sábado, 25 de setembro de 2010

FINANÇAS PÚBLICAS: TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


O texto que segue foi extraído do Livro do Autor deste trabalho, denominado “Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro”, Olinda: Livro Rápido, 2008, que pode ser adquirido em www.livrorapido.com, ou na Livraria Imperatriz, na cidade do Recife-PE.

A dinâmica social, não poucas vezes, faz surgir a necessidade de determinada Entidade Pública, principalmente a União, fazer transferências financeiras não obrigatórias para os Estados e para os Municípios, em decorrência de problemas financeiro-sociais que estes venham a ter no dia-a-dia da execução orçamentária. Idem dos Estados para os municípios. Então, quando isso acontece, estamos diante das denominadas Transferências Voluntárias.
Obs.1: As transferências obrigatórias são aquelas que um Ente Público é obrigado, por regra constitucional ou legal, a fazer para outro ou para outros Entes Públicos, tais como as transferências constitucionais dos artigos 157 a 159 da Constituição da República, as previstas na Lei Complementar nº 87, de 1996, na Lei nº 9.424, de 1996 e etc.
A Lei nº 4.320, de 1964, embora não se utilize da expressão Transferência Voluntária, além de não vedá-la, delineia várias situações que caracterizam essa modalidade de transferência. Por exemplo, quando trata das transferências correntes e de capital, exigindo apenas que o destinatário esclareça o destino que dará ao dinheiro que vai receber, para que o remetente faça a classificação do tipo de despesa de transferência: se o destinatário for gastar o dinheiro com despesa corrente, o remetente classificará a remessa do dinheiro como despesa corrente, da modalidade “transferência corrente”; se o destinatário for realizar despesa de capital, o remetente classificará a remessa como despesa de capital, “transferência de capital” (v. §§ 2º e 6º do art. 12 dessa Lei). O destinatário, quando recebe o respectivo valor, classifica como receita corrente ou de capital, modalidade “transferência corrente” ou “transferência de capital”, dependendo do que informou ao remetente. Quando vai gastá-lo, classifica o valor como despesa corrente ou de capital e o tipo de despesa que vai efetuar, por exemplo, se com material de consumo, despesa corrente, modalidade custeio, se com construção de um prédio, despesa de capital, modalidade investimento.
A Transferência Voluntária pode ser feita entre as pessoas jurídicas de direito público que têm competências tributárias (União, Estados, Distrito Federal e municípios), bem como entre elas e as demais pessoas jurídicas da Administração Pública. E tanto aquelas como estas podem fazer Transferências Voluntárias entre si e também para instituições privadas, aqui com limitações, como veremos a seguir.
A Lei nº 4.320, de 1964, estabelece que as Transferências Voluntárias podem caracterizar-se como subvenções sociais e também como subvenções econômicas (§ 3º do seu art. 12 e, respectivamente, arts. 16-17 e 18-19), modalidade despesa corrente ou despesa de capital. Dependerá da sua aplicação no destinatário.
A subvenção social é aquela destinada a instituição pública ou privada de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, no campo médico e educacional (inc. I do § 3º do art. 12 c/c art. 16 da Lei nº 4.320, de 1964). A entidade, pública ou privada, para receber esse tipo de subvenção deve ser submetida à fiscalização do ente público que vai fazer a transferência e este só a concretizará se o ente destinatário tiver condição satisfatória de funcionamento, tanto no campo técnico-instrumental, como no campo contábil-financeiro, comprovando-se efetivamente sua finalidade não-lucrativa.
A subvenção econômica é utilizada nas seguintes situações: 1) para cobertura de déficits de manutenção das empresas públicas, de natureza autárquica ou não (art. 18 da Lei nº 4.320, de 1964); 2) para cobertura de diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo governo, de gêneros alimentícios ou outros materiais (alínea “a” do parágrafo único do art. 18 da referida Lei); 3) para pagamento de bonificações a produtores, públicos ou privados, de determinados gêneros ou materiais (alínea “b” do parágrafo único do art. 18 da mesma Lei).
A subvenção econômica pode ser destinada a empresa privada que tenha finalidade lucrativa, desde que não seja para despesa de investimento que se integre no seu patrimônio (art. 21 da Lei nº 4.320, de 1964) e haja lei especial autorizando (art. 19 da Lei nº 4.320, de 1964), e, óbvio, isso só acontecerá para resolver determinado problema econômico-social, de cunho industrial, comercial, financeiro, etc.
Eis alguns exemplos de subvenções econômicas, da espécie Despesa Corrente:
a) Lei nº 9.479, de 12.08.1997 (DOU de 13.08.1997), que concede subvenção econômica a produtores de borracha natural, correspondente à diferença entre os preços de referência das borrachas nacionais (fixados pelo Poder Executivo) e os dos produtos congêneres no mercado internacional, acrescidos das despesas de nacionalização. Aqui, é visível a intenção governamental: garantir a produção da borracha natural brasileira ante a produção estrangeira como forma de combater o dumping praticado pelo produtos estrangeiros.
b) Medida Provisória nº 1.517-1, de 01.10.1996, que autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção econômica ao preço do óleo diesel adquirido para o abastecimento de embarcações pesqueiras nacionais, limitada ao valor da diferença entre os valores pagos por embarcações pesqueiras nacionais e estrangeiras. Nesse caso, busca-se baratear os custos dos pescados nacionais e também garantir emprego no setor.
c) Medida Provisória nº 1.512-22, de 23.04.1998 (DOU nº 77, de 24.04.1998, Seção 1), no artigo 2º, dando nova redação aos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 8.427/92, autoriza o Poder Executivo a conceder subvenções econômicas a produtores rurais, sob a forma de equalização de preços de produtos agropecuários ou vegetais de origem extrativa e equalização de taxas de juros e outros encargos financeiros de operações de crédito rural (inclusive quanto aos saldos devedores de empréstimos rurais).
d) O Decreto-lei nº 79, de 19.12.1966, que autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção econômica, mediante fixação de preço mínimo básico, para determinados produtos agrícolas.
No Decreto nº 2.557, de 22.04.1998, por exemplo, o presidente da República, com base no referido Decreto-lei, fixou o preço mínimo básico de aveia para a safra do inverno de 1997 no Rio Grande do Sul (DOU nº 76, de 23.04.1998, pág. 1).
O Decreto nº 2.558, de 22.04.1998, publicado no mesmo Diário Oficial, fixou os preços mínimos básicos do algodão, feijão, mamona, mandioca (raiz, farinha, raspa, goma e polvilho doce), milho, sorgo e sementes, da safra de 1998, para as regiões Norte e Nordeste.
As subvenções também recebem o nome de auxílios (por exemplo o art. 21 da Lei nº 4.320, de 1964).

Vedações
A propósito, como já destacado acima, esse artigo 21 veda a transferência voluntária para despesa de capital (modalidade investimento) que se incorpore ao patrimônio de empresa privada de fins lucrativos, enquadrando-se nessa vedação as transferências de capital à conta de fundos especiais ou dotações sob regime excepcional de aplicação (parágrafo único desse artigo).
Além da limitação por último referida, a Constituição da República a veda para custeio de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista dos Estados, Distrito Federal e municípios (inc. X do seu art. 167), e a Lei Complementar nº 101, de 2000, com sua ideologia liberal e controladora da Administração Pública, trouxe outras inúmeras limitações para as Transferências Voluntárias, a saber:
a) Não pode ser feita transferência para ente que não institua todos os impostos que estejam na sua competência tributária (parágrafo único do art. 11 dessa Lei Complementar).
Obs.2: a União até hoje não instituiu o imposto sobre grandes fortunas, previsto como de sua competência no inciso VII do artigo 153 da Constituição da República. Logo, não poderá receber esse tipo de transferência. Mas, na prática, a União não recebe transferências voluntárias, apenas faz esse tipo de transferência para os outros entes públicos.
Obs.3: A respeito das implicações dessa regra legal sobre o exercício da competência tributária, v. teses de outros autores e a nossa tese no nosso “Direito Tributário do Brasil: Aspectos Estruturais do Sistema Tributário do Brasil”, 2ª Edição, Olinda: Livro Rápido, 2010, p. 16-17(aquisição em www.livrorapido.com, ou na Livraria Imperatriz, na cidade do Recife-PE).
b) O Ente Público que não tiver dotação orçamentária específica para tal fim não poderá fazer transferência voluntária (inc. I do § 1º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000).
O Ente destinatário só poderá receber se tiver dotação orçamentária de contrapartida para a respectiva despesa (alínea “d” do inc. IV do § 1º desse mesmo art.).
Exemplo: se a União quiser fazer uma transferência de recursos no valor de cem mil reais, a favor do Município de Milagres (CE), para este comprar material escolar para sua rede pública de ensino, a União terá que ter verba para tanto prevista na sua Lei do Orçamento Anual, como também terá que exigir que o Município Milagres-CE demonstre que tem na lei do seu orçamento anual destaque de verba necessária para complementar aquele valor (essa é a contrapartida).
c) A União não pode fazer esse tipo de transferência para gastos com pessoal (ativo, inativo ou pensionista) nos Estados, Distrito Federal e Municípios, e os Estados e o Distrito Federal não poderão fazer o mesmo para os Municípios (inc. III do mesmo dispositivo da Lei Complementar nº 101, de 2000 c/c inc. X do art. 167 da Constituição da República).
Aqui o legislador complementar busca deter a expansão da folha de pagamento de pessoal, a qual também restou limitada na referida Lei Complementar.
d) O Ente destinatário não poderá receber transferência voluntária de Ente do qual seja devedor de tributos, empréstimos, financiamentos ou que não tenha prestado conta da utilização de recursos anteriormente recebidos a título desse tipo de transferência (alínea “a” do inc. IV do § 1º desse art.).
e) O Ente destinatário também terá que comprovar que está cumprindo as regras constitucionais sobre gastos mínimos com educação e saúde públicas (alínea “b” do mesmo dispositivo legal).
Esse dispositivo, quanto às despesas com educação, embora não faça referência expressa, remete o seu aplicador ao artigo 212 da Constituição da República, bem como ao artigo 60 do seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que tratam dos percentuais mínimos de receitas que devem ser aplicados nesse setor.
E quanto à saúde pública, remete aos parágrafos 2º e 3º do artigo 198 da mesma Carta e à Lei Complementar prevista neste último parágrafo, ainda não editada e que fixará os percentuais mínimos de determinadas receitas que obrigatoriamente terão que ser destinadas à saúde pública, Lei Complementar essa que, quando editada, será reavaliada de cinco em cinco anos. Enquanto ela não for editada, o parágrafo 4º do artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República estabelece que devem ser observados os percentuais fixados no caput e nos demais parágrafos desse artigo e subsidiariamente as regras da Lei nº 8.080, de 1990, com alterações indicadas no início deste tópico, e ainda da Lei nº 8.142, de 1990.
No entanto, de forma um tanto incoerente, mas talvez tendo em vista a importância dos setores no meio social do País, sobretudo o educacional, arrolados no parágrafo 3º do artigo 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000, abre exceções e, para tais setores, admite a transferência voluntária, mesmo que tais limites tenham sido desrespeitados.
Não poderá receber transferência voluntária o Ente público que tiver ultrapassado o limite legal da dívida consolidada e da dívida mobiliária, bem como de operações de crédito (inclusive por antecipação de receita) e ainda de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal (alínea “c” do inc. IV do § 1º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000).
f) Também não pode receber transferência voluntária o Ente da Federação que não cumprir as regras do artigo 51 e respectivo parágrafo 1º da Lei Complementar nº 101, de 2000, que obriga a União a promover, até o dia 30 de junho de cada ano, a consolidação e divulgação nacional das contas do exercício anterior, por esfera de governo, e para tanto os Estados, Distrito Federal e municípios são obrigados a encaminhar à União o resultado das suas contas nos prazos ali estabelecidos.
g) Submete-se à vedação, indicada por último, o Ente da Federação que não publicar, no prazo fixado no parágrafo 2º do artigo 55 da Lei Complementar nº 101, de 2000, o Relatório de Gestão Fiscal previsto no seu artigo 54 (§ 3º do art. 55 dessa Lei).
Obs.4: O § 2º do art. 55 da Lei Complementar nº 101, de 2000, fixa prazo de 30(trinta)dias, após o encerramento do período a que corresponder, para publicação desse Relatório, com amplo acesso ao público, inclusive por meio eletrônico.

Importante: Não são Consideradas Transferências Voluntárias

É importante destacar que as transferências destinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS não se enquadram como transferências voluntárias, quer porque destas excluídas expressamente no final do artigo 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000, quer porque, a meu sentir, são tidas por transferências obrigatórias, conforme se deflui dos parágrafos 1º e 2º do artigo 198 da Constituição da República, artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dessa Carta Magna e subsidiariamente dos artigos 31-32 da Lei nº 8.080, de 19.09.1990 (com alterações das Leis nº 9.836, de 1999, nº 10.424, de 2002, e nº 11.108, de 2005), e artigos 2º e 3º da Lei nº 8.142, de 28.12.1990, até que venha a lume a Lei Complementar prevista no parágrafo 3º do referido artigo 198 da Constituição da República.