Por Francisco Alves dos Santos Jr
Na sentença que segue se discute um pequeno problema internacional, de renovação de visto de uma estudante francesa, para estada no Brasil com finalidades estudantis.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0802038-77.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo A, registrada eletronicamente.
EMENTA.- ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. PRORROGAÇÃO DE VISTO TEMPORÁRIO DE ESTUDANTE ESTRANGEIRA.-Se resta incontroverso ser regular a vida estudantil da Autora perante a Universidade brasileira, não pode a Autoridade Consular, tampouco a Autoridade Policial Federal contra ela instaurar procedimento ou processo tendente a deportá-la, devendo, sim, conceder-lhe prorrogação do visto de estada no Brasil, sobretudo quando se trata de uma esforçada jovem carente francesa que aqui estuda com bolsa paga por Entidade Filantrópica Internacional.- Procedência do pedido.
Vistos etc.
1-Relatório
L. G T R B, nacional da República Francesa,
estudante, nascida em 27/01/1993, portadora do Registro Nacional de
Estrangeiro nº G062684-T propôs em 06/04/2015 a presente "AÇÃO
ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO" com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS
DA TUTELA, em face da UNIÃO, por meio da Defensoria Pública da União -
DPU. Inicialmente, requereu os benefícios da justiça gratuita bem como a
observância das prerrogativas da DPU em Juízo. Alegou, em síntese, que:
seria cidadã da República Francesa e ingressara no território
brasileiro em 26/08/2014, com o objetivo de cursar o mestrado em
economia solidária junto à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
sendo-lhe concedido visto de estudante pelo período de 7 (sete) meses;
sua matrícula no referido curso de graduação teria sido possível graças a
convênio firmado entre a UFPE e a universidade francesa SciencesPo Grenoblea
qual estaria vinculada; após cursar o semestre do mestrado de economia
solidária teria permanecido vinculada à UFPE, ainda mediante convênio
entre as instituições de ensino, com vistas a cursar cadeira da
Graduação de Música,bem como realizar estágio referente ao mestrado em
economia solidária; como afirmaria a própria UFPE no Ofício DRI nº
012/2015, devido ao prazo interno de processamento de matrículas da
universidade, a Autora apenas teria obtido o comprovante de matrícula,
essencial para o pedido de prorrogação do visto de estudante, após já
escoado o prazo para requerer a prorrogação; ao comparecer à Delegacia
de Imigração da Polícia Federal, não teria sido aceito o protocolo de
seu pedido de prorrogação, sob o argumento de que já estava expirado o
prazo e lhe teria sido imposta multa no valor de R$ 41,39 (quarenta e um
reais e trinta e nove centavos), que teria sido paga;também teria sido
notificada a deixar o país no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de
deportação;permaneceria matriculada da graduação em Música da UFPE;
estaria em risco de ser deportada a qualquer momento, após o dia 8 de
abril de 2015; a decisão de indeferimento da prorrogação seria ilegal,
contrária à prova dos fatos e, mais que isso, violaria qualquer noção de
proporcionalidade ou razoabilidade no regime jurídico-administrativo
e,mais além, na gestão da permanência de estrangeiros em território
nacional; aduziu que o art. 38 da Lei 6.815 de 1980 seria inaplicável ao
caso. Discorreu sobre o o direito fundamental à educação e acerca da
dignidade da pessoa humana e cooperação internacional. Transcreveu
ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final: "a) a concessão do
benefício da Justiça Gratuita, diante dasua condição de
hipossuficiência econômica, nos termos da Lei 1.060/50 (declaração
denecessidade e outorga de poderes à Defensoria Pública da União anexa);
b) a intimação pessoal da Defensoria Pública da União, bem como o
reconhecimento da contagem em dobro de todos os prazos processuais, nos
termos dos arts. 4º, V, e 44, I, da Lei Complementar 80/94 (com a redação
dada pela Lei Complementar 132/09); c) a concessão de ANTECIPAÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA inaudita altera pate, emitindo ordem
judicial equivalente à de salvo-conduto que impossibilite a deportação da
autora, e garanta a expedição de documento de identificação provisório
até o final de seus estudos, que ocorrerá em setembro de 2015; d) a
citação da parte demandada, para, querendo, contestar o pedido no prazo
legal; e) ao final, a total procedência do pedido, procedendo-se à
definitiva anulação do ato administrativo de deportação da autora, com
anulação de todas as multas impostas com relação a sua suposta estada
irregular e garantia de prorrogação de seu visto temporário de estudante
até o fim dos estudos junto à UFPE; f) a condenação da parte demandada em
honorários advocatícios, fixados equitativamente nos termos do § 4º do
art.20 do CPC e revertidos para o "Fundo para Capacitação Profissional e
Aparelhamento da Defensoria Pública, decorrente das verbas sucumbenciais
da atuação dos Defensores Públicos Federais" . Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa.
Decisão, na qual se concedeu à parte Autora o benefício da assistência judiciária
gratuita; determinou a intimação da União para manifestação sobre o
pleito de antecipação de tutela e que a União se abstivesse de realizar
qualquer procedimento tendente à deportação da estudante estrangeira, até
nova deliberação; e determinou a citação da União.
A
União apresentou manifestação acerca do pedido de antecipação da
tutela, alegando, em síntese, que: não haveria comprovação de
hipossuficiência econômica da Autora a justificar a representação pela
Defensoria Pública da União, sequer teria sido juntada declaração
confirmando o alegado; a Autora residiria em bairro nobre da capital
pernambucana e não receberia apoio financeiro da UFPE; assim, não se
poderia presumir a hipossuficiência financeira da Autora. Requereu,
pois, a extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no
art. 267, I e VI c/c o art. 295, II, ambos do CPC/1973. Arguiu
preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois, segundo alega,
inexistiria até o atual momento qualquer ato administrativo de
deportação; a própria Autora teria reconhecido que teria extrapolado o
prazo de estada no país; a prorrogação de prazo do visto temporário até o
fim dos estudos na UFPE importa não fixar termo de permanência no país;
portanto, os pedidos não seriam possíveis, pois partiriam de
pressupostos equivocados. Requereu, pois, a extinção do processo sem
resolução do mérito com fundamento no art. 267, VI do CPC. No mérito,
alegou, em síntese, que inexistiriam os requisitos necessários à
pretendida antecipação de tutela; a concessão da liminar estaria vedada
diante do disposto no §3º do art. 1º da Lei n 8.437/92, que impediria a
concessão de liminares de índole satisfativa; não estariam presentes a
fumaça do bom direito e a prova inequívoca; não existiria direito
potestativo do estrangeiro à permanência no território nacional, e o
Judiciário não poderia adentrar na esfera de competência reservada ao
Poder Executivo; consoante se depreenderia da inicial e documentos
colacionados, a autora poderia permanecer no país até odia 26/03/2015,
com amparo no art. 13, IV e art. 14, ambos da Lei nº 6.815/80; o
acolhimento do pedido da Autora significaria a substituição da
apreciação técnico-jurídica da Função Executiva por um juízo próprio da
Função Jurisdicional, o que significaria ingerência indevida. Invocou os
arts. 26 e 5º da Lei nº 6.815/80 e aduziu que a entrada ou a
permanência de estrangeiro no Brasil observaria a Lei nº 6.815/80, o
Decreto n.º 86.715/81 e Resoluções do Conselho Nacional de Imigração,
como a Resolução Normativa n.º 77; portanto, caberia ao estrangeiro
interessado apresentar - tempestivamente - a documentação exigida pelos
órgãos de controle da imigração; seria vedada a legalização da estada
irregular, fato que teria sido confessado na Inicial, de acordo com o
disposto no art. 38 da Lei 6.815/80; a Autora estaria pretendendo que o
Judiciário se imiscuísse nas questões interna corporis do
Executivo sem que houvesse qualquer evidência de ilegalidade ou abuso de
poder; o procedimento administrativo adotado pela Polícia Federal teria
seguido os trâmites de estilo. Acerca da prorrogação do visto de
estudante, transcreveu os arts. 64, 66, 67 e 137 do Decreto
n.º86.715/81, e aduziu que, nos termos dos citados dispositivos, o
pedido de prorrogação deveria ser feito antes do termino do prazo
concedido anteriormente e com prova do aproveitamento escolar e garantia
de matricula; todavia, a Autora não teria cumprido as referidas normas,
tampouco apresentado recurso em tempo hábil. Transcreveu as informações
neste sentido prestadas pelo Departamento da Polícia Federal (Oficio
n235-2015 DELEMIG-DERX-SR-PF-PE em anexo), as quais revelariam que: "(i)
Não obstante o prazo de estada da autora findasse em 26.03.2015, esta
somente compareceu à unidade da DPF em 31.03.2015, sem levar qualquer
documento que comprovasse o motivo de seu retardo;(ii) Posteriormente,
em 02.04.2015 novamente compareceu à DPF, onde expôs verbalmente sua
situação. À ocasião foi orientada a apresentar recurso, devidamente
instruído, até o dia 06.04.2015, nos termos do art. 137 do Decreto n.º
86.715/81. Mais uma vez a autora se quedou inerte.(iii) Não foi levado
ao conhecimento da DPF (seja no prazo de estada regular - até 26.03.2015
, seja no prazo de oferecimento de recurso - 06.04.2015 ) o documento
oriundo da UFPE, de 25.03.2015, que atestava que a autora encontrava-se
matriculada naquela instituição." Aduziu que a Autora poderia, em
tempo hábil, ter apresentado a documentação junto a DPF, mas não o teria
feito; portanto, não teria havido qualquer atitude ilegal,
desproporcional ou não-razoável por parte da DPF; a Autora,
inexplicavelmente, não teria observado qualquer dos prazos a ela
concedido, inclusive quando já dispunha da documentação hábil a
comprovar sua condição de estudante matriculada; portanto, a estada
irregular da Autora teria se dado por ato a ela imputável, já que
poderia, em tempo hábil,ter apresentado a documentação necessária à
apreciação de seu pleito; portanto, não se poderia cogitar da
inaplicabilidade do art. 38 da Lei 6.815, pois restaria evidente a
situação irregular da Autora; acrescentou que a Autora não teria
providenciado qualquer comprovação do seu aproveitamento escolar, seja
perante a autoridade administrativa, seja nos presentes autos; portanto,
a autoridade administrativa teria agido dentro da estrita Legalidade;
aduziu que os atos da Administração Pública seriam vinculados ao
princípio da legalidade; não teria havido violação ao direito
fundamental à educação, à dignidade da pessoa humana, da cooperação
internacional, da razoabilidade e da proporcionalidade; em nenhum
momento teria sido negado o direito à educação à Autora. Teceu outros
comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais ao longo de sua
peça e requereu, ao final, o acolhimento das preliminares; ou, acaso
ultrapassadas, o indeferimento do pedido de tutela antecipada.
Em
seguida, a União apresentou Contestação, reiterando os argumentos
lançados quando de sua manifestação sobre o pedido de concessão da
tutela antecipada, e aduzindo que não seria possível a condenação da
União em ônus sucumbenciais, em caso de procedência do pedido, haja
vista que a Autora estaria sendo patrocinada pela Defensoria Pública da
União; seria aplicável ao caso a Súmula nº 421 do STJ, que determinariaa
impossibilidade de concessão dehonorários à Defensoria Pública, bem
como o art. 46, III, da LeiComplementar nº 80/94. Ao final, requereu: o
acolhimento das preliminares; ou acaso ultrapassadas, a improcedência do
pedido, requerendo a juntada do Ofício nº
235/2015-DELEMIG/DREX/SR/DPF/PE, como parteintegrante da Contestação.
Despacho que intimou a parte autora para apresentar Réplica.
A
parte autora apresentou Réplica à Contestação alegando, em síntese,
que: estaria comprovada a sua hipossuficiência a justificar a concessão
do benefício da assistência judiciária gratuita e a atuação da DPU em
seu patrocínio; aduziu que estaria juntando declaração de pobreza na
qual atestaria não dispor de condições financeiras para custear as
despesas do processo, tampouco honorários de advogado; esclareceu que
residiria no endereço informado na petição inicial juntamente com outros
estudantes que, em coletivo esforço, arcariam com as despesas da casa;
teria sua subsistência assegurada pelo recebimento de aporte financeiro
oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa à qual
se encontraria vinculada; portanto, restaria demonstrado que a Autora
seria pobre na forma da lei e faria jus à assistência jurídica gratuita,
pelo que não haveria que se falar em extinção do feito em face de
ausência de comprovação da hipossuficiência econômica; igualmente
rebateu a alegação de impossibilidade jurídica do pedido; aduziu que não
seria aplicável ao caso o art. 38 da Lei nº 6.815/80 porque a Autora
não estava irregular no Brasil; a situação de irregularidade teria sido
provocada pela exigência burocrática de que apenas poderia ingressar com
o pedido de prorrogação após obter o comprovante de matrícula, o qual,
por sua vez, teria sido emitido extemporaneamente; portanto, seria
manifesta a ilegalidade do não recebimento de prorrogação, e nula a sua
notificação para sair do País, visto que a situação de irregularidade
não teria sido por ela provocada; seu único objetivo seria renovar o
visto temporário de estudante, nos termos do art. 13, IV e 34 do
Estatuto do Estrangeiro, e não pedir visto novo; a jurisprudência dos
Tribunais Regionais Federais admitiria o controle judicial dos atos
administrativos de deportação, e reconheceria a quebra de juridicidade
em vários casos semelhantes ao presente; seriam devidos honorários de
sucumbência, os quais seriam destinados ao Fundo de Aperfeiçoamento
Profissional da Defensoria Pública da União - FUNADP, devidos a
Defensoria Pública da União nas ações em que participe; teria sido
aberta, em banco oficial, conta especial sob o título "Fundo para
Aperfeiçoamento e Capacitação Profissional da Defensoria Pública da
União", à conta e ordem da Defensoria Pública da União, com autorização
do Tesouro Nacional, exclusivamente para receber as receitas destinadas
ao Fundo (Caixa Econômica Federal, Agência 0002, Conta Corrente
10.000-5,Operação 006 órgãos públicos, CNPJ 00.375.114/0001-16, Titular:
Defensoria Pública da União). Ao final, reiterou os termos da petição
inicial.
Em cumprimento a decisão deste Juízo, a parte autora anexou declaração de pobreza que fora mencionada na Réplica.
A
parte autora ingressou com petição afirmando que, "malgrado liminar
deferida com plena produção de seus efeitos, teve seu ingresso no Brasil
obstado pela Polícia Federal na data de ontem."; quando do seu regresso
a este País, a Polícia Federal teria condicionado sua entrada ao
pagamento da multa imposta e que seria objeto desse processo judicial;
face à urgência da situação, a Autora teria se visto forçada a efetuar o
pagamento da multa; requereu que, quando da sentença de procedência,
com a consequente anulação da multa imposta, fosse determinada a
restituição dos valores dependidos pela assistida.
Intimada
para se manifestar acerca do alegado pela parte autora na petição acima
mencionada, a União alegou, em síntese, que: não teria havido qualquer
descumprimento de decisão judicial por parte da Polícia Federal; a União
aduziu que não teria havido o deferimento da deferimento da tutela nos
termos em que requerida, apenas tendo sido determinado, antes de
qualquer manifestação da União, que não fossem efetivadas medidas
tendentes à deportação da Autora; a União não teria adotado qualquer
medida tendente a sua deportação; a cobrança de multa, ainda em
vigência, para permitir a entrada da Autora no país em nada se
relacionaria com a deportação; a Autora teria se ausentado do País por
vontade própria, e apenas no seu retorno lhe teria sido cobrada o
pagamento da multa imposta, cuja exigibilidade não teria sido afastada
pela decisão em comento;tal cobrança não equivaleria à deportação e,
portanto, não poderia ser relacionada com o descumprimento de decisão
judicial, a configurar qualquer necessidade de ressarcimento; reiterou
os termos da Contestação e pediu deferimento.
Despacho
determinando que a questão da legalidade da multa administrativa
imposta à parte autora no curso do processo será apreciada quando da
prolação da Sentença; e determinou que as Partes especificassem provas
que pretendiam produzir.
As Partes informaram não ter provas a produzir.
É o relatório.
Relatado, fundamento e decido.
2- Fundamentação
2.1- Preliminares - ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido
Ilegitimidade ativa ad causam
A
alegada inexistência da hipossuficiência econômico-financeira da parte
autora não restou comprovada pela União, haja vista que a mera afirmação
de que a Autora reside em bairro nobre da cidade do Recife não
desconstitui a declaração da Autora que fora juntada após a Contestação,
de não poder arcar com as custas processuais e com os honorários de
advogado (v. declaração - Id. nº 4058300.2080694).
Ademais,
em sede de Réplica, a Defensoria Pública da União - DPU informou que a
Autora reside no endereço constante da Petição Inicial juntamente com
outros estudantes que, em coletivo esforço, arcam com as despesas da
casa.
A
DPU também esclareceu que a subsistência da Autora aqui no Brasil é
assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa a qual se encontra vinculada.
Acrescente-se
que, por imposição legal - art. 98 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do
Estrangeiro), que se encontrava em vigor na época dos fatos - ao
estrangeiro portador de visto temporário de estudante era vedado "o
exercício de atividade remunerada por fonte brasileira.", o que reforça a
ideia de que a Autora é realmente carente em termos financeiros.
Nessas circunstâncias, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam arguida pela União.
Impossibilidade jurídica do pedido
As
razões aduzidas pela União a título de preliminar de impossibilidade do
pedido confundem-se com o próprio mérito da ação, e terão sua devida
análise no momento da análise meritória.
Aliás,
a impossibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma das condições da
ação com o advento do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), sendo que qualquer
alegação nesse sentido é causa de decisão de mérito e não de carência
da ação.
2.2 - Mérito
A
Autora pretende, em síntese, obter a anulação do ato administrativo que
determinou sua deportação, assim como a anulação das multas que lhe
foram impostas por que estaria em situação irregular no País e, ainda,
pretende ter garantida a prorrogação do seu visto temporário de
estudante até o fim dos estudos na UFPE.
Em sede de antecipação de tutela, requereu: a emissão de ordem judicial equivalente a salvo conduto que impossibilite a sua deportação até o final de seus estudos, que ocorreria em setembro de 2015.
Os
documentos anexados aos autos demonstram: a condição de estrangeira de
LEA GENEVIEVE TRISTAN RAULIN BRIOT, parte autora, e que ela é nacional
da França (Id. nº 4058300.970034); a emissão de visto temporário de
estudante, em 05/08/2014, válido pelo prazo de (07) sete meses, com
fundamento no art. 13, inciso IV da Lei nº 6.815/80, vinculado à
Universidade Federal de Pernambuco (Id. nº 4058300.970025); a Autora
fora autuada (Auto de Infração e Notificação nº 0380 00159 2015) em
31/03/2015 pela Delegacia de Polícia de Imigração, por infração ao art.
125, II da referida Lei, tendo-lhe sido aplicada multa de R$ 41,39, pela
prática de "ultrapassar em 5 dia(s) o prazo de estada legal no país", e
também notificada de que poderia apresentar defesa escrita, no prazo de
cinco dias úteis (Id. nº 4058300.970043); a Autora fora notificada
(Termo de Notificação 0380 00019 2015) em 31/03/2015, pela Delegacia de
Polícia de Imigração, por estada irregular, a deixar o País no prazo de
08 (oito dias), conforme previsto no art. 98, II do Decreto nº
86.715/81, "a contar da presente data, sob pena de DEPORTAÇÃO, nos
termos do Art. 57, da Lei nº 6.815/80, modificada pela Lei nº 6.964/81."
(Id. nº 4058300.970043); informação com data de 12/03/2015, prestada
pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE de que Léa
Raullin Briot, ora Autora, estudante da Siences Po Grenoble, da França,
fora autorizada a cursar o "01 semestre", como aluna de convênio,
na Graduação em Música da UFPE, no período de março de 2015 a setembro
de 2015 (semestre 2015.1), e que a estudante não receberá qualquer tipo
de apoio financeiro da UFPE (Id. nº 4058300.970028); Ofício DRI nº
012/2015 datado de 06/04/2015, subscrito pela Diretora Adjunta de
Relações Internacionais da UFPE, dentre outras informações, constando
que "A referida estudante, devido ao prazo interno de processamento
de matrículas de nossa universidade, só pôde adquirir o comprovante de
matrícula, documento listado como necessário à renovação do visto, no
dia 25 de março de 2015, pois este comprovante só passa a ser emitido
pelo Corpo Discente desta instituição no final do período de modificação
de matrícula, que se encerrava no dia 26 de março de 2015 e, devido a
este contratempo, a estudante acabou perdendo o prazo que constava no
seu visto de permanência original. Pedimos, assim, que seja fornecida a
ajuda possível à aluna e agradecemos antecipadamente a compreensão."; e
comprovante de matrícula emitido em 25/03/2015, pena UFPE, constando a
matrícula de Lea Genevieve Tristan Raulin Briot, período 2015.1,
disciplina Ritmos Pernambucanos (Id. nº 4058300.970028).
Segundo
informação da Polícia Federal dirigida à Advogada da União, datada de
13/04/2015, a seguir resumida: o prazo de validade do visto concedido a
Lea Genevieve Tristan Taulin Briot foi de sete meses, de modo ao expirar
em 26/03/2015; a requerente, ora Autora, compareceu ao Núcleo de
Registro de Estrangeiros com a finalidade de prorrogar o seu visto em
31/03/2015, portanto, além do prazo de estada estabelecido em
26/03/2015; na ocasião, a Requerente/Autora não apresentara prova de que
a extemporaneidade de seu requerimento decorrera de razões de força
maior, caso fortuito ou por culpa da administração pública; no dia
02/04/2015, a Requerente/Autora teria comparecido à Chefia da Delegacia
de Polícia de Imigração e exposto sua situação, pelo que teria sido
informada de que deveria providenciar de sua instituição de ensino
superior documentação que comprovasse que a referida documentação de
matrícula não pôde ser anteriormente obtida por culpa da universidade, e
que ela teria até o dia 06/04/2014 (Sic.) para apresentá-la junto com a
defesa prévia do seu auto de infração, contudo, teria quedado silente; o
Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, pelo qual a UFPE comunicou
que o comprovante de matrícula ficou à disposição da Requerente/Autora
em 25/03/2015, "nunca chegou a esta Especializada"; supondo que a data
do comprovante de matrícula (25/03/2015) está correto, a
Requerente/Autora ainda estava dentro do prazo regular de estada para
requerer a prorrogação de seu visto, "podendo fazê-lo até o dia seguinte, 26/03/2015, não o fez, contudo, vindo a apresentar-se em data extemporânea;" (Id. nº 4058300.992894)
Os
documentos anexados aos autos demonstram que a emissão do visto
temporário de estudante em favor da ora Autora teve por fundamento o
inciso IV do art. 13 da Lei nº 6.815/80[1], do seguinte teor:
"Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:(...)IV - na condição de estudante;"
Demonstram,
outrossim, que o prazo de validade do visto concedido à Autora foi de
sete meses, de modo a expirar em 26/03/2015, e que Autora pretendia
prorrogar o seu visto provisório até o final de seus estudos, em
setembro de 2015.
Acerca da prorrogação do visto temporário de estudante, a Lei nº 6.815/80, no Parágrafo Único do seu art. 14, assim dispõe:
"Art. 14. O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art. 13, será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais, salvo o disposto no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista.Parágrafo único. No caso do item IV do artigo 13 o prazo será de até 1 (um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula."
A
prova do aproveitamento escolar e da matrícula são exigências também do
Decreto nº 86.715/81, que regulamenta a Lei nº 6.815/80, verbis:
"Art . 67 - O pedido de prorrogação de estada do temporário deverá ser formulado antes do término do prazo concedido anteriormente e será instruído com:II - prova:§ 2º - No caso de estudante, o pedido deverá, também, ser instruído com a prova do aproveitamento escolar e da garantia de matricula."
Noto
que a Lei não exige que o Estrangeiro, na situação da ora Autora, tenha
que levar a noticiada prova à Polícia Federal, mas sim perante a
Autoridade Consular.
E nada consta quanto à perda do prazo para a apresentação do documento relativo ao aproveitamento escolar.
Intui-se
que a Autoridade Consular ou a Autoridade Policial competente, caso
tenha conhecimento de que algum(a) Estudante estrangeiro(a), na situação
da Autora, tenha deixado de levar à qualquer das respectivas
Repartições o referido documento, deva investigar perante a Universidade
onde o(a) Estudante esteja fazendo o respectivo curso e informar-se
quanto à regularidade da sua situação escolar.
A
Autora compareceu ao Departamento de Imigração da Polícia Federal local
no dia 31/03/2017, com o seu visto expirado desde o dia 26/03/2017, mas
a Universidade, onde ela estudava, atestou, em 25.03.2017, que era
regular a sua situação estudantil
Nesse
contexto, não há como considerar irregular a permanência da parte
autora no Brasil, pois ela, no período do pedido de prorrogação da sua
estada no Brasil, tinha vida regular na Universidade onde estudava.
Bastava
a Autoridade Policial ter feito um telefonema para o setor próprio da
referida Universidade para constatar mencionada situação de
regularidade.
Não se pode impor a insuperável burocracia à materialidade dos direitos.
Os tempos de Franz Kafka ficaram p'ra trás, felizmente.
Não
há dúvida que a jovem Estudante francesa, ora Autora, estava regular,
tendo havido uma mera falta de diálogo, de comunicação, entre as
Autoridades brasileiras, consulares, policiais e universitárias, para
constatar a mencionada regularidade.
Não
pode a Polícia Federal instaurar procedimento ou processo de deportação
de estudante estrangeiro(a), antes de investigar se o(a) Estrangeiro(a)
encontra-se realmente irregular no País e, no presente caso, data venia,
resta incontroverso que, na época dos fatos acima narrados, era regular
a situação estudantil da jovem Estudante francesa, ora Autora, fato
esse que lhe dava o direito à renovação do visto de estada no Brasil
para os fins estudantis narrados nos autos.
Posto ISSO:
3.1 - rejeito as preliminares arguidas pela União;
3,2
- ratifico a decisão inicial, na qual, via concessão de tutela
provisória de urgência, determinou-se à UNIÃO que, por seu Órgão
próprio, se abstivesse de instaurar contra a Autora procedimento ou
processo de deportação e torno essa determinação definitiva, sob as
penas das Leis;
3.3
- E julgo procedentes os pedidos desta ação, anulando todo e qualquer
procedimento ou processo ou ato tendente à deportação da Autora e
condeno a UNIÃO, por seu Órgão Consular e/ou Policial próprio, a
regularizar o visto para sua estada no Brasil, para os fins estudantis
acima narrados e, como consequência, anulo todas as multas que tenham
sido aplicadas à Autora e condeno a UNIÃO a lhe restituir os respectivos
valores, com a atualização pertinente.
3.4
- Deixo de condenar a UNIÃO em verba honorária, porque a causa da
Autora está sendo patrocinada pela Defensoria Pública da UNIÃO, ou seja,
por Órgão da mencionada Requerida.
3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
R.I.
Recife, 03 de fevereiro de 2018.
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE.
(rmc)
[1]O Estatuto do Estrangeiro foi revogado pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017.