Por Francisco Alves dos Santos
O famoso remédio contra câncer, criado por um cientista da USP, ainda não aprovado pela ANVISA, tampouco incorporado no rol de remédios que devem ser fornecidos pelo SUS, não pode ter o seu fornecimento determinado pelo Poder Judiciário, sobretudo depois que a Lei que o aprovou teve a sua aplicação suspendida pelo Supremo Tribunal Federal.
Na sentença que segue, essa delicado assunto é discutido.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0802224-66.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo B, registrada eletronicamente.
EMENTA:
- DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SUS. FORNECIMENTO DE REMÉDIO
NÃO APROVADO PELA ANVISA, NEM ARROLADO NOS PROCEDIMENTOS DO SUS. LEI
SUSPENSA PELO STF.
Merece
ser mantido entendimento firmado em decisão inicial, na qual se negou
tutela provisória de urgência antecipatória, relativa a pedido de
fornecimento de remédio não aprovado pela ANVISA, tampouco arrolado em
procedimentos do SUS, embora posteriormente aprovado por Lei, cuja
aplicação foi e continua suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Improcedência
Vistos, etc.
1. Relatório
A G DA S, assistida pela Defensoria Pública da União propôs esta ação ordinária de obrigação de fazer com pedido de antecipação da tutela em face da UNIÃO e do ESTADO DE PERNAMBUCO.
Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e da
prioridade na tramitação, bem como a dispensa da audiência de preliminar
prevista no art. 334, § 3º, inciso II, do NCPC. Alegou, em síntese,
que: a) é portadora de Neoplasia Maligna de Mama (CID-C50) em estágio
avançado, apresentado metástases ósseas disseminadas, conforme declarado
pelos laudos médicos (NUM: 4058300.1828083, NUM: 4058300.1828079, NUM:
4058300.1828073 e NUM: 4058300.1828106), já tendo feito uso de todos os
tratamentos médicos e fármacos disponíveis; b) devido à fase em que se
encontrava a enfermidade, fora submetida a vários procedimentos médicos
no intuito de alcançar a diminuição e controle do tumor, dentre eles,
tratamento quimioterápico isolado, com fins paliativos e que visavam
controlar e estabilizar a doença, bem como melhorar a qualidade de vida
da paciente; c) mesmo assim, não houve qualquer significativa melhora no
quadro da doença, contando-se, então, a falência terapêutica; d) devido
aos insucessos dos tratamentos terapêuticos convencionais, a médica Dra
Janine Aquino (CRM: 10.721), destacou que o caso da ora Autora é de
clara falência terapêutica, de modo que a única alternativa viável seria
a utilização da Fosfoetanolamina Sintética; e) por essa razão, a
referida profissional da saúde prescreveu à Autora o uso de 01 (uma)
cápsula, três vezes ao dia, inicialmente por 06 (seis) meses, da
substância FOSTOETANOLAMINA SINTÉTICA (NUM: 4058300.1828054),
considerando a narrada eficácia dessa substância no tratamento de
pacientes com câncer, ainda em fase experimental; f) pela gravidade da
doença, e em restando provada a falência de todos os tratamentos
convencionais e, portanto, a necessidade da substância pleiteada, propôs
a presente ação para que o Poder Judiciário cumpra sua função de
garantir o seu direito à saúde e à vida digna. Instruiu a inicial com
documentos.
Decisão,
acostada sob identificador nº 4058300.1830579, na qual se indeferiu o
pedido de tutela provisória de urgência de antecipação..
A
Autora, pela DPU, opôs Embargos de Declaração alegando omissão quanto à
existência de um projeto de lei favorável à tese autoral. (Id.
4058300.1883678).
O
Estado de Pernambuco defendeu a impossibilidade jurídica do pedido,
bem como a decretação de improcedência dos Embargos de Declaração
opostos pela autora (Id. 4058300.1929968).
O
Estado de Pernambuco apresentou Contestação, aduzindo, em apertada
síntese, a impossibilidade de cumprimento da pretensão, bem como a sua
ilegitimidade passiva. No mérito, arguiu a ausência de testes clínicos
para comprovação do alegado. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final,
pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.1939344).
A União apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam
e litisconsórcio necessário com relação ao UNACON/CACON. No mérito,
defendeu a inexistência de comprovação da imprestabilidade do tratamento
disponibilizado pelo SUS. Teceu comentários acerca das especificidades
do tratamento oncológico. Pugnou, ao final, pela decretação de
improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.1950488).
Exarada decisão negando provimento aos Embargos de Declaração acima referidos (Id. 4058300.2521210).
A Autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos das contestações e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.2913036).
Vieram-me os autos conclusos para julgamento.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Da inexistência da prevenção acusada pelo Sistema PJE
Inicialmente,
afasto a prevenção acusada pelo sistema PJE, uma vez que não há
identidade de pedidos, nem tampouco risco de prolação de decisões
conflitantes.
2.2 - Matérias Preliminares
2.2.1
- O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm firme
jurisprudência, no sentido de que podem figurar no polo passivo de
ações como esta, envolvendo o sempre delicado assunto relativo à saúde
pública, tanto a UNIÃO, como os Estados, Distrito Federal e Municípios,
isolada ou conjuntamente, porque, no entender dessas Cortes, todos têm
responsabilidades pela saúde pública brasileira.
Nessa
esteira de raciocínio, tenho que não devem ser acolhidas as
preliminares de ilegitimidade passiva das contestações da UNIÃO e do
Estado de Pernambuco.
2.2.2
- Há de ser igualmente rejeitada a preliminar com relação à necessidade
do UNACON/CACON compor a lide, porque não há dispositivo legal prevendo
tal obrigatoriedade, ficando a critério da parte autora a formação do
mencionado litisconsórcio passivo facultativo.
2.2.3
- A Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, condição essa não
prevista no NCPC, levantada pelo Estado de Pernambuco se confunde com o
mérito, razão pela qual será apreciada no momento oportuno.
2.3. Do mérito propriamente dito
Conforme
consta do site do Supremo Tribunal Federal - STF, vê-se que foi
veiculada, em 19/05/2016, a seguinte notícia acerca do medicamento
pleiteado nestes autos (in
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317011):
"STF suspende eficácia da lei que autoriza uso da fosfoetanolamina
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu nesta quinta-feira (19) medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5501 para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016 e, por consequência, o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como "pílula do câncer". A lei autoriza o uso da substância por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
A Associação Médica Brasileira (AMB), autora da ação, sustenta que diante da ausência de testes da substância em seres humanos e de desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais como o direito à saúde (artigos 6° e 196), o direito à segurança e à vida (artigo 5°, caput), e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, inciso III). (GN).".
Assim,
à luz dos argumento da decisão deste Juízo, sob identificador
4058300.1830579, na qual o pedido de concessão liminar de tutela
provisória de urgência de antecipação foi negado, e dos argumentos da
veneranda decisão do Supremo Tribunal Federal, acima invocada,
suspendendo os efeitos da Lei que aprovou o medicamento em debate, tenho
que o feito deva ser julgado improcedente, quer pelo fato de que o
Judiciário não pode obrigar a Administração Pública a fornecer remédio
ainda não provado pela ANVISA, e também não arrolado entre os remédios
que o SUS é obrigado a fornecer gratuitamente, quer pelo fato de que a
referida Lei, que autorizou a venda do mencionado medicamento, em face
de fortes indícios de inconstitucionalidade, ter tido a sua aplicação
suspensa pelo Plenário da mencionada Suprema Corte do Brasil.
3. Conclusão
Posto
isso, afasto as preliminares suscitadas e julgo improcedentes os
pedidos desta ação e, sob a condição do § 3º do art. 98 do NCPC, condeno
a Parte Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro
em R$ 5.000,00(cinco mil reais), pro rata, com correção
monetária segundo as regras do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça
Federal, acrescidos de juros de mora, à razão de 0,5%(meio por cento)ao
mês, incidentes a partir da data do trânsito em julgado desta sentença
ou de acórdão que a mantenha(§ 16 do art. 85 do NCPC).
A Secretaria deve fazer as anotações pertinentes no sistema para os fins consignados no item 2.1 supra.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 28 de maio de 2017
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE