segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Rodovias Federais. Margem. Limite para Construção

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença abaixo foi discutido assunto muito importante: para construir à margem de uma rodovia federal, qual a área na qual não se pode edificar? Há Lei tratando do assunto. Qual o entendimento dos Tribunais e da doutrina?
Observação: no dia 20.09.2014, 01:44h, editei esta publicação e fiz retificação na sentença, corrigindo palavras que estavam com erros de digitação, e falhas graves em algumas partes, nas quais havia referência ao "Autor", quando deveria ser exatamente ao contrário, ao "Requerido". Agora a sentença está devidamente corrigida.
Boa leitura.



PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2004.83.00.22943-4 - Classe 139 – Medida Cautelar de Interdição ou Demolição de Prédio
Requerente: DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES-DNIT
Procurador Federal
Requerido: E. V. A.


Registro nº ...........................................
Certifico que eu, .................., registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2007.

Sentença tipo B

EMENTA: - ADMINISTRATIVO – RODOVIA – FAIXA NON AEDIFICANDI
- É de 15 m (quinze metros) a faixa non aedificandi nas margens das rodovias (art. 4º, III, da Lei nº 6.766, de 19.12.1979).
- Trata-se de limitação administrativa, que não comporta indenização, sobretudo porque se tratou de ato (construção irregular) praticado por culpa exclusiva do Requerido.
- Procedência parcial.



VISTOS ETC.

O DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES LTDA, qualificado na Inicial, propôs, em 26.10.2004, perante a 1ª Vara Federal (PE), a presente “Ação Demolitória com Preceito Cominatório”, contra E. V. A., aduzindo, em síntese, que, em meados de maio de 2003, teria sido detectada pela Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal em Pernambuco a ocupação irregular da faixa de domínio da Rodovia BR 101 Sul, km 72,4, consistente na construção irregular de imóvel na faixa de domínio, às margens da rodovia; que o Réu teria sido notificado a respeito; que, em agosto de 2003, a unidade local do DNIT em Recife teria constatado que referida área continuaria invadida; que a área ocupada corresponderia à faixa de domínio da Rodovia BR 101, a qual mediria 85,00 metros no local, sendo 40,00 metros no lado direito da rodovia e 45,00 metros no lado esquerdo; que o invasor teria sido mais uma vez notificado pelo DNIT. Esclareceu que a faixa de domínio de estrada federal seria a área correspondente a 40 metros a partir do eixo da pista, do lado direito da rodovia, totalizando 85 metros no local, sendo equivalente à base física sobre a qual se assentaria uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras de arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separariam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa de recuo; que o uso da faixa de domínio federal seria privativo de todos que nelas trafegassem ou que transitassem na rodovia, não sendo autorizada a sua ocupação individual; que a faixa de domínio federal seria decorrente do ato de afetação de determinado segmento de imóvel ao uso comum, destinado ao trânsito e ao tráfego, independente da desapropriação e da extinção dos direitos particulares ou públicos subjacentes; que a atitude do Réu estaria colocando em perigo sua vida, bem como a dos usuários da rodovia, com o comprometimento da área destinada ao acostamento da via e causando prejuízos à própria conservação do leito rodoviário. Discorreu sobre a natureza dos bens públicos, bem como sobre a distinção entre as limitações e servidões administrativas. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Ao final, requereu: a procedência dos pedidos, para que fosse condenado o Réu a demolir, às suas expensas, todas as construções irregulares na faixa de domínio da rodovia federal e na área non aedificandi, correspondente a 55 metros contados no eixo da rodovia, bem como remover todos os entulhos, e, no caso de recalcitrância do Réu, fosse autorizada a realização da demolição e remoção diretamente pelo DNIT, arcando o Réu com o pagamento das despesas, sem prejuízo da multa cominada; a citação do Réu; a fixação de multa diária de R$ 10.000,00(dez mil reais), para o caso de descumprimento da obrigação de fazer; a condenação do Réu ao pagamento de verba honorária, custas e despesas processuais. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com cópia de documentos (fls. 22/31-vº).
Redistribuídos os autos para esta 2ª Vara Federal – PE (fl. 34).
Despacho de fl. 35 determinou que o DNIT promovesse, se fosse o caso, a citação do Sr. R C da S, à vista dos documentos de fls. 28/31.
Citado o Sr. E. V. A., conforme certificado pelo Sr. Oficial de Justiça à fl. 55.
À fl. 56-vº, a Secretaria deste Juízo certificou que o Requerido E. V. A. não apresentou Contestação.
Vieram os autos para sentença.

É o relatório

Fundamentação

Matéria Preliminar

É de se ter o Requerido por revel e confesso, posto que, regularmente citado, silenciou.

Outrossim, deve a Distribuição retificar a autuação do seu nome para o indicado na petição inicial, qual seja, E V A e não como constou.

Finalmente, tenho que devem ser desentranhados dos autos os documentos de fls. 28, 30 e 31-31vº, porque relativos ao Sr. R C da S, que não faz parte da relação processual.

Mérito

1. A controvérsia reside em se saber se o imóvel do Requerido encontra-se edificado na faixa non aedificandi da rodovia BR 101 e, se estiver, se deve o Requerido ser condenado a demolir o imóvel ou não. E, se for autorizada a demolição, se o Requerido tem ou não direito à indenização pelos gastos com a construção e benfeitorias e ainda se pode exercer o direito de retenção até receber essa indenização.
2. A faixa de área non aedificandi, ensinam Fábio Marcelo de Resende Duarte e Haroldo Fernandes Duarte, remonta ao Decreto nº 15.673, de 17/09/1922, que dispôs acerca da “Segurança, Polícia e Tráfego das Estradas de Ferro”. Especificamente quanto às rodovias, as primeiras limitações foram veiculadas através do Decreto nº 18.323, de 24/07/1923, que tratou do “Regulamento para a Circulação Internacional de Automóveis, no Território Brasileiro, e para Sinalização, Segurança do Trânsito e Polícia das Estradas de Rodagens”, fixando a área non aedificandi em 10(dez) metros, no mínimo, do eixo da estrada
Atualmente, ensinam os mesmos Autores, referida matéria encontra disciplina na Lei Federal nº 6.766/79, em seu art. 4º, III, nestes termos:
"Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
I a II – omissis;
III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;"
Embora referida lei já tenha sofrido inúmeras alterações, esse dispositivo continua em vigor.
O atual Código Nacional de Trânsito, Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997, estabelece no seu art. 50:
Art. 50. O uso de faixas laterais de domínio e das áreas adjacentes às estradas e rodovias obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via.”
Desconheço, todavia, a existência de ato administrativo estabelecendo essas condições e que entre elas tenha sido fixado algum outro limite diverso do acima demonstrado.
O saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, tratando do assunto, assim dissertou:
"...A legislação rodoviária geralmente impõe uma limitação administrativa aos terrenos marginais das estradas de rodagem, consistente na proibição de construções a menos de quinze metros da rodovia..."(fls.169), e, mais adiante, "...Sendo a proibição de construção de imóvel a menos de 15 metros da rodovia uma limitação administrativa..."(fls.169).
A respeito da natureza jurídica da faixa non aedificandi, disse Maria Sylvia Zanella Di Pietro ,
"...Analisando-se as limitações administrativas à propriedade, verifica-se, inicialmente, que elas decorrem de normas gerais e abstratas, que se dirigem a propriedades indeterminadas, com o fim de satisfazer interesses coletivos abstratamente considerados...".
E, quanto ao mesmo assunto, Celso Antonio Bandeira de Melo leciona que, nas limitações administrativas, "...alcança-se toda uma categoria abstrata de bens, ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada... (...) ... nas limitações há um 'non facere', isto é, uma obrigação de não fazer...".
Observa agudamente Diógenes Garaparini, que a limitação administrativa "...É forma suave de intervenção na propriedade”. É conceituada como "toda imposição do estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independentemente de qualquer indenização...". Afirma esse Autor, mais adiante, que "...Dada a sua natureza, a limitação administrativa há de ser: 1º) geral; 2º) instituída em razão de um interesse público; e 3º) sem promover a disparição da propriedade. Com efeito, não se tem essa intervenção se a imposição visar uma propriedade certa, determinada. Há de recair sobre todas as propriedades com tais ou quais características. Assim, se não se quer uma imposição dessa espécie, mas, ao contrário, pretende-se a submissão de certa propriedade a um interesse público, deve-se recorrer a servidão administrativa ou à desapropriação, conforme exigir o interesse público.. (...) ...São instituídas por lei de qualquer das entidades políticas(União, Estado-Membro, Distrito Federal, Município), consoante as respectivas competências...." (sem grifos no original).
No presente caso, o ora Requerido foi notificado na via administrativa para demolir o imóvel e não atendeu à respectiva determinação, daí a propositura desta ação.
Aqui, o Requerido foi regularmente citado, mas simplesmente silenciou, em verdadeira aceitação do pleito do ora Autor, tornando-se réu revel e confesso(art. 319 do Código de Processo Civil), não implicando essa revelia e confissão, todavia, na integral acolhida do pedido, mas apenas no que se encontra estabelecido na Lei(princípio da legalidade e da restritividade da atividade pública). Explico: mesmo ante o silêncio do Requerido, o feito não procede como pedido, ou seja, que o Requerido faça a demolição de todas construções irregulares na faixa “de domínio da rodovia federal e na área non aedificandi, correspondente a 55m(cinqüenta e cinco metros), contados do eixo da rodovia”, porque não há Lei, tampouco ato administrativo calcado em algum dispositivo legal, estabelecendo essa metragem.
Há apenas e tão-somente o limite de 15m(quinze metros) de cada margem da rodovia para sua parte externa, limite esse, como dito acima, fixado no transcrito inciso III do art. 4º da Lei nº. nº 6.766, de 19.12.1979
Portanto, sem dúvida nenhuma, o Requerido é obrigado a demolir a edificação de forma a observar os 15m(quinze metros) de área non aedificandi, medido a partir da margem da referida rodovia, área essa fixada no dispositivo legal acima transcrito.
Aliás, o próprio Autor, como que ratificando esse entendimento, invocou v. precedente do C. Supremo Tribunal Federal que o adotou, verbis:
“Construção a menos de 15 metros dos limites das estradas de rodagem. Proibição a ser observada pelas autoridades municipais ainda que o desenvolvimento urbano do Município venha a envolver as estradas preexistentes. A segurança pública e o tráfego intermunicipal preferem ao interesse de um só Município(RE nº. 95.243-6, SP, in DJU de 20.11.1981, p. 11.736; no mesmo sentido RE nº. 93.553-3, SP, in DJU de 30.09.1981, p. 9.652; AC nº. 84.274-8, SP, in DJU de 04.12.1981, p. 12.318; RE nº. 94.037-5, SP, in DJU de 10.12.1982, p. 12.790)”.(Fls. 09).
3. Também não há sequer que se cogitar em indenizar o ora Requerido pelos gastos com a construção e eventuais benfeitorias do imóvel em questão, pois não se trata de servidão administrativa, que comportaria indenização (art. 40 da Lei nº 3.365, de 1941), mas sim limitação administrativa e essa não é indenizável.
E nesse sentido além da doutrina acima invocada, indico r. decisão do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
"AÇÃO DEMOLITÓRIA – CASAS CONSTRUÍDAS SOBRE A FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA E ÁREA NÃO EDIFICÁVEL – 1. A (...) e a área não edificável constituem-se em limitações administrativas que não geram direito à indenização por não retirarem o direito de propriedade. 2. Apelo improvido. (TRF 4ª R. – AC 2001.04.01.012895-9 – SC – 4ª T. – Rel. Juiz Joel Ilan Paciornik – DJU 26.06.2002 – p. 621).".
Conclusão:

POSTO ISSO: a) decreto a revelia do Requerido e aplico-lhe a respectiva pena de confissão quanto aos fatos alegados na petição inicial; b) determino que sejam desentranhados dos autos e entregues ao Procurador que assina a petição inicial os documentos de fls. 28, 30 e 31-31vº, porque relativos ao Sr. R C da S, que não faz parte desta relação processual; c) remetam-se os autos à Distribuição, antes da publicação desta Sentença, para autuar o nome correto do Requerido, como especificado no tópico “matéria preliminar” da fundamentação supra; d) quanto ao mérito, julgo parcialmente procedente o pedido desta ação e condeno o Requerido a demolir, às suas expensas, a parte do seu imóvel, descrito na Petição Inicial, que esteja dentro dos 15(quinze) metros da parte non aedificandi da margem da mencionada rodovia federal, e o faça no prazo de 30(trinta) dias, contado da data da juntada nos autos do respectivo mandado de intimação para cumprimento da mencionada obrigação de fazer, sob pena de pagamento de multa diária, correspondente a R$ 500,00(quinhentos reais), valor esse a ser atualizado a partir do mês seguinte ao da publicação desta Sentença, pelos índices adotados no Manual do Conselho da Justiça Federal-CJF, sem prejuízo, no caso de descumprimento desta Sentença, das sanções criminais pertinentes e da execução forçada, sendo que referida multa será contada até a data da finalização desta execução forçada.
Condeno ainda o Requerido a pagar as custas processuais, bem como a pagar ao DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES-DNIT honorários advocatícios, que arbitro em R$ 300,00 (trezentos reais), atualizados a partir do mês seguinte à data da publicação desta Sentença, pelos índices acima referidos.
Outrossim, sobre os valores acima indicados, já monetariamente corrigidos, incidirão juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados a partir da data da intimação da execução desta Sentença, sem prejuízo da multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, caso se concretize a hipótese ali aventada.
P.R.I.
Recife, 03 de dezembro de 2007

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara - PE