Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Vistos, etc.
Segue uma sentença que discute o problema da responsabilidade do Adquirente pelo registro da alteração no cadastro do Serviço de Patrimônio da União, no caso de aquisição de imóvel, construído sobre terreno de marinha, de propriedade da UNIÃO, com parte sob regime de aforamento e parte sob regime de ocupação. Debate-se também a responsabilidade pelo pagamento do valor do foro anual e da taxa de ocupação, bem como do laudêmio. E ainda dois problemas processuais: 1) como deve proceder o magistrado de primeiro grau, na elaboração da sentença, quando o Tribunal esgotou parte dos pedidos, em acórdão lançado nos autos de um agravo de instrumento, via antecipação da tutela? Veja a orientação dada pelo juiz no presente caso. 2) Também houve caso de litigância de má-fé de um dos Litisconsortes Passivos Necessários.
OBS.: Pesquisa de legislação e de jurisprudência feita pela Assessora Fabíola Cavalcanti de Santana Siqueira.
Processo nº
0014646-19.2010.4.05.8300
Autor: I A
de M Jr
Réus: União Federal e
outros
Sentença
Registro nº
...........................................
Certifico que
registrei esta Sentença às fls..........
Recife,
...../...../2014.
EMENTA:- ALIENAÇÃO DE DOMÍNIO
ÚTIL E/OU DO DIREITO DE OCUPAÇÃO DE IMÓVEL POR PARTE DE FOREIRO E/OU OCUPANTE. IMÓVEL DO DOMÍNIO DA UNIÃO SOB
AFORAMENTO E/OU SOB OCUPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELA ALTERAÇÃO CADASTRAL PERANTE A
SPU. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO LAUDÊMIO E DO FORO ANUAL E/OU DA TAXA DE
OCUPAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Cabe ao Foreiro/Ocupante o pagamento do laudêmio nas
alienações do domínio útil de terreno da União, sob aforamento ou sob o regime
de ocupação.
Cabe ao Adquirente a regularização cadastral perante o
Serviço de Patrimônio da União.
Antecipação da tutela pela 2ª Turma do E. TRF/5ªR: Esgotamento parcial dos pleitos. Cumprimento.
Litigância de má-fé de um dos Adquirentes do imóvel,
ora Litisconsortes Passivos Necessários.
Procedência parcial.
I A DE
M JR propôs
Ação Ordinária em face da União (AGU/PRU), objetivando a título de antecipação
dos efeitos da tutela, a alteração dos registros cadastrais da Secretaria do
Patrimônio da União - SPU, para que passem a constar os nomes dos Srs. MARIO
CAVALCANTI DE GOUVEIA JÚNIOR (CPF nº 010.376.414-34), DANIELA CAVALCANTI DE
GOUVEIA E GOUVEIA (CPF nº 594.641.354-68) e MARIO CAVALCANTI DE GOUVEIA NETO
(CPF nº 832.467.204-44), na condição de atuais e efetivos ocupantes do terreno
de marinha tombado sob o nº RIP Nº 2531.0103801-51, e, consequentemente, para
que seja impedida a cobrança de referida taxa do ora Autor, que, segundo alega,
não seria proprietário do imóvel desde
30.04.2001. Requereu, no mérito, a confirmação da tutela, declarando-se,
outrossim, a ilegitimidade do Autor para figurar no polo passivo de qualquer
cobrança de taxa de ocupação relativamente ao imóvel tombado sob o nº RIP Nº
2531.0103801-51, com a alteração definitiva dos registros cadastrais da
Secretaria do Patrimônio da União - SPU, para que passem a constar os nomes dos
mencionados ocupantes.
Proferida decisão interlocutória indeferindo o pedido de antecipação dos
efeitos da tutela, a parte autora
interpôs recurso de agravo de instrumento em face da aludida decisão, tendo o E.
TRF-5ª Região dado provimento ao recurso do Autor.
A União apresentou Contestação e Impugnação ao Valor da Causa – IVC.
J juntada aos autos cópia da decisão proferida na IVC, que foi julgada
improcedente.
Determinado(fls. 129/129v)que o Autor promovesse a citação dos
proprietários/ocupantes do imóvel, sob pena de extinção do processo sem
resolução do mérito, na forma do Parágrafo Único do art. 47 do CPC.
Cumprida a diligência (fl. 131 e fl. 135), os réus foram citados (fls.
136/143).
MÁRIO CAVALCANTI DE
GOUVEIA JÚNIOR, na
qualidade de Requerido, veio aos autos (fls. 144/145) alegando, em síntese,
que: a) de fato, conforme se verificava na escritura pública adquiriu em
30.04.2001, o imóvel localizado na Av. boa Viagem, nº 5450, aptº 2901, Edf.
Príncipe de Marsala, Boa Viagem/PE; b) já teria tomado providências, na forma
que dispõe o art. 33, § 4º, da Lei nº 9.636/98, para a transferência para seu
nome, da posse do terreno de marinha junto ao órgão da Secretaria de Patrimônio
da União - SPU; c) neste contexto, requeria a extinção do feito sem apreciação
do mérito. (Ausentes os documentos).
Intimado o Autor para se manifestar da petição do demandando, este
solicitou que houvesse a comprovação do suposto pedido de alteração cadastral
do imóvel perante o SPU, bem como que fosse oficiado o órgão para informar se
houve o referido pedido de alteração cadastral fazendo constar os nomes dos
atuais ocupantes do imóvel e, caso não houvesse sido feito, que se procedesse
com a correção do cadastro consonante decisão do E. TRF 5ª Região, nos autos do
AGTR nº 112.828-PE, vinculado a esta ação transitado em julgado em 01.04.2012.
É o relatório. Decido.
2 - Fundamentação
2.1
- Natureza jurídica da taxa de ocupação e fato gerador
Consta do documento de fl. 17, que o terreno sobre o qual se construiu o
imóvel em questão é de marinha, encontrando-se parte sob regime de aforamento e
parte sob regime de ocupação.
A inscrição do aforamento e/ou da ocupação é ato administrativo precário
e implica efetivo aproveitamento do terreno pelo Foreiro/Ocupante (Lei n.
9.636/1998, artigo 7º). O foro anual e a taxa de ocupação não têm natureza
tributária (Lei n. 4.320/1964, artigo 39, § 2º). Tratam-se de receita patrimonial
em virtude da utilização, por Terceiro Possuidor, de um bem imóvel de propriedade da União.
No regime de aforamento, o Foreiro adquire o domínio útil do imóvel. No
regime de ocupação, adquire apenas o direito de ocupar. Mas em ambos o Foreiro
ou o Ocupante goza da posse direta.
O efetivo aproveitamento (posse) do terreno de Marinha é que enseja a
obrigação de pagar o foro anual e/ou a taxa de ocupação. Esse entendimento
serve tanto para o período anterior, quanto ao posterior à Lei n. 9.636/1998,
uma vez que esta acrescentou o § 4º ao artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987,
dispondo que cabe ao Adquirente requerer
ao Serviço de Patrimônio da União (SPU) a alteração dos registros cadastrais.
O Decreto-lei n. 9.760/1946 estabeleceu que
mesmo os ocupantes sem título são obrigados ao pagamento anual da taxa de
ocupação (artigo 127). Para a cobrança,
há necessidade de inscrição administrativa dos ocupantes, mediante processo
administrativo específico (Lei n. 9.636/1998, artigo 7º, § 3º), o qual pode
ser feito ex officio ou a pedido
do ocupante (Decreto-lei n. 9.760/1946, artigo 128). Os ocupantes devem
ser notificados do cadastramento e a cobrança retroage ao início da ocupação
(redação original e atual do artigo 128 do Decreto-Lei n. 9.760/1946).
2.2
Da Obrigação quanto ao Registro da Alienação do Imóvel perante a SPU
O roteiro apresentado pela União com sua contestação, consignado no
documento de fls. 65-66vº, está de acordo com a Legislação que trata do
assunto.
Cabe ao Adquirente requerer à SPU a alteração do cadastro do imóvel, sob
o regime de aforamento ou sob o regime
de ocupação, quando o domínio útil ou o direito de ocupar deste lhe é alienado(§ 4º do art. 3º do Decreto-lei nº
2.398, de 1987 e § 4º do art. 33 da Lei nº 9.636, de 1998).
O valor do laudêmio há de ser pago pelo Foreiro/Ocupante(no caso, o ora
Autor)[1].
Enquanto o cadastro não for alterado para o nome do Adquirente, a pedido
deste, a SPU continuará cobrando o foro anual do ex-Foreiro ou a taxa de
ocupação do ex-Ocupante, proprietário do domínio útil do imóvel(Foreiro) ou do
direito de ocupação(Ocupante), porque é este, oficialmente, o foreiro/ocupante
do imóvel.[2]
Obviamente, este terá direito de regresso contra o Adquirente que não tenha
regularizado o seu nome no cadastro da SPU, observada a data de alienação do contrato de compra e venda.
No caso em tela, o saudoso e então Desembargador Federal Paulo Gadelha
do E. TRF/5R, na r. decisão referida na nota de rodapé 2, antecipou a tutela,
obrigando a UNIÃO, via SPU, a alterar, no seu cadastro, o registro do imóvel em
questão, para o nome dos Adquirentes(v. fls. 87-88). E essa r. decisão foi
mantida pela 2ª Turma desse E. Tribunal, quando do julgamento do respectivo
agravo de instrumento, conforme cópia do respectivo acórdão, acostada à fl.
109-113.
Na decisão de fls. 129-129vº deste juízo, restou determinado que o Autor
arrolasse no polo passivo os Adquirentes do domínio útil e/ou do direito de
ocupação do imóvel em questão e promovesse a respectiva citação, decisão essa
que foi acolhida nas petições de fl. 131 e 135, os quais foram regularmente
citados(fls. 137, 140 e 143).
Apenas um desses Litisconsortes, MÁRIO CAVALCANTI DE GOUVEIA JÚNIOR, a
título de contestação, informou, à fl.
144-145, que já havia requerido a alteração cadastral do imóvel discutido junto
ao SPU, todavia não juntou a respectiva
prova.
Assim, os demais estão sob revelia, mas sem aplicação dos respectivos
efeitos, como a pena de confissão, em face da regra do inciso I do art. 320 do Código de Processo Civil – CPC.
Ora, na expressão jurídica latina, aplicada ao cotidiano forense, "allegatio
et nom probatio, quasi non alleggatio", que se traduz na literalidade para
o português como "alegar e não provar é quase não alegar". Em fato, a
Parte Litisconsorte alegou, porém não fez prova documental nos autos de que já
teria tomando providências para a alteração do cadastro administrativo do SPU,
em relação ao imóvel adquirido em 30.04.2001, desta forma pouco ou em nada
contribuiu para o deslinde desta demanda que se arrasta desde 27.10.2010.
Ademais, em
consulta ao site da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, na data de
27/02/2015, feita pela Assessoria deste Magistrado, constatou-se que o imóvel
ainda se encontra registrado em nome do seu antigo Foreiro ou Ocupante, o ora Autor
desta ação, conforme certidão de fl. 185.
Ressalta-se
que tal conduta desse Litisconsorte enseja a caracterização de Litigância de Má-fé, porque enquadrável nos
incisos II, III e V do art. 17 do vigente Código de Processo Civil – CPC, além de
ferir regras de comportamento processual, que buscar deter práticas
atentatórias ao exercício da jurisdição, fixadas no art. 14 do mesmo Diploma
Processual.
Consta, à fl. 17, a Certidão de Registro de Imóveis, de onde se pode
aferir que os ora Litisconsortes Passivos Necessários realmente adquiriram o
domínio útil e os direitos de ocupação do imóvel em questão, que se encontra
parte sob regime de aforamento e parte sob regime de ocupação, e passaram a ser os respectivos Foreiros/Ocupantes.
A SPU só pode fazer, de ofício, o primeiro cadastramento, conforme acima
demonstrado.
Não pode a SPU alterar, de ofício, mencionado cadastro, quando há
alienação do domínio útil e/ou dos direitos de ocupação do imóvel, cabendo ao
respectivo Adquirente pedir essa alteração.
Desta forma, data maxima venia dos
d. Julgadores do TRF/5ªR, no v. acórdão acima mencionado, não mereceria procedência
o pedido do Autor para se declarar, com relação à União, inexistente relação jurídica no que tange às
taxas de ocupação e/ou foro com vencimento posterior a 30.04.2001 (data em que
ocorreu a transmissão dos referidos direitos sobre o imóvel), referente ao
imóvel situado em "terreno de marinha" cadastrado sob o RIP nº
2531.0103801-51, tampouco obrigar a União, via SPU, a fazer a alteração
cadastral antes da formalização do pedido, para essa alteração, por parte dos
Adquirentes, legalmente obrigados a
isso, que figuram como Litisconsortes Passivos Necessários nesta ação.
Mereceria, sim, determinar-se que os Adquirentes cumprissem essa
obrigação legal, a de requerer a alteração cadastral perante a SPU. Mas isso não
foi pedido pelo Autor e a 2ª Turma do E. TRF/5ªR já acolheu os pedidos de
obrigar a União, via SPU, de fazer a referida alteração cadastral e de não
cobrar do Autor o foro ou taxa de ocupação do imóvel em questão, a partir da
data em que alienou o domínio útil ou o direito de ocupação do imóvel para os
Adquirentes, situação essa que esgotou a
quase totalidade dos pleitos, restando a este juízo apenas determinar o
cumprimento do d. acórdão da 2ª Turma do E. TRF/5ªR e apreciar o pedido da
letra “D” dos pedidos da petição inicial, qual seja, o de garantir o direito de
regresso contra os Adquirentes, relativamente às parcelas que o Autor tenha
pagado do mencionado foro anual e/ou da mencionada taxa de ocupação.
Não há nenhum pedido quanto ao valor do laudêmio(percentual sobre o
valor do imóvel, quando alienado para outra Pessoa, sob encargo do Foreiro/Ocupante,
no caso, o ora Autor), pelo que não cabe qualquer decisão a seu respeito.
A 2ª Turma do E. TRF/5ªR não condenou a UNIÃO em qualquer tipo de verba
de sucumbência, de forma que esta não pode ser responsabilidade por esse tipo
de verba.
No entanto, constata-se que os Litisconsortes Passivos Necessários,
arrolados na petição de fl. 131, faltaram com a verdade quanto ao pedido de
alteração do cadastro do imóvel perante a SPU e foram os causados da
propositura desta ação, pelo que devem ser enquadrados como Litigantes de má-fé
e condenados à respectiva multa e ainda nas verbas de sucumbência(custas e
honorários advocatícios), tudo como previsto no art. 18 do vigente Código de Processo Civil - CPC . Não cabe a condenação em qualquer indenização,
como estabelecido nesse dispositivo de Lei, porque não há nenhum indício de que o Autor
tenha tido algum outro prejuízo material, a não ser o de ter efetuado o
pagamento de algumas parcelas do foro anual ou da taxa de ocupação, cujo
ressarcimento já faz parte de um dos pedidos da peça inicial.
3 -
Conclusão
Posto
Isso:
a)
Preliminarmente:
a-1) decreto a revelia, sem os respectivos
efeitos(art. 320, I, CPC), dos Litisconsortes Passivos Necessários MÁRIO
CAVALCANTI DE GOUVEIA NETO e DANELA CAVALCANTI DE GOUVEIA;
a-2) tenho o Litisconsorte Passivo Necessário
MÁRIO CAVALCANTI DE GOUVEIA JÚNIOR, arrolado à fl. 131, como litigante de
má-fé, pelo que o condeno ao pagamento, a favor do Autor, de multa
correspondente a 1%(hum por cento)do valor da causa, atualizado(correção monetária)a
partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, na forma e pelos índices
do manual de cálculo do Conselho da
Justiça Federal – CJF(art. 18 do Código de Processo
Civil – CPC) ;
b)
No mérito, julgo parcialmente procedentes os
pedidos desta ação e:
b-1 - determino à UNIÃO que dê efetivo cumprimento
ao noticiado acórdão da 2ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região,
no prazo de 10(dez)dias, sob pena de pagamento de multa mensal, a favor do
Autor, no valor de R$ 1.000,00(hum mil reais), sem prejuízo da responsabilização
funcional, civil e criminal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao pagamento
dessa multa;
b-3 - condeno mencionados Litisconsortes
Passivos Necessários, arrolados à fl. 131, a ressarcirem o Autor de despesas
que eventualmente tenha efetuado relativamente ao pagamento do foro anual e/ou
da taxa de ocupação anual, referente ao imóvel em questão, após a data da respectiva
aquisição por parte de tais Litisconsortes, com atualização(correção monetária
e juros de mora), incidentes a partir do mês seguinte ao da realização da
despesa, cálculos com base e na forma fixadas no manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal – CJF.
b-4
- Finalmente, condeno os Litisconsortes Passivos Necessários nas custas
judiciais e em verba honorária, que arbitro, com base no § 4º do art. 20 do
CPC, em R$ 6.000,00(seis mil reais), pro
rata.
P.R.I.
Recife, 05 de março
de 2015
Francisco Alves dos Santos Jr
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
[1] Óbvio que, contratualmente, o Adquirente pode se responsabilizar pelo
respectivo quantum. Mas, perante a União, é o Foreiro/Ocupante(o ora Autor)o
responsável.
[2] E neste particular, data maxima
venia, não vejo base legal para o entendimento de acórdão do E. TRF2R,
invocado pelo TRF/5R em r. decisão, lançada no noticiado agravo de instrumento,
cuja cópia se encontra acostada às fls.
86-88. Mas, agora, resta cumprir o julgado do E. TRF5R.