sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

INCADUCIDADE TRIBUTÁRIA. NOVA TESE. NÃO ACOLHIMENTO PELO TRF DA 5ª REGIÃO.

          Por Francisco Alves dos Santos Jr.


         Segue sentença na qual o juiz adotou uma nova tese sobre incaducidade tributária, mas que não foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no acórdão cujos dados encontram-se logo após o final da sentença.

          Boa leitura.




PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0009243-69.2010.4.05.8300 - Classe 29 – Ação Ordinária

Autor: C  A  DO A
Adv.: M F G - OAB/PE

Réu: COMISSÃO DE VALORES IMOBILIÁRIOS - CVM

Procurador(a) Federal 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2011 

 

Sentença tipo A
 

EMENTA : - DIREITO TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA.  

Não flui o prazo de decadência do § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional, quando o Contribuinte não paga o tributo, utilizando-se de prática dolosa.  

Rejeição da exceção de decadência. Improcedência.
 

Vistos etc. 

COMPANHIA AGROPECUÁRIA DO ARAME, qualificada nos autos, ajuizou, em 06.07.2010, a presente “Ação Anulatória de Lançamento Fiscal com Pedido de Tutela Antecipada para Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário” contra a COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, aduzindo, em síntese, que teria incorporado a sociedade CISA – Companhia de serviços Agrícolas; que a Ré teria lavrado contra referida empresa notificação de lançamento nº 173/32, em 06.11.2001, formalizando o processo administrativo nº CVM nº RJ 2002/146, relativamente a crédito tributário decorrente do não recolhimento da Taxa de Fiscalização de Valores Mobiliários dos quatro trimestres do ano de 1991; que teria se insurgido administrativamente contra mencionado lançamento, sem, contudo, haver obtido êxito; que não teria havido lançamento por homologação, eis que a Ré teria procedido de ofício; que, não havendo a Autora efetuado o pagamento da taxa em questão, o prazo decadencial passara a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetivado (01.01.1992), conforme disposto no inciso I, do art. 173 do CTN; que a notificação de lançamento teria sido datada de 06.11.2001, quando já ultrapassado o prazo decadencial para constituição do crédito tributário; que o lançamento questionado deveria ser anulado; que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação e inexistindo antecipação de pagamento, não seria possível a soma dos prazos do § 4º, do art. 150 e do inciso I, do art. 173 do CTN; que, remontando o início do prazo decadencial a 01.01.1992, e, havendo sido a Autora notificada do lançamento apenas em 06.11.2001, teria tal prazo sido ultrapassado a partir de 01.01.1997. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Invocou entendimentos doutrinários. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, inaudita altera pars, para que fosse ordenada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário lançado no processo administrativo CVM nº RJ 2002/146, bem como a abstenção da inscrição do nome da Autora no CADIN; a citação da COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS; a procedência dos pedidos, para anular o lançamento de ofício perpretado pela Ré através do referido processo administrativo; a condenação da Ré ao pagamento de honorários advocatícios e custas. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com cópia de documentos e instrumento de procuração (fls. 20/95).

Comprovante de recolhimento de custas (fl. 96).

O pedido de antecipação da tutela foi indeferido em decisão de fls. 100/101.

À fl. 104, a Autora noticiou a interposição de Agravo de Instrumento, juntando cópia do referido recurso (fls. 105/127).

Mantida a decisão agravada (fl. 128).

À fl. 129, ofício encaminhando cópia de decisão proferida nos autos do noticiado Agravo de Instrumento (fls. 130/133).

Citada, a COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS apresentou Contestação, às fls. 138/145, sustentou que a Autora não teria comprovado que a sua omissão, quanto ao recolhimento da Taxa de Fiscalização do Mercado de Títulos e Valores Mobiliários, teria sido apenas culposa; que, configurada a omissão dolosa, a contagem do prazo decadencial se daria nos termos do disposto no final do § 4º, do art. 150 e do parágrafo único, do art. 173 do CTN; que, ainda que se admitisse a tesa da omissão dolosa e, se partisse da premissa de existir omissão culposa, não mereceria prosperar a tesa da Autora; que mencionada taxa seria um tributo sujeito a lançamento por homologação, de modo que o nascimento do crédito tributário coincidiria com o instante de ocorrência do fato gerador; que o lançamento, condição de exigibilidade do referido crédito, poderia ser realizado até o prazo decadencial; que, considerando que o prazo do lançamento por homologação seria de cinco anos, a CVM possuiria mais cinco anos para constituir definitivamente o seu crédito; que o crédito em comento referir-se-ia ao exercício de 1991; que o prazo para constituição do crédito, relativamente ao fato gerador mais remoto, ocorrido em 16.02.1991, teria iniciado em 01.01.1992; que de 01.01.1992 até a data em que o lançamento fora aperfeiçoado não teriam decorrido dez anos; que o lançamento poria termo à decadência, enquanto a prescrição somente se iniciaria com a constituição definitiva do crédito, que se daria após o encerramento do contencioso administrativo; que, realizado o lançamento tributário dentro do prazo legal, a Fazenda teria ainda o prazo de cinco anos, contados da constituição definitiva do crédito, para ajuizar a ação de execução fiscal, ex vi o art. 174 do CTN; que, no presente acaso, também não teria ocorrido a prescrição. Fez outros comentários. Ao final, requereu: a improcedência dos pedidos formulados na Inicial, condenando a Autora nos ônus da sucumbência. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou cópia de documentos (fls. 146/224).

A Autora apresentou Réplica, às fls. 231/252, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.

Vieram os autos conclusos para julgamento.  

É o Relatório.

Passo a decidir. 

Fundamentação.

1. A Autora alega que o direito de a Comissão de Valores Mobiliários-CVM, Autarquia Federal, lançar a taxa de fiscalização em debate teria sido fulminado pela decadência, para cujo exercício o prazo seria de 5(cinc)anos, contados da data do fato gerador.  E assim seria, porque o crédito tributário era do quarto trimestre de 1991, de forma que, embora se trate de tributo submetido ao lançamento por homologação, ante a não realização dos procedimentos para o lançamento e a falta de pagamento, o início do prazo de decadência transmudara-se para o primeiro dia do exercício subsquente àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, qual seja, para 01.01.1992, e findado cinco anos depois, em 01.01.1997, tudo conforme inciso I do art. 173 do Código Tributário Nacional e sedimentado entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça e da doutrina.  

Realmente, há esse entendimento no E. Superior Tribunal de Justiça e dele transcrevo uma de suas inúmeras r. decisões a respeito desse assunto, verbis:

TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO REGIME DO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos.

(EREsp 101407/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 07/04/2000, DJ 08/05/2000, p. 53) 

                Esse E. Tribunal também já adotou a tese de cinco anos + cinco anos para que a Fazenda Pública ultimasse o lançamento, tese essa afastada por sua 1ª Seção, no julgamento do ERESP 101407, in DJU de 08.05.2000, conforme tratou de demonstrar a Autora na sua petição inicial.  

                O acima transcrito entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça pode ser aceito, tranquilamente, nas hipóteses em que o Contribuinte age culposamente.  

                2. Mas quando ele age ou omite-se dolosamente, não recolhendo nenhuma parcela do tributo, não pode receber o mesmo tratamento, porque há regra expressa no final do § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional, regra essa que, data maxima vênia, nunca foi abordada pelo mencionado E. tribunal.   

                Resta claro nessa parte desse dispositivo legal que, se o Contribuinte praticar qualquer ato doloso, ou omitir-se dolosamente, quanto as atividades que deveria realizar, tendentes à concretização do lançamento, que findaria com a homologação da Fazenda Pública, e assim agindo ou omitindo-se não recolhe nenhuma parcela do tributo, não fluirá o prazo decadencial de 5(cinco)anos para que a Fazenda Pública realize a homologação ou, por óbvio, faça o lançamento de ofício(de caráter revisional, quando o Contribuinte, por exemplo, tiver recolhido valor menor que o devido; ou realize o lançamento integral, quando o Contribuinte tiver se omitido totalmente).  

                Então, nessa situação, quando a Fazenda Pública tomar conhecimento do ato ou da omissão, se qualquer deles for doloso, poderá, quando descobrir o ato ou a omissão dolosos,  efetuar o lançamento por notificação de lançamento, por notificação de auto de infração ou por notificação de início de procedimento fiscal, tendente à realização do lançamento. E, se for esta última hipótese(notificação de início de procedimento tendente ao lançamento), o prazo de cinco anos será para que finde o procedimento, ou seja, para que concretize o lançamento(Parágrafo Único do art. 173 do Código Tributário Nacional).    

                Constata-se, no documento de fl. 76, acostado pela Autora com sua petição inicial, que a Comissão de Valores Mobiliários-CVM optou pela notificação de lançamento, com data de 06.11.2001.  
 
                Conforme procurei demonstrar na decisão inicial, que se encontra às fls. 100-101, isso não é nenhuma inovação do Direito Brasileiro, pois encontra igual tratamento no Código Tributário da Alemanha de 1977, ainda em vigor, bem como em Lei da Espanha, que trata do Imposto sobre Transmissões Patrimoniais – ITP. 

                Extrai-se do referido dispositivo legal do nosso Código Tributário Nacional que cabe apenas examinar se o Contribuinte agiu ou não dolosamente.  

                O Contribuinte não age dolosamente, nos tributos submetidos a lançamento por homologação, quando comprova que não poderia, em hipótese alguma, recolher o tributo que apurou, por completa impossibilidade econômico-financeira, ou quando comprova sua total ignorância no que diz respeito a essa responsabilidade, a de apurar e recolher o tributo, sob condição resolutória.  

                Não é o que aconteceu no presente caso, pois a própria ora Autora tratou de demonstrar sua higidez econômico-financeira, e o seu completo conhecimento da legislação tributária brasileira.  

Não pode vingar o seu argumento de que absorvera a Empresa, que seria a Devedora originária(CISA COMPANHIA DE SERVIÇOS AGRÍCOLAS), por incorporação, de forma que não poderia ter agido dolosamente. 

                Ocorre que, ao incorporar a Devedora originária, a ora Autora assumiu a responsabilidade pelas dívidas tributárias desta(art. 132 do Código Tributário Nacional).  

                E se continuou silente a respeito da referida dívida tributária, agiu dolosamente, a espera da decadência.  

                Assim, quando a Comissão de Valores Mobiliários-CVM notificou a ora Autora do lançamento, em 06.11.2001, ainda não tinha ocorrido a alegada decadência.  

                Como a Autora não impugna o mérito da taxa em cobrança, alegando apenas a existência de decadência, a qual, data maxima venia, não ocorreu, tenho que referida exceção merece ser rejeitada, com a consequente improcedência do pleito e respectiva resolução do mérito.  

                3. O entendimento acima constou do anteprojeto do Código Tributário Nacional, feito pelo saudoso RUBENS GOMES DE SOUZA, cujo artigo 213 tinha a seguinte redação:

Art. 213. A prescrição não começa a correr enquanto a ocorrência do fato gerador do tributo, ou a prática da infração, não cheguem ao conhecimento da autoridade administrativa competente, por qualquer das seguintes razões: I. Dolo, fraude, simulação ou ocultação por parte do contribuinte ou de terceiro em benefício daquele; II. Omissão de cumprimento de obrigação tributária acessória, ainda que sem dolo ou fraude, por parte do contribuinte ou de terceiro em benefício daquele”.[1] 

Nota 1 – Apud SANTOS JR, Francisco Alves dos. Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2001, p. 152.

Obs.: Esse livro foi uma adaptação da Dissertação de Mestrado do Autor, defendida na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, no ano 2000.  

Note-se que no anteprojeto falava-se apenas em prescrição, porque o direito positivo brasileiro de então não tinha a figura da decadência, tendo passado a existir expressamente a partir exatamente do Código Tributário Nacional e no Código Civil de 2002, atualmente em vigor.               

4. O referido dispositivo legal(o § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional)e o entendimento supra, data maxima venia, não ferem o princípio da segurança jurídica, que é um dos fundamentos da origem da decadência e da prescrição, pois se trata de um caso excepcional, pelo qual, elastecendo-se a possibilidade de a Fazenda Pública efetuar o ato de lançamento dos seus tributos, busca-se punir o contribuinte que age com dolo.  

                Haveria ferimento a esse princípio, sim, se acontecesse o contrário, ou seja, se o contribuinte que agisse dolosamente recebesse, como pretende a Autora, o mesmo tratamento tributário dado ao contribuinte que agisse apenas culposamente, no descumprimento das obrigações tributárias.

Se assim fosse, aí sim haveria um incentivo a práticas dolosas, um incentivo à insegurança jurídica, à insegurança na realização das receitas tributárias por parte da Fazenda Pública. 

                Conclusão

                Posto isso, rejeito a exceção de decadência e, com resolução do mérito, julgo improcedentes os pedidos desta ação(art. 269-I do Código de Processo Civil), condenando a ora Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor total do tributo em debate, atualizado na forma da respectiva legislação tributária, valor esse a ser apurado na forma preconizada no art. 475-B do Código de Processo Civil e executado conforme art. 475-J do mesmo diploma processual.

Com urgência, remeta-se cópia desta sentença para os autos  do noticiado agravo de instrumento, aos cuidados do respectivo Relator.
                                                                                                                                                                                                 

P.R.I.

Recife, 08 de agosto de 2011.

 
Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 
NOTAS SOBRE O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO, QUE REFORMOU A SENTENÇA.

Apelação Cível nº 533.288/PE(0009243-69.2010.4.05.8300). Relator Juiz Francisco Cavalcanti. Primeira Turma. Julgado em 10.05.2012. Disponibilização no Diário da Justiça Eletrônico do TRF5 nº 096/2012, de 18.05.2012 e publicação no mesmo DJe de 21.05.2012.

O recurso especial, interposto pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM não foi admitido, por decisão do Vice-Presidente do referido Tribunal, datada de 09.09.2014, contra a qual a Parte Recorrente não interpôs recurso, pelo que foi certificado que o acórdão acima mencionado transitou em julgado, tudo conforme certidão de 28.10.2014, constante de fl. 356 dos autos do processo nº 0009243-49.2010.4.05.8300, 2ª Vara Federal de Pernambuco.