sábado, 5 de dezembro de 2020

MARECHAL HUMBERTO DE ALENCAR CASTELO BRANCO PODE SER HOMENAGEADO DANDO NOME A PRÓPRIO PÚBLICO FEDERAL.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença que segue, uma interessante questão é discutida, a respeito do alcance das recomendações da denominada Comissão da Verdade, envolvendo o nome do primeiro Presidente do regime Militar de 1964, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. 

Boa  leitura. 



PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença tipo A

EMENTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. RECOMENDAÇÃO Nº 28. CARÁTER NÃO VINCULANTE. .

-As recomendações da Comissão Nacional da Verdade não têm caráter vinculante e a recomendação referida nestes autos não goza da unanimidade do que pensam todos os Historiadores, relativamente ao papel do Marechal Humberto Alencar Castelo Branco no regime militar que se implantou no Brasil em março de 1964.

-Leis Municipais e Estaduais, relativas à denominação de próprios públicos, não obrigam a UNIÃO na fixação de nomes para os seus próprios públicos.

-Improcedência.  

 

Vistos, etc. 

1-Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou esta Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência em face da UNIÃO, por ato do Ministério da Defesa - Exército Brasileiro, na qual almeja, primordialmente: 

"(...) a alteração do nome destinado ao prédio que está sendo construído pelo Comando da 7ª Região Militar do Exército, 'Edifício Marechal Castelo Branco', no imóvel situado na Avenida Rosa e Silva, s/n, Bairro da Tamarineira, Recife/PE (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), obra financiada com recursos federais."

Alegou que a Procuradoria da República no Estado de Pernambuco instaurou o Inquérito Civil em anexo (IC n.º 1.26.000.002978/2018-81) para "Apurar notícia de construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria das graves violações de direitos humanos"), a fim de se verifique eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV."

E aduziu, em síntese, que: instado a se manifestar, considerando o teor da referida Recomendação da CNV, o Comando da 7ª Região Militar do Exército teria defendido a denominação atribuída ao edifício sob os seguintes argumentos: "i) a União é possuidora de imóveis, Próprios Nacionais Residenciais (PNR), com a finalidade de moradia para os militares na ativa; ii) todos os imóveis jurisdicionados ao Exército possuem denominações de data, fatos ou personalidades históricas; iii) o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, militar do Exército Brasileiro, foi um dos principais responsáveis pela campanha do Brasil, por meio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a 2ª Guerra Mundial, tendo a escolha da denominação considerado a sua carreira militar exitosa; iv) como órgão da administração pública, está adstrito "a cumprir à lei (em sentido formal), o que não se subsome ao caso em tela"; v) não houve procedimento formal prévio para a aludida escolha, tendo a administração militar se valido da discricionariedade que lhe cabe para optar pelo nome escolhido (OFÍCIO 904/2018 PE-COMANDO - PR-PE-00057914/2018)"; em seguida, os autos administrativos teriam sido arquivados pela Procuradora da República oficiante à época; todavia, apreciando o recurso interposto pelo Exma. Procuradora da República Carolina de Gusmão Furtado, na condição de noticiante e integrante do Grupo de Trabalho Direito à Memória e à Verdade, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) decidiu não homologar o arquivamento pelos seguintes fundamentos: "i) 'respeito ao valor jurídico do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade e postulados da Justiça de Transição; ii) não observância da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos; iii) manifestação do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da PFDC" (DECISÃO MONOCRÁTICA 616/2019 PFDC - PGR-00456662/2019)."; e assim, retomada a instrução dos autos extrajudiciais, o Comando Militar teria sido novamente instado a prestar informações atualizadas sobre a obra, bem como para encaminhar cópia do processo de tombo e do ato de registro do imóvel; em resposta enviada em 25/11/2019, o Chefe do Estado-Maior da 7ª Região Militar teria reiterado as informações iniciais e acrescentado que "i) a denominação do aludido edifício é a mesma inicialmente prevista (Ed. Marechal Castelo Branco), denominação atribuída conforme os requisitos previstos na Portaria Ministerial nº. 039, de 12 JAN 1996; ii) a obra do Edf. Castelo Branco foi objeto de inexecução e que a retomada da construção estava prevista para o ano de 2020, com prazo de 18 (dezoito) meses para a execução dos serviços remanescentes por nova empresa contratada (OFÍCIO 903/2019 7ª RM/PE - PR-PE-00059962/2019)."; no curso do procedimento administrativo, a Assembleia Legislativa de Pernambuco  também teria sido oficiada para informar as providências adotadas com o objetivo de cumprir a Recomendação nº 28 da CNV, e teria aduzido que "i) em 20 de setembro de 2019 foi promulgada a lei estadual nº 16.629 que proíbe a administração pública estadual de fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao golpe militar de 1964 e ao período ditatorial subsequente, incluindo na vedação a atribuição de nome a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza de pessoa que conste no Relatório Final da CNV como responsável por violações de direitos humanos (art. 1º e parágrafo único); ii) como resultado da Comissão da Verdade instituída em âmbito estadual no ano de 2017, foi recomendado ao governo do Estado que promova a alteração de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que se referiram a agentes ou particulares que notoriamente tenham tido participação direta em atos de graves violações de direitos humanos durante o período de ditadura previsto na Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2018". E prosseguiu: ante o posicionamento do Comando do Exército local, que teria afrontado a Recomendação nº 28 da CNV, a promoção dos direitos humanos, assim como a preservação do patrimônio histórico e cultural imaterial brasileiro, não teria restado ao MPF outra alternativa senão a judicialização do caso com vistas a impedir que fosse perpetuada e festejada grave violação de direitos humanos promovida pelo homenageado da ora demandada. Sustentou a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a presente ação e transcreveu trecho da Petição Inicial na ACP nº 1000944-36.2018.4.01.3800, que tramita perante a Justiça Federal do Estado de Minas Gerais/MG, subscrita pelo procurador da República Edmundo Antônio Dias Netto Junior, no qual teriam sido abordadas as graves violações de direitos ocorridas no Brasil durante a ditadura. Transcreveu trechos de livros do jornalista Elio Gaspari, autor de um conjunto de obras sobre a ditadura militar brasileira, e acrescentou que: o ex-presidente Castelo Branco teria sido um dos protagonistas desse período, pois era o chefe do Estado-Maior do Exército quando eclodiu o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente constitucional João Goulart e teria instaurado a ditadura militar no Brasil, tendo sido escolhido pelos militares para terminar o mandato do presidente deposto; assim, teria sido incluído no Capítulo 16  do Relatório Final da CNV, na qualidade de "responsável político-institucional pela definição geral da doutrina que permitiu as graves violações e das correspondentes estratégias, e pelo estabelecimento das cadeias de medidas que determinaram o cometimento desses ilícitos (Vol. I, p. 844)"; alegou que Castelo Branco, como primeiro presidente da ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964, governou o país entre 1964 e 1967; em seu governo teriam sido gestados os elementos que teriam constituído o alicerce do autoritarismo e das ilegalidades, consistentes no completo aniquilamento de direitos e garantias fundamentais, que teriam marcado esse período de exceção da história do Brasil; os elementos históricos comprovariam e seriam suficientes para caracterizar a impertinência jurídica de lhe serem prestadas homenagens por órgãos componentes da administração pública, seja ela federal, estadual ou municipal; celebrar Castelo Branco, longe de festejar sua "carreira militar exitosa", seria promover o desprezo pelas instituições democráticas e, indiretamente, apoiar a possibilidade de rupturas constitucionais; lembrou que, à luz da Constituição Federal, sua conduta seria, nos tempos atuais, um crime inafiançável e imprescritível, nos termos do inciso XLIV do artigo 5º; tais motivos teriam levado a CNV a relacionar o marechal Castello Branco entre os autores de graves violações de direitos humanos, e não poderia ser ignorado pela administração quando da denominação de prédios públicos e promoção de homenagens. Discorreu sobre: a "democracia como valor constitucional"; a "Justiça de Transição, direito a não-repetição e reparação dos danos causados às vítimas", e acrescentou que: no dia 10/12/2014, a CNV teria apresentado seu Relatório Final, contendo 29 recomendações de ações, medidas institucionais e iniciativas de reformulação normativa, destinadas à prevenção de graves violações de direitos humanos, bem como a assegurar sua não repetição e a promover o aprofundamento do Estado Democrático de Direito; dentre elas, a Recomendação nº 28 que dispõe: "28 - Preservação da memória das graves violações de direitos humanos; com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV teria proposto a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos; dentre outras, deveriam ser adotadas medidas visando "b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações"; a conduta perpetrada pelo Comando do Exército afrontaria a recomendação da CNV, pois teria atribuído ao prédio, ainda em construção, em homenagem a representante do longo período de ditadura militar no pais, entre 1964 e 1985, conforme verificar-seia da placa afixada na obra em imagem extraída do google maps; o relatório da CNV possuiria valor jurídico e suas conclusões representariam a manifestação oficial do Estado sobre a violação de direitos humanos durante a ditadura militar, conforme teria destacado Procurador da República e ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, Marlon Alberto Weichert, entre os anos de 2018 e 2020, também coordenador do Grupo de Trabalho Memória e Verdade; os órgãos civis e militares do Poder Executivo deveriam respeitar as conclusões e as recomendações da CNV; ao denominar prédio público em homenagem a "reconhecido agente envolvido na perpetração de graves violações aos direitos humanos, o Exército Brasileiro, arbitrariamente, viola os postulados constitucionais que visam o fortalecimento da democracia no país em afronta à preservação e reconstrução da memória histórica perseguida pelos ordenamentos pátrio e internacional.";  a Corte Interamericana de Diretos Humanos, em mais de uma oportunidade, teria condenado o Brasil a reconhecer sua responsabilidade - em âmbito interno e internacional - pelos abusos e violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, a reparar e amparar as famílias de desaparecidos políticos, para além de investigar e punir os autores dos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, considerados crimes contra humanidade, conforme sentenças proferidas nos casos Herzog e outros vs Brasil e Gomes Lund vs Brasil, em relação aos quais não se aplicaria anistia, consoante teria entendido a Corte; uma das condenações visaria justamente a garantia de não repetição desses fatos. Discorreu sobre as limitações normativas para a nomeação de bens públicos que teriam sido trazidas pela Constituição da República/88 e afirmou que a Lei nº 6.454/77, na redação dada pela Lei nº 12.781/2013, proibiria que se atribuísse nome de pessoa viva a logradouros públicos, mencionaria a atividade dos homenageados e disporia que aquele que defender ou explorar mão de obra escrava não poderia ter seu nome atribuído a bens públicos; o Estado de Pernambuco teria editado a Lei nº 16.629, de 20 de Setembro de 2019 que veda à "Administração Pública Estadual fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar que sofreu o Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe e proíbe de homenagens a pessoas que tenham praticado violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar". Teceu outros comentários, e requereu a concessão da tutela provisória, tanto na modalidade do art. 300, como na prevista no art. 311 do Código de Processo Civil, a fim de ser:

"(..) determinado à União, até julgamento definitivo da ação, obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar a atual denominação conferida ao edifício ainda em construção na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da Tamarineira, Recife/PE, retirando o nome da placa colocada na frente da obra.". Requereu, ao final:

"1) o recebimento desta petição inicial, do Inquérito Civil nº 1.26.000.0002978/2018-81 que a instrui e demais documentos juntados;

2) a concessão da tutela de urgência, para determinar à União Federal, por intermédio do EXÉRCITO BRASILEIRO, que suspenda imediatamente a utilização do nome "Edifício marechal Castelo Branco" nas placas indicativas da obra em execução de imóvel destinado à residência militar situado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da Tamarineira, Recife/PE;

3) a citação da demandada para contestar a ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia;

4) a condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos;

6) julgado procedente o pedido, sejam renovados na sentença os efeitos da tutela liminar concedida, para que sejam mantidos seus efeitos até o trânsito em julgado da presente ação. Requer-se, ainda, o julgamento antecipado da lide, conforme art. 335, inc. I do NCPC, por se tratar de matéria exclusivamente de direito e, caso Vossa Excelência entenda necessária dilação probatória, pugna pela produção de todas as provas em direito admitidas."

Juntou o Inquérito Civil - IC 1.26.000.002978/2018-81.

Decisão na qual este Juízo indeferiu o pedido de tutela de urgência.

Regularmente citada, a UNIÃO apresentou Contestação na qual levantou preliminar de ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, pois, segundo afirmou, a via utilizada não seria a adequada. No mérito, alegou, em síntese, que: o pleito do MPF atentaria contra os artigos 2º, 5º e 142 da Constituição da República/88, pois invadiria a seara de ato interno das Forças Armadas, que teria sido praticado sem qualquer ilegalidade;  imóvel cujo nome estaria sendo questionado na presente demanda se trataria de um imóvel Próprio Nacional Residencial (PNR), jurisdicionado ao Exército, com a finalidade de moradia para os militares na ativa, que seriam frequentemente transferidos de cidades, dentro do Brasil; no âmbito específico do Comando Exercito, todos os imóveis sob sua jurisdição possuiriam denominações de data, fatos ou personalidades históricas, conforme preceituaria a Portaria Ministerial nº 39/1996. Transcreveu esclarecimento do Comando da 7ª Região Militar, por meio do Ofício nº 455-Asse Ap As Jurd/Ch EM/7ª RM, sobre o nome do imóvel objeto da irresignação do MPF, e aduziu que: a atuação da Administração Pública, ao escolher o nome do imóvel, teria seguido os ditames legais e  regulamentares, razão pela qual não haveria motivo jurídico para a insurgência do MPF, haja vista que a escolha do nome estaria inserida na seara discricionária do Exército. Acrescentou que o fundamento da Exordial estaria escorado na Recomendação n. 28 da Comissão Nacional da Verdade, todavia, as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade, como o próprio nome sugeriria, não vinculariam a atuação do Poder Público, e apenas teriam caráter sinalizador, consoante se extrairia da Lei nº 12.528/11, que criou a Comissão Nacional da Verdade; aduziu que, em caso similar ao presente, em demanda ajuizada pelo MPF em Minas Gerais, o pedido teria sido julgado improcedente; a medida proposta pelo MPF estaria inserida na órbita da discricionariedade administrativa, e representaria ofensa à separação dos poderes; o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofenderia mandamento legal e/ou constitucional, de forma que o ato não poderia ser tido por ilegal; pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na Petição Inicial, e requereu, ao final: "a) seja acolhida a preliminar de ausência de interesse processual, na modalidade "adequação", a ensejar a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 485, VI do CPC; b) caso assim  não entenda, seja reconhecida a total improcedência do pedido formulado, na forma do art. 487, inciso I, do Diploma Processual em referência." Protestou o de estilo e juntou documentos.

O MPF comunicou a interposição do recurso de Agravo de Instrumento em face da Decisão que indeferiu a tutela de urgência. Em seguida, pugnou pela reconsideração da decisão impugnada.

Decisão do Desembargador Federal Fernando Damasceno, nos autos do agravo de instrumento nº 0810758-28.2020, negou efeito suspensivo à decisão deste Juízo de primeiro grau.

Despacho no qual se indeferiu o pedido de reconsideração formulado pelo Parquet, decidindo-se pela manutenção da decisão agravada por seus próprios fundamentos; outrossim, determinou-se que o MPF fosse intimado para se manifestar acerca da Contestação apresentada pela União.

A União manifestou ciência acerca do despacho supra.

O MPF apresentou Réplica na qual rebateu a preliminar arguida pela União ao contestar o feito.

É o relatório, no essencial.

Fundamento e decido.

2- Fundamentação

2.1- Do julgamento antecipado da lide

A hipótese é de julgamento antecipado do mérito, porque o acervo documental constante dos autos é suficiente ao deslinde da matéria em apreciação (CPC, art. 355, I).

Destaque-se que a decisão inicial deste Juízo, negando a  pretendida tutela provisória de urgência antecipatória, foi mantida pelo Desembargador Relator do Agravo de Instrumento, interposto pelo MPF, conforme acima relatado.

Feitas essas considerações iniciais, passa-se ao exame do feito.

2.2- Da preliminar de ausência de interesse processual por inadequação da via eleita.

A União alega ser necessário, para a propositura da Ação Civil Pública, que haja o descumprimento de um dever legal que inexistiria no presente caso, já que não haveria obrigação legal preestabelecida, e o MPF teria baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabilizaria o conhecimento da presente demanda.

As razões aduzidas pela União para fundamentar a preliminar em tela, na realidade, dizem respeito ao mérito desta ACP, a seguir apreciado. Tanto assim que o MPF, em sede de Réplica à Contestação, rebateu a preliminar com razões ligadas ao mérito da ação.

Ante o exposto, resta prejudicada a análise da preliminar arguida pela União.

2.3 - Do Mérito

O Ministério Público Federal - MPF pretende, com a presente Ação Civil Pública, obter a:

"(...) condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos;"

Verifico que não há nos autos elemento novo de convicção trazido pelas Partes que justifique a mudança de orientação adotada por ocasião do exame da tutela provisória de urgência antecipada, razão pela qual reitero as razões aduzidas na Decisão sob id. 4058300.15478349, a título de fundamentação desta Sentença, in verbis:

"(...)

Do que consta dos autos, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de que o ex-presidente da República estaria relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

Analisa-se, prima facie, se a Parte Requerida está obrigada a cumprir a Recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV, que assim dispõe:

"28 - Preservação da memória das graves violações de direitos humanos;

48. Devem ser adotadas medidas para preservação da memória das graves violações de direitos humanos no período investigado pela CNV e, principalmente, da memória de todas as pessoas que foram vítimas dessas violações. Essas medidas devem ter por objetivo, entre outros:

(...)

49. Com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos. Entre outras, devem ser adotadas medidas visando:

a) (...)

b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações." (G.N.)

Inicialmente, oportuno registrar que este magistrado reconhece a importância da Comissão Nacional da Verdade - CNV, criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.  (art. 1º).

Reconciliação nacional, destaco.

Uma imagem (print) colada na Petição Inicial comprova que está afixada uma placa indicativa de uma obra de alvenaria em execução situada na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n, nesta cidade do Recife/PE, com a denominação: "EDIFÍCIO MARECHAL CASTELO BRANCO".

O prédio está sendo construído pelo Ministério da Defesa/Exército Brasileiro, segundo anotado na placa, destinado à residência militar; trata-se, portanto, de próprio público federal.

A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (1897-1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro. (Id. 4058300.15403882).

No entanto, como já dito, embora reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento.  

O fato de o mencionado Militar-Marechal, quando Presidente da  República, ter assinado os atos legais que deram origem ao Serviço Nacional de Informação - SNI, exatamente para obter dados informativos tendentes à defesa dos interesses do País, não o acumpliciam a eventuais desvios que tenham sido praticados por alguns membros desse Órgão de Informação  contra os adversários político-administrativos daquele regime.

Por outro lado, além de a finalidade da Comissão da Verdade ter sido de buscar a RECONCILIAÇÃO NACIONAL, a Suprema Corte brasileira já  decidiu que a Lei da Anistia teve a força de perdoar e apagar eventuais males(excessos) da época do regime militar, tanto os praticados  pelos que estavam no poder,  como os praticados pelos opositores daquele  regime.

Nesse ponto, conforme muito bem exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são:

"(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)" (Id. 4058300.15403709).

Registro que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta. (Id. 4058300.15403732).

Lei recente do Estado do Ceará (Lei nº 16.832, de 14 de janeiro de 2019) e, pelo que se tem notícia, Lei do Estado do Piauí, também passaram a estabelecer a vedação, mas ainda não veio a lume lei federal estabelecendo tal vedação.

Note-se que esses Estados, quando do advento de tais Leis, eram e são administrados por Partidos Políticos cuja orientação era contrária ao referido regime militar.

Todavia, também cabe registrar, o próprio em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam as reprimendas das referidas Leis Estaduais."

Aliás, o Marechal Humberto de  Alencar Castelo Branco, cearense de Fortaleza-CE,  sempre foi considerado, por vários historiadores, como um militar moderado que até pensava em realizar eleições antes do final do seu mandato como primeiro Presidente da República do regime militar, instalado em 1964, e aventa-se até que, por isso, o acidente de avião no qual faleceu pode não ter sido um mero acidente.

Então, mencionada Recomendação da denominada Comissão Nacional da Verdade, além de não ter caráter vinculante, nesse particular, parece não gozar da unanimidade dos Historiadores.

3- Dispositivo

3.1- rejeito a preliminar arguida pela União;

3.2 - julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo,  com resolução do mérito (CPC, art. 487, I).

Sem condenação em custas processuais ou honorários advocatícios (Lei nº 7.347/85, art. 18).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (Lei nº 4.717/65, art. 19).

Remeta-se, com urgência,  cópia desta Sentença para os autos do recurso de Agravo de Instrumento noticiado nos autos, para os fins legais.

R.I.

Recife, 01.12.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal da 2ª Vara Federal/PE

(rmc)


A Sentença supra foi mantida no TRF5R e o respectivo acórdão já transitou em julgado. 

Eis o voto condutor e o acórdão

"VOTO 

 

De início, observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da via eleita, pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o descumprimento de um dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente obrigação legal preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A meu ver, tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a analisar.

Na presente ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada pelo Comando do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em construção, em homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello Branco, representante do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e 1985, afronta cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV - Comissão Nacional da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves violações de direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações.

Conforme pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

Em relação à questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo sentenciante no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro; ii) Embora se reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento. Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)"; iii) Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.  O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam a lei estadual.

Diante desse contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

É como voto.

 

PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

 

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ALTERAÇÃO DE NOME DE PRÉDIO PÚBLICO EM CONSTRUÇÃO. RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. CARÁTER NÃO VINCULANTE.

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, em sede de ação civil pública, na qual se pretende "a condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos".

2. De início, observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da via eleita, pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o descumprimento de um dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente obrigação legal preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A meu ver, tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a analisar.

3. Na presente ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada pelo Comando do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em construção, em homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello Branco, representante do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e 1985, afronta cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV - Comissão Nacional da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves violações de direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações.

4. Conforme pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

5. O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

6. Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

7. No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

8. Em relação à questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo sentenciante no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro; ii) Embora se reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento. Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)"; iii) Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.  O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam a lei estadual.

9. Diante desse contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.

10. Apelação improvida.

 

PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

 

 

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.





Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Processo: 0812782-58.2020.4.05.8300
Assinado eletronicamente por:
FERNANDO BRAGA DAMASCENO - Magistrado
Data e hora da assinatura: 23/11/2021 10:45:38
Identificador: 4050000.29004808

Para conferência da autenticidade do documento:
https://pje.jfpe.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário


21112310391600000000022182198

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

 

 "