Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue decisão bem interessante, na qual se aborda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em julgado de efeito repetitivo, sobre a possibilidade de dispensa da garantia do Juízo na ação de embargos à execução fiscal e o não conhecimento de apelação em face da inobservância do princípio da dialeticidade recursal.
Boa leitura.
Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Ana Carolina Freitas de Souza.
PROCESSO Nº:
0801094-43.2022.4.05.8102 - APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: P G R DE M
ADVOGADO: M V R V
APELADO: CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES
COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA
ADVOGADO: Carine Furtado Damasceno
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Francisco Alves
dos Santos Júnior - 5ª Turma
MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador(a) Federal
Danielli Farias Rabelo Leitao Rodrigues
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal
Flavio Marcondes Soares Rodrigues
DECISÃO
RELATÓRIO
1 - Trata-se de recurso de apelação interposto por
P G R DE M em face da r. sentença proferida pelo MM.
Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, pela qual se julgou
extintos sem resolução do mérito os embargos à execução movidos contra o
CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARÁ pelo
indeferimento da inicial, na forma do art. 485, I, do CPC. Eis o teor da r.
sentença recorrida:
"1. Relatório
P G R DE M ajuizou EMBARGOS
À EXECUÇÃO, em face do CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES
COMERCIAIS NO ESTADO DO CEARA em razão de dívida inscrita conforme CDA que
lastreia a Execução Fiscal.
O despacho de id 4058102.25988458 determinou a emenda
da inicial, a fim de que o Embargante acostasse aos autos prova da garantia do
juizo, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito.
O embargante limitou-se a juntar comprovante de
citação.
É o relatório, decido.
2. Fundamentação
Verifica-se que a exordial não atende as formalidades
exigidas nem atentou-se o Embargante de emendá-la no prazo estabelecido,
conforme determinado.
Desta feita, não resta óbice algum à extinção do
presente processo.
3. Dispositivo
Diante do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 485, inciso I, do NCPC.
Sem custas.
Sem honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se".
2 - Foram opostos embargos de declaração contra a r.
sentença por Périkles Giovanni Rodrigues de Macedo, com fundamento em omissão acerca
de precedente do Superior Tribunal de Justiça que flexibiliza a exigência da
garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal no caso de o
Embargante não ter patrimônio para garantir o crédito exequendo (id.
4058102.26279175).
3 - Sentença integrativa em id. 4058102.27644558, pela
qual se desproveu o recurso de embargos de declaração nos seguintes termos:
"1. Relatório
Trata-se de recurso de embargos de declaração opostos
por P G R DE M em face da sentença de id.
26279175.
Sustentou que a sentença incorreu em omissão por não
ter se manifestado sobre precedente do Superior Tribunal de Justiça que
flexibiliza a exigência da garantia do juízo para oposição de embargos à
execução fiscal, no caso de o embargante não deter patrimônio para garantir o
crédito exequendo.
É o relatório.
Decido.
2. Fundamentação
Os embargos de declaração podem, excepcionalmente, ter
caráter infringente, quando manejados para: a) correção de erro material; b)
superação de omissão; c) eliminação de contradição ou obscuridade.
A omissão, primeiro fundamento do recurso, lastreia-se
na não manifestação deste juízo federal quanto ao entendimento adotado pela
Primeira Seção do e. STJ quando do julgamento da REsp 1.487.772/SE, que
entendeu por admitir o afastamento da exigência de garantia do juízo para
oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocamente que o
Devedor não detém património para tanto, e que restou assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO
DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA.
HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.
1. 'Aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser
exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as
interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça' (Enunciado Administrativo n. 2 - STJ).
2. Os embargos à execução são o meio de defesa do
executado contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda
Pública, mas que 'não serão admissíveis ... antes de garantida a execução'
(art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/80).
3. No julgamento do recurso especial n. 1.272.827/PE,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a
Primeira Seção sedimentou orientação segunda a qual, 'em atenção ao princípio
da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art.
736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como
condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da
presença de dispositivo específico, qual seja, o art. 16, § 1º, da Lei n.
6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à
execução fiscal.'
4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez,
resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao
contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com
base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia
integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução
fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção,
no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.
5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a
exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal,
caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para
garantia do crédito exequendo.
6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à
execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do
embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.
7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário
da assistência judiciária gratuita e a ação de embargos à execução por ele
oposta não foi recebida, culminando com a extinção do processo sem julgamento
de mérito, ao fundamento de inexistência de garantia do Juízo.
8. Num raciocínio sistemático da legislação federal
aplicada, pelo simples fato de o Executado, ora Recorrente, ser amparado pela
gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição da
referida ação de defesa sem a garantia do Juízo.
9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob
esse ângulo (de o Executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas
sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, 'tal
implicaria em garantir o direito de defesa ao 'rico', que dispõe de patrimônio
suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao 'pobre' por
falta de recursos para tanto.
10. Não tendo a hipossuficiência do Executado, ora
Recorrente, sido enfrentada pela primeira instância, premissa fática
indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à
origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a
investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam
insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações
legais.
11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o
acórdão recorrido. (REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria,
Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019).
Considera-se omissa a decisão que deixa de se
manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos (incidente de
resolução de demandas repetitivas, recurso especial e extraordinário
repetitivos)[1] ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso
sob julgamento (art. 1.022, parágrafo único, inciso I do CPC).
A decisão apontada pelo embargante consiste em
precedente persuasivo e não vinculante, ou seja, trata-se de julgado que não
impõe aos órgãos do Poder Judiciário o seguimento do entendimento firmado.
Ademais, registro que, em nenhuma das manifestações
anteriores ao presente recurso, o embargante arguiu a sua impossibilidade de
garantir o juízo.
Tratando-se de embargos à execução fiscal não
se prescinde da aplicação do §1º do art. 16 da Lei n. 6.830/1980, que
estabelece a inadmissibilidade dos embargos antes de garantida a execução.
Com efeito, a sentença de id. 26279175 indeferiu a
ação de embargos a execução oposta em razão do não cumprimento integral do
despacho de id. 25988458, notadamente quanto a não comprovação da garantia do
juízo, tampouco da juntada do título executivo, uma vez que o embargante se
ateve tão somente a colacionar prova da tempestividade.
Não há que se cogitar de omissão.
Destarte, mantem-se hígido o provimento jurisdicional
em todos os seus termos.
Cabe a parte que irresignada com o teor decidido dele
recorrer, não sendo adequada a oposição de embargos de declaração para tal
desiderato.
3. Dispositivo
Ante o exposto, NÃO ACOLHO o recurso de
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, razão pela qual mantenho a sentença em todos os
seus termos.
Diante de eventual interposição de recurso de APELAÇÃO,
INTIME-SE a PARTE RECORRIDA para, no PRAZO de 15
(QUINZE) DIAS, apresentar CONTRARRAZÕES.
DECORRIDO o PRAZO
e independentemente de atendimento do objeto da intimação, REMETAM-SE os
autos ao e. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5a REGIÃO.
INTIMEM-SE.
Após o trânsito em julgado, BAIXEM-SE estes
autos da Distribuição e ARQUIVEM-SE.
Expedientes necessários".
4 - Em suas razões recursais (id. 4058102.28075609), o
Particular Apelante sustentou, em síntese, que:
(i) houvera o bloqueio do valor da execução em conta
corrente do Apelante, razão pela qual fora garantido o juízo;
(ii) a cobrança das anuidades de 2015 a 2019 seria
indevida, na medida em que o Apelante não seria filiado ao conselho apelado,
sendo que trabalhou apenas durante três meses como representante em uma empresa;
(iii) considerando o teto legal mínimo para o
ajuizamento de execuções referentes a dívidas de anuidades previsto na Lei nº
12.514/2011, o prazo prescricional para o Apelado ajuizar a execução teria
início a partir do vencimento da anuidade referente ao ano de 2012 e se
esgotaria no ano de 2017, considerando ser quinquenal, na forma do art. 174 do
CTN.
5 - Em vista disso, o Apelante requereu "seja
conhecido e provido o presente recurso, reformando-se a sentença ora atacada,
para que sejam as anuidades de 2015 à 2019 declaradas prescritas, e,
consequentemente, seja extinto o executivo fiscal, com a liberação dos valores
penhorados".
6 - Contrarrazões do CORE, acostadas sob id.
4058102.28502196, pugnando pela manutenção da r. sentença recorrida.
7 - Em seguida, os autos vieram-me conclusos.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, convém delimitar a extensão do efeito
devolutivo deste recurso de apelação.
A r. sentença julgou extinta ação de embargos à
execução fiscal oposta pelo ora Apelante porque, apesar de intimado, este
deixou de emendar a petição inicial para instruí-la com documentos
indispensáveis à propositura da ação.
Assim, a matéria que poderia ser devolvida ao órgão
colegiado limita-se à regularidade ou não petição inicial, não dando ensejo a
penetrar nas questões de mérito propriamente arguidas nos embargos à execução
fiscal, sob pena de supressão de instância.
A simples leitura das razões recursais evidencia que o
Apelante não aborda e, consequentemente, não ataca as razões pelas quais o MM.
Juízo a quo indeferiu a petição inicial, a saber, descumprimento do
despacho que determinou a juntada de cópia do título executivo e da penhora em
garantia do juízo, in verbis:
"DESPACHO
A ação de Embargos à Execução Fiscal é ação de
conhecimento autônoma que deve preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 do
CPC.
Sendo assim, determino que o embargante emende a
inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, procedendo à juntada de todos os
documentos necessários para a instrução do feito e julgamento da causa, a
exemplo da prova da tempestividade, cópia do título executivo, bem como penhora
realizada, sob pena de extinção, nos termos do art. 321. parágrafo único c/c
art. 485, I do CPC.
Após, voltem os autos conclusos"
Com efeito, após ter sido lançado o despacho supra, o
ora Apelante limitou-se a juntar cópia da tempestividade dos embargos à
execução, permanecendo inerte quanto às demais providências que lhe competiam
para emendar a petição inicial a contento, especialmente a juntada de prova de
garantia do juízo e do título executivo.
Todavia, ao interpor o recurso de apelação, o Apelante
tratou da nulidade da CDA por inexistência de relação jurídica tributária e da
prescrição do credito tributário, que são matérias estranhas à r. sentença
recorrida.
Destarte, verifica-se que o presente recurso não traz
impugnações relativas ao provimento judicial trazido na r. sentença.
Sobre a questão, o art. 932, III, do CPC, dispõe que
incumbe ao relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não
tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
Na hipótese vertente, restou caracterizada a
interposição de recurso com razões dissociadas da matéria decidida na r.
sentença recorrida, motivo pelo qual não deve ser este recurso conhecido.
DISPOSITIVO
Posto isso, com base no art. 932, III, do CPC, não
conheço da presente Apelação.
Intimem-se as partes e, após o trânsito em julgado,
retornem ao juízo a quo.
Retire-se de pauta.
Expedientes necessários.
Recife, data da assinatura.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Desembargador Federal Relator