sábado, 20 de agosto de 2011

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IRRETROATIVIDADE DO ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118, DE 2005, E OS SEUS EFEITOS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior




   Firmou-se, no Superior Tribunal de Justiça-STJ, o entendimento segundo o qual a prescrição de crédito na repetição de indébito, relativo a tributo submetido a lançamento por homologação, por força da interpretação sistemática do inciso I do art. 168 e do inciso VII do art. 156, todos do Código Tributário Nacional – CTN, só se iniciaria após a extinção do crédito tributário, que, como se sabe, pelo dispositivo legal por último referido(o inciso VII do art. 156 do Código Tributário Nacional – CTN), relativamente a tributos que se submetem a esse tipo de lançamento, só ocorre com a concretização da homologação desse lançamento, seja expressa ou tácita e não apenas pelo pagamento que, nessa hipótese, segundo o § 4º do art. 150 do referido Código, é resolúvel.

   E a Fazenda Pública, conforme o dispositivo legal por último mencionado, tem o prazo decadencial de cinco anos para essa homologação, contado da data do fato gerador.

   Como, regra geral, a Fazenda Pública silencia, ou seja, não faz a homologação expressa, concretiza-se a homologação tácita, no final desse prazo de cinco anos.

   Daí, então, segundo a jurisprudência desse E. Tribunal, o prazo prescricional para o Contribuinte requerer a restituição de tributo, indevidamente pago, só começaria a fluir a partir desse momento.

   E por isso se diz que, segundo o Superior Tribunal de Justiça-STJ, o contribuinte tem 5(cinco)anos + 5(cinco)anos para repetir, entendimento esse que se popularizou como “teoria dos cinco + cinco’.(1).

Nota 1 - BRASIL. Superior Tribunal de Justiça-STJ. 1ª Seção. Embargos em Recurso Especial –ERESP nº 435.835/SC. Relator, para o acórdão, Ministro José Augusto Delgado. Julgamento em 24.03.2004.[maioria]. Apud Superior Tribunal de Justiça-STJ, 1ª Turma, Recurso Especial nº 714397, 2005/0005493-3, Relator Ministro Teori Zavascki, julgamento em 12.04.2005, Diário da Justiça de 02.05.2005, p. 236.
   Então, veio à luz a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2055, tendo entrado em vigor 120 dias após sua publicação, cujo art. 4º estabeleceu que o seu art. 3º teria efeito retroativo.

   A razio iuris desse art. 4º estaria no fato de que mencionado art. 3º teria caráter interpretativo e por isso, ante a regra do inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional – CTN, o seu efeito seria retroativo à data da entrada em vigor desse Código.

   Para melhor clareza, eis a redação desses dispositivos da Lei Complementar nº 118, de 2005:

“Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”.
   A Lei Complementar nº 118, de 2005, estabeleceu, no acima transcrito art. 3º, que esse prazo seria de 5(cinco)anos, contados, não da extinção do crédito tributário(que, como vimos acima, só ocorre com a homologação do ‘lançamento’(2)), mas sim do pagamento indevido.

Nota 2 - Na verdade, não é do lançamento, mas sim dos procedimentos adotados pelo Contribuinte na apuração e pagamento do tributo, pois o Contribuinte não realiza lançamento, porque, segundo o art. 142 do Código Tributário Nacional-CTN, esse é um ato privativo da Fazenda Pública. Logo, a Fazenda Pública não homologa o lançamento, mas sim realiza o lançamento com a homologação dos procedimentos até então realizados pelo Contribuinte.


   Logo, eliminou a possibilidade de contar-se cinco anos(para homologar) + cinco anos(para requerer a restituição), ficando apenas este último prazo, contado do pagamento.

   Ou seja, o prazo para repetição de indébito passou a ser de apenas cinco anos, contado do dia seguinte ao do pagamento indevido.

   Seria mencionado art. 3º da Lei Complementar nº 118, de 2005, uma nova regra, frente à regra do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, ou seria uma regra que apenas interpreta esta, como determinado no referido art. 4º dessa mesma Lei Complementar?

   No ano de 1977, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF decidiu que o prazo do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN iniciar-se-ia do pagamento indevido(3) e nesse sentido sempre se posicionou o jurista Luciano Amaro, no seu conhecido livro Direito Tributário Brasileiro, registrando ser inadequado o texto do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, o qual, ao invés de se referir a pagamento, refere-se à extinção do crédito tributário(4).

Nota 3 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal-STF, Segunda Turma. Relator Ministro Cordeiro Guerra. Julgado em 19.04.1977. Revista Trimestral de Jurisprudência-RTJ nº 81/428-431. Fiz referência a esse julgado no livro de minha autoria, denominado Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil – Análise das Principais Teorias Existentes e Proposta para Alteração da Respectiva Legislação, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 261-262.
Nota 4 - Direito Tributário Brasileiro. 14ª Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 427.
   E parece-me que só poderia ser do pagamento, porque o Direito Tributário não pode modificar os institutos de direito privado(art.110 do Código Tributário Nacional-CTN)e, em direito privado, o prazo prescricional para repetição indébito sempre se iniciou depois da ocorrência do pagamento indevido.

   No entanto, como vimos acima, o Superior Tribunal de Justiça-STJ não adotou esse entendimento e firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo total chegaria a dez anos(os cinco anos decadenciais para a Fazenda Pública homologar e os cinco anos prescricionais para o Contribuinte requerer a restituição do indevidamente pago, contado do fim do prazo para a Fazenda Pública homologar).

   Com o advento da Lei Complementar 118, de 2005, que adotou mencionado entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF, os Contribuintes foram ao Judiciário, sustentando a tese de que não se trataria de regra legal interpretativa, mas sim de uma nova regra, pelo que só poderia alcançar fatos(pagamentos indevidos)ocorridos depois da sua vigência, em face do princípio da irretroatividade das leis, agora expresso na alínea “a” do inciso III do art. 150 da Constituição da República.

   O assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça-STJ e este, em um primeiro momento, concluiu que a nova Lei só seria aplicável a processos que se iniciaram após sua entrada em vigor(5) e, posteriormente, assentou o entendimento de que ela só seria aplicável a fatos(pagamentos indevidos)efetuados após a sua vigência.

Nota 5 – Entendimento esse que só seria justificável se tais regras fossem de direito processual, porque estas se aplicam imediatamente, inclusive aos processos em andamento. Mas, como  as regras referentes a decadência/prescrição são de direito material, tal entendimento não vingou e logo, logo o mesmo Superior Tribunal de Justiça-STJ tratou modificá-lo e passou a adotar o entendimento consignado no texto acima.
Nota 6 - Quanto a este último entendimento do Superior Tribunal de Justiça-STJ, há inúmeros julgados, dentre os quais o acima indicado, da sua 1ª Turma, relatado pelo Ministro Teori Zavascki.
   Essa matéria, depois do advento da Lei Complementar nº 118, de 2005, também chegou ao Supremo Tribunal Federal-STF, e o seu Plenário decidiu, em 04.08.2011, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS, interposto pela União em abril de 2007, por maioria, seis votos a quatro:
“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.08.2011.”(7).

 Nota 7 - Brasil. Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso Extraordinário nº 566621/RS(Processo físico). Recorrente: União. Recorrido: RCAF. Intdo(A/S): Estado do Rio Grande do Sul. Relatora Ministra Ellen Grace. Por maioria. Plenário. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2565341, acesso em 06.08.2011.
   Portanto, concluiu-se pela inconstitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei Complementar, na qual mandava aplicar ao art. 3º da mesma Lei o inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto é, estabelecia que tal regra era interpretativa e, por isso, retroagia à data em que o Código Tributário Nacional-CTN entrara em vigor.

   Então, tem-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, em 04.08.2011, findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma, adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido, e passou a admitir que o art. 110 do Código Tributário Nacional-CTN pode ser inobservado, ou seja, que leis do campo tributário podem modificar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado.

   Extrai-se dos votos vencedores desse julgado do Supremo Tribunal Federal – STF que o art. 3º da Lei Complementar nº 118, de 2005, só pode ser aplicado com relação a fatos posteriores à entrada em vigor dessa Lei, da mesma forma que vinha entendendo o Superior Tribunal de Justiça – STJ.

   Logo, o prazo prescricional de cinco anos, para o Contribuinte requerer a restituição de tributo, submetido a lançamento por homologação, passou a ser de cinco anos, contado da data do pagamento indevido, na verdade, do dia seguinte à data desse pagamento por força do art. 210 do Código Tributário Nacional – CTN, mas apenas com relação a pagamentos indevidos ocorridos depois que essa Lei Complementar entrou em vigor e, com referência a pagamentos indevidos, efetuados antes disso, continua o prazo de dez anos(cinco anos + cinco anos).

   Num embate mais amplo, Estado x Capital, podemos concluir que a mencionada apertada maioria da composição do Supremo Tribunal Federal – STF de 04.08.2011 deu ganho de causa ao Capital, certamente gerando aumento da despesa pública, transferindo dinheiro público para os cofres dos Empresários. Oxalá, essa montanha de dinheiro seja bem aplicada pelos Empresários, melhorando o desenvolvimento do Brasil!