quarta-feira, 18 de abril de 2012

TEMPO DE ATENDIMENTO EM AGÊNCIA DE BANCO. LEI ESTADUAL COMPETÊNCIA CONCORRENTE.

Por Francisco Alves dod Santos Júnior.


Podem os Estados da Federação legislar sobre horário de Bancos ou apenas os Municípios?
Pode um PROCON estadual multar um banco federal, por descumprimento de Lei estadual que fixa a exigência de senha com horário de chegada na agência bancária, com a finalidade de medir o tempo de espera no atendimento?
Essas e outras questões são discutidas na decisão que segue.
Boa leitura.





PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª  REGIÃO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

2ª VARA



Processo nº 0008346-70.2012.4.05.8300

Classe:    29 AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)

AUTOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA

RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO



C O N C L U S Ã O



Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR



Recife, 17/04/2012



Encarregado(a) do Setor



D E C I S Ã O



1-Relatório



A Caixa Econômica Federal – CAIXA, qualificada na Petição Inicial, ajuizou a presente “Ação Anulatória de Autos de Infração c/c Pedido de Liminar” em face do ESTADO DE PERNAMBUCO (PROCON/PE). Alegou, em síntese, que teria sido surpreendida com o recebimento de autos de infração lavrados pelo PROCON/PE em decorrência de procedimentos de fiscalização realizados em suas agências; que teriam sido aplicadas multas em valores exorbitantes; que a autuação lavrada contra si, decorrente da emissão de senha para atendimento dos clientes junto aos caixas, sem apresentar o horário de chegada à agência, estaria assim caracterizada: Auto de Constatação nº 1063/08, Auto de Infração nº 1050/08, Local: Agência Caxangá, Multa aplicada: 60.000 UFIR´s =R$ 63.846,00; que a CAIXA estaria anexando aos autos os documentos pertinentes à referida autuação, todavia, pugna pela juntada pela parte demandada da cópia integral dos processos administrativos em questão; que o Estado de Pernambuco, por meio do PROCON estadual, teria invadido esfera de competência do Município do Recife, já que teria agido embasado na Lei Estadual nº 12.264/2002, que seria inconstitucional; que, portanto, não poderiam ser considerados válidos os atos de fiscalização praticados por esse órgão, muito menos a aplicação da multa; que a Autora seria uma empresa pública federal e, como tal, seria competente para fiscalizar a referida instituição financeira federal, órgão de defesa do consumidor de âmbito federal; que a Constituição da República/88 exigiria, no art. 163, V, Lei Complementar para tratar de matéria atinente à fiscalização das instituições financeiras da administração pública direta e indireta; que, portanto, restaria clara a incompetência do PROCON/PE para fiscalizar e aplicar sanções à CAIXA, visto que a competência seria de órgão federal; que, ademais, a Ag. Caxangá possuiria um gerenciador de atendimento e este sinalizaria como atendimento dentro do esperado (azul) a espera de até 30 (trinta) minutos e, acima disso, o registro da senha passaria a ser evidenciado na tela da CAIXA em vermelho; que os valores das autuações seriam absurdos e inadmissíveis, porque a CAIXA teria realizado a instalação e a reparação dos equipamentos e tais equipamentos estariam em funcionamento nas agências; que a multa aplicada pelo PROCON/PE afrontaria os princípios da proporcionalidade e razoabilidade; que, portanto, as multas deveriam ser excluídas, ou então, reduzidas a, no máximo 5% (cinco por cento) do valor cobrado nos autos de infração. Teceu outros comentários, e requereu, em caráter liminar, a suspensão de quaisquer medidas de cobrança contra a CAIXA, decorrente do Auto de Infração nº 1050/08 e do Auto de Constatação nº 1063/08, do PROCON/PE, tendo em vista a exorbitância dos valores cobrados. Atribuiu valor à causa. Juntou instrumento de procuração e cópias de documentos, fls. 10/44. Custas recolhidas, fl. 11.



2- Fundamentação



2.1- A CAIXA pretende, em caráter liminar, a suspensão de quaisquer medidas de cobrança dos valores consignados no Auto de Infração nº 1050/08 e no Auto de Constatação nº 1063/08, sob os seguintes argumentos básicos: o PROCON estadual não teria competência para aplicar tais multas; a autuação estaria embasada em lei inconstitucional e os valores das multas seriam desproporcionais.

O pedido da Autora será apreciado à luz do §7º[1] do art. 273 do Código de Processo Civil, devendo estar presentes, portanto, para o caso de concessão da providência cautelar pretendida, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

2.2- Preambularmente, cumpre observar que não há impedimento para que a CAIXA, empresa pública federal, seja fiscalizada pelo PROCON estadual.

Ao contrário disso, as agências bancárias sediadas no Estado de Pernambuco estão incluídas na esfera de fiscalização do PROCON/PE, conforme se conclui da leitura dos arts. 5º e 9º do Decreto nº 2.181/1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, entre outras providências, verbis:

Art. 5º Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir infrações a este Decreto e à legislação das relações de consumo.

Parágrafo único. Se instaurado mais de um processo administrativo por pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de um mesmo fato imputado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pelo DPDC, que poderá ouvir a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor - CNPDC, levando sempre em consideração a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade econômica.

Art. 9º A fiscalização das relações de consumo de que tratam a Lei nº 8.078, de 1990, este Decreto e as demais normas de defesa do consumidor será exercida em todo o território nacional pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, por meio do DPDC, pelos órgãos federais integrantes do SNDC, pelos órgãos conveniados com a Secretaria e pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor criados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em suas respectivas áreas de atuação e competência.



Nesse sentido, eis os precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça e do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que se aplicam, mutatis mutandis, ao presente caso, verbis:



ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE MULTA PELO PROCON À EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. POSSIBILIDADE. 1. A proteção da relação de consumo pode e deve ser feita pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC - conforme dispõem os arts. 4º e 5º do CDC, e é de competência do Procon a fiscalização das operações, inclusive financeiras, no tocante às relações de consumo com seus clientes, por incidir o referido diploma legal. 2. Recurso especial não provido.
(RESP 200802452756, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:06/08/2009



APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR. SFH. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROCON. APLICAÇÃO DE MULTA. RELAÇÃO CONSUMEIRISTA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEI N.º 8.078/90. COMPETÊNCIA. Trata-se de Ação Cautelar preparatória, cuja pretensão consiste em impedir liminarmente o Programa Estadual de Orientação e Proteção do Consumidor do Rio Grande do Norte - PROCON-RN a processar e julgar questões afetas ao SFH e obter a suspensão dos efeitos das penas cominadas à autora em processo administrativo. As pessoas jurídicas públicas se enquadram na definição de fornecedor, de acordo com o art 3° do CDC. Desta forma, são abarcadas pelo poder de polícia exercido pelo PROCON, responsável pela fiscalização das relações consumeiristas, inclusive sujeitando-se às sanções cabíveis. A multa fixada pelo PROCON em 5.000 (cinco mil) UFIRs apresenta-se razoável ao dano causado à consumidora e assume, mormente, função de coibir a continuidade de tais atos abusivos, em conformidade ao princípio da proporcionalidade, motivo pelo qual não merece reparo. Precedentes desta Corte. Inversão dos ônus sucumbenciais. Apelação e remessa obrigatória providas.
(AC 200284000074213, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::29/05/2008 - Página::386 - Nº::101



2.3- No caso em análise, consta no Auto de Infração (v. fl. 43) contra o qual se insurge a CAIXA, que a demandante infringiu os seguintes dispositivos legais: art. 4º, II, d, III  e VII, e art. 6º, X da Lei nº 8.078/90 e o art. 2º, parágrafo único da Lei Estadual nº 12.264/02, diante constatação pelo PROCON/PE da seguinte irregularidade:



No ato da fiscalização foi constatado que a chancela que emite a senha para atendimento do cliente junto aos caixas não apresentava o horário de chegada na agência. Fica a autuada sujeita a multa de R$ 63.846,00 (sessenta e três mil, oitocentos e quarenta e seis reais, referente a 60.000 UFIR. G.N. (fl. 43).



 Eis o que dispõe o Parágrafo Único do art. 2º da Lei Estadual nº 12.264/2002 (Lei do Estado de Pernambuco), que embasou a autuação:



Art. 2º Considera-se tempo razoável, para os fins desta lei:

I - até 15 (quinze) minutos, em dias normais;

II - até 30 (trinta) minutos:

a - em véspera ou em dia imediatamente seguinte a feriados;

b - em data de vencimento de tributos;

c - em data de pagamento de vencimentos a servidores públicos.

Parágrafo único. Os períodos de que tratam os incisos I e II deste artigo serão delimitados pelos horários de ingresso e de saída do usuário no recinto onde estão instalados os caixas, registrados mediante chancela mecânica ou eletrônica.(G.N.)



Como se vê, o “tempo razoável” de espera na fila e o modo de aferição desse tempo, foi efetivamente disciplinado por Lei do Estado de Pernambuco.

Será que pelo sistema legislativo brasileiro têm os Estados, na atualidade, competência para legislar a respeito de proteção e defesa dos Consumidores?

Há precedente do C. Supremo Tribunal Federal concluindo que os Municípios gozam dessa competência, verbis: 

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 432789, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 07-10-2005 PP-00027 EMENT VOL-02208-04 PP-00852 RTJ VOL-00196-01 PP-00345 LEXSTF v. 27, n. 323, 2005, p. 288-293 RB v. 18, n. 509, 2006, p. 35-36 JC v. 31, n. 107, 2005, p. 254-257

                Embora não conste dessa Ementa desse julgado do C. Supremo Tribunal Federal, tenho que a base constitucional dessa competência municipal está no art. 30-I e no art. 24-VII, todos da Constituição da República. 

A UNIÃO, os Estados e o Distrito Federal também gozam dessa mesma competência, por força do invocado art. 24-VII da Carta Magna.

E se têm competência para legislar, também têm competência para fazer valer as suas Leis.

Logo, prima facie,  não encontro nenhuma inconstitucionalidade na discutida Lei do Estado de Pernambuco, tampouco ilegalidade e/ou inconstitucionalidade no auto de infração ora impugando.

     Quanto ao valor do Auto de Infração, correspondente a 60.000(sessenta mil UFIR’s), também não detecto, de plano, nenhum exagero, porque o valor máximo permitido seria de 3.000.000.000(três milhões)de vezes o valor da UFIR, conforme Parágrafo Único do art. 57 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990, nele introduzido pela Lei nº 8.703, de 06.09.1993.

 Então considerando essa possibilidade, o porte econômico-financeiro da Caixa Econômica Federal-CEF e o grande número de Consumidores)por ela prejudicados em face do fato objeto da autuação: falta de indicação, na senha de atendimento, da hora de chegada na agência bancária, permitindo assim o desrespeito à Lei que fixa o tempo mínimo para atendimento na referida agência, tenho que não se faz presente a verossimilhança exigida pelo art. 273 do Código de Processo Civil para a pretendida suspensão liminar do ato ora impugnado, quer via antecipação de tutela, quer via medida liminar. .



Conclusão



Posto isso, indefiro o pedido de medida liminar suspensiva do ato impugnado e determino que seja o Requerido citado, na forma e para os fins legais.



P. I.



Recife, 18.04.2012.



Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE



[1] Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:


§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.