quinta-feira, 9 de setembro de 2010

IMPOSTO DE RENDA E A DECADÊNCIA DO DIREITO DE LANÇAR. A MULTA FISCAL E OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DO NÃO-CONFISCO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NA DÍVIDA TRIBUTÁRIA

Segue uma Sentença na qual se discute: a) o problema do período-base do imposto de renda da pessoa física, a modificação do sistema anual para o sistema de bases correntes(mensais)e os respectivos reflexos no prazo de decadência para lançar esse tributo; b) a aplicação dos princípios da proporcionalidade e do não-confisco nas multas fiscais; e c) a capitalização dos juros da tabela SELIC.

Boa Leitura!

OBs.: O português da sentença foi revisado por Élbia Spenser, Assessora do Gabinete do Juiz da 2ª Vara Federal de Pernambuco. Essa Assessora também localizou, no site do STF, os julgados referidos no texto.




PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2006.83.00.006680-3 - Classe 29 – Ação Ordinária
Autor: J. B. L. L.
Adv.: .... - OAB/PE ...
Réu: UNIÃO
Procuradora da Fazenda Nacional


Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010


Sentença tipo A


EMENTA:- CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO

Multa Fiscal, ante os princípios da proporcionalidade e do não-confisco, não pode ultrapassar o percentual de 30%(trinta por cento), segundo precedentes do C. Supremo Tribunal Federal.

Capitalização de juros de mora não comprovada.

Mantém-se a suspensão da exigibilidade do crédito tributário até que se finalize o seu questionamento judicial(aplicação do princípio da razoabilidade).

Procedência parcial.


Vistos etc.

J. B. L. L., pessoa física, qualificado nos autos, ajuizou, em 17.05.2006, a presente “Ação Ordinária, com pedido de liminar inaudita altera parte” contra a UNIÃO, aduzindo, em síntese, que a Receita Federal teria empreendido investigação fiscal nas movimentações financeiras e no patrimônio do Autor; que o Fisco Federal teria apontado algumas infrações, gerando o Processo Administrativo nº 10480.005244/2003-38; que teria sido apurado um débito total de R$ 322.920,78 (trezentos e vinte e dois mil, novecentos e vinte reais e setenta e oito centavos), sendo R$ 130.179,59 (cento e trinta mil, cento e setenta e nove reais e cinqüenta e nove centavos), relativos ao imposto, R$ 97.634,69 (noventa e sete mil, seiscentos e trinta e quatro reais e sessenta e nove centavos), concernentes à multa de 75%, multa isolada de R$ 3.772,50 (três mil, setecentos e setenta e dois reais e cinqüenta centavos) e R$ 91.334,00 (noventa e um mil, trezentos e trinta e quatro reais), referentes aos juros de mora; que a impugnação administrativa ofertada pelo Autor teria sido julgada improcedente; que a apuração ora questionada seria relativa ao imposto de renda pessoa física do ano calendário de 1998; que o lançamento do crédito tributário ocorrido em 27.05.2003, portanto, em período superior a 05 (cinco) anos; que a ação fiscal empreendida incluíra período atingido pela decadência; que o Fisco Federal teria aplicado multa moratória no patamar de 75%, o que afrontaria o princípio da razoabilidade; que à prestação acessória deveriam ser aplicados os mesmos requisitos constitucionalmente fixados para o tributo; que também deveria ser aplicado o princípio do não confisco para a multa; que a multa moratória no patamar de 75% teria natureza confiscatória; que referida multa deveria ser reduzida para o patamar de 20% (vinte por cento); que a União efetuaria a capitalização dos juros; que tal prática causaria um enriquecimento indevido do Fisco Federal em detrimento do contribuinte, sem a correspondente autorização legal. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, para conceder medida liminar, inaudita altera parte, de modo a suspender a exigibilidade do crédito tributário retratado no processo Administrativo nº 10480.005244/2003-38, determinar que a União não realizasse os cálculos de juros de mora cumulativamente e capitalizável, assim como não efetuasse a aplicação de multa de 75%, mas no percentual de 20%, e, ainda, que a União se abstivesse de apontar o nome do Autor no CADIN, além de expedir CPEN nas oportunidades em que solicitada pelo Autor. Ao final, requereu: a citação da União; a procedência dos pedidos para declarar a nulidade do crédito tributário retratado pelo Processo Administrativo nº 10480.005244/2003-38; declarar a decadência do crédito tributário do Imposto de Renda Pessoa Física referente ao período ano calendário de 1998; determinar que a União não realizasse os cálculos de juros de mora cumulativamente e capitalizável; determinar que a União efetuasse a aplicação de multa de 20%; determinar que a União procedesse a um novo lançamento do débito fiscal, não apontando o nome do Autor no CADIN e expedindo CPEF enquanto não efetivado tal lançamento; a condenação da União ao pagamento das custas, honorários advocatícios e demais cominações legais. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópia de documentos (fls. 19/64).
Guia de recolhimento de custas (fl. 65).
À fl. 67, restou determinado que o pedido de antecipação dos efeitos da tutela seria apreciado após a manifestação da parte ré.
Citada, a União apresentou Contestação, às fls. 70/78, sustentando que a Lei nº 9.494, de 10.09.1997, teria aplicado à tutela antecipada o dispositivo constante do art. 1º da Lei nº 8.437, de 30.06.92, relativamente à proibição de liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em outras ações de natureza cautelar ou preventiva; que, ainda que fosse viável a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, na hipótese dos autos, tal antecipação não poderia ser deferida por não se encontrarem presentes os requisitos essenciais à sua concessão. Argumentou que o Autor não teria revelado à autoridade fazendária fiscalizadora a origem dos recursos obtidos com depósitos bancários em instituições financeiras, conforme o Fisco solicitara; que o Autor não teria comprovado a origem dos depósitos, limitando-se a teorizar sobre a suposta ilegalidade da colheita de provas; que, sendo a tributação das pessoas físicas sujeita a ajuste na declaração anual independentemente de exame prévio da autoridade administrativa, o lançamento seria por homologação, devendo o prazo decadencial, na hipótese de entrega tempestiva da declaração e pagamento do imposto, ser contado a partir da ocorrência do fato gerador, o qual seria ocorreria em 31 (trinta e um) de dezembro; que, após a edição da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001, seria lícito ao Fisco examinar informações relativas ao contribuinte constante de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houvesse procedimento de fiscalização em curso e tais exames fossem considerados indispensáveis, independentemente de autorização judicial; que seria cabível a incidência de juros de mora com base na variação da Taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia para Tributos Federais-SELIC sobre o valor do imposto apurado em procedimento de ofício, os quais deveriam ser exigidos juntamente com o imposto não pago espontaneamente pelo contribuinte. Fez outros comentários. Citou algumas decisões judiciais. Ao final, requereu: o indeferimento do pedido de antecipação da tutela; a improcedência dos pedidos formulados na Inicial, condenando o Autor nos ônus da sucumbência.
Em decisão de fls. 82/84, foi concedida medida cautelar.
À fl. 91, a União noticiou a interposição de Agravo de Instrumento contra a decisão de fls. 82/84, juntando cópia do respectivo recurso (fls. 92/102).
Às fls. 109/110, cópia de decisão de Desembargador Convocado, autorizando, liminarmente, a retirada do nome do CADIN do Autor apenas com relação ao processo administrativo 10480.005244/2003-38, exarada nos autos do noticiado Agravo de Instrumento.
À fl. 123, cópia do v. acórdão prolatado pelo E. TRF/5ª Região nos autos do mencionado Agravo de Instrumento, negando provimento a esse recurso.
O Autor requereu fosse a União intimada para cumprir a decisão de fls. 82/84, sob pena de fixação de multa diária (fls. 133/135). Juntou substabelecimento e cópia de documentos (fls. 136/150).
Foi concedido o prazo de 72 (setenta e duas) horas para que a União prestar esclarecimentos a respeito do noticiado descumprimento da decisão liminar (fl. 151).
À fl. 155, a União requereu a juntada de documentos (fls. 156/158), informando, outrossim, que a Execução Fiscal (processo nº 2007.83.00.003144-1) teria sido extinta.
À fl. 164, o Autor informou que a decisão de fls. 82/84 teria sido cumprida, requerendo a realização de prova pericial, relativamente aos juros cobrados pelo Fisco Federal.
À fl. 165, foi determinado que a União apresentasse cópia da íntegra dos referidos processos administrativos.
Às fls. 173/174, a União requereu a juntada de documentos (fls. 175/587), acrescentando que, sendo complexivo, o fato gerador teria ocorrido em 31.12.1998, de forma que, pelo inciso I do art. 173 do Código Tributário Nacional, o lançamento poderia ter sido efetuado no ano de 199 e o prazo decadencial para a Fazenda Nacional concretizá-lo ter-se-ia iniciado em 01.01.2000 e que antes do esgotamento do prazo de cinco anos para a concretização do lançamento, este teria sido efetuado, com notificação do ora Autor, de forma que não se poderia falar em decadência do direito de lançar.
Em decisão de fls. 589/590, restou pronunciada a decadência do direito de lançar o imposto de renda das competências janeiro, fevereiro, março e abril de 1998, extinguindo o respectivo crédito tributário e condenando a União ao pagamento de verba honorária.
Relativamente aos períodos não atingidos pela decadência, foi determinada a realização de perícia técnica e nomeado perito.
O Autor indicou assistente técnico (fl. 592).
À fl. 594, a União noticiou a interposição de Agravo de Instrumento. Juntou cópia do referido recurso (fls. 595/603).
Às fls. 609/610, cópia de r. decisão liminar exarada nos autos do Agravo de Instrumento por Desembargador Convocado, suspendendo a decisão de fls. 589-590 deste juízo apenas quanto à verba honorária.
À fl. 610, a União formulou pedido de vista dos autos após a apresentação de quesitos da parte autora.
À fl. 611, a Secretaria deste juízo certificou que a parte autora não se manifestara sobre a decisão de fls. 589/590.
A União requereu o julgamento antecipado da lide (fl. 611-vº).
O Perito Judicial apresentou proposta de honorários (fl. 614).
O Autor discordou do valor da proposta de honorários periciais, requerendo fossem os mesmos arbitrados em valor indicado na Petição de fls. 617/618.
À fl. 623, foi homologada a proposta de honorários apresentada pelo Sr. Perito Judicial.
O Autor requereu a juntada de cópia de comprovante de pagamento de 50% dos honorários periciais (fls. 625/626).
Laudo pericial apresentado às fls. 629/635.
O Perito Judicial requereu fosse depositado o restante de seus honorários (fl. 639).
À fl. 640, o Autor requereu a juntada de cópia de comprovante de depósito (fl. 641).
O Autor requereu fossem prestados esclarecimentos acerca do Laudo Pericial (fls. 619/620).
A União requereu esclarecimentos a respeito do Laudo Pericial (fls. 622/623). Juntou cópia de documentos (fls. 624/636).
Às fls. 641/646, esclarecimentos prestados pelo Perito Judicial, acompanhados de planilhas de cálculo (fls. 647/650).
O Perito Judicial requereu a liberação do restante de seus honorários (fl. 651).
O Autor informou que teria apresentado Recurso Especial, relativamente à decisão do E. TRF/5ª Região nos autos do noticiado Agravo de Instrumento, o qual estaria pendente de apreciação quanto à sua admissibilidade(fl. 660).
Em seguida, o Autor manifestou sua parcial concordância com o laudo pericial e respectivos esclarecimentos (fls. 657/659). Juntou cópia de documentos (fl. 660/684).
À fl. 686, a União informou que não concordaria com os esclarecimentos prestados pelo Perito, reiterando suas alegações.
Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o Relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação.

1. Quanto à Decadência de parte da dívida

Na decisão de fls. 589/590, restou pronunciada a decadência do direito de a Fazenda Pública lançar o imposto de renda das competências janeiro, fevereiro, março e abril de 1998, extinguindo o respectivo crédito tributário e condenando a União ao pagamento de verba honorária.
Há notícia nos autos, às fls. 609-610, que mencionada decisão deste juízo de primeira instância foi modificada parcialmente, na parte relativa à condenação em verba honorária, em r. decisão liminar de Desembargador Convocado da 4ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
Outrossim, consta que referido agravo de instrumento findou por ser julgado e, no respectivo v. acórdão, mencionada decisão deste juízo foi totalmente reformada(fls. 624-636), tendo o ora Autor interposto recurso especial, conforme noticiou nos autos, à fl. 660.
Tenho que, não obstante o respeito que este Juiz dedica aos julgados do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, não me encontro a ela jungido, até mesmo porque não seria o agravo de instrumento, data maxima venia, meio próprio para discutir a matéria ali ventilada, porque faz parte do mérito, pelo que referido recurso deveria ter sido convertido em agravo retido, para apreciação na segunda instância, juntamente com o recurso de apelação respectivo.
No referido v. Acórdão, consta que o imposto de renda de pessoa física tem período-base anual. Data maxima venia da d. Relatora do mencionado v. acórdão, o fato gerador do imposto de renda de pessoa física deixou de ser anual desde 1985, por conta da Lei nº 7.450, daquele ano, que submeteu o imposto de renda de pessoa física ao sistema de bases correntes, transformando-o em um imposto mensal, afastando-o do tipo de lançamento misto(ou por declaração) e o submetendo a lançamento por homologação.
Nesse sentido, é a lição do saudoso jurista HENRY TILBERY(estrangeiro, que se radicou em São Paulo, até a morte):
“..., o Governo promoveu preliminarmente várias alterações na sistemática do Imposto de Renda já a curto prazo a partir de dezembro de 1985 pela Lei nº 7.450/85.
...; mas desta vez foram introduzidas algumas inovações radicais como entre outros, o abandono da base do ano anterior enraizada na prática tributária e substituição pela tributação em bases correntes. Foi talvez uma das mais profundas modificações das últimas seis décadas.
Desde o Regulamento do Imposto de Renda de 1926, prevaleceu no Brasil a tributação com base do ano anterior, isto é, no caso das pessoas físicas a base de incidência do imposto eram os rendimentos correspondentes ao ano civil imediatamente anterior ao exercício financeiro.
Após uma tradição de mais do que meio século, passou a partir do dia 1º de janeiro de 1986 para a tributação em bases correntes, o que nos termos do art. 3º desta Lei significa que doravante o imposto de renda das pessoas físicas será devido à medida que os rendimentos forem auferidos, ou seja, o objeto da incidência são os rendimentos do exercício financeiro em curso-não do ano anterior.
....Ou seja, não podem vingar teses jurídicas que procuram aplicar aos rendimentos das pessoas físicas normas tributárias diversas das que vigoram no momento quando determinado rendimento for auferido.”(1)
Nesse novo sistema, deixou de existir o “ano-base”, que foi substituído por “ano-calendário” e o imposto de renda passou a incidir sobre os rendimentos mensais desse ano calendário, então, para pessoa física, desde mencionada Lei, não mais existe período anual, mas sim mensal de incidência desse imposto".(2).
Esse período mensal perdura até os dias atuais, conforme Parágrafo Único do art. 3º e art. 4º, todos da Lei nº 9.250, de 26.12.1995.
E como esse imposto passou a ser submetido ao lançamento por homologação(§ 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional), o prazo decadencial para a Fazenda Pública homologar(finalização do lançamento)inicia-se a partir da data do fato gerador, mas, quando o Contribuinte não pratica os procedimentos que lhe são próprios nesse tipo de lançamento(apura e recolhe o tributo e entrega a respectiva declaração à Fazenda Pública, declaração que continuou sendo anual, mas para mero ajuste) , a doutrina e os Tribunais firmaram o entendimento de que, nessa situação, o início da fluência do prazo de decadência desloca-e para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, como previsto no art. 173-I do CNT , para os demais tipos de lançamento(lançamento de ofício e lançamento misto).
Por isso, data maxima venia dos d. membros da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, especialmente da sua d. Relatora, a Dra. MARGARIDA CANTARELLI, tenho que a decisão de fls. 589/590 deste juízo de primeiro grau deve ser ratificada nesta sentença.(3 - A decisão de fls. 589-590 encontra-se transcrita abaixo, na nota 3).

3. Quanto à Questão em Debate

O Autor não nega que obteve a disponibilidade jurídica e econômica dos valores em questão; alega apenas que o crédito tributário decorrente dessa renda se encontra fulminado pela decadência e, caso não acolhida a exceção de decadência, sustenta que deve ser afastada a capitalização de juros, que estaria ocorrendo, e que a multa de 75% (setenta e cinco por cento)seja reduzida para o máximo de 20%(vinte por cento). Pleiteia, ainda, que a União seja impedida de arrolar o seu nome no CADIN e também para que lhe seja fornecida certidão positiva com efeito de negativa, quando dela precisar.

3.1 Decadência

Com relação à decadência, reporto-me ao item anterior desta fundamentação, bem como à decisão de fls. 589/590 deste juízo, onde se reconheceu decadência parcial do direito de a Fazenda Pública lançar e exigir as parcelas ali indicadas do tributo em debate, decisão essa que merece ser ratificada Sentença, data maxima venia da mencionada Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
Com relação às parcelas que não foram fulminadas pela decadência, registro que analisarei em primeiro lugar o principal e depois os acessórios(multa, juros e correção monetária).

3.2) Principal da Dívida

O Autor não impugnou o principal da dívida tributária em debate, mas apenas os acessórios.

3.3) Multa x Princípios da Proporcionalidade e do Não-confisco

No que diz respeito à multa de 75%(setenta e cinco por cento), o Autor sustenta ser confiscatória e pugna por sua redução para 20%(vinte por cento).
É importante registrar que a União, na sua contestação de fls. 70-78, simplesmente silenciou a respeito deste tópico da petição inicial.
A respeito desse assunto, mesmo antes de o princípio do não-confisco constar do texto da Constituição da República(como se sabe, no Brasil, referido princípio só foi positivado na Constituição da República de 1988, art. 150-IV), o C. Supremo Tribunal Federal, invocando esse princípio e o da proporcionalidade ou razoabilidade, sempre cuidou de afastar multas confiscatórias.(4)
Com efeito, a 2ª Turma dessa C. Corte assim procedeu no julgamento do RE 91.707/MG, julgado em 11.09.1979, tendo por Relator o Min. Moreira Alves, Recorrente Estado de Minas Gerais x Arcanjo´s Decorações Ltda, oportunidade em que reduziu multa de 100% para 30% da Legislação do então ICM desse Estado e, nesse julgado, invocou-se o RE 81.550/MG, de 1975, onde houvera idêntica decisão.
Realmente, no RE 81.550/MG. Recorrente Estado de Minas Gerais x Recorrida: Cooperativa de Consumo dos Funcionários do Banco do Brasil. Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 20.05.1975, a 2ª Turma do STF concluiu que seria confiscatória a multa da legislação do Estado de Minas Gerais, relativa ao então ICM, no percentual de 100%, pelo que a reduziu para 30%, percentual este que foi reputado por razoável para reparação da impontualidade do Contribuinte(RTJ 74/319-320).
Após o advento da Constituição da República de 1988, o Plenário dessa C. Corte, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ(DJU de 14.10.2003), considerou inconstitucionais os §§ 2º e 3º do art. 57 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, sob o argumento de que feriam os princípios da proporcionalidade(razoabilidade) e do não-confisco(este então já fixado no inciso IV do art. 150 da Constituição da República de 1988). Referidos dispositivos estabeleciam, respectivamente, que o valor mínimo das multas seria correspondente a duas vezes o valor do tributo(200%, portanto) e, na hipótese de sonegação, não poderia ser inferior a cinco vezes(500%, portanto)do valor do tributo(ADI 551/RJ. Requerente: Governador do Estado do Rio de Janeiro x Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.Julgamento em 24.10.2002. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJU de 14.10.2003).
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, de conformidade com a petição inicial, por sua 3ª Turma, em julgado de agosto de 2005, concluiu que multa de 75%(setenta e cinco por cento), tendo em vista o princípio do não-confisco, poderia ter sido reduzida para 20%(vinte por cento), “tal como disposto no art. 59 da Lei nº 8.383/91”, mantendo, todavia, a redução para 30%(trinta por cento), fixada na Sentença de primeiro grau, porque a então Impetrante não recorrera(AMS nº 83.707/PE, 3ª turma, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano, unânimne, DJU nº 166, Seção II, p. 389/730, de 29.08.2005). No mesmo sentido deste último julgado, ainda conforme a petição inicial, também decidiu a 4ª Turma desse mesmo E. Tribunal no julgamento da AC nº 324.498/RN(2002.84000041542), Relator Luiz Alberto Gurgel, DJ nº 200, de 18.10.2004, p. 844, e na AMS nº 79825/PE(2001.83000135839, 3ª Turma, Rel. Ridalvo Costa).
No julgado por último referido, constou que a multa prevista no art. 44, I, da Lei nº 9.430, de 1996 tem efeito confiscatório, infringindo o disposto no art. 150, IV, da Constituição da República, pelo que, à luz do art. 59 da Lei nº 8.383, de 1991, foi reduzida para 20%. Todavia, constato que esse dispositivo legal diz respeito à denominada “multa de mora”, que incide quando o Contribuinte, embora com atraso, paga o tributo espontaneamente, enquanto que, neste feito, está em debate a denominada “multa fiscal”, aquela que é aplicada pelo Auditor da Fazenda Nacional quando lavra auto de infração.
Assim, é de se ter como incompatível com os princípios da proporcionalidade e do não confisco a questionada multa de 75%(setenta e cinco por cento), devendo ser reduzida para 30%(trinta por cento), para que se enquadre nas orientações desses dois princípios.

3.4) Capitalização de Juros

O Autor alega que os juros de mora estariam sendo aplicados de forma cumulativa, gerando o que se denomina de capitalização de juros ou de anatocismo, no que estaria contrariando regras do art. 161 e respectivo § 1º do Código Tributário Nacional, bem como julgados do E. Superior Tribunal de Justiça(AGRESP n º 36370/2001-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 18.11.2002, p. 161; e REsp 271.973/2000-RS, 2ª Turma, Rel. Minª Eliana Calmon, DJU de 06.05.2002, p. 267), e também entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região(AC nº 250.741/2001-CE, 1ª Turma, Rel. Ivan Lira, DJU de 24.04.2003, p. 402; e
AC 210.722/2000-AL, 3ª Turma, Rel Manoel Erhardt, DJU de 13.12.2002, p. 388).
A União também não impugnou diretamente esse pleito na sua contestação acima referida, tendo apenas alegado que os juros seriam os da tabela SELIC – Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para Títulos Federais.
Ante mencionada situação, no Saneador de fls. 589-590, restou determinada a realização de perícia.
Como registrou o Sr. Perito, no seu laudo de fls. 630-631, as Partes não apresentaram quesitos e ele se limitou a informar que os juros da tabela SELIC deveriam ser aplicados sobre o valor líquido e não sobre o valor bruto.
O Autor, no pedido de esclarecimentos de fls. 619-620, pediu que o Sr. Perito esclarecesse se estaria ou não havendo anatocismo.
E o Sr. Perito, nos esclarecimentos, especificamente à fl. 643 dos autos, declarou que não haveria anatocismo.
Então, neste particular o feito não procede.

3.5) Não Inscrição do Nome do Autor no CADIN

Na decisão liminar de fls. 82-84, restou determinado que, enquanto não findasse este processo, a União deveria abster-se de inscrever o nome do Autor no CADIN, bem como de promover cobrança administrativa ou judicial do crédito tributário em debate.
Tenho que essa situação persiste, pois não seria razoável permitir a negativação do nome do Autor, bem como que venha a ser cobrado de um crédito, cuja liquidez ainda é incerta, porque a depender do trânsito em julgado do que venha a ser decidido finalisticamente neste processo.
É verdade que a União interpôs, contra referida decisão, o agravo de instrumento noticiado à fl. 91 dos autos. Mas também é verdade que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em decisão inicial, manteve referida decisão, conforme se vê na cópia de fls. 104 da decisão do Relator do referido E. Tribunal, tendo sido, finalisticamente, improvido, conforme cópia do respectivo Acórdão, acostada à fl. 123.

Conclusão

POSTO ISSO: a) quanto à exceção de decadência, ratifico a decisão de fls. 589-590; b) quanto ao pedido para que a União abstenha-se de inscrever o nome do Autor no CADIN e de exigir, administrativa ou judicialmente, o crédito tributário em debate, ratifico a decisão de fls. 82-84; c) quanto ao mais, julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação, reduzo a multa fiscal para 30%(trinta por cento)do valor do restante devido do tributo, devendo o real valor do crédito ser apurado na fase de execução, mediante aplicação do art. 475-B do Código de Processo Civil, observados os delineamentos estabelecidos nesta Sentença.
Como foi mínima a sucumbência do Autor, condeno a União a ressarci-lo das despesas referentes aos honorários periciais e às custas processuais, e, ante as regras do Parágrafo Único do art. 21 c/c o § 4º do art. 20, todos do Código de Processo Civil, a condeno em verba honorária, que arbitro em R$ 2.000,00(dois mil reais).
A verba relativa aos honorários periciais será atualizada(correção monetária e juros de mora) na forma preconizada na Lei 11.960, de 2009, atualização essa incidente a partir do mês seguinte à data do depósito.
Os honorários advocatícios também serão atualizados(correção monetária e juros)na forma preconizada na Lei por último invocada, mas a partir do mês seguinte ao da publicação desta Sentença.
Como as custas processuais têm natureza tributária, espécie taxa(segundo o C. Supremo Tribunal Federal), será atualizada, a partir da data do efetivo desembolso, pela tabela SELIC(prevalece a regra específica para tributos, consignada no § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995).
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

P.R.I.

Recife, 09 de setembro de 2010.


Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE

NOTAS:

Nota 1 - "A Desmistificação da Tributação das Pessoas Físicas em Bases Correntes". São Paulo: co-edição da Resenha Tributária com o Instituto Brasileiro de Direito Tributário-IBDT, 1987, p. 17-20.

Nota 2 - Por isso, penso que, data maxima venia, não tem razão o grande jurista Ricardo Mariz de Oliveira quando, no seu excelente "Fundamentos do Imposto de Renda"(São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008, p. 495)sustenta, sem fazer qualquer referência à Lei nº 7.450, de 1985, que o período de incidência do imposto de renda da pessoa física continua sendo anual. Interessante é que, com referência à pessoa jurídica, esse mesmo jurista conclui, com acerto, nas páginas 495-498 do mesmo livro, que o período-base do imposto de renda passou a ser trimestral(por força da Lei nº 9.430, de 1996). Na verdade, a Lei nº 8.383, de 1991, impôs às pessoas jurídicas o fato gerador mensal do imposto de renda(art. 38) e só posteriormente foi adotado o período trimestral.

Nota 3 - SANEADOR

1. Presentes as condições e os pressupostos processuais, partes legítimas e bem representadas, e antes de dar o processo por saneado tenho que apreciar a prejudicial de decadência, levantada na contestação.

1. 1) Inicialmente, registre-se que a partir da Lei nº 7.450, de 1985, o imposto de renda de pessoa física deixou de ser anual e passou a ser mensal, também deixou de ser submetido ao lançamento misto ou por declaração e passou a ser submetido ao lançamento por homologação.
Dessa forma, data vênia, sem razão a União, na petição de fls. 173-174, quando sustenta que o fato gerador de todo o ano calendário de 1998 teria se complementado em 31.12.1998.
Não, o fato gerador do imposto de renda do Autor completou-se mês a mês e foi a partir do último dia de cada mês que se iniciou o prazo para que a Fazenda Pública homologasse o lançamento, isto é, realizasse o lançamento(§ 4º do art. 150 c/c art. 142 do Código Tributário Nacional).
A fluência do prazo decadencial só se iniciaria no primeiro dia do exercício subseqüente àquele em que poderia ter sido efetuado(inciso I do art. 173 do Código Tributário Nacional), se tivesse havido total omissão do Contribuinte, ora Autor, a respeito do referido tributo.
Mas não foi isso que aconteceu: o ora Autora praticou o fato gerador, apurou o imposto e pagou o valor que entendia devido. Por isso, o prazo para a homologação por parte da Fazenda Pública ficou vinculado ao estabelecido no acima mencionado § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional, ou seja, a partir de cada fato gerador, logo, do final de cada mês.
Com efeito, consta no Auto de Infração de fls. 176-188 e respectivos demonstrativos de fls. 189-200, que o Autor apresentou declaração simplificada do imposto de renda no ano de 1999(fl. 180) e teria omitido receitas dos meses de janeiro de 1998 a 31.12.1998, conforme róis de fls. 187-191.
O Auto de Infração(que é considerado lançamento revisional de ofício(RE 94.632-1/SP)foi elaborado em 08.08.2002(fl. 176).
O Autor alega na petição inicial que o Auto de Infração teria se findado em 27.05.2003, data da inscrição em dívida ativa(cfr. Fl. 07).
Na verdade, a finalização do Auto de Infração dá-se com a notificação do Contribuinte e não com a inscrição em dívida ativa.
E, segundo o C.Supremo Tribunal Federal(v. RE acima referido), após a notificação do lançamento, não mais flui prazo de decadência e o de prescrição ainda não começou, pois este só começa depois de findo o prazo para impugnação do lançamento ou, se tiver sido impugnado, após o término do respectivo processo administrativo.
As partes não informam e não consegui encontrar a data em que o ora Autor foi notificado do lançamento(auto de infração), mas, como o ora Autor informa na petição inicial que o impugnou em 25.06.2003(v. fl. 04), considerando que o prazo para impugnação era e é de 30(trinta) dias, têm-se que no mínimo a notificação deu-se em 25.05.2003.
Ora, considerando-se que a fluência do prazo de decadência da renda obtida em janeiro, fevereiro, março e abril do ano de 1998 iniciou-se sempre no primeiro dia do mês subseqüente(art. 210 do Código Tributário Nacional), tem-se que, com relação a essas competências, quando o lançamento tornou-se definitivo, com a notificação feita em 25.05.2003, o respectivo direito de lançar da Fazenda Pública já tinha sido fulminado pela decadência qüinqüenal, com a conseqüente extinção do respectivo crédito tributário(art. 156-V do Código Tributário Nacional).
2. Posto isso: 2.1) pronuncio a decadência do direito de lançar o imposto de renda das competências janeiro, fevereiro, março e abril de 1998 e, em conseqüência, dou por extinto o respectivo crédito tributário(art. 156-V, Código Tributário Nacional)relativo ao imposto de renda de tais competências, e, com relação a essa parcela do crédito tributário dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 269-IV do Código de Processo Civil), condenando a União, à luz do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, em verba honorária, que arbitro em R$ 1000,00(hum mil reais), verba essa que será monetariamente corrida a partir do mês seguinte ao da publicação desta decisão pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e, após a citação para os fins do art. 730 do Código de Processo Civil, será acrescida de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento), sobre o valor já corrigido; 2.2) com relação aos períodos que não foram atingidos pela decadência do direito de lançar, defiro realização de perícia técnica, para a qual nomeio como Perito Judicial o Sr. José Argemiro da Silva, com cadastro neste Juízo, que deve ser intimado para apresentar proposta de honorários, ficando facultado às Partes, desde já, apresentação de quesitos e indicação de Assistentes.
P. I.
Recife, 27.06.2008

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE


Nota 4 - Nesse sentido, v. nosso "Direito Tributário do Brasil: Aspectos Estruturais", Volume I, 2ª Ed., Olinda: Livro Rápido, p. 277-284{Subtópico 2.10, denominado de Princípio do Não-Confisco].

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

IPI. AQUISIÇÃO SEM O IMPOSTO. SAÍDA TRIBUTADA OU PARA O EXTERIOR. A NÃO-CUMULATIVIDADE. ATUAL POSIÇÃO DO STF

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Segue uma Sentença na qual se discute direito de crédito do IPI em aquisição de insumos, por Empresa Industrial, com suspensão desse imposto,insumos esses que são aplicados em um produto final cuja saída será tributada, ou com imunidade, quando o destino é outro País. A Empresa tem direito ao crédito do IPI, relativamente às entradas?
Na Sentença, adota-se o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.

Boa leitura.


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal : Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0009168-30.2010.4.05.8300 - Classe 126 - MANDADO DE SEGURANÇA
Impetrante: U. T. S/A
Adv.: .........OAB/
Impetrado: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE

Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010

Sentença tipo A


Ementa: - CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO. TÉCNICA DA NÃO-CUMULATIVIDADE. IPI. AQUISIÇÃO. SUSPENSÃO.

Insumos adquiridos sem o destaque no IPI nas notas fiscais do Fornecedor, quer seja por suspensão, quer seja por isenção, não incidência ou alíquota zero, não gera crédito na entrada do Estabelecimento Adquirente, por força da técnica constitucional da não-cumulatividade, ainda que as saídas deste gozem de incentivos fiscais.

Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal.

Negação da segurança.



Vistos etc.

U. T. S/A, qualificada na Petição Inicial, impetrou, em 02/07/2010, este Mandado de Segurança Preventivo, contra ato denominado coator na iminência de ser praticado pelo Ilmº Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL – EM RECIFE. Alegou, em suma, que se dedicaria à industrialização de açúcar e álcool, utilizando na produção, diversos insumos, produtos intermediários, matérias-primas e materiais de embalagem, conforme notas fiscais que estaria anexando aos autos; que, por determinação contida no art. 29 da Lei nº 10.637/02 e no art. 3º da Lei nº 8.402/92, as aquisições de insumos, produtos intermediários, matérias-primas e materiais de embalagem ocorreriam sob regime de incentivo fiscal, mediante a suspensão da cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; que, em razão dessas aquisições com suspensão dos impostos, teria formulado consulta à Receita Federal do Brasil de nº 13401.000047/2010-82, para que referido Órgão se pronunciasse acerca da aplicação ou não dos dispositivos em tela, às referidas aquisições; que, ao solucionar a consulta formulada, a Receita Federal teria afirmado que não geram direito a crédito do IPI as aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem com suspensão de imposto; que, tendo em vista tal entendimento lançado na solução de consulta, certamente a autoridade apontada coatora impedirá a Impetrante de manter e utilizar o crédito do IPI incidente nas aquisições com suspensão, razão pela qual estaria impetrando o presente MS; que, conforme demonstrariam as notas fiscais e guias de registro de exportação acostadas aos autos, a Impetrante adquiriria diversos insumos, produtos intermediários, matérias-primas e materiais de embalagem, com suspensão do IPI, nos termos do art. 29 da Lei nº 10.637/02 e do art. 3º da Lei nº 8.402/92; que, nestas situações, o IPI incidiria normalmente, com fato gerador, alíquota e base de cálculo determinados em lei, mas sua cobrança, no entanto, seria suspensa, por força de normas legais e regulamentares; que, portanto, os insumos, produtos intermediários, matérias-primas e materiais de embalagem previstos na Tabela de Incidência do IPI, que seriam adquiridos no mercado interno e, posteriormente, destinados à industrialização de produtos destinados aos mercados externo e interno, seriam todos adquiridos mediante a sistemática de suspensão do IPI; que a incidência do IPI seria tão evidente, que, caso o produto final industrializado da Impetrante, o açúcar, não fosse a exportado ou destinado à indústria de alimentos no mercado interno, o IPI, cuja cobrança teria sido suspensa nas aquisições de insumos, seria exigido e recolhido normalmente, pois a destinação do produto final, seria a condição prevista em lei para que se adquirissem insumos com suspensão do imposto e, via de conseqüência, fosse mantido o crédito; que, por outro lado, ocorrendo a destinação do produto final fabricado pela ora Impetrante ao exterior ou à indústria de alimentos no mercado interno, a cobrança do IPI restaria suspensa quando da aquisição dos insumos, matérias-primas, materiais de embalagem e produtos intermediários resolver-se-ia em incentivo fiscal, como medida de otimização dos princípios da desoneração e do fomento à fabricação e exportação de produtos industrializados nacionais e fomento à industria de produtos alimentícios, conforme disporiam os arts. 39 e 40 do Regulamento do IPI – RIPI; que o incentivo fiscal em tela, consoante a legislação de regência, revelar-se-ia sob a forma de crédito-fiscal, resolvendo-se a obrigação tributária sob o ponto de vista da extinção do pagamento, recolhimento do tributo que estava suspenso, mas sob a ótica do crédito-fiscal nascido com o surgimento da obrigação tributária, este estaria mantido; que, ao determinar que o implemento da condição resolutória, resolveria a obrigação tributária suspensa, o art. 40 do RIPI corroboraria o entendimento segundo o qual a resolução da obrigação tributária suspensa dar-se-ia sob a forma de crédito-fiscal, cumprindo o incentivo em sua inteireza. Invocou dispositivos da Lei n 9.532/97 e do RIPI, do Decreto-lei nº 491, da Lei nº 8.402/92 e do Decreto-lei nº 1.894/81 e, ainda, a Lei nº 10.637/2002, cujo art. 29 disciplinaria a resolução da suspensão na saída do produto final para o mercado interno, determinando que a suspensão se resolveria com o crédito. Acrescentou que a Lei nº 9.779/99, art. 11, asseguraria o crédito do IPI nas aquisições mencionadas; que o Princípio da Não-Cumulatividade ampararia o creditamento a que faria jus a Impetrante. Transcreveu excerto de decisão judicial e aduziu que constaria como única condição do direito ao crédito fiscal, o emprego dos insumos, matérias-primas, materiais de embalagem e produtos intermediários na industrialização do produto destinado ao exterior. Transcreveu fragmento de doutrina, e requereu: liminarmente, que seja garantido à Impetrante não sofrer coação por parte da autoridade apontada coatora, consistente na exigência de estorno do lançamento, nos termos da legislação mencionada na Petição Inicial, garantidora dos créditos, em seus livros fiscais, relativo às aquisições de insumos, matérias-primas, materiais de embalagem e produtos intermediários, sob o regime da suspensão da cobrança do IPI, pondo-a a salvo da inscrição no CADIN e SERASA, ou da recusa da expedição de Certidão de Regularidade Fiscal; notificação da autoridade impetrada para prestar informações; intimação do MPF; a concessão final da segurança, consolidando a liminar, reconhecendo o direito liquido e certo da Impetrante de não sofrer medidas coercitivas relativas às aquisições de insumos, matérias-primas, materiais de embalagem e produtos intermediários, adquiridos sob o regime da suspensão da cobrança do IPI, pondo-a a salvo da inscrição no CADIN e SERASA, ou da recusa de expedição de Certidão de Regularidade Fiscal. Indicou endereço para intimação. Deu valor à causa e instruiu a Petição Inicial com procuração, documentos e comprovante de recolhimento das custas processuais, fls. 19/143.
Às fls. 146/147, decisão interlocutória negando a concessão liminar da segurança.
Às fls. 153/159, a Impetrante ingressou com Embargos de Declaração contra a decisão acima mencionada, afirmando que teria sido omissa.
Às fls. 160/162, deferido em parte o pleito dos Embargos de Declaração de fls. 146/147, declarando a decisão embargada, nas mantendo sua conclusão.
À fl. 165, a Impetrante informou a interposição do recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão acima mencionada e juntou aos autos o respectivo comprovante, fls. 166/189.
À fl. 195, a Autoridade Impetrada, mediante o Ofício nº 1320/2010, apresentou suas Informações à fl. 196, anexando cópia da Solução de Consulta nº 12-SRRF04/Disit que exauriria a matéria levantada pelo Impetrante, o que demonstraria a total improcedência do pleito, e requereu a denegação da segurança. Na aludida Solução de Consulta, acostada às fls. 197/205, constou que as aquisições de matérias-primas(MP), produtos intermediários (PI) e materiais de embalagem (ME) não gerariam o direito ao crédito do IPI, conforme constaria da Constituição da República/88, arts. 153-IV, §3º, II, e, ainda, no art. 49 do CTN e nos arts. 163 e 164 do Decreto nº 4.544/2002 (RIPI). Sustentou que, de acordo com o disposto nº art. 39-I da Lei nº 9.532/97, haveria a possibilidade de suspensão do IPI na saída dos produtos destinados à exportação e não na etapa de aquisição dos insumos; que, para os produtos relacionados no art. 29 da Lei nº 10.637/2002, como o açúcar, a saída dos insumos com suspensão do IPI seria obrigatória, enquanto nas hipóteses relacionadas no art. 42 do Decreto nº 4.544/2002, seria facultativa; que o sistema de crédito do IPI, intrínseco a não-cumulatividade, partiria do pressuposto que o imposto teria sido pago quando da aquisição de insumos empregados na industrialização; que a sistemática da suspensão do imposto estaria sendo utilizada para desonerar do pagamento de IPI, MP, PI e ME utilizados no processo de industrialização de produtos imunes, isentos, tributados à alíquota zero ou não-tributados, e teria por finalidade evitar que estabelecimentos adquirentes de produtos que estariam sujeitos ao pagamento do imposto, acumulassem créditos relativos a esses produtos, quando a saída não sofresse a exação do imposto; que, como o acúmulo de créditos passíveis de ressarcimento acarretaria transtornos operacionais, tanto para as empresas como para a Administração Tributária, o legislador, a fim de evitá-los, teria instituído hipóteses de suspensão do IPI; que, na suspensão, o crédito tributário não chegaria a ser constituído, pelo que não haveria destaque do imposto no documento fiscal; que o resultado alcançado com a sistemática de suspensão do imposto seria o mesmo que se alcançaria com o uso do crédito; que, portanto, seria inadmissível a acumulação de ambas as sistemáticas, suspensão nas etapas anteriores e uso do crédito do IPI que não teria sido cobrado; que a inteligência dos arts. 176 e 177 do RIPI e do art. 29 da Lei nº 10.637/2002, seria no sentido de possibilitar o aproveitamento do crédito nas hipóteses em que ambas as entradas são tributadas pelo IPI e as respectivas saídas são desoneradas pela suspensão; que, quando isso ocorre, aquisição de insumos com pagamento de IPI e saídas desoneradas, verificar-se-ia o acúmulo de créditos, que, em várias situações, a legislação evitaria por meio da previsão do instituto da suspensão do IPI na aquisição, de sorte que o direito ao creditamento deixaria de existir;.
À fl. 206, a decisão agravada foi mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Às fls. 208/210, o Ministério Público Federal, por sua Procuradora Regional da República, ofertou r. Parecer aduzindo que não haveria interesse público primário a justificar sua manifestação nos autos, porque não ultrapassaria o mero interesse das partes envolvidas.
À fl. 215, a União (Fazenda Nacional) afirmou que tem interesse em ingressar no feito, requerendo sua intimação sobre as decisões interlocutórias e final exaradas no presente MS.
Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o Relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação.

1. Breve Resumo da Pretensão
A Impetrante alega, na petição inicial, que dedica-se à industrialização de açúcar e álcool, utilizando na produção diversos insumos(produtos intermediários, matérias-primas e materiais de embalagem), cujo Fornecedor lhe vende com suspensão do IPI, com base no art. 29 da Lei nº 10.637, de 2002 e no art. 3º da Lei nº 8.402, de 1992.
A Impetrante informa que destina os seus produtos finais ao mercado interno(indústria de alimentos)e ao mercado externo, sendo que nessas operações, em face de incentivo fiscal, não debita o IPI e que só haverá incidência desse imposto caso dê ao seu produto final destinação para o mercado interno e para finalidade diversa da fixada na Lei.
A Impetrante quer creditar-se do valor do IPI, relativo às aquisições de insumos, embora suspenso nas Notas Fiscais do seu Fornecedor, a título de incentivo fiscal.

2. Primeiramente, vamos transcrever os dispositivos legais invocados pela Impetrante.

Lei nº 8.402, 08.01.1992:
Art. 3° As compras internas com fim exclusivamente de exportação serão comparadas e observarão o mesmo regime e tratamento fiscal que as importações desoneradas com fim exclusivamente de exportação feitas sob o regime de drawback.

Lei 10.637, de 30.12.2002
Art. 29. As matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem, destinados a estabelecimento que se dedique, preponderantemente, à elaboração de produtos classificados nos Capítulos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23 (exceto códigos 2309.10.00 e 2309.90.30 e Ex-01 no código 2309.90.90), 28, 29, 30, 31 e 64, no código 2209.00.00 e 2501.00.00, e nas posições 21.01 a 21.05.00, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, inclusive aqueles a que corresponde a notação NT (não tributados), sairão do estabelecimento industrial com suspensão do referido imposto. (Redação dada pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003)

Lei nº 9.532, de 10.12.19967
Art. 39. Poderão sair do estabelecimento industrial, com suspensão do IPI, os produtos destinados à exportação, quando:
I - adquiridos por empresa comercial exportadora, com o fim específico de exportação;
II - remetidos a recintos alfandegados ou a outros locais onde se processe o despacho aduaneiro de exportação.
§ 1º Fica assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem utilizados na industrialização dos produtos a que se refere este artigo.
§ 2º Consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os produtos remetidos diretamente do estabelecimento industrial para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora.
§ 3º A empresa comercial exportadora fica obrigada ao pagamento do IPI que deixou de ser pago na saída dos produtos do estabelecimento industrial, nas seguintes hipóteses:
a) transcorridos 180 dias da data da emissão da nota fiscal de venda pelo estabelecimento industrial, não houver sido efetivada a exportação;
b) os produtos forem revendidos no mercado interno;
c) ocorrer a destruição, o furto ou roubo dos produtos.
§ 4º Para efeito do parágrafo anterior, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o IPI na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial.
§ 5º O valor a ser pago nas hipóteses do § 3º ficará sujeito à incidência:
a) de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao da emissão da nota fiscal, referida no § 4º, até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês do pagamento;
b) da multa a que se refere o art. 61 da Lei nº 9.430, de 1996, calculada a partir do dia subseqüente ao da emissão da referida nota fiscal.
§ 6º O imposto de que trata este artigo, não recolhido espontaneamente, será exigido em procedimento de ofício, pela Secretaria da Receita Federal, com os acréscimos aplicáveis na espécie.

3. O disposto no inciso I do art. 39 da Lei nº 9.532, de 1997, não se aplica à ora Impetrante, pois não consta que esta dê saída para empresas comerciais exportadoras, mas a ela se aplica a regra do inciso II desse artigo de Lei, quando exporta os seus produtos, exportação essa que ocorre com imunidade do IPI(art. 153, § 3º-III da Constituição da República).
Quando a ora Impetrante exporta o seu produto final industrializado, caso tenha adquiridos insumos (para fabricação do seu produto final)tributados pelo IPI, poderá manter os créditos das entradas(incentivo à exportação), conforme se extrai do § 1º desse artigo de Lei.
Mas não há base legal para a Impetrante creditar-se do IPI que não foi pago pelo Fornecedor, porque saiu deste para a ora Impetrante com suspensão desse imposto.
Não há dúvida doutrina no sentido de que a saída de insumos do Fornecedor para a ora Impetrante, com suspensão do IPI, constitui uma operação tributada(aspecto jurídico), mas, segundo o atual entendimento do C.Supremo Tribunal Federal, o destinatário só poderá creditar-se do valor desse imposto caso venha ele destacado na nota fiscal do Fornecedor(aspecto financeiro da técnica da não-cumulatividade).
Mutatis mutandis, aplica-se ao presente caso um dos últimos d. julgados do C.Supremo Tribunal Federal, assim ementado:
EMENTA: Recurso extraordinário. Tributário. 2. IPI. Crédito Presumido. Insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributados. Inexistência. 3. Os princípios da não-cumulatividade e da seletividade não ensejam direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero. 4. Recurso extraordinário provido .

4. Se a Impetrante, ao vender os seus produtos finais no mercado interno para indústria de alimentos, também o faz com suspensão do IPI, por falta de base legal, também não poderá creditar-se desse imposto, porque adquiriu os insumos do seu Fornecedor com igual suspensão.
Aplica-se ao caso, mutatis mutandis, o mesmo entendimento acima indicado do C. Supremo Tribunal Federal.

5. Em suma, pela técnica da não-cumulatividade, o Estabelecimento contribuinte do IPI só faz jus ao crédito na entrada relativa a aquisição de insumos, quando na nota fiscal do Fornecedor tiver havido destaque do IPI e se a saída dos produtos do estabelecimento industrial-Adquirente for tributada por esse imposto. Caso esta saída não seja tributada, os créditos relativos aquelas entradas só poderão ser mantidos caso haja Lei expressa autorizando a manutenção, hipótese desta de incentivo fiscal.
Mas, se na nota fiscal do Fornecedor não for destaco o IPI, o destinatário não tem como creditar-se, porque não há o valor do imposto.

6. O art. 11 da Lei nº 9.799, de 1999, como já dito na decisão de fls. 146-147, não autoriza o pretendido crédito IPI, como alegado na petição inicial. O que esse dispositivo autoriza é que, caso a Empresa tenha créditos acumulados do IPI, que tenham sido escriturados na forma de Lei própria, poderá utilizá-los como delimitado nesse dispositivo de Lei.
Não é o caso da ora Impetrante, que quer uma autorização judicial para fazer um crédito, sem base em Lei.
Se o Judiciário desse essa autorização, estaria substituindo o Poder Legislativo, porque estaria criando hipótese de renúncia fiscal da Fazenda Pública, para o que se exige Lei Específica(§ 6º do art. 150 da Constituição da República), ou seja, finalisticamente estaria agindo como Legislador positivo, para o que não tem autorização constitucional.

7. Finalmente, no regime de drawback, que a Lei 8.402, de 1992, art. 3º acima transcrito, manda aplicar às operações acima enfrentadas, o Importador, que importa insumos com suspensão do IPI para aplicar em produtos que serão exportados, não goza de crédito do IPI na entrada desses insumos. Logo, a ora Impetrante também não poderá gozar desse crédito, quando dá entrada em insumos com suspensão desse imposto.

8. Extrai-se das Informações da Autoridade apontada como coatora(fls. 196-205) que ela vem adotando o entendimento acima consignado que, data venia, está à luz do entendimento do C.Supremo Tribunal Federal.
Logo, referida Autoridade não está agindo ilegalmente, tampouco com abuso de poder, situação essa que afasta a possibilidade de concessão de mandado de segurança, à luz de vários dispositivos da Lei nº 12.016, de 2009.

Conclusão

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e NEGO a segurança pleiteada.
Custas pela Impetrante.
Sem verba honorária (Lei nº 12.016/2009, art. 25 )
Com urgência, remeta-se cópia desta Sentença para os autos do recurso de Agravo de Instrumento noticiados nos autos, ao cuidado do Exmº Senhor Desembargador Federal Relator

P.R.I.

Recife, 01 de setembro de 2010.


Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara-PE