sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Efeito Suspensivo dos Recursos Administrativos na Área Federal

          Por Francisco Alves dos Santos Jr.


          A decisão judicial que segue enfrenta uma interessante questão: quando é que a decisão administrativa é tida por definitiva, para gerar efeitos executórios?

          Boa leitura.








PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª  REGIÃO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

2ª VARA



Processo nº 0002644-46.2012.4.05.8300

Classe:    126 MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE: U T S/A

IMPETRADO: PROCURADOR REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL EM PERNAMBUCO



C O N C L U S Ã O



Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR

         Recife, 26/01/2012

 Encarregado(a) do Setor


                                                                      D E C I S Ã O



Breve Relatório

A Impetrante pede medida liminar, dando efeito suspensivo a recurso administrativo que interpôs, conforme descrito na petição inicial.

A UNIÃO apresentou defesa, alegando que a Instrução Normativa SRF nº 210, de 2002, não dava efeito suspensivo à manifestação do contribuinte contra o ato administrativo em questão e que referido efeito só passou a existir após o advento da Medida Provisória 135, de 2003, transformada na Lei 10.833, de 2003, pelo que, no mérito o feito não procederia e também levantou preliminar de ilegitimidade da Autoridade Coatora, que seria o Superintendente da Receita Federal do Brasil em Recife e não o Procurador Regional da Fazenda Nacional 5ª Região.

Fundamentação

1.  A questão jurídica sobre o efeito suspensivo

O Código Tributário Nacional, no inciso III do seu artigo 151, tem uma regra geral, segundo a qual as reclamações e os recursos administrativos, nos termos da lei, têm efeito suspensivo. 

Note-se: o assunto não pode ser tratado por mero ato administrativo, de forma que era ilegal a parte do Parágrafo Único do art. 22 da Instrução Normativa SRF nº 210, de 2002, que negava efeito suspensivo à reclamação administrativa do Contribuinte, na hipótese nela prevista.

Não pode a Administração Pública limitar direitos sem base em Lei, porque no Brasil há regra na Constituição da República, desde a sua primeira Constituição, ainda da época do império, segundo a qual  ‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei’.

As normas gerais do processo administrativo relativas a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil encontram-se fixadas no Decreto nº 70.235, de 06.03.1972 que, como é do conhecimento geral, em face das normas institucionais da época em que foi editado, tem força de Lei.

Esse Decreto, que é da década de setenta do século passado, desde sua origem, dá efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão de Autoridade Administrativa, verbis:

“Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.”.

            E o inciso II do art. 42 desse Decreto reza:

“Art. 42. São definitivas as decisões:

I – (...).

II - de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo sem sua interposição;”

Ou seja, qualquer decisão administrativa só poderá ser executada quando não mais pender nenhum tipo de recurso, pois só em tal momento é que ela é considerada definitiva.

E essas regras amoldam-se, à perfeição, aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa(art. 5º-LV da Constituição da República).

Eis a redação do §º 11 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, referido na defesa da  UNIÃO e que não seria, segundo essa defesa, aplicável ao processo administrativo em questão :

“§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9o e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)”.

Note-se que esse dispositivo legal apenas incorpora o que já constava do velho Decreto nº 70.235, de 1972.

Ademais, como a Medida Provisória nº 135, de 2003, transformada na Lei nº 10.833, de 2033, acrescentou o § 11 ao art. 74 da mencionada Lei nº 9.430, de 1996, dando efeito suspensivo à noticiada reclamação do contribuinte, considerando que se trata de regra de efeito imediato, por ser regra procedimental-processual, tem-se que induvidosamente passou a ser aplicável a todos os processos administrativos em andamento, logo aplicável ao processo administrativo nº 10480.021078/99-15 que, embora tenha se iniciado em 1999, foi o ato administrativo em questão, editado 11.10.2001, objeto de impugnação administrativa e de recurso especial interposto em 07.12.2004, quando já vigente o referido dispositivo legal, de cunho procedimental-processual.

Assim, por todos os ângulos que se examine a questão, tem-se que o noticiado recurso voluntário(a referida manifestação(ou impugnação, ou reclamação)da ora Impetrante teria que ser recebida no efeito suspensivo.

Ademais, a lógica é no sentido de que enquanto a própria Administração Pública não resolver todas as questões procedimentais, processuais e matérias, relativas ao crédito tributário em debate na via administrativa, não poderá exigir esse crédito do contribuinte, quer administrativamente, quer judicialmente, porque ainda não liquidado.

2. A questão da Autoridade Legitimada para o pólo passivo

Com o advento da Lei nº 12.016, de 2009, cujo art. 6º impõe o chamamento da pessoa jurídica, na qual se encontra lotada a Autoridade apontada como coatora, a indicação correta da pessoa física(Autoridade Impetrada)deixou de ter a importância que tinha na vigência da Lei que antes regulamentava o mandado de segurança, sobretudo quando essa pessoa jurídica, cientificada, vem aos autos e contesta.

No presente caso, a UNIÃO alega que a Autoridade coatora seria o Superintendente da Receita Federal do Brasil em Recife, e não o Procurador Regional da Fazenda Nacional em Recife, como constou da petição inicial.

   De qualquer forma, o ato contra o qual se insurge a Impetrante é o “despacho”, acostado às fls. 150-156 dos autos, da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 5ª Região, assinado por um Procurador da Fazenda Nacional, fato esse que afasta a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da  UNIÃO.

Conclusão

POSTO ISSO:

a)                  rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, levantada na defesa da  UNIÃO, relativamente à Autoridade que deve figurar no pólo passivo como Autoridade Coatora e determino que seja notificada a Autoridade apontada como coatora, na forma e para os fins legais.

b)                 Ante a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, concedo a medida liminar e determino que a  UNIÃO, por seu órgão próprio, dê ao noticiado recurso administrativo efeito suspensivo,  cancelando eventual inscrição dos créditos tributários em debate, bem como a respectiva exigência, até que a decisão administrativa torne-se definitiva, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

           Dê-se ciência à  UNIÃO desta decisão e dela se notifique a Autoridade apontada como coatora, para o efetivo cumprimento, sob as penas já indicadas.

   

P. I.

Recife, 27 de janeiro de 2012



Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS NO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO SOB A ÓTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO GOVERNO LULA.




 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Introdução

Os Mutuários do sistema financeiro da habitação-SFH litigaram com os Bancos, por muito tempo, tentando afastar a capitalização dos juros nos financiamentos de imóveis pelo mencionado sistema.

          Neste pequeno artigo procuramos fazer uma breve retomada histórica do assunto e mostrar como se encontra atualmente. 

Aspectos Legais dos Juros nos Contratos do Sistema Financeiro da Habitação e a Capitalização de Juros

1. Os juros dos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação-SFH, incidentes sobre o saldo devedor, foram limitados, inicialmente, em 10%(dez por cento)ao ano, conforme alínea “c” do art. 6º da Lei nº 4.380, de 1964.

Esse percentual máximo foi majorado para 12% em 1993, pela Lei nº 8.692/93, art. 25.

2. Mas a capitalização de juros[1] para esse tipo de contrato, cujas prestações são fixadas, regra geral, em parcelas mensais, nunca tinha sido autorizada por Lei.

O vetusto Decreto nº 22.626, de 1933, conhecido por Lei da Usura, veiculador de regras gerais sobre o assunto, estabelecia, no seu art. 4º(veremos, no final, que não mais subsiste), não poder haver capitalização de juros nos contratos cujas prestações tivessem prazo inferior a um ano.

E nesse sentido sempre foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que até sumulou sua jurisprudência: Súmula 121 – “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Mesmo depois do advento da Lei nº 4.595, de 1964, que reformou todo o sistema bancário brasileiro, não se admitiu capitalização de juros para contratos com prestações de prazo inferior a um ano. O que essa Lei liberou, para as Instituições Financeiras, foi o percentual de juros, no sentido de que poderia ser superior aos 12%(doze por cento) fixados no referido Decreto nº 22.626, de 1933,  e nesse sentido também se posicionou referida Suprema Corte em diversos julgados, que deram origem à Súmula 596: “As disposições do Decreto nº 22.626, de 1993[2], não se aplicam às Taxas[3] de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por Instituições Públicas ou Privadas, que integram o sistema financeiro nacional”(sic).  

O art. 5º da Medida Provisória nº 1.963-17, de 2000(substituída atualmente pela Medida Provisória nº 2.170-36, 23.08.2001, que continua em vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001)autorizou a capitalização de juros, para contratos com prazo inferior a um ano, mas essa regra tem caráter geral, de forma que não poderia ser aplicada aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação-SFH,que são regidos por regras específicas.

Como se sabe, a regra geral não modifica, nem substitui a regra específica.

 A capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação só passou a ser possível após o advento da Lei nº 11.977, de 07.07.2009, assinada pelo então Presidente da República em Exercício, Sr. José de Alencar Gomes da Silva[4], em decorrência de uma das muitas viagens feitas pelo então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, cujo art. 75 alterou vários dispositivos da Lei nº 4.380, de 1964, que trata do sistema financeiro da habitação, dando ao seu art. 15-A a redação que segue:

                  Art. 75. A Lei no 4.380, de 21 de agosto de 1964, passa a vigorar com    as     seguintes alterações:

                    Art 8º - (...).

                     Art. 15-A.  É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. 

                  § 1o  (...).
                                     
§ 2o  (...).” 

            Fácil concluir, pois, que antes da Lei por último citada não poderia haver previsão de  capitalização de juros nos contratos de financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação-SFH.

          No E. Superior Tribunal de Justiça

         1. O E. Superior Tribunal de Justiça, criado na Constituição da República de 1988, que se autodenomina, no seu sítio da internet(www.stj.jus.br)“O Tribunal da cidadania”, findou por firmar, por sua 2ª Seção, o entendimento de que  a alínea “c” do art. 6º da Lei nº 4.380, de 1964, não estabeleceria a limitação da taxa de juros em 10%(dez por cento)ao ano, mas apenas disporia sobre as condições para aplicação do reajustamento previsto no seu art. 5º.  

          Várias Turmas desse Tribunal, que vinham decidindo no sentido de que essa limitação dos juros para os contratos desse sistema era legítima, depois do noticiado julgado da sua 2ª Seção(composta de Turmas), passaram a adotar este entendimento, ou seja, que os Agentes Financeiros(os Bancos)não se submeteriam a essa limitação.

         2. Essa mesma 2ª Seção desse Tribunal, no julgamento do Recurso Especial nº 1.070.297, em setembro de 2009, concluiu que não caberia a capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação. Mas, nesse mesmo julgado, negou-se a examinar se teria havido ou não, no caso concreto, essa capitalização, verbis: “No entanto, não cabe ao STJ verificar se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por exigir reexame de fatos, provas e análise de cláusula contratual.”.

          E já há pelo menos um julgado de uma das Turmas desse Tribunal, no qual, com relação à capitalização dos juros, o referido entendimento da sua 2ª Seção, não foi adotado, verbis:

                   "REsp nº. 726.905-PE(2005/0028967-3).
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Caixa Econômica Federal
Recorrido: Mar de Skorpios Incorporações Ltda
(...).
A jurisprudência proclama que, apenas, nos contratos bancários celebrados a partir de 31.03.2000[5], data da publicação da MP 1.963-17[6], atualmente reeditada sob o nº. 2.170—36/2000, incide a capitalização mensal, desde que pactuada(RESP 603.643/Pádua, REsp 629.487/Fernando Gonçalves).
Vê-se às fls. 35/39 que o contrato foi celebrado em 13.07.2000.
Dou provimento ao recurso(art. 557, 1º-A, CPC), para permitir a capitalização mensal de juros.
Honorários e despesas proporcionais(ARt. 21, CPC), a serem apuradas em processo de liquidação. Ressalvado o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50.
Brasília(DF), 18 de março de 2005”.[7]
E notem que o julgado por último referido é bem anterior à Lei nº 11.977, de 2009, que foi a Lei da era Lula que, pela primeira vez, de forma expressa, autorizou a capitalização dos juros nos contratos do sistema financeiro da habitação.

         Ora, é elementar que as disposições dessa Lei, nesse particular, só podem ser aplicadas para contratos que tenham sido firmados depois da sua entrada em vigor.

         No entanto, como demonstrado, pelo menos em um julgado não foi esse o entendimento de alguns Ministros do E. Superior Tribunal de Justiça, que se intitula “O Tribunal da Cidadania”.  

        Conclusão

        Apenas depois da Lei nº 11.977, de 07.07.2009, assinada, na qualidade de Presidente da República em Exercício, pelo Sr. José de Alencar Gomes da Silva, em pleno governo Lula, que se dizia “governo dos trabalhadores”, é que passou a ser permitida a capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação-SFH, mesmo que o prazo para pagamento das respectivas parcelas seja inferior a um ano, vale dizer, mesmo que o prazo seja mensal, de forma que se pode dizer que, nesse particular, o vetusto Decreto nº 22.626, de 1933, da época do regime Vargas,  encontra-se definitivamente derrogado.

      Recife, 24 de janeiro de 2012.

                                                               x.x.x.x.x.x


[1] Conhecida também por anatocismo, e que consiste na incidência de juros sobre juros.
[2] No ano de 1933, estávamos sob a ditadura de Getúlio Vargas, quando então o Presidente da República podia fazer Decretos com força de Lei, por isso esse Decreto nº 22.626, daquele ano, tem força de Lei e só por Lei pode ser alterado.
[3] No sentido de percentual. Como se sabe, taxa, no direito brasileiro, é um tipo de tributo(v. art. 5º do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172, de 1966, e o art. 145-II da atual Constituição da República), logo, data maxima  venia,  foi utilizada de forma imprópria pelo Ministro do .Supremo Tribunal Federal que redigiu referida Súmula 596. 
[4] Já falecido. Esse Senhor, embora sendo vice-presidente do então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, costumava esbravejar na televisão e na imprensa escrita contra o que denominava de “altas taxas de juros”, praticadas pelo mencionado governo e pelos Bancos públicos e privados. Mas, incoerentemente, num dos poucos períodos em que ocupou a presidência da república, em uma das muitas viagens internacionais do então Presidente Lula, colaborou para o aumento da carga de juros, assinando essa Lei. Que Deus o perdoe por essa maldade feita aos Mutuários do Sistema Financeiro da Habitação-SFH brasileiro. 
[5] Na verdade, do ano 2001.
[6] Do ano 2000.
[7] Diário da Jutiça da União-DJU de 14.04.2005, transitou em julgado em 19.04.2005. Processo nº. 2002.83.00.006603-2, 2ª Vara-PE, Autora: Mar de Skorpios Incorporações Ltda. Ré: Caixa Econômica Federal.