sábado, 3 de fevereiro de 2018

O CASO DE UMA ESTUDANTE FRANCESA E A RENOVAÇÃO DO VISTO DE ESTADA PARA FINS ESTUDANTIS

Por Francisco Alves dos Santos Jr

Na sentença que segue se discute um pequeno problema internacional, de renovação de visto de uma estudante francesa, para estada no Brasil com finalidades estudantis. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0802038-77.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A, registrada eletronicamente.
EMENTA.- ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. PRORROGAÇÃO DE VISTO TEMPORÁRIO DE ESTUDANTE ESTRANGEIRA.
-Se resta incontroverso ser regular a vida estudantil da Autora perante a Universidade brasileira, não pode a Autoridade Consular, tampouco a Autoridade Policial Federal contra ela instaurar procedimento ou processo tendente a deportá-la, devendo, sim,  conceder-lhe prorrogação do visto de estada no Brasil, sobretudo quando se trata de uma esforçada jovem carente francesa que aqui estuda com bolsa paga por Entidade Filantrópica Internacional.  
- Procedência do pedido.

Vistos etc.
1-Relatório
L. G T R B, nacional da República Francesa, estudante, nascida em 27/01/1993, portadora do Registro Nacional de Estrangeiro nº G062684-T propôs em 06/04/2015 a presente "AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO" com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face da UNIÃO, por meio da Defensoria Pública da União - DPU. Inicialmente, requereu os benefícios da justiça gratuita bem como a observância das prerrogativas da DPU em Juízo. Alegou, em síntese, que: seria cidadã da República Francesa e ingressara no território brasileiro em 26/08/2014, com o objetivo de cursar o mestrado em economia solidária junto à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sendo-lhe concedido visto de estudante pelo período de 7 (sete) meses; sua matrícula no referido curso de graduação teria sido possível graças a convênio firmado entre a UFPE e a universidade francesa SciencesPo Grenoblea qual estaria vinculada; após cursar o semestre do mestrado de economia solidária teria permanecido vinculada à UFPE, ainda mediante convênio entre as instituições de ensino, com vistas a cursar cadeira da Graduação de Música,bem como realizar estágio referente ao mestrado em economia solidária; como afirmaria a própria UFPE no Ofício DRI nº 012/2015, devido ao prazo interno de processamento de matrículas da universidade, a Autora apenas teria obtido o comprovante de matrícula, essencial para o pedido de prorrogação do visto de estudante, após já escoado o prazo para requerer a prorrogação; ao comparecer à Delegacia de Imigração da Polícia Federal, não teria sido aceito o protocolo de seu pedido de prorrogação, sob o argumento de que já estava  expirado o prazo e lhe teria sido imposta multa no valor de R$ 41,39 (quarenta e um reais e trinta e nove centavos), que teria sido paga;também teria sido notificada a deixar o país no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de deportação;permaneceria matriculada da graduação em Música da UFPE; estaria em risco de ser deportada a qualquer momento, após o dia 8 de abril de 2015; a decisão de indeferimento da prorrogação seria ilegal, contrária à prova dos fatos e, mais que isso, violaria qualquer noção de proporcionalidade ou razoabilidade no regime jurídico-administrativo e,mais além, na gestão da permanência de estrangeiros em território nacional; aduziu que o art. 38 da Lei 6.815 de 1980 seria inaplicável ao caso. Discorreu sobre o o direito fundamental à educação e acerca da dignidade da pessoa humana e cooperação internacional. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final: "a) a concessão do benefício da Justiça Gratuita, diante dasua condição de hipossuficiência econômica, nos termos da Lei 1.060/50 (declaração denecessidade e outorga de poderes à Defensoria Pública da União anexa); b) a intimação pessoal da Defensoria Pública da União, bem como o reconhecimento da contagem em dobro de todos os prazos processuais, nos termos dos arts. 4º, V, e 44, I, da Lei Complementar 80/94 (com a redação dada pela Lei Complementar 132/09); c) a concessão de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA inaudita altera pate, emitindo ordem judicial equivalente à de salvo-conduto que impossibilite a deportação da autora, e garanta a expedição de documento de identificação provisório até o final de seus estudos, que ocorrerá em setembro de 2015; d) a citação da parte demandada, para, querendo, contestar o pedido no prazo legal; e) ao final, a total procedência do pedido, procedendo-se à definitiva anulação do ato administrativo de deportação da autora, com anulação de todas as multas impostas com relação a sua suposta estada irregular e garantia de prorrogação de seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos junto à UFPE; f) a condenação da parte demandada em honorários advocatícios, fixados equitativamente nos termos do § 4º do art.20 do CPC e revertidos para o "Fundo para Capacitação Profissional e Aparelhamento da Defensoria Pública, decorrente das verbas sucumbenciais da atuação dos Defensores Públicos Federais" . Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa.

Decisão, na qual se concedeu à parte Autora o benefício da assistência judiciária gratuita; determinou a intimação da União para manifestação sobre o pleito de antecipação de tutela e que a União se abstivesse de realizar qualquer procedimento tendente à deportação da estudante estrangeira, até nova deliberação; e determinou a citação da União.

A União apresentou manifestação acerca do pedido de antecipação da tutela, alegando, em síntese, que: não haveria comprovação de hipossuficiência econômica da Autora a justificar a representação pela Defensoria Pública da União, sequer teria sido juntada declaração confirmando o alegado; a Autora residiria em bairro nobre da capital pernambucana e não receberia apoio financeiro da UFPE; assim, não se poderia presumir a hipossuficiência financeira da Autora. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, I e VI c/c o art. 295, II, ambos do CPC/1973. Arguiu preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois, segundo alega, inexistiria até o atual momento qualquer ato administrativo de deportação; a própria Autora teria reconhecido que teria extrapolado o prazo de estada no país; a prorrogação de prazo do visto temporário até o fim dos estudos na UFPE importa não fixar termo de permanência no país; portanto, os pedidos não seriam possíveis, pois partiriam de pressupostos equivocados. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito com fundamento no art. 267, VI do CPC. No mérito, alegou, em síntese, que inexistiriam os requisitos necessários à pretendida antecipação de tutela; a concessão da liminar estaria vedada diante do disposto no §3º do art. 1º da Lei n 8.437/92, que impediria a concessão de liminares de índole satisfativa; não estariam presentes a fumaça do bom direito e a prova inequívoca; não existiria direito potestativo do estrangeiro à permanência no território nacional, e o Judiciário não poderia adentrar na esfera de competência reservada ao Poder Executivo; consoante se depreenderia da inicial e documentos colacionados, a autora poderia permanecer no país até odia 26/03/2015, com amparo no art. 13, IV e art. 14, ambos da Lei nº 6.815/80; o acolhimento do pedido da Autora significaria a substituição da apreciação técnico-jurídica da Função Executiva por um juízo próprio da Função Jurisdicional, o que significaria ingerência indevida. Invocou os arts. 26 e 5º da Lei nº 6.815/80 e aduziu que a entrada ou a permanência de estrangeiro no Brasil observaria a Lei nº 6.815/80, o Decreto n.º 86.715/81 e Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, como a Resolução Normativa n.º 77; portanto, caberia ao estrangeiro interessado apresentar - tempestivamente - a documentação exigida pelos órgãos de controle da imigração; seria vedada a legalização da estada irregular, fato que teria sido confessado na Inicial, de acordo com o disposto no art. 38 da Lei 6.815/80; a Autora estaria pretendendo que o Judiciário se imiscuísse nas questões interna corporis do Executivo sem que houvesse qualquer evidência de ilegalidade ou abuso de poder; o procedimento administrativo adotado pela Polícia Federal teria seguido os trâmites de estilo. Acerca da prorrogação do visto de estudante, transcreveu os arts. 64, 66, 67 e 137 do Decreto n.º86.715/81, e aduziu que, nos termos dos citados dispositivos, o pedido de prorrogação deveria ser feito antes do termino do prazo concedido anteriormente e com prova do aproveitamento escolar e garantia de matricula; todavia, a Autora não teria cumprido as referidas normas, tampouco apresentado recurso em tempo hábil. Transcreveu as informações neste sentido prestadas pelo Departamento da Polícia Federal (Oficio n235-2015 DELEMIG-DERX-SR-PF-PE em anexo), as quais revelariam que: "(i) Não obstante o prazo de estada da autora findasse em 26.03.2015, esta somente compareceu à unidade da DPF em 31.03.2015, sem levar qualquer documento que comprovasse o motivo de seu retardo;(ii) Posteriormente, em 02.04.2015 novamente compareceu à DPF, onde expôs verbalmente sua situação. À ocasião foi orientada a apresentar recurso, devidamente instruído, até o dia 06.04.2015, nos termos do art. 137 do Decreto n.º 86.715/81. Mais uma vez a autora se quedou inerte.(iii) Não foi levado ao conhecimento da DPF (seja no prazo de estada regular - até 26.03.2015 , seja no prazo de oferecimento de recurso - 06.04.2015 ) o documento oriundo da UFPE, de 25.03.2015, que atestava que a autora encontrava-se matriculada naquela instituição." Aduziu que a Autora poderia, em tempo hábil, ter apresentado a documentação junto a DPF, mas não o teria feito; portanto, não teria havido qualquer atitude ilegal, desproporcional ou não-razoável por parte da DPF; a Autora, inexplicavelmente, não teria observado qualquer dos prazos a ela concedido, inclusive quando já dispunha da documentação hábil a comprovar sua condição de estudante matriculada; portanto, a estada irregular da Autora teria se dado por ato a ela imputável, já que poderia, em tempo hábil,ter apresentado a documentação necessária à apreciação de seu pleito; portanto, não se poderia cogitar da inaplicabilidade do art. 38 da Lei 6.815, pois restaria evidente a situação irregular da Autora; acrescentou que a Autora não teria providenciado qualquer comprovação do seu aproveitamento escolar, seja perante a autoridade administrativa, seja nos presentes autos; portanto, a autoridade administrativa teria agido dentro da estrita Legalidade; aduziu que os atos da Administração Pública seriam vinculados ao princípio da legalidade; não teria havido violação ao direito fundamental à educação, à dignidade da pessoa humana, da cooperação internacional, da razoabilidade e da proporcionalidade; em nenhum momento teria sido negado o direito à educação à Autora. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais ao longo de sua peça e requereu, ao final, o acolhimento das preliminares; ou, acaso ultrapassadas, o indeferimento do pedido de tutela antecipada.

Em seguida, a União apresentou Contestação, reiterando os argumentos lançados quando de sua manifestação sobre o pedido de concessão da tutela antecipada, e aduzindo que não seria possível a condenação da União em ônus sucumbenciais, em caso de procedência do pedido, haja vista que a Autora estaria sendo patrocinada pela Defensoria Pública da União; seria aplicável ao caso a Súmula nº 421 do STJ, que determinariaa impossibilidade de concessão dehonorários à Defensoria Pública, bem como o art. 46, III, da LeiComplementar nº 80/94. Ao final, requereu: o acolhimento das preliminares; ou acaso ultrapassadas, a improcedência do pedido, requerendo a juntada do Ofício nº 235/2015-DELEMIG/DREX/SR/DPF/PE, como parteintegrante da Contestação.

Despacho que intimou a parte autora para apresentar Réplica.

A parte autora apresentou Réplica à Contestação alegando, em síntese, que: estaria comprovada a sua hipossuficiência a justificar a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e a atuação da DPU em seu patrocínio; aduziu que estaria juntando declaração de pobreza na qual atestaria não dispor de condições financeiras para custear as despesas do processo, tampouco honorários de advogado; esclareceu que residiria no endereço informado na petição inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcariam com as despesas da casa; teria sua subsistência assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa à qual se encontraria vinculada; portanto, restaria demonstrado que a Autora seria pobre na forma da lei e faria jus à assistência jurídica gratuita, pelo que não haveria que se falar em extinção do feito em face de ausência de comprovação da hipossuficiência econômica; igualmente rebateu a alegação de impossibilidade jurídica do pedido; aduziu que não seria aplicável ao caso o art. 38 da Lei nº 6.815/80 porque a Autora não estava irregular no Brasil; a situação de irregularidade teria sido provocada pela exigência burocrática de que apenas poderia ingressar com o pedido de prorrogação após obter o comprovante de matrícula, o qual, por sua vez, teria sido emitido extemporaneamente; portanto, seria manifesta a ilegalidade do não recebimento de prorrogação, e nula a sua notificação para sair do País, visto que a situação de irregularidade não teria sido por ela provocada; seu único objetivo seria renovar o visto temporário de estudante, nos termos do art. 13, IV e 34 do Estatuto do Estrangeiro, e não pedir visto novo; a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais admitiria o controle judicial dos atos administrativos de deportação, e  reconheceria a quebra de juridicidade em vários casos semelhantes ao presente; seriam devidos honorários de sucumbência, os quais seriam destinados ao Fundo de Aperfeiçoamento Profissional da Defensoria Pública da União - FUNADP, devidos a Defensoria Pública da União nas ações em que participe; teria sido aberta, em banco oficial, conta especial sob o título "Fundo para Aperfeiçoamento e Capacitação Profissional da Defensoria Pública da União", à conta e ordem da Defensoria Pública da União, com autorização do Tesouro Nacional, exclusivamente para receber as receitas destinadas ao Fundo (Caixa Econômica Federal, Agência 0002, Conta Corrente 10.000-5,Operação 006 órgãos públicos, CNPJ 00.375.114/0001-16, Titular: Defensoria Pública da União). Ao final, reiterou os termos da petição inicial.

 Em cumprimento a decisão deste Juízo, a parte autora anexou declaração de pobreza que fora mencionada na Réplica.

 A parte autora ingressou com petição afirmando que, "malgrado liminar deferida com plena produção de seus efeitos, teve seu ingresso no Brasil obstado pela Polícia Federal na data de ontem."; quando do seu regresso a este País, a Polícia Federal teria condicionado sua entrada ao pagamento da multa imposta e que seria objeto desse processo judicial; face à urgência da situação, a Autora teria se visto forçada a efetuar o pagamento da multa; requereu que, quando da sentença de procedência, com a consequente anulação da multa imposta, fosse determinada a restituição dos valores dependidos pela assistida.

 Intimada para se manifestar acerca do alegado pela parte autora na petição acima mencionada, a União alegou, em síntese, que: não teria havido qualquer descumprimento de decisão judicial por parte da Polícia Federal; a União aduziu que não teria havido o deferimento da deferimento da tutela nos termos em que requerida, apenas tendo sido determinado, antes de qualquer manifestação da União, que não fossem efetivadas medidas tendentes à deportação da Autora; a União não teria adotado qualquer medida tendente a sua deportação; a cobrança de multa, ainda em vigência, para permitir a entrada da Autora no país em nada se relacionaria com a deportação; a Autora teria se ausentado do País por vontade própria, e apenas no seu retorno lhe teria sido cobrada o pagamento da multa imposta, cuja exigibilidade não teria sido afastada pela decisão em comento;tal cobrança não equivaleria à deportação e, portanto, não poderia ser relacionada com o descumprimento de decisão judicial, a configurar qualquer necessidade de ressarcimento; reiterou os termos da Contestação e pediu deferimento.

Despacho determinando que a questão da legalidade da multa administrativa imposta à parte autora no curso do processo será apreciada quando da prolação da Sentença; e determinou que as Partes especificassem provas que pretendiam produzir.

As Partes informaram não ter provas a produzir.

É o relatório.

Relatado, fundamento e decido. 

2- Fundamentação

2.1- Preliminares - ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido
Ilegitimidade ativa ad causam
A alegada inexistência da hipossuficiência econômico-financeira da parte autora não restou comprovada pela União, haja vista que a mera afirmação de que a Autora reside em bairro nobre da cidade do Recife não desconstitui a declaração da Autora que fora juntada após a Contestação, de não poder arcar com as custas processuais e com os honorários de advogado (v. declaração - Id. nº 4058300.2080694).
Ademais, em sede de Réplica, a Defensoria Pública da União - DPU informou que a Autora reside no endereço constante da Petição Inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcam com as despesas da casa.
A DPU também esclareceu que a subsistência da Autora aqui no Brasil é assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa a qual se encontra vinculada.
Acrescente-se que, por imposição legal - art. 98 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que se encontrava em vigor na época dos fatos - ao estrangeiro portador de visto temporário de estudante era vedado "o exercício de atividade remunerada por fonte brasileira.", o que reforça a ideia de que a Autora é realmente carente em termos financeiros.
Nessas circunstâncias, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam arguida pela União.
Impossibilidade jurídica do pedido
As razões aduzidas pela União a título de preliminar de impossibilidade do pedido confundem-se com o próprio mérito da ação, e terão sua devida análise no momento da análise meritória.
Aliás, a impossibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma das condições da ação com o advento do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), sendo que qualquer alegação nesse sentido é causa de decisão de mérito e não de carência da ação.

2.2 - Mérito
A Autora pretende, em síntese, obter a anulação do ato administrativo que determinou sua deportação, assim como a anulação das multas que lhe foram impostas por que estaria em situação irregular no País e, ainda, pretende ter garantida a prorrogação do seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos na UFPE.
Em sede de antecipação de tutela, requereu: a emissão de ordem judicial equivalente a salvo conduto que impossibilite a sua deportação até o final de seus estudos, que ocorreria em setembro de 2015.
Os documentos anexados aos autos demonstram: a condição de estrangeira de LEA GENEVIEVE TRISTAN RAULIN BRIOT, parte autora, e que ela é nacional da França (Id. nº 4058300.970034); a emissão de visto temporário de estudante, em 05/08/2014, válido pelo prazo de (07) sete meses, com fundamento no art. 13, inciso IV da Lei nº 6.815/80, vinculado à Universidade Federal de Pernambuco (Id. nº 4058300.970025); a Autora fora autuada (Auto de Infração e Notificação nº 0380 00159 2015) em 31/03/2015 pela Delegacia de Polícia de Imigração, por infração ao art. 125, II da referida Lei, tendo-lhe sido aplicada multa de R$ 41,39, pela prática de "ultrapassar em 5 dia(s) o prazo de estada legal no país", e também notificada de que poderia apresentar defesa escrita, no prazo de cinco dias úteis (Id. nº 4058300.970043); a Autora fora notificada (Termo de Notificação 0380 00019 2015) em 31/03/2015, pela Delegacia  de Polícia de Imigração, por estada irregular, a deixar o País no prazo de 08 (oito dias), conforme previsto no art. 98, II do Decreto nº 86.715/81, "a contar da presente data, sob pena de DEPORTAÇÃO, nos termos do Art. 57, da Lei nº 6.815/80, modificada pela Lei nº 6.964/81." (Id. nº 4058300.970043); informação com data de 12/03/2015, prestada pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE de que Léa Raullin Briot, ora Autora, estudante da Siences Po Grenoble, da França, fora autorizada a cursar o "01 semestre", como aluna de convênio, na Graduação em Música da UFPE, no período de março de 2015 a setembro de 2015 (semestre 2015.1), e que a estudante não receberá qualquer tipo de apoio financeiro da UFPE (Id. nº 4058300.970028); Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, subscrito pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE, dentre outras informações, constando que "A referida estudante, devido ao prazo interno de processamento de matrículas de nossa universidade, só pôde adquirir o comprovante de matrícula, documento listado como necessário à renovação do visto, no dia 25 de março de 2015, pois este comprovante só passa a ser emitido pelo Corpo Discente desta instituição no final do período de modificação de matrícula, que se encerrava no dia 26 de março de 2015 e, devido a este contratempo, a estudante acabou perdendo o prazo que constava no seu visto de permanência original. Pedimos, assim, que seja fornecida a ajuda possível à aluna e agradecemos antecipadamente a compreensão."; e comprovante de matrícula emitido em 25/03/2015, pena UFPE, constando a matrícula de Lea Genevieve Tristan Raulin Briot, período 2015.1, disciplina Ritmos Pernambucanos (Id. nº 4058300.970028).   
Segundo informação da Polícia Federal dirigida à Advogada da União, datada de 13/04/2015, a seguir resumida: o prazo de validade do visto concedido a Lea Genevieve Tristan Taulin Briot foi de sete meses, de modo ao expirar em 26/03/2015; a requerente, ora Autora, compareceu ao Núcleo de Registro de Estrangeiros com a finalidade de prorrogar o seu visto em 31/03/2015, portanto, além do prazo de estada estabelecido em 26/03/2015; na ocasião, a Requerente/Autora não apresentara prova de que a extemporaneidade de seu requerimento decorrera de razões de força maior, caso fortuito ou por culpa da administração pública; no dia 02/04/2015, a Requerente/Autora teria comparecido à Chefia da Delegacia de Polícia de Imigração e exposto sua situação, pelo que teria sido informada de que deveria providenciar de sua instituição de ensino superior documentação que comprovasse que a referida documentação de matrícula não pôde ser anteriormente obtida por culpa da universidade, e que ela teria até o dia 06/04/2014 (Sic.) para apresentá-la junto com a defesa prévia do seu auto de infração, contudo, teria quedado silente; o Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, pelo qual a UFPE comunicou que o comprovante de matrícula ficou à disposição da Requerente/Autora em 25/03/2015, "nunca chegou a esta Especializada"; supondo que a data do comprovante de matrícula (25/03/2015) está correto, a Requerente/Autora ainda estava dentro do prazo regular de estada para requerer a prorrogação de seu visto, "podendo fazê-lo até o dia seguinte, 26/03/2015, não o fez, contudo, vindo a apresentar-se em data extemporânea;" (Id. nº 4058300.992894)
Os documentos anexados aos autos demonstram que a emissão do visto temporário de estudante em favor da ora Autora teve por fundamento o inciso IV do art. 13 da Lei nº 6.815/80[1], do seguinte teor:
"Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:
(...)
IV - na condição de estudante;"
Demonstram, outrossim, que o prazo de validade do visto concedido à Autora foi de sete meses, de modo a expirar em 26/03/2015, e que Autora pretendia prorrogar o seu visto provisório até o final de seus estudos, em setembro de 2015.
 Acerca da prorrogação do visto temporário de estudante, a Lei nº 6.815/80, no Parágrafo Único do seu art. 14, assim dispõe:
 "Art. 14. O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art. 13, será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais, salvo o disposto no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista.                           
 Parágrafo único. No caso do item IV do artigo 13 o prazo será de até 1 (um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula."
 A prova do aproveitamento escolar e da matrícula são exigências também do Decreto nº 86.715/81, que regulamenta a Lei nº 6.815/80, verbis:
"Art . 67 - O pedido de prorrogação de estada do temporário deverá ser formulado antes do término do prazo concedido anteriormente e será instruído com:
 II - prova:
 § 2º - No caso de estudante, o pedido deverá, também, ser instruído com a prova do aproveitamento escolar e da garantia de matricula."
Noto que a Lei não exige que o Estrangeiro, na situação da ora Autora, tenha que levar a noticiada prova à Polícia Federal, mas sim perante a Autoridade Consular.
E nada consta quanto à perda do prazo para a apresentação do documento relativo ao aproveitamento escolar.
Intui-se que a Autoridade Consular ou a Autoridade Policial competente, caso tenha conhecimento de que algum(a) Estudante estrangeiro(a), na situação da Autora, tenha deixado de levar à qualquer das respectivas Repartições o referido documento, deva investigar perante a Universidade onde o(a) Estudante esteja fazendo o respectivo curso e informar-se quanto à regularidade da sua situação escolar. 
A Autora compareceu ao Departamento de Imigração da Polícia Federal local no dia 31/03/2017, com o seu visto expirado desde o dia 26/03/2017, mas a Universidade, onde ela estudava, atestou, em 25.03.2017,  que era regular a sua situação estudantil
Nesse contexto, não há como considerar irregular a permanência da parte autora no Brasil, pois ela, no período do pedido de prorrogação da sua estada no Brasil, tinha vida regular na Universidade onde estudava. 
Bastava a Autoridade Policial ter feito um telefonema para o setor próprio da referida Universidade para constatar mencionada situação de regularidade.
Não se pode impor a insuperável burocracia à materialidade dos direitos.
Os tempos de   Franz Kafka ficaram p'ra trás, felizmente.
Não há dúvida que a jovem Estudante francesa, ora Autora,  estava regular, tendo havido uma mera falta de diálogo, de comunicação,  entre as Autoridades brasileiras, consulares, policiais e universitárias,  para constatar a mencionada regularidade.
Não pode a Polícia Federal instaurar procedimento ou processo de deportação de estudante estrangeiro(a), antes de investigar se o(a) Estrangeiro(a) encontra-se realmente irregular no País e, no presente caso, data venia, resta incontroverso que, na época dos fatos acima narrados, era regular a situação estudantil da jovem Estudante francesa, ora Autora, fato esse que lhe dava o direito à renovação do visto de estada no Brasil para os fins estudantis narrados nos autos.

3 - Conclusão
Posto ISSO:
3.1 - rejeito as preliminares arguidas pela União;
3,2 - ratifico a decisão inicial, na qual, via concessão de tutela provisória de urgência, determinou-se à UNIÃO que, por seu Órgão próprio, se abstivesse de instaurar contra a Autora procedimento ou processo de deportação e torno essa determinação definitiva, sob as penas das Leis;
3.3 - E julgo procedentes os pedidos desta ação, anulando todo e qualquer procedimento ou processo ou ato tendente à deportação da Autora e condeno a UNIÃO, por seu Órgão Consular e/ou Policial próprio, a regularizar o visto para sua estada no Brasil, para os fins estudantis acima narrados e, como consequência,  anulo todas as multas que tenham sido aplicadas à Autora e condeno a UNIÃO a lhe restituir os respectivos valores, com a atualização pertinente.
3.4 - Deixo de condenar a UNIÃO em verba honorária, porque a causa da Autora está sendo patrocinada pela Defensoria Pública da UNIÃO, ou seja, por Órgão da mencionada Requerida.
3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
R.I.

Recife, 03 de fevereiro de 2018.
Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.

(rmc)




[1]O Estatuto do Estrangeiro foi revogado pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

RESGATE DE COTA-PARTE DE FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E A ISENÇÃO DO IR POR MOLÉSTIA GRAVE DO INCISO XIV DO ART. 6º DA LEI Nº 7.713, DE 1988.









Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Se o Contribuinte se aposenta porque acometido de uma das moléstias graves arroladas no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, gozará da isenção do IR, previsto nesse dispositivo legal, no saque de cota-parte do Fundo de Previdência Privada do qual era Contribuinte e pelo qual, por força dessa doença, estará se aposentando?

Na sentença que segue, essa questão é detalhadamente debatida, inclusive fazendo-se referência a dois r. julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, favoráveis à tese da petição inicial. 

Boa leitura. 


Obs.: pesquisa de jurisprudência feita pela Assessora Luciana Simoes Correa de Albuquerque.




PROCESSO Nº: 0805833-23.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: L S L
ADVOGADA: R G G De S S
RÉU: BRASILPREV SEGUROS E PREVIDENCIA S/A e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)




SENTENÇA TIPO A

EMENTA: -DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DO IR. LEI 7.713, DE 1988, E LEI 9.250, DE 1995.
A isenção das pessoas acometidas pelas moléstias arroladas no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, abrange apenas proventos e não valor de cota-parte resgatado de Fundo de Aposentadoria Privada, ainda que mencionado resgate decorra de aposentadoria motivada por uma daquelas moléstias.
Cobrança das verbas de sucumbência submetida à condição suspensiva, pelo prazo de um ano, por se encontrar a Autora em gozo da Assistência Judiciária.
Improcedência.

           Vistos,etc.
  1. Breve Relatório

        L S L ajuizou esta Ação Ordinária em face do  BRASILPREV SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A - (EAPC), BANCO DO BRASIL S/A e UNIÃO FEDERAL . Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita, bem como tramitação prioritária do feito, por ser portadora de moléstia grave. Aduziu, em síntese, que: estaria vinculada ao BRASILPREV SEGUROS  E PREVIDÊNCIA S/A - (EAPC) pelo PGBL de matrícula 8.534.429-X desde 06/09/2011;  por ser portadora de moléstia grave, conforme laudo médico oficial acostado aos autos de fl. 34, doença esta devidamente inserida no rol legal, causa autorizadora da isenção do Imposto de Renda, devidamente preconizada no Art 6º XIV Lei 7.713/1988 art 6º XIV, teria pleiteado  o resgate do seu PGBL com a referida isenção do IR; a moléstia grave que acomete a Requerente desde 2008 teria CID M45, Espondilite Ancilosante, conforme atesta de forma inconteste laudos médicos oficiais de fls 34 a 37 e também particulares que seriam  acostados nesta oportunidade; seria direito inconteste à isenção do imposto de renda; seria de suma importância ressaltar que em virtude de ser portadora da moléstia acima citada, a Requerente já se encontraria oficialmente aposentada por invalidez (fls. 38 e 39); segundo o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal em seu capítulo VII, a Espondiloartrose anquilosante, corresponderia a Moléstia Espondilite anquilosante, sendo esta definida como:"A espondilite anquilosante, inadequadamente denominada de espondiloartrose anquilosante nos textos legais, é uma doença inflamatória de etiologia desconhecida, que afeta principalmente as articulações sacroilíacas, interapofisárias e costovertebrais, os discos intervertebrais e o tecido conjuntivo frouxo que circunda os corpos vertebrais, entre estes e os ligamentos da coluna"; a Requerente seria  sim detentora inconteste do beneficio da isenção do imposto de renda conforme previsão legal, por ser portadora de CID M45, Espondilite Ancilosante, devendo tal isenção também ser concedida quando do resgate de seu plano de previdência privada; no próprio contrato do PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA pactuado com a Requerida, haveria a previsão da ISENÇÃO DO IR para os casos previstos pela Lei, justamente a situação em que se encontra a Requerida; conforme a Seção IV, no Art. 38, e 40 de fl. 61, do Regulamento do Plano Individual da Requerida ao qual a Requerente teria aderido, seria possível constatar a garantia do resgate do PGBL em questão com isenção do IR, conforme transcrito na Inicial;  os Requeridos ao negarem a Requerente o resgate do seu plano de previdência privada com isenção do IR, estariam cometendo grande equívoco. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pelo prosseguimento do feito pello formato PJE do processo físico que segue digitalizado de nº 0015027-17-2016.4.05.8300 Advindo da Justiça Civil - Processo nº 0041509-35.2015.8.17.0001- 2º vara civil da capital.
Cópia da decisão exarada pelo MM. Juiz de Direito Wagner Ramalho Procópio determinando a citação do demandado (Id. 4058300.3202414).

Cópia digitalizada da Contestação apresentada pela BRASILPREC SEGUROS DE PREVIDÊNCIA S/A, aduzindo, em síntese, que:  o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) seria um plano que teria por objetivo a concessão de uma renda mensal vitalícia ao participante que atingisse a idade mínima na proposta de inscrição para a aposentação;  o resgate seria destinado para a hipótese em que o participante, durante o período de rentabilização do plano, decidiria pela retirada dos valores aportados durante o período de diferimento do contrato, respeitadas as normas contratuais e legais; já o benefício seria o pagamento que seria realizado em decorrência do evento gerador , qual seja, o atingimento da data de aposentação atingida pelo Participante; as definições de pagamento e resgate seriam distintos;  haveria incidência do imposto de renda no momento de solicitação do resgate;  a legislação de que dispõe sobre a isenção tributária deveria ser interpretada de forma literal. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos  (Id. 4058300.3202423).

Cópia  da decisão exarada pelo MM. Juiz de Direito Júlio Cezar dos Santos da Silva determinando a remessa dos autos à Justiça Federal (Id. 4058300.3202461).
Concedido os benefícios da Justiça Gratuita e da prioridade na tramitação do feito, ratificados os atos praticados na Justiça Estadual e determinada a citação da União/Fazenda Nacional. (Id. 4058300.3263726).

A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação, aduzindo, em apertada síntese, que: no que se refere ao preceitos contidos nos incisos XIV e XXI do art. 6°, da Lei n° 7.713/88, o foco seriam os proventos de aposentadoria ou pensão daqueles portadores de moléstia grave que são isentos do imposto de renda. No caso dos autos, não se buscaria reconhecimento de isenção em relação a proventos de aposentadoria ou pensão, mas em relação ao resgate dos recursos mantidos em entidade de previdência privada, situação totalmente diversa da prevista na norma isentiva. Teceu outros comentários. Pugnou,ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.3333489).

A parte autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.3633005).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Inicialmente, cabe destacar que a UNIÃO não contesta que a ora Autora esteja com a doença acima indicada, mas apenas que a isenção em questão não abrangeria a verba apontada, resgate de cota-parte do Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), ou seja, resgate de cota-parte de um Fundo de Previdenciário privado, para o qual pagou contribuição de aposentadoria privada. 
2.2 - No que interesse à solução da lide, o artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/1988 dispõe:

Art. 6º - Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:


(...)


XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doençade parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Pagetde Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004). [destaquei]



O Decreto nº 3.000/1999, em seu art. 39, também assegura a isenção do imposto de renda dos proventos percebidos pelos portadores de espondiloartrose anquilosante. Vejamos:

Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:


(...)


XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XIV, Lei nº 8.541, de 1992, art. 47, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 30, § 2º).

O objetivo da norma isentiva é o de não onerar demasiadamente os proventos da aposentadoria do contribuinte portador de moléstia grave, que possui dispendiosos gastos com o tratamento da enfermidade, dando maior efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental à saúde.
Todavia, o resgate de cota-parte do Fundo Previdenciário privado, no ato da aposentadoria, em decorrência da noticiada doença, enquadrar-se-ia na mencionada isenção legal?
A minha Assessoria encontrou dois r. julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região dando resposta positiva a essa indagação. 
Eis as respectivas ementas:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO . LEI 7713/88. LEI 9250/95. CARDIOPATIA GRAVE. COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA . ABRANGÊNCIA.


1. A Lei n 7.713/88 instituiu a isenção do imposto de renda retido na fonte sobre as parcelas recebidas a título de aposentadoria em decorrência de cardiopatia grave. A moléstia encontra-se documentalmente comprovada por meio de laudo médico.
2. No conceito de aposentadoria protegido pela isenção  inclui-se aquela oriunda de previdência complementar (privada). Interpretação teleológica, sistêmica e constitucional da norma."
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.72.00.007019-1/SC, D.J.U. de 06/07/05).
Nota 1 - Disponível em https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF400109421
Acesso em 30/01/2018


"TRIBUTÁRIO.IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. . LEI 7713/88. LEI 9250/95. NEOPLASIA MALÍGNA (CÂNCER DE MAMA). COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. RESGATE PURO. INTERPRETAÇÃO ABRANGENTE. PROVA DA MOLÉTIA. DESNECESSIDADE DE EXAME FEITO POR SERVIÇO MÉDICO OFICIAL.


1. A Lei n. 7.713/88 instituiu a isenção do imposto de renda retido na fonte sobre as parcelas recebidas a título de aposentadoria em decorrência de neoplasia maligna.
2. No conceito de aposentadoria protegido pela isenção inclui-se a de previdência complementar privada. Interpretação da norma.
3. O participante do fundo de previdência privada que não aperfeiçoa os requisitos à aposentadoria (porque é demitido ou pede demissão, desvinculando-se do plano de previdência) tem direito ao resgate puro. O que difere o benefício de aposentadoria do resgate puro é o tempo e o status do participante (vinculado ou não). Resgata-se o que poderia ser percebido como benefício de aposentadoria. Assim, é possível a isenção do imposto de renda também para os casos de resgate puro de valores vertidos aos planos de previdência privada, quando o participante desliga-se por força de doença arrolada na lei, no caso, a neoplasia maligna.
4. Não é imprescindível laudo emitido por serviço médico oficial para prova da moléstia. Ela restou comprovada por meio de outros documentos. (GN)".
(TRF4, REO 2004.71.00.005383-0, SEGUNDA TURMA, Relator DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, DJ 16/11/2005)
Disponível em https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF400116808
Acesso em 30/01/2018



Data maxima venia, penso diferente.
Noto que o dispositivo legal acima transcrito e o dispositivo do respectivo Regulamento são claros no sentido de que só gozam da mencionada isenção do IRPF "os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia... ".
Ora, não vejo como enquadrar como proventos de aposentadoria valor relativo a resgate de cota-parte de um Fundo de Aposentadoria Privada.
Como se trata de matéria que diz respeito à receita/despesa pública, depende de Lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo(arts. 165 e 167 da Constituição da República).
E o § 6º do art 150 da Constituição da República, nela introduzida pela EC 3, de 1993, deixa bem claro que qualquer isenção ou subsídio no campo tributário só pode ser concedido por Lei específica.
Data maxima venia dos d. Desembargadores do TRF4R, signatários dos julgados acima transcritos, dar à Lei interpretação excessivamente ampla, enquadrando na regra legal de isenção fato que não foi, claramente, por ela abrangido, fere fundamente mencionadas regras constitucionais e, respectivamente, invade competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo e contraria o princípio da legalidade, também aplicável às isenções.
Como são enormes as responsabilidades orçamentárias do Poder Executivo, o Legislador Constituinte o cercou de tais garantias que, data maxima venia, não podem ser rompidas pelo Poder Judiciário, a título de interpretação de Leis, ainda que de cunho social.
2.3 - A Autora está em gozo do benefício da Justiça Gratuita. Deu à causa o valor de R$ 4.800,00, na petição inicial originária, acostada sob identificador nº 4058300.3202407. Não obstante a sua mencionada situação processual, haverá de ser condenada nas verbas de sucumbência, ficando a respectiva cobrança submetida à condição suspensiva do § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil. E, à luz do § 2º do art. 85 desse mesmo diploma processual, considerando que se trata de matéria que não exigiu muito esforço dos Patronos da UNIÃO, tenho que a verba honorária deva ser fixada no mínimo legal.
3. Dispositivo



Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno a Autora nas custas processuais e em verba honorária que, à luz do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, arbitro em 10% do valor da causa, indicado no valor de R$ 4.800,00, valor esse que será atualizado(correção monetária e juros de mora)pelos índices e na forma do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal quando da efetiva cobrança,  ficando a cobrança dessas verbas de sucumbência submetida à condição suspensiva do § 3º do art. 98 do mencionado diploma processual, pelo prazo de cinco anos nele fixado, porque a Autora está em gozo da Assistência Judiciária.
Outrossim, dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, CPC).


Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30 de janeiro de 2018
Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE


domingo, 28 de janeiro de 2018

FALECIMENTO DO AUTOR. DIREITO INTRANSMISSÍVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.


PROCESSO Nº: 0811977-13.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: S F C e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outros
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



 
Sentença tipo C

Ementa: ADMINISTRATIVO. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ÓBITO DA PARTE AUTORA.DIREITO INTRANSMISSÍVEL. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.



Vistos, etc.
1. Relatório
S F C, qualificado na inicial, assistido pela Defensoria Pública da União, ajuizou a presente ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, visando o fornecimento de medicamento em face da UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DE PERNAMBUCO.
Decisão em que se concedeu a antecipação da tutela, exigindo o fornecimento de fármaco pelo Estado de Pernambuco, sob pena de multa diária, bem como determinando o dever da União em ressarcir aquele ente da federação nos valores excedentes ao que tem obrigação de repassá-lo por meio do SUS (id. 4058300.3763011).
Petição noticiando o falecimento do autor (id. 4058300.3793546) e juntada da respectiva certidão de óbito (Id. 4058300.3891163).
Petição da União requerendo a extinção do feito em face do óbito da parte autora (id. 4058300.3898400).
Certidão de interposição de recurso (Agravo de Instrumento) por parte do Estado de Pernambuco contra a decisão deste juízo que concedeu a antecipação de tutela (id. 4058300.3937534), tendo este ente federativo apresentado contestação (id. 4058300.3937494).
É o relatório, no essencial.
2. Fundamentação
2.1 - Observo a existência de obstáculo intransponível à continuidade da presente demanda, em razão de um fato lamentável, o falecimento da parte autora no curso desta ação, noticiado nos autos no documento sob identificador nº 4058300.3793546.
O falecimento da Parte Autora no curso da ação implica na extinção do processo, sem resolução do mérito, quando "a ação for considerada intransmissível por disposição legal" (inciso IX do art. 485 do NCPC), sendo o caso destes autos, considerando o direito personalíssimo pleiteado.
Ademais, em consulta no site do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, verifico que dos autos do Agravo de Instrumento de nº 0808786-28.2017.4.05.0000, consta decisão[1] daquele órgão jurisdicional no sentido de declarar prejudicado o recurso em face do óbito da parte recorrida.
Diante desse quadro, deve ser revogada a decisão pela qual se concedeu a tutela provisória de urgência antecipatória, por não mais existirem os requisitos que lhe fundamentaram, e, como não restará mais o que se discutir no presente feito, devo considerar por prejudicada a contestação apresentada pelo Estado de Pernambuco e dar este processo por extinto, sem resolução do mérito, por não ser transmissível o direito nela pleiteado(art. 485, IV, CPC e, contrário senso,  inciso II do § 2º do art. 313 do mesmo diploma processual).
2.2 - No que diz respeito às verbas de sucumbência, custas e honorários advocatícios, diante do princípio da causalidade, o Espólio do falecido Autor e/ou os seus Sucessores seriam responsáveis por essas verbas, não obstante a intransmissibilidade do direito objeto desta ação. Mas o falecido Autor encontrava-se assistido pela Defensoria Pública da UNIÃO e requereu o benefício da Assistência Judiciária, que lhe foi concedido na decisão acostada sob identificador nº 4058300.3763011. Então, embora a Parte do polo Ativo tenha que a ser condenada ao pagamento das custas processuais e da verba honorária, as respectivas cobranças ficarão submetidas à condição suspensiva, pelo prazo de cinco anos, conforme regra o § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil.
E quem pagará essas verbas?
O Espólio do de cujus, caso seja formado em arrolamento ou inventário,  ou eventuais Sucessores, na proporção dos respectivos quinhões, obviamente se a situação de carência deixar de existir, no que afastará a mencionada condição suspensiva.

A verba honorária, à luz do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, deve ser fixada no mínimo legal de 10%(dez por cento)do valor da causa, o qual foi indicado em R$ 86.010,56 (oitenta e seis mil e dez reais e cinquenta e seis centavos), e justifica-se esse mínimo legal por se tratar de questão já por demais debatida e que, por isso, não deve ter exigido muito esforço dos d. Patronos das Partes do polo passivo, na elaboração das suas defesas, verba essa a ser rateada, em cotas iguais, entre mencionados Patronos, caso se implementem as situações que afastem  a noticiada condição suspensiva, no referido quinquênio legal.

3. Dispositivo
Assim, considerando o falecimento do Autor e o caráter intransmissível dos direitos discutidos nesta ação, tenho por prejudicada a contestação do Estado de Pernambuco e dou este processo por EXTINTO, sem resolução do mérito(art. 485, IV, do CPC).
Todavia, tendo em vista o princípio da causalidade e a fundamentação legal acima consignada, condeno a Parte Autora ao pagamento das custas processuais e ao pagamento de verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor da causa(R$ 86.010,56), qual seja, em R$ 8.601,05(oito mil, seiscentos e um reais e cinco centavos), quantia essa que será atualizada(correção monetária e juros de mora) a partir da data da citação, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, ficando, todavia, a respectiva cobrança submetida à condição suspensiva do § 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil, pelo prazo de cinco anos, ali estabelecido.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se estes autos,  com baixa na distribuição.

Registre-se. Intimem-se.
Recife, 25 de janeiro de 2018

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.



[1]https://pje.trf5.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?idProcessoDocumento=4b05cc2006bc9abcf8d5f0068945e6d0


EXCLUSÃO DO VALOR DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA COPIS-PASEP E DA COFINS. PRECEDENTES DO PLENÁRIO DO STF. NEGADA RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

O Plenário do STF, em recente julgado, sob repercussão geral, em apertada maioria, concluiu que o valor do ICMS não se inclui na base de cálculos das COPIS-PASEP e COFINS. 
Mas ainda não decidiu se as Empresas contribuintes poderão pedir restituição ou compensação das parcelas que pagaram nos últimos cinco anos. 
Na sentença que segue, o pedido de restituição ou compensação é negado, por força do art. 166 do Código Tributário Nacional. 
Boa leitura. 

PROCESSO Nº: 0810139-35.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: M V LTDA
ADVOGADO: T T G e outro
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

SENTENÇA TIPO B

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. COPIS-PASEP E COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO VALOR DO ICMS. ACOLHIMENTO. JULGADO DO STF EM SEDE DE   REPERCUSSÃO GERAL  (RE 574706-PR).NEGADA PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
PROCEDÊNCIA PARCIAL.





Vistos, etc.

1. Breve Relatório




M V LTDA, pessoa jurídica qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO ORDINÁRIA DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO na qual se requer, em apertada síntese, seja concedida a tutela provisória de evidência para que a Autora passe a recolher as suas COPIS-PASEP e à COFINS sem a inclusão do ICMS nas respectivas bases de cálculo. No mérito, ao final, pugnou fosse confirmada a tutela provisória deferida e fosse declarada ilegal a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob a égide das leis 10.637/2002 e 10.833/2003, inclusive com as alterações promovidas pela Lei nº 12.973/2014, permitindo-se a restituição ou compensação dos valores indevidamente recolhidos aplicando-se os juros e as correções monetárias legais, dentro do prazo prescricional qüinqüenal. Inicial instruída com procuração e documentos.




Exarada decisão  deferindo a tutela de evidência e autorizando a Autora a passar a recolher as COPIS-PASEP e COFINS sem a inclusão do valor do ICMS nas respectivas bases de cálculo (Id. 4058300.3653904).




A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação (Id. 4058300.3707037), aduzindo, em síntese, que:  não ignoraria a tese firmada pelo STF no julgamento do RE nº 574.706/PR, sob o regime da repercussão geral; a Fazenda Nacional ainda não poderia se considerar vinculada à tese fixada pelo STF porque não teria sido publicado o acórdão decorrente do julgamento do RE nº 574.706/PR; não se pode conferir, por ora, caráter definitivo ao entendimento firmado pelo referido Tribunal Superior; seria mais prudente  e compatível com a coerência e estabilidade que se espera de um sistema de precedentes é, portanto, o sobrestamento dos processos que versem sobre a controvérsia relativa à exclusão do valor do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS, até a publicação do acórdão resultante do julgamento dos embargos de declaração. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, fosse decretada a improcedência dos pedidos.  




A autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.3776822).




É o relatório, no essencial.




Passo a decidir.




2. Fundamentação



2.1. Do mérito propriamente

2.1.1.- Importante registrar que não se trata da COPIS/COFINS importação, mas sim das COPIS-PASEP/COFINS relativas a operações internas.


Como se sabe, quanto às COPIS-PASEP/COFINS importação, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já concluiu que não se inclui nas suas bases de cálculo o valor do ICMS, porque não se caracteriza como receita da Empresa importadora, mas sim como receita da Unidade da Federação por onde ocorre a importação (Recurso Extraordinário (RE - 559.937).



2.1.2 - No que diz respeito a COFINS em operações internas, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785-2, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, concedeu a medida liminar, e, ao julgar o mérito do recurso, deu-lhe provimento, por maioria e nos termos do voto do Relator, cujo v. Acórdão está assim ementado, verbis:


"TRIBUTO - BASE DE INCIDÊNCIA - CUMULAÇÃO - IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS - BASE DE INCIDÊNCIA - FATURAMENTO - ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento."


Nota 1: Brasil. Supremo Trbunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário nº 240785. Relator(a): Min. Marco Aurélio. Julgamento em 08/10/2014. Diário Judiciário Eletronôico-DJe nº -246, divulgado em 15-12-2014, publicado em 16-12-2014,  EMENTÁRIO, Vol. 02762-01, p. 01.



Registro que,  na época do fato gerador da COFINS, no caso acima transcrito,  a base de cálculo da COFINS era o faturamento.



No entanto, atualmente, com relação à COFINS, a nova regra constitucional que dela trata permite que o Legislador Ordinário eleja como base de cálculo a  receita bruta total ou o faturamento.



O Legislador Ordinário adotou a receita bruta total.



Já a base de cálculo da Contribuição PIS é também a receita bruta total há mais tempo que a base de cálculo da COFINS.



Eis a definição legal de receita bruta, consignada no art. 224 e respectivo Parágrafo Único do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999:


"Art. 224.  A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31).
Parágrafo único.  Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31, parágrafo único).".
Note-se que só não entra na composição da receita bruta o valor dos impostos não cumulativos, cobrados destacadamente do comprador ou contratante e dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.


Não é o caso do ICMS, o qual não é cobrado destacadamente na nota Fiscal do Fornecedor, como sói acontecer, por exemplo, com o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, pois o ICMS faz parte integrante e indissociável do preço, eis que também faz parte da sua base cálculo, conforme a regra que segue da Lei Complementar nº 87, de 1996, que traça as regras gerais sobre o ICMS, verbis:


    " Art. 13 (...).
    § 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput  deste artigo:      (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)
    I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;"


Ou seja, o ICMS é indicado na nota fiscal do Fornecedor para fins de mero controle, mas não é cobrado de forma destacada, porque já incluído na respectiva base de cálculo, no preço da mercadoria, pois é calculado "por dentro",  diferentemente do IPI, que é calculado "por fora" e é cobrado à parte do preço do produto.



Num exemplo simples: imaginemos uma mercadoria submetida a ICMS sob alíquota de 17% e IPI de 10%. Se o preço da mercadoria fosse R$ 100,00, seria indicado como valor do ICMS, num quadro próprio do corpo da nota fiscal, a quantia de R$ 17,00. E a quantia de R$ 10,00, relativa ao IPI, logo abaixo do preço, de forma que o valor total seria de R$ 110,00. Note-se, o ICMS já fazia parte do preço da mercadoria e foi cobrado dentro do próprio preço, já o IPI foi calculado à parte e cobrado "por fora", sendo adicionado ao preço da mercadoria.



Este, o IPI, não faz parte da receita bruta. Aquele, o ICMS, faz parte.



Nesta situação, tendo em vista a modificação da base de cálculo da COFINS, que passou a ser igual à da Contribuição PIS-PASEP, qual seja, a receita bruta, não mais se aplicaria o acórdão por último referido do Supremo Tribunal Federal, situação essa que afastaria a pretensão da empresa Impetrante, no sentido de excluir da base de cálculo das mencionadas Contribuições, ou seja, da receita bruta, o valor do ICMS.



2.1.3 - Todavia, em 15.03.2017, o Plenário do STF, no julgamento do RE 574.706/PR, por maioria,  findou por afastar da base de cálculo da COPIS-PASEP e da COFINS o valor do ICMS, mesmo para fatos geradores ocorridos depois da modificação da base de cálculo da mencionada COFINS para receita brutal total, e o fez sob repercussão geral, tendo por Relatora a Ministra Cármen Lúcia, com os votos vencidos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffloli e Gilmar Mendes


E assim ficou decidido no mencionado julgado com a seguinte ementa:
"RE 574706 / PR - PARANÁ 
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento:  15/03/2017           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017

Parte(s)
RECTE.(S) : IMCOPA IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIA DE ÓLEOS LTDA ADV.(A/S) : LUIS AUGUSTO DE OLIVEIRA AZEVEDO E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE RECDO.(A/S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

Ementa

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.
4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Decisão

Após o voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), dando provimento ao recurso extraordinário, no que foi acompanhada pelos Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, e os votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Dias Toffoli, negando provimento ao recurso, o julgamento foi suspenso para colher os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello na próxima assentada. Falaram: pela recorrente, o Dr. André Martins de Andrade e o Dr. Fábio Martins de Andrade; pela recorrida, o Dr. Fabrício da Soller, Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada. Plenário, 09.03.2017. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), apreciando o tema 69 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017.".

Nota 2
Disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+574706%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+574706%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/aelef8p
Acesso em 31.01.2018.


Note-se que, na repercussão geral, adotou-se a TESE 69, que destaco:
"O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS"
Ou seja, ignorou-se o fato de que o valor do ICMS faz parte da receita bruta e que as duas Contribuições em debate incidem sobre a receita bruta total, que corresponde à receita bruta e mais outras verbas indicadas em Lei.


Nessa situação, ficou superado o acórdão, com efeito repetitivo do REsp 1.144.469/PR do Superior Tribunal de Justiça, que mandava, a nosso ver, data maxima venia da mencionada maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal, com grande acerto,  incluir na base de cálculo das COPIS-PASEP/COFINS o valor do ICMS.



2.1.4 - Um dos pedidos da petição inicial é para que se declare ser ilegal a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo das COPIS-PASEP e COFINS. Esse pleito não tem sentido, porque isso não é ilegal, porque autorizado expressamente pela Lei. Talvez a Lei, à luz do acima transcrito entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se amolde à referida estrutura constitucional.  Mas não há mais necessidade de este Juízo decidir se há ilegalidade ou inconstitucionalidade, porque já resolvida essa questão pela Suprema Corte, no último julgado acima transcrito, no sentido de que o valor do ICMS não compõe a base de cálculo das COPIS-PASEP e COFINS.



2.2. Considerações acerca da alegação de modulação dos efeitos



O argumento da UNIÃO da possibilidade de modificação do referido julgado pela Suprema Corte, em decorrência de embargos de declaração que houvera oposto, não libera este Magistrado da não aplicação de tal julgado, conforme regra do  inciso II do art. 927 c/c com regra do art. 928, todas do vigente Código de Processo Civil.



A respeito da eficácia imediata das decisões emanadas do Plenário do STF, colhe-se o seguinte precedente: "A existência de precedente firmado pelo Plenário desta Corte autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre o mesmo tema, independente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma" (STF, ARE 930647 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/03/2016).



Ademais, não se deve olvidar que a matéria esteve durante longo tempo sob a análise da Suprema Corte e o julgamento a que se faz referência ratificou anterior julgado, também acima referido, proferido em sede de controle difuso, consubstanciando, pois, entendimento consolidado pelo Tribunal Constitucional.



Creio que a modulação dos efeitos girará em torno das verbas já pagas, se devem ou não ser restituídas e a esse respeito, como a Suprema Corte ainda não decidiu, este Magistrado está livre para apreciar a questão, que será objeto do subtópico seguinte desta fundamentação.



2.3 - O pedido de restituição ou de autorização para efetuar compensação das parcelas já pagas não merece acolhida, porque a Autora não comprovou nenhuma das exigências do art. 166 do Código Tributário Nacional.



Eis o texto desse dispositivo desse Código:


"Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la."


É o caso das Contribuições em debate, que se enquadram como tributos indiretos, os quais a Empresa repassa, nos seus preços, o respectivo ônus financeiro, vale dizer, a Empresa figura apenas como "Contribuinte de Direito", mas o verdadeiro "Contribuinte de Fato" são os seus clientes.  A Empresa figura como mera intermediária entre a Fazenda Pública e o "Contribuinte de Fato". Então, com relação a eventuais parcelas que pague indevidamente, só poderá pedir a restituição/compensação se provar que não repassou o ônus financeiro do tributo para os seus Clientes ou se tiver autorização expressa destes para realizar mencionado pedido.


Não há, nos autos, como já dito, mencionada comprovação.

Conceder-se à Autora essa pretensão, seria incidir em bis in idem, pois a Autora já se ressarciu dos valores da COPIS-PASEP e COFINS que incidiram sobre o valor do ICMS, repassando o respectivo ônus financeiro nos preços dos seus produtos. .


Então, esse pedido da peça inicial não merece acolhida.


2.4 - Diante do quadro acima, temos que a Parte Autora será vencedora na metade dos pleitos, pois apenas um deles há de ser acolhido.


Nessa situação, o § 14 do art. 85 do vigente Código de Processo Civil estabelece que cada Parte pagará ao Patrono da outra Parte a respectiva verba honorária de sucumbência e será responsabilizada apenas pela metade das custas processuais.


Como se trata de matéria já por demais debatida, pelo que não deve ter exigido muito esforço dos respectivos Patronos, a verba honorária deverá ser fixada no mínimo legal, na forma prevista no§ 2º do mencionado artigo de Lei, qual seja no percentual de 10%(dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, a partir da data da citação.



3. Dispositivo


Posto isso:


3.1 - julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação e reconheço, com base no RE 574.706/PR do Plenário do Supremo Tribunal Federal, sob repercussão geral, por apertada maioria, com as reservas deste Magistrado, o direito de a Autora não incluir, doravante, na base de cálculos da COPIS-PASEP e da COFINS, incidentes sobre operações internas,  o valor do ICMS;


3.2 - outrossim, condeno:


3.2.1 - a UNIÃO em verba honorária, a ser paga ao Patrono da Autora, à razão de 10%(dez por cento)sobre a metade do valor atualizado dado à cauas, qual seja,  sobre R$ 5.000,00(cinco mil reais), ficando, então,  essa verba fixada em R$ 500,00(quinhentos reais), com atualização(correção monetária e juros de mora), pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, incidentes a partir da data da citação; 
3.2.2 - a Autora a pagar metade das custas processuais e a pagar verba honorária ao Patrono da UNIÃO, no mesmo valor do subitem anterior, com a mesma atualização ali indicada.
Registre-se. Intimem-se.


Recife, 28 de janeiro de 2018.



Francisco Alves dos Santos Júnior


  Juiz Federal, 2a Vara-PE.