terça-feira, 17 de agosto de 2010

RESTOS A PAGAR - DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES

Por Francisco Alves dos Santos Jr


Segue uma sentença na qual são discutidas as figuras de direito financeiro denominadas de "restos a pagar" e "despesas de exercícios anteriores".

Boa Leitura.




PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2009.83.00.009462-9 – Classe 029 – Ação Ordinária
Autor: MUNICÍPIO DE BELÉM DE MARIA – PE
Advogado: Ângelo Dimitre Bezerra Almeida da Silva, OAB-PE 016554
Réu: UNIÃO FEDERAL E OUTRO
Advogado da União: Maria Carolina Scheidegger Neves
Advogado da Caixa Econômica Federal: Antônio Henrique Freire Guerra, OAB-PE 012922

Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010.

Sentença tipo A


Ementa:- DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. RESTOS A PAGAR. DÍVIDA DE EXERCÍCIO ANTERIOR.
A inclusão de dívidas da Fazenda Pública em restos a pagar, quando não pagas até 31 de dezembro do exercício subsequente, transformam-se em dívidas de exercícios anteriores e devem ser pagas, via dotação orçamentária específica, nos exercícios subseqüentes, observado o prazo da prescrição qüinqüenal.
Rejeição da preliminar de impossibilidade jurídica.
Procedência.



Vistos etc.

O MUNICÍPIO DE BELÉM DE MARIA, devidamente qualificado na inicial, ajuizou, em 09.06.2009, esta ação, rito ordinário, contra a UNIÃO FEDERAL e contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Alegou, em suma, que teria firmado com a União, por intermédio do Ministério das Cidades, um contrato de repasse (CR. NR. 0199002-07), cadastrado no Sistema Integrado da Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI sob o nº 571605, visando a pavimentação de diversas ruas do Município de Belém Maria, totalizando o valor de R$ 243.750,00 (duzentos e quarenta e três reais e setecentos e cinquenta reais); que tal avença foi publicada em 03.08.2006, com início de vigência em 27.07.2006 e término em 30.06.2009; que o convênio e questão teve a primeira (e única) liberação no valor de R$ 48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta reais) em 27.12.2007; que diante da costumeira irregularidade do cronograma de repasses dos recursos pactuados com a União Federal via convênio, o Requerente foi executando o objeto do convênio e aguardando a liberação das parcelas para efetivo pagamento; que, atualmente, a execução do convênio teria chegado ao patamar de 41,27% do total pactuado, contudo, a liberação acima referida corresponde tão somente a 19,47% da integralidade do convênio; que o Município já teria cumprido com as obrigações originalmente pactuadas (R$ 13.396,28), visto que a parcela inicial do convênio fora de apenas R$ 48.750,00 (quarenta e oito mil, setecentos e cinquenta reais). Sustentou, ainda, que o Município-Requerente comprovadamente de boa-fé e visando apenas imprimir agilidade na execução do convênio, teria executado grande parte do que foi originalmente pactuado (41,27% do total), todavia, sendo surpreendido por uma informação obtida junto à Caixa Econômica Federal, que as liberações do convênio sob comento estariam canceladas, em virtude da publicação do Decreto 6.625, de 31.10.2008; que, conforme disposição constante do aludido Decreto, somente seria possível o repasse dos recursos do convênio ora questionado até 31.02.2009 e, depois desta data, nada mais seria repassado; que o Município não poderia ser prejudicado pela inércia da União em repassar o que já fora pactuado; que, na hipótese de prosperar as disposições do Decreto 6.625, de 31.10.2008, as liberações das parcelas do convênio em questão, seriam definitivamente canceladas. Outrossim, justificou que o aludido convênio estaria fundamentado na Instrução Normativa STN 01/97; que, nos termos do art. 20, § 5º, da Instrução Normativa STN 01/97, a liberação das parcelas de um convênio somente poderão ser definitivamente suspensas em hipótese de rescisão, fato que não ocorrera no caso concreto; que a suspensão definitiva do repasse das parcelas do convênio firmado entre a parte autora e a União não estaria fundamentada nas disposições legais aplicáveis à matéria, sendo absolutamente unilateral e ilegal a conduta da parte ré. Invocou em seu favor o princípio do pacta sunt servanda e afirmou que estariam presentes os requisitos para a concessão de antecipação de tutela. Requereu: a) a concessão de tutela antecipada no sentido de ser determinada a liberação das parcelas remanescentes do contrato de repasse (CR. NR. 0199002-07), cadastrado no Sistema Integrado da Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI sob o nº 571605, determinando a manutenção do empenho deste convênio pelo Governo Federal, e, ainda, obrigando a Caixa Econômica Federal a efetuar o repasse das referidas parcelas, observadas às disposições do convênio ora discutido. Outrossim, requereu a prorrogação do convênio para o dia 31.12.2009, tempo hábil para a sua execução, com a respectiva cientificação das Requeridas, na forma preconizada no art. 172, § 2º, do CPC; b) a aplicação de multa pecuniária diária não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), em caso de descumprimento do provimento antecipado da tutela, sem prejuízo de outras sanções de ordem penal; c) a procedência dos pedidos confirmando a tutela antecipada, com a liberação total das parcelas do contrato de repasse (CR. NR. 0199002-07), cadastrado no Sistema Integrado da Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI sob o nº 571605, bem como sua prorrogação de vigência até 31.12.2009, condenando as Requeridas ao pagamento de custas processuais e honorários de sucumbência, à razão de 20% sobre o valor da causa; d) a citação das Rés. Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa. Pediu deferimento. Inicial instruída com cópia de instrumento de procuração e de documentos, às fls. 10-105.
Determinou-se a citação da parte ré e sua intimação para manifestação sobre o pedido de tutela antecipada, à fl. 106.
A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, ao se manifestar sobre o pedido de antecipação de tutela, às fls. 111-113, alegou que teria funcionado tão somente como intermediária na liberação dos valores objeto do contrato disponibilizados, ou não, pela União; que, portanto, não teria qualquer responsabilidade sobre eventual ausência de recursos a serem liberados; que a Caixa não poderia liberar valores que não lhe foram repassados; que, sendo assim, não se poderia conceder a liminar pleiteada, pugnando, ao final, pela negação da liminar requestada.
A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou Contestação, às fls. 118-121, aduzindo a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. No mérito sustentou que teria funcionado tão somente como intermediária na liberação dos valores objeto do contrato disponibilizados, ou não, pela União; que, portanto, não teria qualquer responsabilidade sobre eventual ausência de recursos a serem liberados; que a Caixa não poderia liberar valores que não lhe foram repassados. Requereu a total improcedência dos pedidos, condenando-se a parte autora ao pagamento das despesas processuais, custas judiciais e honorários advocatícios no percentual máximo permitido em lei. Protestou o de estilo e pediu deferimento. Cópia de instrumento de procuração acostada à fl. 122.
A UNIÃO, às fls. 126-138, requereu o indeferimento do pedido de antecipação de tutela.
Decisão fundamentada rejeitando a preliminar de defesa da União de extinção do processo, em julgamento de mérito, sob o argumento de que o noticiado convênio estaria extinto; foi acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da Caixa Econômica Federal – CEF, sendo excluída do pólo passivo da demanda, condenando-se o Município ao pagamento de verba honorária arbitradas em R$ 1.100,00 (hum mil e cem reais); restou indeferido o pedido de antecipação de tutela (fls. 141-142).
A UNIÃO apresentou Contestação, às fls. 144-152, sustentando que a municipalidade teria firmado em 2006 contrato de repasse com a Caixa Econômica Federal, mandatária da União, para realização de transferências voluntárias visando o recebimento de recursos públicos federais; que conforme reconhecido na própria inicial, o Decreto nº 6.625/2008 teria prorrogado, até 31.03.2009, o prazo de validade dos restos a pagar não processados, inscritos nos exercícios financeiros de 2005 e 2006; que a partir daquela data fora suprimida do orçamento geral da União a dotação específica para execução da despesa, não havendo, desse modo, como liberar quantia não mais prevista, em homenagem ao princípio da universalidade, de que trata o art. 165, § 5º, da Constituição da República, segundo o qual todas as receitas e despesas devem estar previstas em lei orçamentária; que os empenhos que asseguravam a execução de despesas a título de transferência voluntária relativamente aos convênios celebrados com a União/CEF em 2005 e 2006 estariam cancelados desde 31.03.2009, tornando inviável a realização dos repasses; que a jurisprudência seria firme no sentido de negar a liberação de valores sem a devida dotação orçamentária, sobretudo quando o Autor não comprovou que estaria apto à restaurar os termos da avença; que, assim, o pedido do Autor seria juridicamente impossível, pois, não haveria lastro no orçamento da União para o presente exercício; que o contrato de repasse nº 199.002-07/2006 teria expirado em 30.06.2009, consoante admitido na exordial, deixando, por isso de ter existência jurídica; que além da ausência de previsão orçamentária para a realização dos repasses, o próprio convênio não mais subsiste, impondo-se o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido; que conforme informações fornecidas pela Ministério das Cidades, por meio do Ofício nº 6741/2009/CONJUR/MCIDADES, seria possível afirmar que o contrato de repasse em tela só fora alcançado pelo Decreto nº 6.625/2008 por desídia do próprio Município autor; que a efetividade das políticas públicas sob gestão do Ministério das Cidades se dá mediante o repasse de recursos financeiros aos demais entes federados; que na espécie dos autos teria sido realizada transferência voluntária com arrimo no art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal; que o repasse de recursos, portanto, fora objeto de contrato de repasse nº 199.002-07/2006, formalizado pelo Município de Belém de Maria – PE e a Caixa Econômica Federal, na qualidade de mandatária da União, em 27.07.2006; que fora informada pela CEF que o atraso no início das obras deveu-se a falhas no projeto apresentado pelo Município; que o documento expedido pela CEF ao Autor, anexado à Contestação, atestaria que o projeto técnico da obra apresentava pendências, algumas relacionadas ao procedimento licitatório deflagrado pela municipalidade; que apenas em 04.07.2008, quase dois anos após a formalização do contrato de repasse, o Autor teria saneado os vícios que impediam a aprovação do projeto, tendo sido então autorizado o início das obras, condicionado, no entanto, ao atendimento das diligências complementares requeridas pela CEF; que a responsabilidade pelo atraso na execução do contrato de repasse deveria ser imputada exclusivamente ao Município de Belém de Maria e, como consequência do descumprimento do cronograma originalmente avençado, o contrato de repasse foi alcançado pelo Decreto nº 6.625/2008, que determinou o cancelamento, em 31.03.2009, dos empenhos referentes às despesas inscritas em restos a pagar dos exercícios de 2005 e 2006. Teceu outros comentários. Requereu a improcedência do pedido formulado na inicial, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC; a denegação do pedido de condenação da União ao pagamento de custas processuais, por expressa vedação legal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996), sendo, de outra parte, o Autor condenado em ônus de sucumbência. Protestou o de estilo e pediu deferimento. Contestação instruída com cópia de documentos, às fls. 153-164.
Cartas Precatórias juntadas às fls. 167-172 e 181-188.
Certificado o transcurso do prazo sem que a parte autora houvesse se manifestado sobre a Contestação, à fl. 189.
Determinada a conclusão para julgamento, vieram os autos conclusos para sentença (fl. 191).

É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR.

FUNDAMENTAÇÃO

Não merece acolhida a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, em face do consignado na fundamentação da decisão de fls. 141-142, à qual me reporto como se aqui estivesse transcrita, posto que já transitou em julgado.
O não pagamento ao Município-autor por parte da União das parcelas que ainda restavam do noticiado convênio e que foram incluídas como restos a pagar no Decreto nº 6.625, de 31.10.2008, como não foram pagos até o dia 31 de dezembro do exercício subseqüente, transformaram-se automaticamente em despesas de exercício anteriores(art. 37 da Lei nº 4.320, de 1964, e arts. 22 e 69 do Decreto nº 93.872, de 23.12.1986).
Esse tipo de dívida não é eliminado, como parece querer a União, quando o credor cumpre sua obrigação, conforme consta desses dispositivos da legislação orgânica orçamentária.
A União teria que ter colocado na Lei do seu orçamento anual, de algum dos exercícios subseqüentes ao final do prazo para o pagmento dos restos a pagar, dotação específica para honrar essa dívida para com o Município-autor, até mesmo porque não houve prescrição desse crédito, e é isso que determina o final do referido art. 37 da Lei nº 4.320, de 1964, a qual, como se sabe, fixa as normas gerais de direito financeiro(§ 1º do art. 24 da Constituição da República)e tem atualmente status material de Lei Complementar, porque como tal foi recepcionada pelos art. 153 e § 9º do art. 165 da Constituição da República.
A União ficaria desobrigada desse encargo apenas se o Município-autor não tivesse cumprido com suas obrigações contratuais e isso, conforme consignado na decisão de fls. 141-142, seria apurado em perícia.
Mas constato a desnecessidade dessa perícia, porque a própria União confessou, na sua contestação, que, embora com atraso, o Município ora Autor apresentou o projeto da obra com as correções exigidas pela Caixa Econômica Federal-CEF.
E as obras só não foram finalizadas por falta do repasse das parcelas devidas pela União.
Nessa situação, a União encontra-se obrigada a repassar as parcelas que faltam para o Município ora Autor, com atualização monetária incidente a partir de 01.01.2009, exercício financeiro este correspondente ao exercício financeiro seguinte àquele em que o Município-autor apresentou o projeto final à Caixa Econômica Federal-CEF, conforme consta da própria defesa da União.

Conclusão

Posto isso, rejeito a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada na defesa da União, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a União a repassar para o Município ora Autor o valor restante previsto no contrato em questão, legalmente considerado como “despesa de exercícios anteriores”, valor esse a ser apurado, na fase de execução desta sentença, na forma preconizada no art. 475-B do Código de Processo Civil, com atualização monetária pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, incidentes a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o Município-autor apresentou o projeto final à Caixa Econômica Federal-CEF, ou seja, a partir de 01.01.2009, e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação(art. 730 do CPC)da execução desta Sentença, mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido, sendo que, após a vigência da Lei nº 11.960, de 2009, a atualização será de acordo com o nela consignado.
Outrossim, condeno a União em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor devido, que venha a ser apurado.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

P.R.I.

Recife, 17 de agosto de 2010.

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara/PE