quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

REMOÇÃO DE SERVIDORA MÃE DE FILHA RECÉM-NASCIDA COM SÉRIOS PROBLEMAS DE SAÚDE. DIREITO CONSTITUCIONAL E LEGAL À REMOÇÃO. CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE RELATIVA A DEFICIENTES. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA LIMINARMENTE.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.


   Segue decisão que envolve o delicado problema de uma Mãe, Servidora Pública Federal,  que dá à luz uma criança com sérios problemas cardíacos e com síndrome de Down, lotada em cidade que fica a mais de quinhentos quilômetros de distância onde reside a sua família, Recife-PE, pediu remoção e não recebeu resposta do Ente Público empregador. Então, veio ao Poder Judiciário, que lhe concedeu, liminarmente, medida cautelar, determinando sua imediata remoção, em decisão calcada em regras da Constituição da República, de Leis e da Convenção de Nova Iorque sobre direitos dos deficientes, da qual o Brasil é signatário.
   Boa leitura.



Obs.: decisão pesquisada e rascunhada pela Assessora Fabíola Cavalcanti Santana Siqueira


PROCESSO Nº: 0800429-59.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: A M S DE A
ADVOGADO: C DOS S A (e outros)
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR


 

D E C I S Ã O

 

A M S DE A, servidora pública federal ocupante de cargo efetivo de agente penitenciária federal, qualificada na inicial, propôs Ação Ordinária com Pedido de Tutela Antecipada em face da UNIÃO objetivando, em caráter liminar, sua remoção para Recife com base nos fatos alegados: a) Ser agente penitenciaria federal tendo tomado posse e se encontrando em exercício desde 16.03.2006, inicialmente designada para exercício do cargo em Penitenciária Federal em Brasília, removida em seguida para a Penitenciária Federal de Catanduvas no Paraná, e posteriormente, em novembro de 2007, para Penitenciária Federal de Mossoró no Rio Grande do Norte - local a qual a Autora se encontra vinculada até presente data; b) Manteve, a prejuízo de sua entidade familiar (esposo), idas e vindas a Mossoró durante todo este tempo, sem nunca ter pleiteado remoção para Recife; c) Ocorreu, no entanto, que no início de 2014, a Autora se descobre grávida, porém com o infortúnio do risco gravídico, do início até a data do parto, motivo que ensejou sucessivas licenças durante todo o período gestacional; d) Ainda durante a gestação, a autora descobriu, mediante exames da praxe pré-natal, que sua bebê era portadora da Trissonomia do Cromossomo 21 que determina a Síndrome de Down (SD); d) Realizou vários exames complementares para afastar a suspeita da alteração do cromossomo 21, houve a confirmação diagnóstica de que a Recém Nascida é portadora da conhecida Síndrome de Down em grau elevado; e) Associada a Síndrome de Down, a criança (com cinco meses de idade), apresenta cardiopatia congênita que repercutiu em cirurgia cardíaca como medida corretiva, fato que reforçou o contínuo cuidado e necessidade de acompanhamento médico próprio com várias visitas aos consultório sem razão do seu quadro clínico fragilizado (Síndrome de Down, cardiopatia congênita, doença do refluxo gastroesofágico, deficiência nutricional secundário à cardiopatia); f) neste novo cenário de sua vida, a Autora aprestou pedido administrativo de remoção da Penitenciária Federal de Mossoró/RN para outro estabelecimento de carceragem federal na Cidade do Recife, não tendo, contudo, obtido resposta do órgão responsável - DEPEN; g) a Autora postula remoção para a cidade do Recife, em razão da debilitada saúde de sua filha, mesmo sabendo que com a remoção poderá ocorrer decréscimo de remuneração com perdas das rubricas de adicional de insalubridade, adicional noturno e "decisão judicial transitada em julgado", que refere-se ao pagamento de 25ª horas de trabalho sob regime de plantão. 

Fundamenta seu pedido com base no art. 2º da Lei nº 10.693/03; no art. 123, da Lei nº 11.907/2009; bem como no art. 36, parágrafo único, inciso III, alínea "B" da Lei nº 8.112/90 e em especial com fulcro nos preceitos constitucionais do art. 1º, 3º, 5º e 226 e 227 da Carta Magna de 1988.

Ao final pugnou pela procedência integral do pedido para que seja reconhecido o direito invocado e determinada sua remoção definitiva de seu atual local de lotação na Penitenciária Federal de Mossoró - Rio grande do Norte para a sede do Departamento da Polícia Federal no Recife/PE, ou outro órgão federal com sede nesta cidade, em que possa exercer suas funções e continuar a prestar suas atribuições funcionais, seja o órgão vinculado ou não ao Ministério da justiça. Juntou documentos, laudos e exames médicos. Custas e procuração nos rigores processuais.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório, no essencial.

Decido.

2 -  Fundamentação

Do Pedido de Antecipação da Tutela

Dada a importância de decisão da natureza antecipatória do provimento jurisdicional final, o Legislador tratou de fixar requisitos mais sólidos para que tal provimento possa ser concedido, sendo pressupostos da Antecipação de Tutela a Prova Inequívoca, a Verossimilhança das Alegações e a Possibilidade de Reversibilidade da Medida, art. 273 do CPC.

A remoção a pedido para outra localidade, independente do interesse da Administração Pública, será concedida, segundo a alínea "b", do inciso III, parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/90, in verbis:
"Por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial". (Grifado)


A Autora preenche os requisitos legais, para sua remoção por motivo de saúde de sua filha, portadora da Síndrome de Down e de problemas cardíacos, patologias bem conhecidas da sociedade e que exigem cuidados, dedicação intensiva e constante dos pais, terapêutica especializada com equipe multidisciplinar em saúde, estimulação precoce das suas potencialidades, bem como educação adequada ao perfil de aprendizagem visando o melhor desenvolvimento da criança nos níveis físico, emocional e mental. No entanto, reza a Lei em comento que se faz necessária perícia médica oficial.
 
Mas, como essa perícia pode demorar, principalmente pelo fato de que o Judiciário Federal não tem corpo de Peritos e depende de favores de médicos particulares, e o problema da Mãe, ora Requerente, é presente, imediato, tenho que se deva aplicar ao caso o § 7º do art. 273 do Código de Processo Civil, para lhe conceder medida cautelar, liminarmente, para lhe assegurar a remoção precária, não definitiva, para o Departamento de Polícia Federal local, com os possíveis prejuízos remuneratórios indicados na peça vestibular, onde deverá ficar lotada, no exercício das funções do seu cargo, até posterior decisão judicial.
 
Acresça-se que essa remoção da Autora não é capaz de causar prejuízos irreparáveis ao Poder Público, até mesmo pelo fato de que a Autora estará trabalhando, no Departamento de Polícia Federal local, para fazer jus a sua remuneração.

Não é razoável, num contexto humano existencial como o em tela, que se mantenha uma Mãe a quilômetros de distância da sua família, que foi acrescida com a bebê que nasceu com tantos problemas de saúde, quando pode essa Mãe exercer suas atividades no serviço público federal e policial local, sem qualquer prejuízo para os interesses da Administração Pública Federal.
Ademais, é compatível e juridicamente possível o exercício das atribuições do cargo de Agente Penitenciário Federal nas dependências de outro órgão carcerário, a exemplo das dependências do Departamento da Polícia Federal. Vejamos, in verbis, as premissas do art. 123 da Lei Federal nº 11.907/2009:
"Art. 123.  Compete aos ocupantes do cargo de Agente Penitenciário Federal o exercício das atividades de atendimento, vigilância, custódia, guarda, escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais e de internamento federais, integrantes da estrutura do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, e às dependências do Departamento de Polícia Federal". (Redação dada pela Lei nº 12.269 de 2010). (Grifado)
Os bens jurídicos que se procura garantir com a remoção da Autora são, primordialmente, a saúde da infante, sua filha, e a estabilidade da família, bens esses expressamente protegidos pela norma constitucional nos seus artigos 1º, 3º, 5º, 226 e 227. Isto incorre em dizer que a República Federativa do Brasil possui profundo compromisso com os supramencionados bens, tanto que os materializou no instrumento jurídico da mais alta  relevância e hierarquia no País.

Acresça-se, ainda, que, em julho de 2008, foi aprovada, pelo Decreto Legislativo 186, a "Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência", assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, que em seguida foi ratificada pelo Brasil em agosto de 2008. O documento, entre outros pontos, destaca a preocupação com o respeito pelo lar e pela família e, sobretudo, da criança com deficiência, exigindo um padrão de vida e proteção social adequados. Os direitos assegurados pela Convenção passaram a gozar do status de direitos fundamentais, pois o documento equivale, segundo o Parágrafo 2º do art. 5º da Constituição em vigor, a uma emenda constitucional

Finalmente, verifico ser idônea a documentação médica, a atestar a situação médica da bebê da ora Autora, tal qual descrita na petição inicial.
 
 3 - Conclusão

Posto isso, com base no § 7º do art.273 do Código de Processo civil, converto o pedido de antecipação de tutela em pedido de medida cautelar e concedo, liminarmente, essa medida,  determinando que a UNIÃO, por seu Órgão próprio, providencie, em caráter provisório, a remoção imediata da Autora para o Departamento de Polícia Federal da cidade do Recife, capital de Pernambuco, onde passará a exercer as atividades funcionais compatíveis com o seu cargo de agente penintênciário,  até ulterior decisão judicial, sob as penas da Lei.
Cite-se a União, na forma e para os fins legais, e também a intime para o imediato e efetivo cumprimento da decisão supra.
Intimem-se, com urgência. Cite-se.

Recife, 11 de fevereiro de 2015.

Francisco Alves dos Santos Júnior
   Juiz Federal, 2ª Vara-PE

Nenhum comentário:

Postar um comentário