       Boa leitura.



PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0010672-03.2012.4.05.8300 – Classe 29 – Ação Ordinária

AutorA: S – S DE R DE C E DE C LTDA.

Adv.: D F C, OAB/PE ...

Ré: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES

Procurador Federal

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........                           

Recife, ...../...../2013

 

Sentença tipo C

 

 

 

EMENTA:- ANATEL. LEGITIMIDADE PASSIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROCEDÊNCIA.

 

- A ANATEL é parte legítima para responder como Ré em ações na qual é acusada de omissão.

 

-O Judiciário, à luz do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República, diante de lesão ou ameça de direito, é obrigado e impor a respectiva reparação, não podendo existir Lei que afaste esse seu poder-dever.

 

-Rejeição das preliminares. Procedência parcial.  

 

Vistos etc.

S – SERVIÇOS DE R DE C E DE C LTDA., qualificada na petição inicial, propôs a presente ação ordinária com pedido de indenização de perdas e danos e lucros cessantes c/c antecipação parcial dos efeitos da tutela em face da I T LTDA. e da T B S.A., indicando a ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, como terceira interessada, objetivando, a título de antecipação de tutela, autorização para que a Empresa/Autora rescinda o Contrato que teria ajustado entre as partes, com isenção de qualquer ônus ou taxa para desinstalação. No mérito, o ressarcimento em dobro dos valores que teriam sido pagos a maior nas faturas de conta telefônica, bem como indenização por danos materiais e lucros cessantes. Inicial instruída com instrumento de procuração e documentos (fls. 19-114) e mídia eletrônica (fl. 114). Comprovante de recolhimento de custas (fl. 115).

Decisão que determinou à Exequente que informasse exatamente contra qual das Requeridas fez os pedidos elencados na Petição Inicial, delimitando e fundamentando o motivo pelo qual faz tal pedido para cada Requerida (fl. 117-117vº).

A Exequente promoveu a emenda à Inicial conforme determinado (fls. 120-123).

Decisão que declinou a competência para apreciar as relações de direito privado entre a Autora e as empresas I T LTDA. e T B S.A para um dos d. juízes da Justiça do Estado de Pernambuco, bem como para que a Autora apresentasse os autos suplementares (cópias dos presentes autos de capa a capa)para a respectiva remessa ao competente d. Juízo Distribuidor Estadual; e, com relação à ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, determinou que fosse citada, na forma e para os fins legais (fl. 124-124vº).

A Exequente noticiou o cumprimento da determinação supra à fl. 132.

Certidão atestando o desentranhamento dos autos suplementares e a remessa dos autos à Distribuição, para cumprimentos da decisão de fl. 124-124vº.

Devidamente citada (fl. 139vº), a ANATEL (AGU/PRF) apresentou sua contestação às fls. 142-144, e apontou sua ilegitimidade passiva por entender que a demanda proposta pela Autora se deveria ao fato de as Concessionárias supra estaria prestando um serviço inadequado, e que a atribuição da ANATEL de fiscalizar as empresas concessionárias decorreria de Lei e não de eventual decisão a ser proferida nos presentes autos. No mérito, caso a ANATEL viesse a ser condenada a aplicar multa contra determinadas empresas concessionárias de serviço de telefonia, argumentou que haveria usurpução da sua atividade pelo Judiciário.

A Exequente não apresentou réplica à contestação, apesar de devidamente intimada (fls. 145-146).

É o relatório.

Passo a decidir.

A ANATEL levantou, em sua contestação, preliminar de ilegitimidade passiva e, indiretamente, de impossibilidade jurídica do pedido, porque o Judiciário não poderia, em termos jurídicos, obrigá-la a aplicar multa contra determinada Empresa concessionária de serviço de telecomunicações, porque se assim fizesse estaria usurpando sua “competência que a Lei” ter-lhe-ia reservado.

Constato, na petição inicial, que a Autora acusa a ANATEL de omissa, porque não teria tomado contra as acima referidas Empresas Concessionárias nenhuma providência, no que diria respeito à péssima qualidade dos serviços de telecomunicações que estariam prestando, embora a ora Autora tivesse registrado perante a ANATEL, fone 1331, “várias denúncias”(sic) e por isso, conforme aditamento à petição inicial, acostado às fls. 120-123, requereu que a ANATEL fosse condenada a cumprir sua obrigação legal, aplicando à Concessionária I T LTDA “a devida penalidade de multa”.

A jurisprudência consagrou o entendimento de que o mero papel fiscalizador da ANATEL não lhe atribui legitimidade passiva para figurar no conflito intersubjetivo de interesses.

Nessa linha, colaciono os seguintes precedentes do E. STF e do nosso E. TRF da 5ª Região in verbis:

ADMINISTRATIVO. TARIFA BÁSICA DE TELEFONIA FIXA. ANATEL: ILEGITIMIDADE PASSIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Competência da Justiça Estadual ante a ilegilimidade da ANATEL de figurar no pólo passivo de ação movida pelo usuário de serviço de telefonia contra concessionária, conforme decidiu o Plenário desta Corte ao julgar o RE 571.572/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 13.2.2009. 2. Agravo regimental improvido.

(AI 649751 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe-176 DIVULG 17-09-2009 PUBLIC 18-09-2009 EMENT VOL-02374-08 PP-01547) (G.N.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. CORTE DE SERVIÇO TELEFÔNICO PARA PESSOA FÍSICA PRIVADA. APRESENTAÇÃO PELA CONCESSIONÁRIA DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA PERTINENTE À RECLAMAÇÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA DIÁRIA. RELAÇÃO ESTRITA DE CONSUMO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS PARTICULARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO PROVIDO.

1 - A lide tem por base fática o corte de serviço de telefonia para escritórios de advocacia - cuja apresentação das gravações telefônicas pertinentes às reclamações de tais usuários é essencial à investigação de possível conduta antijurídica e responsabilização civil -, dentro de uma relação estritamente de consumo a envolver pessoas jurídicas de natureza privada, cuja competência, portanto, é da Justiça Estadual, uma vez que a jurisprudência consagrou o entendimento de o mero papel fiscalizador da ANATEL não lhe atribuir legitimidade passiva para figurar no conflito intersubjetivo de interesses.

2 - Ressalvam-se, claro, hipóteses excepcionais, tais como a discussão quanto à oferta excessiva de assinaturas a despeito de infraestrutura tecnológica precária em ação civil pública.

3 - Descabimento de prazo para cumprimento de obrigação e fixação de astreinte pela Justiça Federal.

Agravo de instrumento provido. Agravo regimental prejudicado.

(PROCESSO: 00114885320124050000, AG128208/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA, Primeira Turma, JULGAMENTO: 07/02/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 15/02/2013 - Página 54) (G.N.).

O que está dito nesses d. julgados é que a ANATEL não pode ser condenada a reparar danos que as Concessionárias tenham causado aos Usuários, nem mesmo subsidiariamente.             

No entanto, no presente caso, a Autora separou muito bem suas pretensões: contra a Concessionária INTELIG requereu restituição em dobro dos valores que da Autora teriam sido indevidamente cobrados e ainda indenização por alegados danos morais,  e contra a ANATEL requereu apenas que fosse condenada a cumprir o seu dever legal, em face da noticiada omissão.

Ora, se a ANATEL é obrigada a fiscalizar e, se for o caso, aplicar multa e até mesmo suspender ou cancelar a concessão, relativamente a determinada Concessionária de serviços de telecomunicações, que não esteja prestando os serviços a contento,  e, embora tenha recebido reclamações de Usuário, omite-se, resta ao Usuário buscar amparo no Judiciário e se o Judiciário obrigar a ANATEL a cumprir com o seu poder-dever legal não estará usurpando sua atividade legal, mas sim, pelo contrário, fazendo com que cumpra com esse poder-dever legal, fazendo valer assim o direito do Usuário,  diante da ilegalidade do seu comportamento omissivo, ou seja, o Judiciário estará fazendo valer a regra do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República, posto que a Lei que outorga poderes à ANATEL não exclui, em face dessa regra constitucional, que o Judiciário aprecie lesão ou ameaça a direito de Usuário praticados pela ANATEL, em face de eventual omissão.

O Judiciário não só pode como é obrigado a impor a reparação dessa omissão quando qualquer Ente ou Órgão público for omissivo e causar lesão ou ameaça de direito de qualquer Usuário.

No presente caso, noto que a ANATEL não nega que foi omissa, apenas levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, indiretamente, de impossibilidade jurídica do pedido, fenômenos jurídicos esses que, como demonstrado, não ocorreram, pois a Anatel foi realmente omissa e este Órgão Judicial é obrigado a prestar a jurisdição, obrigando essa Autarquia Federal e cumprir com o seu poder-dever legal, sob pena de ser obrigada a pagar multa ao Usuário, sem prejuízo da responsabilização administrativa, civil e criminal do seu Dirigente e/ou dos seus Servidores afetos ao seu setor que se omitiu e que venha a descumprir esta sentença. 

O Judiciário não pode, apenas, invadir a poder discricionário da ANATEL no que diz respeito à penalidade a ser aplicada: se multa, se advertência, se suspensão, ou então que, fundamentadamente, explique o motivo pelo qual não aplicará nenhuma penalidade à Concessionária.

Mas, repito, o Judiciário tem a obrigação de determinar que a ANATEL cumpra o seu poder-dever legal, qual seja, que fiscalize e, se for o caso, puna a referida Concessionária e/ou explique o motivo pelo qual não aplicou nenhuma penalidade. 

Conclusão

Posto isso,  julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação e condeno a ANATEL cumprir com o seu poder-dever legal, fiscalizando a mencionada Concessionária e, se for o caso, que aplica a penalidade correspondente ou então explique o motivo pelo qual resolveu não aplicar nenhuma penalidade, e que o faça no prazo de 15(quinze)dias, sob pena de pagamento de multa a favor da ora Autora, correspondente a R$ 1.000,00(hum mil reais)por dia, sem prejuízo da responsabilização funcional, civil e criminal do seu Dirigente máximo e/ou da pessoa ou pessoas do Setor da ANATEL responsável pela omissão em questão e pelo descumprimento desta sentença judicial.

Outrossim, condeno a ANATEL a ressarcir as custas judiciais despendidas pela Autora, bem como a pagar ao seu d. Patrono verba honorária que, à luz do § 4º do art. 20 do código de processo civil, arbitro em R$ 10.000,00(dez mil reais).

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.


P.R.I.


Recife, 05 de agosto de 2013.

 

Francisco Alves dos Santos Júnior
               Juiz Federal, 2ª Vara-PE