segunda-feira, 3 de agosto de 2015

IMÓVEL TOMBADO. RECUPERAÇÃO E CONSERVAÇÃO. PROPRIETÁRIOS SEM RECURSOS. RESPONSABILIDADE PELA RECUPERAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO IPHAN E DA UNIÃO. CASO DE DESCOLOCAMENTO DO IPHAN DO POLO ATIVO PARA O POLO PASSIVO.



Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
Segue um caso muito interessante. O Ministério Público Federal propôs uma ação civil pública contra particulares, proprietários de um imóvel tombado, por interesse histórico nacional, para obrigá-los a recuperar e conservar o imóvel com suas características históricas, imóvel esse sediado na cidade do Recife, num bairro denominado Recife Antigo. No decorrer da tramitação da ação, referidos proprietários comprovaram que eram pessoas pobres e que não teriam recursos econômico-financeiros para tal empreitada. Então, com base em regras do Decreto-lei nº 25, de 1937, o Juiz do caso estabeleceu que caberia ao IPHAN, que se alojara no polo ativo da ação como litisconsorte ativo, responder pelas obras, a expensas da UNIÃO, pelo que deslocou o IPNHAN do polo ativo para o polo passivo e mandou que o Autor, no caso, o Ministério Público Federal providenciasse a integração da UNIÃO no polo passivo como litisconsorte passivo necessário. O que veio a ocorrer. No final, o IPHAN foi condenado a recuperar o imóvel, a expensas da UNIÃO. A sentença do Juiz foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora está em fase de execução na 2a Vara Federal de Pernambuco.
 
Obs.: é importante registrar que em outro caso que tramitou nessa mesma Vara, na fase de apelação, o mesmo Tribunal considerou que o Juiz de primeiro grau não poderia ter deslocado o IPNHAN do polo ativo para o polo passivo, e por isso anulou a sentença.

 
 
PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

                     Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
 

Juiz Federal: Dr. Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 2003.83.00.009204-7 – Classe 01 – Ação Civil Pública


Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF E OUTRO (Procuradora – Luciana Marcelino Martins)


Réus: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN E OUTROS
 

 

 Registro nº ..............................................

Certifico que eu, ............, registrei esta Sentença às fls..............

Recife, ........./........../2008. 

 

 

Sentença tipo A                                                                                          

 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. IMÓVEL. BEM TOMBADO. RESTAURAÇÃO.
 

-Quando os proprietários de imóvel tombado não têm condições financeiras para a respectiva manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, às expensas da União, cuidar da manutenção e restauração, ou desapropriar o bem para tal fim, ou cancelar o tombamento.

 

-Procedência.  

 

 

 

Vistos etc.

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou, em 04.04.2003, a presente “Ação Civil Pública com pedido de liminar”, contra H T G, H T G, A T G, C T G e F T G, na qualidade de Litisconsortes Passivos, aduzindo, em síntese, que, em 06.02.2003, o Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN teria remetido ao Ministério Público Federal o ofício 043/2003/5ªSR/IPHAN/MinC, noticiando a existência de 27 (vinte e sete) imóveis no bairro do Recife, sendo um de propriedade dos Réus, que, em razão das péssimas condições de manutenção, estariam colocando em risco a integridade física da população; que teria sido instaurado o procedimento administrativo de nº 1.26.000.262/2003-63; que a Empresa de Urbanização do Recife – URB teria apresentado parecer técnico sobre a  condição dos imóveis em questão; que, segundo referido parecer, em junho de 2001 e janeiro de 2003, teriam sido realizadas vistorias por técnicos da ERBR, DIRCON e CODECIR; que, em alguns imóveis, teria sido definida a imprescindibilidade de colocação de tapumes durante o período do Carnaval/2002, havendo sido repetido tal procedimento no Carnaval/2003; que a ENLURB teria colocado tapumes nos 27 (vinte e sete) imóveis com risco de desabamento; que alguns desses imóveis estariam com a fachada e a estrutura comprometidas, com sérios riscos de desabamento, implicando temeridade à integridade física da população; que dentre os imóveis em questão estaria o imóvel situado à Avenida Marquês de Olinda, Prédio nº 174, de propriedade dos Réus. Argumentou que teria sido deferida liminar na ação cautelar, também proposta pelo Ministério Público Federal, proibindo a retirada dos tapumes; que o imóvel em questão faria parte do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico do antigo bairro do Recife, tombado pelo IPHAN. Discorreu sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da presente ação. Sustentou que a proteção ao patrimônio histórico teria cunho constitucional; que caberia ao proprietário conservar seu imóvel; que os Réus não teriam procedido à restauração do imóvel, colocando em risco a integridade física da população. Teceu outros comentários. Invocou entendimento doutrinário. Requereu: a concessão de liminar para determinar que os Réus fossem obrigados a restaurar imediatamente o imóvel, adequando-o às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, devendo tal projeto ser submetido à aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, bem como realizando as obras necessárias, após a aprovação do projeto; a citação dos Réus; a intimação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN para integrar o pólo ativo da demanda; a procedência dos pedidos, condenando os Réus na obrigação de fazer, consistente na restauração integral do imóvel situado à Rua Marquês de Olinda, nº 174, Bairro do Recife, adequando o imóvel às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, submetendo referido projeto ao IPHAN, assim como realizando as obras necessárias, após aprovação pelo Município e pela Autarquia Federal referida. Fez protestos de estilo. Atribuiu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com documentos (fls. 15-36).

À fl. 38, restou consignado que o pedido de concessão de medida liminar seria apreciado após prévia justificação da parte requerida. Outrossim, foi determinada a citação das partes e a publicação do Edital previsto no art. 94 do CDC.

Despacho determinando que os mandados de fls. 46 e 59 fossem desentranhados e entregues ao referido Sr. Oficial de Justiça para o devido cumprimento, nos endereços indicados no verso de tais mandados, à fl. 75.

Foi deferido o pedido formulado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN no sentido de figurar no pólo ativo da demanda, na qualidade de assistente do Ministério Público Federal. Outrossim, foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público Federal para falar sobre o falecimento do Réu indicado na certidão de fl. 62 (fl. 83).

Termo de Retificação de Distribuição, à fl. 85.

A T G apresentou Justificação Prévia às fls. 93-95 requerendo, inicialmente, o benefício da gratuidade de justiça. Defendeu a intimação pessoal do órgão da Defensoria Pública da União e a contagem em dobro dos prazos processuais. Aduziu, em síntese, que seria titular do benefício de amparo social nº 127.554.607-0, instituído pela Lei nº 8.742/1993, o que lhe garantiria a percepção de um salário mínimo mensal, eis que seria idoso e sem meios de prover a própria manutenção e tampouco tê-la provida por sua família; que o gozo do aludido benefício seria a sua única fonte de renda, consoante extrato de declaração de IR 2002 que acostou; que a incapacidade econômica do Requerido demonstraria a sua completa impossibilidade de arcar com as despesas de manutenção e/ou reparação do imóvel em questão. Sustentou, ainda, relativamente à obrigação de comunicar o Poder Público acerca da necessidade de realização de obras no imóvel, que a norma de ordem pública nem sempre teria o alcance desejado, haja vista a ausência de instrução do Requerido, não havendo, portanto, procurado assistência técnica que lhe informasse sobre o ônus legal imposto ao proprietário de imóvel tombado. Teceu outros comentários e requereu o indeferimento da liminar, ante a comprovação dos motivos justificadores da não realização de obras de conservação e/ou reparação do imóvel tombado em referência. Petição instruída com documentos às fls. 96-102.

Decisão fundamentada indeferindo o pedido de medida liminar relativamente aos Requeridos H T G e A T G; deferindo o pedido de medida liminar com relação aos Requeridos C T G e F T G e, quanto aos imóveis que lhes pertenceriam, foi fixado o prazo de 30 (trinta) dias para comprovação nos autos que deram início à contratação de especialistas na elaboração do projeto a ser apresentado ao órgão da Prefeitura indicado na Inicial, bem como ao IPHAN. Outrossim, foi determinado que, no prazo de 60 (sessenta) dias, apresentassem os Requeridos referido projeto àquele órgão e a esta Autarquia Federal, sob pena de pagamento de multa mensal. Ao final, foi determinado que o Ministério Público Federal tomasse as providências pertinentes em relação à H T G, já falecida, bem como para se manifestar acerca do posicionamento do IPHAN neste feito (fls. 107-108).

C T G apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO”, requerendo, inicialmente, o benefício do art. 4º da Lei nº 1.060/50. Sustentou que não teria renda, tampouco receberia benefício previdenciário, vivendo a expensas de um filho, razão porque requereu a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 114-115). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 116-121.

F T G apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO” afirmando que não teria condição financeira de arcar com os custos de contratação e elaboração de projeto, requerendo a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 122-123). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 124-126.

Decisão de fl. 133 suspendendo os efeitos da decisão de fls. 107-108 relativamente aos Requeridos C T G e F T G. Outrossim, foi deferido o pedido do Ministério Público Federal (fls. 130-132) no sentido de determinar a intimação do IPHAN para manifestação nos autos.

O IPHAN requereu a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal para remessa de cópia das últimas cinco declarações de imposto de renda dos Réus para fins de comprovação de sua condição financeira (fls. 137-138), o que foi deferido à fl. 150.

Documentos juntados às fls. 154-162 e 163-166.

À fl. 176, foi indeferido o pedido do IPHAN de fls. 173-174 de quebra do sigilo bancário e realização de pesquisa em cartórios de registro de imóveis para constatar eventuais propriedades dos Requeridos.

O IPHAN requereu a juntada de ofícios que comprovariam as diligências efetuadas pelo órgão no sentido de constatar a existência de bens pertencentes aos Réus (fl. 182). Juntou cópia de ofícios às fls. 183-188.

O IPHAN requereu a juntada do Ofício nº 2.530/2006, oriundo Cartório de Registro de Imóveis – 1º Ofício, pelo qual se demonstraria a existência de imóveis de propriedade dos Réus (fls. 190-197).

O Ministério Público Federal reiterou o pedido de liminar formulado na Inicial para que o IPHAN procedesse às obras de restauração necessárias (fls. 199-201).

Foi deferido em parte os pedidos de fls. 199-201 do Ministério Público Federal, reconhecendo a impossibilidade econômico-financeira de os Requeridos arcarem com a obra de recuperação e conservação do imóvel em questão, restando revogada a decisão de fl. 108 relativamente a tais Requeridos; por força do disposto no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 1937, o IPHAN foi deslocado para o pólo passivo desta ação, sendo determinada a remessa dos autos à Distribuição para a retirada da aludido Autarquia do pólo ativo, autuando-a no pólo passivo do feito para, querendo, apresentar Contestação; determinando que o Ministério Público Federal indicasse a União no pólo passivo, na qualidade de litisconsorte necessário, completando a inicial relativamente a esta, com a respectiva fundamentação e pedido, requerendo a sua citação (fls. 202-203).

O Ministério Público Federal pugnou pelo recebimento do presente aditamento à inicial, para incluir a União no pólo passivo da demanda, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, reiterando o MPF em relação a esta todos os termos da exordial, inclusive os pedidos ali deduzidos, ressaltando-se que caberia ao IPHAN a execução das obras e à União o respectivo custeio. Ao final, pugnou pela citação da União (fls. 210-211).

O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional apresentou Contestação às fls. 215-234 argüindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, eis que seria parte ilegítima para arcar com quaisquer ônus decorrentes da condenação. No mérito aduziu, em suma, que seria contra senso imputar ao IPHAN os custos da reforma do imóvel em tela sem questionamento mais aprofundado sobre as condições financeiras do proprietário, haja vista que foi a própria Autarquia, por intermédio de fiscalizações por ela realizadas, que provocou o Ministério Público Federal a ajuizar a presente ação civil pública; que pela redação do Decreto-lei nº 25/1937, o Poder Público só deveria arcar com as referidas obras quando o seu proprietário não dispusesse de recursos para tanto, o que caracterizaria, portanto, uma responsabilidade subsidiária; que o dispositivo legal imporia esse dever de cuidado até mesmo àquele sem condições de realizar as reformas com os próprios recursos, estabelecendo a obrigação de comunicar ao IPHAN a necessidade de revitalização de seu bem, sob pena de pagamento de pesada multa; que o dever de zelo e manutenção do bem seria ainda maior para os proprietários cuja condição financeira determinaria a realização de reforma às suas próprias custas, já que a lei impediria que a revitalização fosse custeada pelo IPHAN nesses casos; que o imóvel em questão, a despeito de tombado, seria de propriedade particular não se afigurando razoável que o Poder Público arcasse com as despesas de uma reforma, ainda que emergencial, o que representaria significativa valorização do bem, caracterizando o enriquecimento sem causa dos proprietários. Aduziu, ainda, que seria necessária uma reflexão acerca das reais condições do IPHAN arcar com os custos das obras discutidas no presente processo, especialmente se considerando que as verbas destinadas para tanto seriam deslocadas de outras atividades realizadas pelo instituto, também protetivas ao patrimônio histórico e artístico; que a responsabilização do IPHAN no custeio das obras de reforma do imóvel em questão mostrar-se-ia juridicamente impossível. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, se não fosse o entendimento, pugnou pela exclusão do IPHAN do pólo passivo a fim de que figurasse na ação como amicus curiae. Pugnou, ainda, pela citação da União. Protestou o de estilo e pediu deferimento.

À fl. 235, foi determinada a citação da União, conforme requerido pelo MPF à fl. 211.

A UNIÃO apresentou Contestação às fls. 240-258, argüindo as seguintes preliminares: a) legitimidade ativa da União, pugnando pela sua inclusão no pólo ativo da demanda; b) ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, haja vista que direito individual, divisível e disponível não poderia ser protegido pela Ação Civil Pública, devendo ser extinto o processo sem apreciação do mérito, em face do art. 267, VI, do CPC; c) impossibilidade de alteração do pedido após a citação e contestação do Réu, requerendo a União, em observância aos artigos 264, 294 e 303 do CPC, o expurgo da adição ao pedido inicial do Autor, excluindo-a da lide. No mérito aduziu, em síntese, que a União teria exercido suas obrigações de fiscalização e acompanhamento do bem, haja vista que a própria Ação Civil Pública em apreço, de autoria do Ministério Público Federal, nasceu da provocação de ente da União (IPHAN) que, ao fiscalizar o bem, teria verificado os fatos que deram ensejo ao presente feito; que, por conseguinte, não poderia a União figurar no polo passivo da demanda, de modo a resistir à pretensão autoral, pois a permanência da União como parte ré da ação seguiria de encontro à sua competência constitucionalmente atribuída de proteção e guarda dos bens de valor histórico e cultural, requerendo, então, o acolhimento da presente manifestação, como o deferimento do pedido de assistência litisconsorcial da União no polo ativo da demanda, aderindo, assim, aos pedidos formulados na inicial; que os Réus da presente ação, além do imóvel objeto da lide, também seriam proprietários de outros imóveis na Cidade do Recife/PE, sendo possuidores de condições financeiras para arcar com os gastos da reforma; que o dinheiro público não poderia ser usado para aumentar o patrimônio de particulares; que condenar a União ao pagamento das despesas de obra de prédio tombado equivaleria à retirada de dinheiro do povo para engordar o patrimônio de pessoas que morariam em bairro nobre da cidade. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento das preliminares suscitadas e, no mérito, que fosse reconhecida a improcedência dos pedidos. Protestou o de estilo. Juntou documentos às fls. 259-271.

Determinou-se a remessa dos autos à Distribuição para inclusão da União no pólo passivo da demanda e, após, ao Ministério Público Federal (fl. 272).

Termo de Retificação de autuação, à fl. 274.

O Ministério Público Federal apresentou Réplica às Contestações às fls. 277-284.

Vieram os autos conclusos para sentença.
        

É o Relatório.

Passo a decidir. 

Fundamentação
 

Matérias Preliminares 

        As matérias preliminares sobre a incapacidade financeira das pessoas indicadas como Rés na petição inicial e a realocação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para o pólo passivo e inclusão da União como litisconsorte passivo necessário foram apreciadas e solucionadas na decisão de fls. 202-203, datada de 27.02.2007, que, formalmente,  já transitou em julgado.
 
         Ante os argumentos ali consignados, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União.
 

         Mérito 

         Não há dúvida nos autos de que o imóvel em questão encontra-se realmente tombado e por isso enquadrado como bem imóvel histórico e artístico nacional, sob a proteção das regras do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

         Com efeito, rezam os artigos 1º e 2º desse Diploma Legal:
 

 “Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

 § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.

 § 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.

 Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno.”. (Sic).

O art. 19 e respectivos parágrafos do mencionado Decreto-lei[1] estabelece que, quando o bem tombado pertencer a um particular e este não tiver condições econômico-financeiras para arcar com as despesas de manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN desapropriar o imóvel para fins de manutenção e restauração, ou arcar com a manutenção e restauração, às expensas da União. E deverá tomar tais providências no prazo de 6(seis) meses. Ou então, deverá cancelar o tombamento, deixando o proprietário livro para dar ao bem o destino que lhe aprouver.  

         Como já dito, na Decisão de fls. 202-203, que transitou em julgado, foi reconhecida a incapacidade financeira dos proprietários, tendo o Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN sido deslocado para o polo passivo e a União foi chamada para o  para o mesmo pólo, como litisconsorte passivo necessário.

         Como o próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, na via administrativa, em expediente dirigido ao Ministério Público Federal, ora Autor,  cuidou de demonstrar da necessidade urgente da reforma(restauração) do imóvel em questão, não há o que se discutir quanto a este aspecto.

                  Neste tipo de ação, quando proposta pelo Ministério Público, ainda que procedente, não cabe a condenação da Parte Ré em verba honorária, porque referido Órgão apenas cumpre uma das suas funções institucionais, qual seja, de zelar pelo patrimônio histórico e artístico nacional.[2] É tanto que, certamente ciente disso, a d. Procuradora da República, Dra. Luciana Marcelino Martins, que assina a petição inicial, não pediu condenação da Parte Ré em verba honorária.

         Conclusão: 

         Posto isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, no prazo fixado no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, sob às expensas da União, a dar início às obras de restauração do imóvel em questão, ou desapropriar mencionado imóvel para tal fim, ou então cancelar o respectivo tombamento, sendo que, caso escolha uma das duas primeiras opções, fica a União, à luz do mencionado dispositivo legal c/c o respectivo § 3º,  condenada a disponibilizar, dentro do mesmo prazo, a quantia necessária para tal fim, sob pena de os responsáveis pela administração do referido Instituto e da União serem responsabilizados no campo da improbidade administrativa, funcional e criminalmente.
 

         De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
 

         Sem verba honorária, conforme fundamentação supra, e sem custas, uma vez que os ora condenados gozam do benefício da justiça gratuita.
 

         Recife, 16 de maio de 2008.  

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

                 Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

Contra essa sentença, a UNIÃO interpôs embargos de declaração, que não foi conhecido, conforme sentença que segue.  

 


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior


Processo nº 2003.83.00.9204-7  Classe 1  Ação Civil Pública

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradora da República Luciana Marcelino Martins

Réu: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSITICO NACIONAL – IPHAN E OUTROS 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2008.

 

Embargos de Declaração

 

 

EMENTA: - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. 

Não existindo a apontada omissão, não se conhece dos Embargos de Declaração. 

Não conhecimento.  

 

VISTOS ETC. 

A UNIÃO interpôs Embargos de Declaração, às fls. 552/559, aduzindo, em suma, que teria havido omissão na Sentença de fls. 286/292, quanto à alegação de sua legitimidade ativa ad causam; que, não obstante haver sido determinada a inclusão da UNIÃO como litisconsorte passivo necessário na decisão de fls. 202/203, a fixação dos pólos da relação processual configurar-se-ia matéria de ordem pública, não sujeita à preclusão; que seria irrefutável sua legitimidade ad causam; que o patrimônio histórico e cultural tocaria diretamente os interesses difusos, para os quais a lei teria previsto a legitimidade ativa da UNIÃO; que a UNIÃO exercera suas obrigações de fiscalização e acompanhamento do bem; que, não havendo sido provada omissão dos entes fiscalizadores, tampouco que a UNIÃO e o IPHAN tivessem causado dano difuso, não poderia a UNIÃO e o IPHAN estarem no pólo passivo da demanda; que a Petição Inicial não teria dirigido qualquer pedido contra a UNIÃO ou o IPHAN; que os problemas estruturais dos imóveis em questão teriam sido causados pela inércia dos proprietários; que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL teria proposto a presente ação civil pública como resultado da ação fiscalizadora da UNIÃO; que o microssistema processual de ações coletivas encartado na Lei nº 8.078/90 também estabeleceria a legitimidade ativa da UNIÃO. Teceu outros comentários, requerendo, ao final, fosse sanada a omissão apontada, aplicando-se os efeitos modificativos cabíveis, sob pena de flagrante violação aos artigos 5º, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição da República. Pediu deferimento. 

É o Relatório


Decido.
 

Data venia, relativamente à colocação da União no pólo passivo e sua preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, não houve omissão na Sentença, pois conforme consta, expressamente, na sua fundamentação, no tópico “Matérias Preliminares”, mencionadas matérias já tinham sido enfrentadas na decisão de fl. 202-203, tendo-se por óbvio que a rejeição, na Sentença, das preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da contestação do IPHAN e da contestação da UNIÃO teve por base toda a fundamentação consignada naquela decisão, de forma que repeti-la na Sentença seria insuportável redundância.  

Conclusão:
 
Posto isso, não conheço dos Embargos de Declaração de fl. 334-341.

 
P. R. I.

 
Recife, 13 de agosto de 2008.

 

 
Francisco Alves dos Santos Júnior

    Juiz Federal da 2ª Vara - PE


 

-INFORMAÇÕES IMPORTANTES
 
O IPHAN e a UNIÃO interpuseram recurso de apelação contra essas sentença.
 

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, manteve a sentença deste juízo, em acórdão assim ementado:
 

APELREEX Nº 3868/PE(2003.83.00.009304-7).

 

RELATOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR

 

“ADMNISTRATIVO. APELAÇÃO. BEM IMÓVE TOMBADO. DETERIORAÇÃO. RECONHECIMENTO DE INSUFICIÊNICA FINANCEIRA DOS PROPRIETÁRIOS DO BEM. RESPONSABILIDADE DO SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL PELA REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA FINS DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO, A EXPENSAS DA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE DESLOCAMENTO DO  IPHAN E DA UNIÃO PARA O POLO PASSIVO DA DEMANDA. PRECEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

 
-O valor histórico de bem imóvel tombado demanda a adoção de medidas voltadas a sua reparação e conservação.

-De acordo com o Decreto-lei nº 25/37, a responsabilidade por tais ações recai sobre o proprietário do bem, desde que o mesmo disponha de recursos econômicos para realizá-las. Em caso contrário, tal responsabilidade será do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, à custa da União Federal.

-O poder-dever do IPNHAN de determinar a realização de obras de conservação em casos de urgências e a obrigação da UNIÃO de custeá-las autoriza o deslocamento desses Entes para o polo passivo da demanda, notadamente quando constatada a insuficiência.

-Apelações e remessa de ofício improvidas.  

Acórdão  

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, negar provimento às apelações e à mressa oficial, nos termos do voto do Relator.

 

         Recife(PE), 05 de junho de 2012(data do julgamento).“[3]

 

            Assinado pelo Desembargador Relator.

 

A UNIÃO e o IPNHAN interpuseram recurso especial contra o acórdão supra.

 

O Ministro Mauro Campbell, em decisão fundamentada,  negou seguimento a esses recursos especiais[4].

 

A UNIÃO e o IPHAN interpuseram contra mencionada decisão agravo regimental.

 

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ, por unanimidade, negou provimento a tais agravos regimentais.[5]

 

Contra referido acórdão, a UNIÃO opôs embargos de declaração.

 

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ, por unanimidade, rejeito os embargos de declaração da UNIÃO.[6]

 

Os acórdãos e a sentença encontram-se na fase de execução na 2ª Vara Federal de Pernambuco, na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, Brasil.




[1] Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937.
“Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude êste artigo, por parte do proprietário.”(Sic).
 
[2] Nesse sentido, já decidiu a Primeira Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Pior outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizadora, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorários. Aliás, essa orientação tem norteado alguns dos órgãos de execução do
Ministério Público do Rio de Janeiro, os quais, quando propõem a ação civil pública, limitam-se a postular a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou ao pagamento de
indenização, sem formular requerimento a respeito de despesas processuais e honorários advocatícios." José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª ed; Lúmen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p. 485/486).
3....”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RECURSO ESPECIAL – 845339, 
Processo: 200600937910 UF: TO Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da decisão: 18/09/2007 Documento: STJ000777019. Relator Ministro Luiz Fux.
Diário da Justiça da União, de 15/10/2007, p. 237.
 
[3] Diário da Justiça Eletrônico-DJe do TRF5 nº 110.0/2012, disponibilizado em 07.06.2012 e publicado em 08.06.2012.
 
[4] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, decisão disponibilizada em 14.04.2014 e publicada em 15.04.2014.
 
[5][5][5] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, disponibilizado em 23.05.2014 e publicado em 26.05.2014.  
 
[6] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, disponibilizado em 29.09.2014 e publicado em 30.09.2014.