Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Segue uma sentença na qual se discute interessante matéria, pertinente à incidência ou não de juros de mora quando a demora não pode ser debitada ao Contribuinte, mas sim à própria Fazenda Nacional.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0803454-51.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: T D S/A
ADVOGADO: E F DE S(e outros)
RÉ: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
Sentença
registrada eletronicamente
Sentença
tipo B
EMENTA: TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DO REFIS.
LEI N.º 11.941/09. JUROS DE MORA NO PERÍODO DA ADESÃO À CONSOLIDAÇÃO DA DÍVIDA.
IMPOSSIBILIDADE.
-Os
juros de mora nas dívidas tributárias só incidem, por óbvio, quando o
Contribuinte está em mora.
-Não
se caracteriza como mora do Contribuinte o período em que este adere a um
parcelamento legal até a data em que o Órgão próprio da Fazenda Nacional
consolida a dívida e define o valor das parcelas. No
mencionado período, quem ficou em mora foi a Fazenda Nacional, que demorou a
concretizar a consolidação por falhas na sua infraestrutura. O
princípio da moralidade administrativa não admite reverter essa falha da
Fazenda Nacional para os ombros do Contribuinte.
-Procedência.
Vistos,
etc.
1.
Relatório
A
T D S.A. ajuizou esta ação ordinária declaratória de
cobrança indevida de juros c/c pedido de repetição de indébito em face da UNIÃO
(FAZENDA NACIONAL). Requereu, inicialmente, a distribuição por dependência
ao Processo nº 0802728-77.2013.4.05.8300 - Cautelar Inominada em trâmite nesta
2ª Vara.
O
processo foi distribuído, por equívoco, à outra Vara Federal, havendo sido
redistribuído a esta Vara mediante despacho datado de 21.10.2013.
Alegou
a Autora, em síntese, que: em 20 de setembro do ano de 2013, teria sido
proferida decisão, deferindo, liminarmente, a pleiteada medida cautelar e
determinando que a UNIÃO, por seu órgão próprio, se abstivesse de excluir a ora
Requerente do parcelamento da Lei nº 11.941, de 2009, caso esta propusesse ação
judicial, buscando excluir do total do parcelamento itens financeiros,
relativos a juros e multa, dentre outros, os quais não deveriam ter sido
incluídos no noticiado parcelamento; que em conformidade com a dita decisão
estaria propondo esta Ação Principal nos termos e prazos dos artigos 806 e 807
do Código de Processo Civil e que, assim, deveria ser mantida a medida
cautelar, até o trânsito em julgado deste feito principal.
No
tópico intitulado "Do Passivo tributário da Autora e Parcelamento
Instituído pela Lei 11.941/09" a Autora aduziu que: seria empresa que
atuaria no ramo de distribuição de combustíveis; que possuindo débitos no
âmbito administrativo federal, oriundos de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, teria
aderido, em 10.04.2000, ao Programa de Parcelamento Especial- REFIS, tendo sido
excluída por inadimplência; que com a edição da Medida Provisória nº 303 de
29.06.2006, instituidora do PAEX, teria aderido a este programa de parcelamento
tendo incluído a totalidade de seus débitos; que após sua exclusão do PAEX[1], por inadimplência
por 06 meses consecutivos, e por ocasião da publicação da Lei nº 11.941, de
27.05.2009, instituidora de Parcelamento Federal, teria incluído seus débitos
neste programa, e estaria inserida neste parcelamento até o presente momento;
que o apelidado de "Refis da Crise", em razão de ter sido promulgado
no auge da crise financeira de 2008, teria possibilitado o parcelamento em até
180 (cento e oitenta) meses dos débitos vencidos até 30.11.2008 administrados
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), bem como dos débitos já em
ou em vias de cobrança judicial através da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN), inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados em
antigos parcelamentos (v. g. REFIS, PAES, PAEX e parcelamento
ordinário); que além do prazo de 180 (cento e oitenta) meses, o §3º do art. 1º
da Lei nº 11.941/09 teria trazido a possibilidade de significativas reduções
dos juros e das multas incidentes sobre o valor principal, variando de acordo
com o número de parcelas optadas pelo devedor, além de reduzir em 100% (cem por
cento) o "encargo legal do débito" e que para fazer jus a tais
benefícios, o contribuinte deveria aderir ao parcelamento até o dia 30.11.2009,
confessar todos os seus débitos, renunciar a eventuais impugnações e pagar uma
parcela mínima mensal de R$ 100,00 (cem reais) enquanto a RFB e a PGFN
consolidavam o valor total do débito, que ao final seria dividido pelo número
de parcelas optadas pelo devedor. Transcreveu quadro sinótico com o resumo das
benesses previstas na citada norma, para melhor visualização dos benefícios
concedidos pela Lei nº 11.941/09. Continuou, dizendo: que teria aderido e
cumprido rigorosamente todas as fases estabelecidas pela Lei nº 11.941/09,
posteriormente regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB N. 06, de
22.07.2009; que recebida a consolidação dos seus débitos, nos termos dos
"Recibos de Consolidação" teria verificado que fora incluído nas suas
parcelas mensais um valor de "Juros de Mora", incidente no período
entre a data da adesão ao parcelamento e a data da efetiva consolidação
realizada pela Parte Ré; que não estava em mora no período entre a adesão e a
consolidação do parcelamento; que viria pagando as parcelas mínimas, conforme
reconhecido nos Extratos dos pagamentos da Lei n. 11.941/2009, utilizados para
amortização da Dívida antes da Conclusão da Consolidação; que não se
justificaria a cobrança dos referidos "Juros" que inflacionam
indevidamente a parcela mensal da Autora em R$ 130.902,97 (cento e trinta mil,
novecentos e dois reais e noventa e sete centavos), assim como, o reflexo desse
valor nas parcelas pagas após a consolidação e que igualmente, após a
consolidação de cada parcela, a RFB aplicaria os juros SELIC integralmente
sobre o valor do tributo, da multa, da própria SELIC e dos honorários, por
ocasião de cada pagamento mensal a ser efetuado da parcela assim consolidada.
Transcreveu quadro sinótico com o resumo da modalidade "Parcelamento de
Saldo Remanescente dos Programas REFIS, PAES, PAEX e Parcelamentos Ordinários -
Art. 3º - Demais Débitos no Âmbito da PGFN", extraído do "Recibo de
Consolidação"[2], para melhor
vislumbrar a composição de cada parcela e consequentemente a aplicação da taxa
Selic no cálculo. Alegou que a SELIC incidiria sobre a própria SELIC antes
consolidada e sobre a multa; que tal fato implicaria na incidência de juros
sobre juros, ou seja, implicaria na imposição de juros compostos o que oneraria
desmedidamente o pagamento de tais prestações do parcelamento com o correr do
tempo; que nos juros cobrados na composição da Prestação Básica estariam
embutidos os juros sobre a Multa de Ofício, também veemente combatido; que a
Taxa SELIC, objeto de diversos pronunciamentos judiciais, mormente do Superior
Tribunal de Justiça, englobaria correção monetária e juros de mora e teria
passado a ser aplicada a partir da extinção da indexação dos valores prescritos
na legislação fiscal pelo artigo 30 da Lei nº 9.065/1995 e sua exigência se deu
pelo artigo 13 da mesma lei; que a partir da entrada em vigor da mencionada Lei
nº 9.065/95, vencido o crédito tributário, se revelaria aplicável a Taxa SELIC,
a título de correção monetária e juros moratórios, o que agravaria mais o
quadro exposto, pois o mesmo se apresentaria como de correção sobre correção e
juros sobre juros; que não somente a taxa SELIC padeceria deste vício, mas
também a Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, prevista como aplicável aos
parcelamentos de longo prazo do REFIS III (PAEX), instituído pela MP 303/2006,
caso em que também se enquadraria a Autora, vez que também teria aderido àquele
Parcelamento, conforme comprovariam os documentos[3]; que por serem
totalmente indevidas tais cobranças, não teria restado alternativa senão vir
perante o Judiciário rogar que tais valores cobrados a título de "juros de
mora" entre a adesão e a consolidação ao Parcelamento da Lei nº
11.941/2009, fossem restituídos e excluídos das parcelas mensais vincendas da
Autora. Teceu outros comentários. Fundamentou seu direito na Constituição
Brasileira/88, em legislação e precedentes de tribunais.
R.
decisão[4] que indeferiu o
pedido liminar e determinou a citação da Fazenda Nacional.
A
União (AGU/PGFN), por seu Procurador da Fazenda Nacional, apresentou
contestação[5]. Em preliminar de
mérito apontou a ocorrência da prescrição. No mérito, fundamentou sua defesa
esclarecendo a essência do parcelamento tributário concedido pelo REFIS, da
legitimidade da incidência dos juros durante o período de adesão até a
determinação do valor consolidado do débito (cuja consolidação se refere à data
do requerimento). Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.
A
parte Autora apresentou réplica[6] à contestação da
União.
Vieram
os autos conclusos.
É
o relatório.
Decido.
2. Fundamentação
O
feito comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do
CPC, por cuidar exclusivamente de matéria de direito, prescindindo de dilação
probatória.
2.1 - Da prescrição
No
concernente à arguição de prescrição, cumpre lembrar que conforme previsto no
artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, "todo e qualquer direito ou ação contra
a fazenda pública, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se
originarem". O pedido de consolidação[7] do parcelamento foi
realizado pela Ré em 14.10.2009, data em que se inicia o cômputo do prazo
prescricional. Tendo em vista que a ação foi ajuizada em 21.10.2013, não houve
prescrição, pelo que a respectiva exceção não merece acolhida.
2.2 - Passo ao exame do mérito.
Cinge-se
a demanda em definir se os encargos incidentes no período de consolidação do
débito, no parcelamento do "REFIS da crise", devem sofrer a
incidência de juros moratórios.
A
Lei nº 11.941, de 2009, tendo em vista a gigantesca carga tributária no Brasil
e a crise ocorrida no mundo capitalista no ano de 2008, adveio para
possibilitar o pagamento dos tributos federais, com redução dessa carga,
criando nova forma de parcelamento e permitindo a migração de parcelamentos já
existentes para ou por ela criado.
Conforme
expressa previsão legal, antes da consolidação do parcelamento, competia aos
contribuintes o pagamento da prestação mensal no valor de R$ 100,00 (cem
reais), a partir da efetivação da adesão, quantia que, no caso, foi paga por
aproximadamente 22 (vinte e dois) meses, enquanto o Órgão próprio da Fazenda
Nacional fazia os cálculos e definia o valor total a ser parcela e os valores
de cada parcela.
Observo
que a questão combatida pela parte Autora limita-se à da impossibilidade de
cobrança de juros de mora (sobre o valor principal e sobre a multa de
ofício), entre o início da adesão e a consolidação do parcelamento.
É
verdade que o § 1º do art. 155-A do CTN dispõe que o parcelamento do crédito
tributário, salvo disposição de lei em contrário, não afasta a incidência
de juros e multas[8].
Mas
se extrai dos dispositivos desse Código que só incidem juros de mora quando,
por óbvio, o Contribuinte fica em mora.
No
presente caso, a referida Lei de Parcelamento excluiu quase todos os acréscimos
da dívida tributária do Contribuinte e parcelou o que restou, com a finalidade
extrafiscal de trazer para o mercado muitos Contribuintes que estavam sob a
ameaça de sucumbir no campo empresarial, que pela excessiva carga tributária,
quer pela crise econômico-financeira nos Países desenvolvidos, especialmente
nos Estados Unidos da América - EUA, que se refletia aqui no Brasil.
A
Autora então aderiu ao referido parcelamento e, por falhas na infraestrutura de
Órgão calculador da Fazenda Nacional, ficar a esperar por longos meses a
consolidação do parcelamento, para poder implementá-lo e, enquanto isso, por
força de dispositivo da própria Lei, ficou a pagar uma parcela mensal simbólica
de R$ 100,00.
Então
feriria o princípio da moralidade administrativa dela cobrar juros de mora no
período em que a Fazenda Nacional, por falha na sua infraestrutura, não
consolidou a sua dívida e permitiu que a Autora ficasse pagando mencionada
valor simbólico.
Logo,
a Autora, no mencionado período, não estava em mora. Na verdade, quem ficou em
mora foi a Fazenda Nacional, pelo Órgão que deveria concretizar a consolidação
da dívida.
Dispositivo
Posto
isso:
a)
rejeito a exceção de prescrição, arguida pela UNIÃO;
b)
julgo procedentes os pedidos e condeno a UNIÃO, por seu órgão próprio, a
excluir do total da dívida parcelada da Autora os valores de juros de mora do
período de tempo da adesão até a consolidação da dívida, vale dizer, e, se o
parcelamento ainda estiver em andamento, que seja recalculado com abatimento do
valor de tais juros de mora e, caso já se tenha findado, que o respectivo valor
seja restituído à Autora ou então, de acordo com opção desta, ficara autorizada
a compensar mencionado valor com outras dívidas tributárias, observadas as
regras legais pertinentes, sendo que, em qualquer hipótese, mencionado valor há
de ser atualizado pelos índices da tabela SELIC, dando-se o processo por
extinto, com resolução do mérito(art. 269, I, CPC).
Outrossim,
condeno a UNIÃO no pagamento de honorários advocatícios, que, à luz o § 4º do
art. 20 do Código de Processo Civil, arbitro em R$ 7.000,00 (sete mil reais),
atualizados(correção monetária e juros de mora)a partir do mês seguinte ao da
publicação desta sentença, pelos índices do Conselho da Justiça Federal, bem
como a ressarcir as custas despendidas pela Autora, atualizadas pelos índices
da tabela SELIC, em face da sua natureza tributária.
Publique-se.
Registre-se. Intimem-se.
Recife,
05 de novembro de 2015.
Francisco
Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE.
(mef)
[1] Exclusão do PAEX
NUM: 230878.
[2] Recibo de
Consolidação NUM: 230878.
[3] Demonstrativos de
pagamento e Saldos sintéticos do PAEX NUM: 230907 e 230909
[5] Contestação NUM:
286278.
[7] Recibo de
Consolidação de parcelamento NUM: 230985.
[9] Art. 155-A. O
parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei
específica.
(...)
§
1o Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário
não exclui a incidência de juros e multas.