quarta-feira, 18 de outubro de 2023

INSS. FALECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. RESPONSABILIDADE DOS CARTÓRIOS DE REGISTRO CIVIL E DO SERVIDOR DO INSS NA BAIXA DO NOME.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue interessante caso, envolvendo o falecimento de pessoa com deficiência, cujo benefício assistencial era recebido pela Mãe, sendo que, não obstante o seu falecimento, o INSS continuou depositando o respectivo valor. O caso envolve a boa-fé da Mãe, que continuou recebendo o valor do benefício, cujo depósito não foi interrompido pelo INSS, e a responsabilidade legal do Cartório de Registro de Nascimento de comunicar o falecimento ao INSS e do Servidor do INSS que, ao receber a comunicação do Cartório, possa não tê-la encaminhado para o setor de benefícios dar a respectiva baixa. 

Boa Leitura. 


PROCESSO Nº: 0801756-77.2017.4.05.8200 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: GERUSA DE NAZARENO
CURADOR À LIDE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Cristina Maria Costa Garcez
 

Relatório

Trata-se de recurso de Apelação interposto por Gerusa de Nazareno (id. 4058200.10668052), ante r. Sentença prolatada pela Dra. Cristina Maria Costa Garcez, MMa. Juíza Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba que, apreciando ação pelo procedimento comum cível proposta pelo INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, em que se buscava provimento judicial que compelisse a ora Apelante a restituir valores sacados, em tese, indevidamente, a título de amparo social à pessoa portadora de deficiência, julgou procedente a pretensão exposta na inicial para condenar a Parte Ré a restituir ao INSS os valores que foram sacados indevidamente, a título de benefício assistencial (NB 87/519.515.102-0), no período compreendido entre 02/09/2011 e 30/11/2012.

Sustenta a Apelante que, de fato, realizou os saques dos valores referentes ao benefício assistencial titularizado por seu filho, mesmo após a sua morte.  No entanto, alega que não agiu de má-fé, visto que houve demora excessiva no trâmite processual que antecedeu a emissão do mandado para assentamento do óbito, expedido somente em 21/09/2012, com registro efetivo apenas em novembro de 2012, não podendo tal demora ser imputada a si.

Afirma ainda que seu núcleo familiar era composto pela Apelante, por seu marido e por seu falecido filho, sobrevivendo eles apenas do benefício assistencial de seu filho. Logo, a família era merecedora de benefício assistencial, tanto assim que, logo que satisfeito o requisito idade, seu marido requereu e foi concedido benefício assistencial pelo INSS.

Assim, quer por ter recebido de boa-fé, quer por ser o núcleo familiar de miserabilidade constatada pelo próprio INSS, tanto que concedeu benefício assistencial a seu marido, requer a Apelante a reforma integral da r. Sentença.

Com contrarrazões (id. 4058200.10955943) pela confirmação da r. Sentença vieram os autos, tocando-me por distribuição por sorteio automático. (id. 4050000.35310069)

É relatório.

 




Voto

O Desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Junior (relator):

Conheço do recurso interposto por GERUSA DE NAZARENO, porque observa o princípio da singularidade, tempestivo, devidamente instruído e com dispensa do preparo, tendo em vista o benefício da gratuidade da justiça concedido pelo Juízo de origem e que se estende a todos os atos processuais e a todas as instâncias (art. 9º da Lei nº 1.060/50).

Trata-se de recurso contra r. sentença da lavra da d. Magistrada Federal CRISTINA MARIA COSTA GARCEZ, na qual condenou a Recorrente a devolveu ao INSS os valores que recebeu de benefício assistencial, depositado pelo INSS a favor do seu filho, depois do falecimento deste, pelo período de mais de um ano.  

Essa douta Magistrada Federal, depois de invocar regras do código civil, julgado de direito administrativo, firmou o seguinte convencimento:

"Por fim, registre-se que a realização dos depósitos pelo INSS, mesmo se cientificado do óbito, não autoriza os saques por parte da demandada, pelo que a conduta da autarquia promovente não pode ser apontada como causadora do dano, ainda que na forma concorrente. Mesmo disponibilizados os valores na conta do segurado falecido, estes efetivamente só foram sacados porque a ré, por sua própria vontade, tomou para si a responsabilidade pelo ato e pela apropriação dos valores."

E, diante dessa premissa, condenou Dona GERUZA NAZARENO a ressarcir o INSS de todos os valores que recebeu, por mais de um ano, com as atualizações pertinentes.

Examinemos a questão por outro prisma.

O filho da Apelante, Jaime Leopoldino dos Santos Júnior, era titular de amparo social à pessoa com deficiência (NB 87/519.515.102-0), vindo a falecer em 01/08/2011.

Ocorre que o INSS continuou depositando o valor do referido beneficio assistencial por mais de um ano. 

Na época do mencionado falecimento, o Cartório de Registro Civil, por força da regra cogente do art. 68 da Lei 8.212, de 1991[1], na redação então vigente desse dispositivo, tinha a obrigação de comunicar ao INSS, até o dia 10(dez) de cada mês, todos os falecimentos de pessoas cujos registros de nascimento estivesse nele cadastrados, inclusive o falecimento do filho da ora Recorrente, para que o INSS desse baixa e cancelasse o pagamento do benefício.

Na atual redação desse dispositivo legal, o prazo para o Cartório cumprir essa obrigação é de 1(um) dia útil[1].

A responsabilização pelo ressarcimento do INSS, o qual, não obstante o falecimento do Beneficiário, continuou a depositar o valor do benefício ao qual fazia jus quando vivo, deve ser atribuída ou ao Cartório de Registro Civil, caso não tenha efetuado a referida comunicação ao INSS ou, se o fez, ao Servidor do INSS que tenha recebido mencionada comunicação e não a tenha encaminhado ao setor de Benefícios dessa Autarquia para a referida baixa.

Isso deve ser rigorosamente apurado pela Procuradoria do INSS e, apurado o Responsável, contra ele propor a respectiva ação de ressarcimento.

Não se pode direcionar a responsabilidade pelo ressarcimento do INSS à Mãe do de cujus, pois, sendo pessoa muito simples e pobre, continuou a sacar o valor do benefício assistencial, porque era Procuradora do seu falecido filho que, em vida, era pessoa com deficiência, mesmo depois da morte do seu filho, primeiro, porque o INSS continuou a depositar, segundo porque ninguém lhe informou que não poderia mais sacar referido valor, terceiro porque não tinha a informação de que isso não poderia ser feito. Ora, diante da sua precariedade econômico-financeira, certamente pensou que, por isso, o INSS resolvera manter o beneficio assistencial em questão.

Consta na r. sentença criminal: "com efeito, muito embora tenha recebido ilicitamente o pagamento do benefício do filho, não considero que a Ré tenha agido de maneira fraudulenta, omitindo o óbito do filho, com vontade livre e consciente de receber vantagem indevida em face do INSS."[2]

Data maxima venia da d. Magistrada de primeiro grau, não encontro uma única prova de que a ora Autora tinha ciência de que não poderia sacar aqueles minguados reais, depositados espontaneamente pelo INSS.

Note-se que nem mesmo no campo criminal houve possibilidade jurídica de punir essa Mãe, vítima de tantas agruras na sua vida tão nazarena.

Nessas circunstâncias, tenho que o apelo merece ser provido, com reforma da r. sentença,  afastando-se a responsabilidade de Dona GERUSA DE NAZARENO, com pobreza até no sobrenome, e devendo a Procuradoria do INSS fazer as devidas apurações, conforme acima indicado, e buscar responsabilizar o real responsável por tamanha irresponsabilidade.

E também que se dê ciência ao MPF, para as apurações devidas e, se for o caso, para tomar as respectivas providências legais.

É como voto.


_______________________________________

[1] Lei 8.212, de 1991: 

Redação na época do falecimento do filho da Autora:

"Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.                 (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15.4.94) "..

Nova redação a partir de 2019:

"Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais remeterá ao INSS, em até 1 (um) dia útil, pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) ou por outro meio que venha a substituí-lo, a relação dos nascimentos, dos natimortos, dos casamentos, dos óbitos, das averbações, das anotações e das retificações registradas na serventia. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)"

[2] BRASIL. JUSTIÇA FEDERAL DA PARAÍBA. PJe 0802198-09.2018.04.05.8200. Juíza Federal Cristiane Mendonça Lage. Trânsito em julgado em 03.08.2021(sem recurso do MPF).



PROCESSO Nº: 0801756-77.2017.4.05.8200 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: GERUSA DE NAZARENO
CURADOR À LIDE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves dos Santos Júnior - 5ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Cristina Maria Costa Garcez

 

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO. ASSISTENCIAL. MORTE DE BENEFICIÁRIO. CONTINUIDADE DOS DEPÓSITOS, PELO INSS, DO VALOR MENSAL DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESPONSABILIDADE PELO CARTÓRIO DE REGISTRO DE NASCIMENTO(ART 68 DA LEI 8.212, DE 1991) OU, SE FEITA A COMUNICAÇÃO DA MORTE AO INSS, PELO SERVIDOR DESTE QUE TENHA RECEBIDO E NÃO PROVIDENCIOU A BAIXA DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DA MÃE, QUE CONTINUOU SACANDO O VALOR DO BENEFICIO DEPOSITADO INDEVIDAMENTE PELO INSS. ESTADO DE DESINFORMAÇÃO E POBREZA EXTREMA. ABSOLVIÇÃO NA ÁREA CRIMINAL.

1. Recebimento e conhecimento de Recurso de Apelação interposto, a tempo e modo,  por G.N, com dispensa do preparo, tendo em vista o benefício da gratuidade da justiça concedido pelo Juízo de origem e que se estende a todos os atos processuais e a todas as instâncias (art. 9º da Lei nº 1.060/50).

2. Os fatos são absolutamente incontroversos.

2.1 - O filho da Apelante, J.L.S.J, era titular de amparo social à pessoa com deficiência (NB 87/519.515.102-0), vindo a falecer em 01/08/2011.

2.2 - Ocorre que o INSS continuou depositando o valor do referido beneficio assistencial por mais de um ano, ou porque o respectivo Cartório de Registro Civil não cumpriu a regra cogente do art. 68 da Lei 8.212, de 1991[1], que lhe obrigava e lhe obriga a comunicar ao INSS, no prazo de 1(um) dia útil, o falecimento de todo cidadão que nele se encontre com o nascimento registrado, para que o INSS possa dar baixa e cancelar o pagamento de eventual benefício, ou porque algum seu Servidor recebeu a comunicação do Cartório de Registro Civil e não providenciar a baixa do nome do filho da Recorrente, com automático cancelamento do benefício. 

2.2 - A responsabilização pelo ressarcimento do INSS, o qual, não obstante o falecimento do Beneficiário, continuou a depositar o valor do benefício ao qual fazia jus quando vivo, deve ser atribuída ao Titular do Cartório de Registro Civil, caso não tenha efetuado a referida comunicação ou, se o fez, essa responsabilidade cabe ao Servidor do INSS que tenha recebido mencionada comunicação e não a tenha encaminhado ao setor de Benefícios dessa Autarquia para a referida baixa.

2.3 - Isso deve ser rigorosamente apurado pela Procuradoria do INSS e, apurado o Responsável, contra ele propor a respectiva ação de ressarcimento.

3. Não se pode direcionar a responsabilidade pelo ressarcimento do INSS à Mãe do de cujus, pois, sendo pessoa muito simples e pobre, continuou a sacar o valor do benefício assistencial, mesmo depois da morte do seu filho, primeiro, porque o INSS continuou a depositar, segundo porque ninguém lhe informou que não poderiam mais sacar referido valor, terceiro porque não tinha a informação de que isso não poderia ser feito. Ora, diante da sua precariedade econômico-financeira, certamente pensou que, por isso, o INSS resolvera manter o beneficio assistencial em questão.

3.1 - Note-se que nem mesmo no campo criminal houve possibilidade jurídica de punir essa Mãe, vítima de tantas agruras na sua vida tão nazarena. Eis o trecho da r. sentença que trata do assunto: "com efeito, muito embora tenha recebido ilicitamente o pagamento do benefício do filho, não considero que a Ré tenha agido de maneira fraudulenta, omitindo o óbito do filho, com vontade livre e consciente de receber vantagem indevida em face do INSS."

4. Nessas circunstâncias, o voto é no sentido que o apelo merece ser provido, com reforma da r. sentença,  afastando-se a responsabilidade de Dona G. DE NAZARENO, com pobreza até no sobrenome, devendo a Procuradoria do INSS fazer as devidas apurações, conforme acima indicado, e buscar responsabilizar o real responsável por tamanha irresponsabilidade.

4.1 - E também que se dê ciência ao MPF, para as apurações devidas e, se for o caso, para tomar as respectivas providências legais.

5. Recurso de apelação conhecido e PROVIDO, com inversão dos ônus da sucumbência, ficando a verba honorária advocatícia limitada à gradação mínima do § 3º do art 85 do CPC.

FA



 

ACORDÃO

 

Vistos, relatado e discutido o constante nestes autos, em que as Partes são as acima mencionadas, os (as) Desembargadores (as) Federais da QUINTA TURMA do TRF da 5ª Região ACORDAM, por unanimidade, em dar PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto do Relator e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. 

 

Recife, data da validação eletrônica.

 

 

 Francisco Alves dos Santos Júnior 

 Desembargador Federal Relator

 

 






Processo