quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FERTILIZAÇÃO IN VITRO. OVODOAÇÃO DA IRMÃ. EXCEÇÃO À RESOLUÇÃO DO CFM.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma questão interessantíssima, que mostra que sempre haverá um fato da vida que não pode ser enquadrado em normas administrativas, por melhor que seja a intenção dos respectivos Legisladores, e que suplanta essas normas, porque amparado por negras da própria Constituição da República e de Lei que trata do importantíssimo assunto: a família e suas diversas formas de constituição. 

Obs.: decisão pesquisada e minuta pelo Assesor Antonio Ricardo Ferreira.

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809406-06.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

                                               DECISÃO


1. RELATÓRIO

L M DE L A F, J A A F, S C DE L A E C A P B, qualificados na inicial, impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com pedido de medida liminar, em que objetiva impedir que o Sr. Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco promova processo ético-disciplinar, fundamentado em alegada violação ao sigilo de doadores/receptores, contra os profissionais de saúde que estiverem envolvidos no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, com o óvulo da terceira Impetrante. Aduziram, em síntese que: a) a primeira impetrante, L M DE L A F seria casada com o segundo impetrante, J A A F desde 06 de janeiro de 2004 e não têm filhos; b) por graves problemas de saúde, ela só teria sido liberada por sua médica, para engravidar, no ano de 2011; c) teria engravidado por 03 vezes, porém todas teriam resultado em abortamentos espontâneos, foi quando teria iniciado tratamento para fertilização assistida; d) teria conseguido mais uma gravidez, porém, também teria resultado em abortamento; e) teria feito duas tentativas de estimulação de óvulos para fertilização in vitro, entretanto, por causa de sua idade já não produziria óvulos suficientes; f) a tentativa agora seria para a fecundação heteróloga, com ovodoação, onde sua irmã, a terceira impetrante, S C DE L A, doar-lhe-ia óvulos, sendo este caminho mais seguro, por conta da compatibilidade genética e semelhança fenotípica; g) o quarto impetrante, C A P B, marido da impetrante doadora, teria manifestado sua inteira concordância; h) o grande problema estaria no fato de que o Conselho Federal de Medicina - CFM, por meio da Resolução 2.121/2015, ao estabelecer normas de conduta ética no acompanhamento médico de tratamentos de Fertilização IN VITRO (FIV), previu que, na doação de gametas ou embriões, os receptores não poderiam conhecer os doadores, somente poderia haver doação anônima; i) em virtude de tal Resolução, nenhum médico se habilitaria a realizar o procedimento, porque seria latente o risco de ser punido pelo seu órgão de fiscalização profissional. Teceu considerações sobre o caso, mencionou que a oncologista da primeira Impetrante estaria querendo submetê-la a uma quimioterapia, mas estaria postergando ao máximo esse tratamento, em face desse seu sonho de maternidade. Citou textos da jurisprudência e legislação pátria em defesa de seu pleito e ao final requereu:
a) CONCEDER LIMINAR, inaudita altera pars, para determinar à autoridade coatora que se abstenha de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, Suzana Maria de Lima Antunes;
 b) NOTIFICAR a digna autoridade indigitada coatora, nos endereços constantes do pórtico da presente proemial, para que, querendo, prestem as informações no prazo legal.
 c) OFICIAR o douto representante do Ministério Público para intervir no feito, ofertando seu parecer.
 d) JULGAR, ao final, procedente o presente writ para, no mérito, confirmar a liminar, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Resolução 2121/2015 do CFM que impõe o anonimato do doador e receptor de doação de gametas, impedindo, desse modo, a doação entre irmãos, e proibindo o Impetrado/Ré de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, S M de L A.
Vieram-me conclusos. 
Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

Tratam os presentes autos de mandado de segurança preventivo, em tentativa de afastar a norma contida na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 2.121/2015, que adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo a ser seguido pelos médicos, para que o casal, L M DE L A F e J A A F, possa se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados pela impetrante S C DE L A, irmã de L M de L A F.
De acordo com o item IV da referida Resolução (Id. 4058300.2638929), os doadores de gametas ou embriões não devem conhecer a identidade dos receptores, portanto, o procedimento pleiteado pelos Impetrantes, encontrariam uma vedação legal através da mencionada Resolução.
No entanto, tenho que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em apreço.
Explico.
A questão trazida aos autos, encontram guarida no direito ao planejamento familiar assegurado pelo art. 226, § 7º, da Constituição Federal e pela Lei nº 9.263/1996 que regula o mencionado artigo.
 Constituição Federal
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.".
. Lei nº 9.263/1996
"Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.
Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.".
Da leitura dos mencionados dispositivos constitucionais e legais, infere-se que o planejamento familiar é livre decisão do casal, que poderá se valer dos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.
No caso dos autos, os Impetrantes pretendem se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados por terceira pessoa, sendo certo que esse procedimento está em plena consonância com a legislação acima citada, por ser uma técnica de concepção cientificamente aceita e que não coloca em risco a vida nem a saúde das pessoas envolvidas.
A questão ética, colocada com muita propriedade na noticiada Resolução do Conselho Federal de Medicina, não será arranhada, porque mencionada norma administrativa é própria para fecundação heteróloga, com ovodoação de pessoas alheias à família, com a finalidade de proteger essa família e o futuro rebento.
Mas, conforme se deflui da petição inicial, toda a operação de fecundação será feita com pessoas da família, sendo a doadora irmã da principal interessada e futura mamãe.
Assim, referida Resolução CFM 2.013, de 2013, com todo respeito aos d. Médicos dirigentes do mencionado Conselho e dos d. Médicos que a editaram, há de ser interpretada, nesse particular, com certa parcimônia, em face da prevalência dos dispositivos constitucionais e legais acima transcritos, que orientam quanto ao reforço das células familiares.

Então, diante da ausência de vedação legal, e com base no direito constitucional do livre planejamento familiar, tenho que deve ser concedido ao casal Impetrante o direito de receber óvulos doados por uma pessoa da família para fins de realização do procedimento de fertilização in vitro. Especialmente porque essa "pessoa da família" demonstrou, de forma inequívoca, a livre vontade de praticar este ato que é elogiável sob todos os aspectos e inclusive aqui se apresenta também, com o seu Esposo, como Impetrantes. .
E, para o exercício pleno de tal direito, deve também ser assegurado aos Impetrantes que não haja intervenção da DD. Autoridade impetrada, Dirigente do  Conselho Regional de Medicina em Pernambuco - CREMEPE, seja por meio de interferência direta no procedimento clínico, seja por meio da confecção de qualquer denúncia, representação ou abertura de processo ético-disciplinar contra o Médico que venha a ser escolhido pelos Impetrantes para a realização da fertilização.
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento ("fumus boni juris") e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, se for concedida só no final("periculum in mora").
No caso em tela, a impetração não se volta contra norma em tese, mas contra possível procedimento, que se teme, venha o Conselho Regional de Médica de Pernambco - CREMEPE, por algum ou alguns dos seus ilustres Membros da sua Direção, a assumir, no sentido de punir o(s) Médico(s) que venham a realizar a referida fertilização, em razão da referida norma administrativa, .
Presente, portanto, o justo receio, exigido pela Lei, de que mencionado ato de Autoridade possa acontecer, que seria feridor das regras constitucionais e legais acima mencionadas, e que também teria faceta de abusivo, é que justifica este mandado de segurança preventivo, com a concessão da pretendia  medida liminar.
Ante os argumentos expostos e os documentos anexados aos autos, tenho por preenchido o requisito do fumus boni iuris a socorrer a tese da Impetrante. A urgência que o caso requer e que caracteriza a presença do "periculum in mora" se extrai da declaração da médica oncologista da primeira impetrante, o qual destaco: " Há recomendação para iniciar uma nova droga aprovada no Brasil (Vandetanibe), porém, em virtude de seu desejo de engravidar, seu início tem sido postergado, o que pode acarretar prejuízo na sua saúde, em consequência da progressão da doença."

3. CONCLUSÃO

Posto isso, com essas considerações:
3.1. defiro a liminar requerida e determino que o Conselho Regional de Medicina no Estado de Pernambuco se abstenha de adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais(médicos e quais profissionais subordinados à fiscalização desse Conselho)escolhidos pelos Impetrantes para a realização da fertilização in vitro pelo casal J A A F e L M DE L A F, a partir de óvulos doados pela irmã da impetrante, S C DE L A.
3.2. notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora, para as informações, em 10 (dez) dias e para cumprir a decisão supra, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016/2009 e dê-se ciência ao órgão de representação judicial da Entidade a qual se encontra vinculada essa Autoridade, na forma e para os fins do art. 7º-II da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3. No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Intimem-se.


Recife, 01 de dezembro de 2016


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE