segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

VERBAS QUE DEVEM SER EXCLUÍDAS DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL: LEI E JURISPRUDÊNCIA. INAPLICABILIDADE ÀS CONTRIBUIÇÕES DO TERCEIRO SETOR.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Segue sentença, com indicação da legislação e jurisprudência atualizadas, relativamente às verbas que podem e devem ser excluídas da base de cálculo da Contribuição Previdenciária Patronal. 

Na sentença também se explica porque a jurisprudência nela adotada não se aplica às Contribuições do Terceiro Setor. 

Boa leitura. 


Obs.:  pesquisa e montagem da sentença feita pela Assessora Patrícia Luna. 


 PROCESSO Nº: 0814393-46.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: D C LTDA e outros
ADVOGADO: Bruno Romero Pedrosa Monteiro
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DA DELEGACIA DE MAIORES CONTRIBUINTES DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RJ
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)




Sentença tipo B

 

EMENTA: - MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.

- Adota-se, relativamente a algumas verbas indicadas na petição inicial, por força do inciso III do art. 927 do CPC, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, repercussão geral, e da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, efeito repetitivo, nos acórdãos referidos na fundamentação desta sentença. 

- Inaplicável o entendimento do Supremo Tribunal Federal e da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça às Contribuições de Terceiros (SEBRAE, INCRA, APEX, ABDI, SESC, SENAC, SEST/SENAT, Salário-Educação/FNDE), em face da finalidade destas.

- Compensação na forma da Lei nº 9.430, de 1996.

- Procedência em parte.

 

Vistos etc.

1. Relatório

D C S.A. e suas filiais, qualificadas na petição inicial, impetraram, em 01/09/2020, este "MANDADO DE SEGURANÇA C/C PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE" em face de ato pretensamente coativo, que teria sido praticado pelo Ilmo. Sr. Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE/PE. Inicialmente, discorreram sobre o aproveitamento da presente demanda para a matriz e filiais. Alegaram, em síntese, que: seria pessoa jurídica de direito privado que, na qualidade de empregadora, estaria obrigada ao recolhimento de contribuições sociais, nos termos do artigo 195, I, da CF/88, c/c o artigo 22, I e II, da Lei nº 8.212/91, bem como ao recolhimento das contribuições sociais de terceiros (SEBRAE - Lei n° 8.029/90, INCRA - Decreto-Lei n° 1.110/70, APEX, ABDI, Sistema "S" (SESC, SENAC, SEST/SENAT - artigo 240, CF/88) e Salário-Educação - artigo 212, §5°, da Constituição Federal de 1988), calculadas com base na remuneração paga aos seus funcionários; aludidas exações viriam sendo exigidas pela União, ora Impetrada, sobre parcelas que não comporiam efetivamente o salário de contribuição, para fins de aposentadoria, conceito extremamente importante para o deslinde do presente feito; tal situação ocorreria em relação ao (i) auxílio-doença pago nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento, (ii) férias gozadas, abono de férias, (iii) horas extras, (iv) sobre o aviso prévio indenizado, (v) adicionais noturnos, insalubridade e de periculosidade, (vi) salário maternidade, (vii) gratificação natalina e (viii) plano de saúde e odontológico (inclusive a coparticipação descontada dos empregados), (ix) vale transporte/auxílio transporte, mesmo pago em pecúnia e (x) Auxilio Alimentação, pagos in natura, por ticket, vale ou em pecúnia, verbas estas com caráter nitidamente indenizatório/compensatório, ultrapassando o conceito de remuneração como base de cálculo imponível. Discorreram sobre a natureza jurídica das contribuições sociais; natureza indenizatória; e sobre cada uma das verbas em questão (férias gozadas e do abono de férias; horas extras; adicionais noturno, de periculosidade e insalubridade; gratificação natalina sobre o valor indenizado; auxílio-doença ou acidente; aviso prévio indenizado; salário-maternidade; plano de saúde - assistência médica e odontológica; vale transporte, mesmo pago em pecúnia; auxílio alimentação). Teceram outros comentários. Transcreveram dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Requereram, ao final, a concessão de medida liminar: "... o deferimento da medida liminar, vez que preenchidos os requisitos legais da tutela provisória de evidência inaldita altera pars (art. 311, II e P.Ú. do CPC/15), para a suspensão da exigibilidade da contribuição previdenciária patronal, das parcelas vencidas e vincendas, incidentes sobre os valores pagos pela impetrante e suas filiais à título de (i) aviso prévio indenizado, (ii) auxílio-doença pago nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento e (iii) salário maternidade, (iv) vale transporte/auxílio transporte, mesmo pago em pecúnia e (v) Auxilio Alimentação, pagos in natura, por ticket, vale ou em pecúnia, em virtude das teses firmadas em sede de recurso repetitivo constante nos autos dos REsp. 1.230.957/RS (Temas 478 e 738) e Resp. 1.207.071/RJ (Tema 540), da tese firmada no RE nº 576.967 (Tema nº 72), em sede de repercussão geral, da existência da Súmula nº 60 da AGU e da Súmula CARF nº 89, vez que se tratam de parcelas com cunho indenizatório/compensatório e não remuneratório. Outrossim, requer, o deferimento do pedido liminar, posto que também preenchidos os requisitos legais da tutela provisória de urgência inaldita altera pars (art. 300, do CPC/15 c/c art. 7º III da lei 12.016/2009) a suspensão da exigibilidade da contribuição previdenciária patronal e de terceiros (SEBRAE - Lei n° 8.029/90, INCRA - Decreto-Lei n° 1.110/70, APEX, ABDI, Sistema "S" [SESC, SENAC, SEST/SENAT - artigo 240, CF/88] e Salário-Educação [artigo 212, §5°, da Constituição Federal de 1988], das parcelas vencidas e vincendas, incidentes sobre os valores pagos pela impetrante e suas filiais, à título de (i) horas extras, (ii) adicionais noturnos, insalubridade e de periculosidade, (iii) plano de saúde e odontológico (inclusive a coparticipação descontada dos empregados), (iv) férias gozadas, abono de férias e (v) gratificação natalina sobre o valor indenizado, bem como sobre aquele que incide no aviso prévio indenizado, em virtude do que restou firmado no RE 593.068/SC (Tema 163) com repercussão geral, por se tratar de situação análoga à presente, vez que se tratam de parcelas com cunho indenizatório/compensatório e não remuneratório". No mérito, requereu: "Meritum causae, além da confirmação das medidas liminares, o reconhecimento do direito líquido e certo da Impetrante e suas filiais ao recolhimento da contribuição previdenciária patronal e de terceiros (SEBRAE - Lei n° 8.029/90, INCRA - Decreto-Lei n° 1.110/70, APEX, ABDI, Sistema "S" [SESC, SENAC, SEST/SENAT - artigo 240, CF/88] e Salário-Educação - artigo 212, §5°, da Constituição Federal de 1988) excluindo as parcelas referentes ao (i) auxílio-doença pago nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento, (ii) férias gozadas, abono de férias, (iii) horas extras, (iv) sobre o aviso prévio indenizado, (v) adicionais noturnos, insalubridade e de periculosidade, (vi) salário maternidade, (vi) plano de saúde e odontológico (inclusive a coparticipação descontada dos empregados), (viii) vale transporte/auxílio transporte, mesmo pago em pecúnia e (ix) Auxilio Alimentação, pagos in natura, por ticket, vale ou em pecúnia e (x) gratificação natalina sobre o valor indenizado, bem como sobre aquele que incide no aviso prévio indenizado, declarando, incidentalmente a inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão das referidas verbas indenizatórias na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, de terceiros e do salário-educação, sob pena de ofensa direta ao disposto na alínea "a", do inciso I, do artigo 195 da CF/88; Como consequência do pedido anterior, requer que seja autorizada a restituição das parcelas recolhidas indevidamente pela Impetrante e suas filiais à tais títulos, nos últimos 05 (cinco) anos, ou a compensação dos valores com quaisquer contribuições destinadas a financiar a seguridade social, sem as limitações previstas nas Leis Nº 9.430/96 e 11.457/2007, devidamente corrigidas pela SELIC". Atribuíram valor à causa. Inicial instruída com procuração e documentos.

Decisão exarada em 03/09/2020 (id. 4058300.15791939), na qual se postergou o exame da medida liminar para o momento da sentença; restou determinada ainda a notificação da Autoridade apontada como coatora para as informações legais, bem como ciência ao Órgão de representação judicial da União; e vista ao MPF, para o r. parecer legal.

UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) apresentou manifestação (id. 4058300.15841923), pugnando por seu ingresso no feito.

A Autoridade apontada como coatora, Ilmo. Sr. Delegado da Receita Federal do Brasil em Recife/PE, prestou informações legais (id. 4058300.16120829)Suscitou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, identificando, como Autoridade Coatora, o Delegado da Delegacia de Maiores Contribuintes da Receita Federal do Brasil no Rio de Janeiro - DEMAC/RJO.

Ministério Público Federal ofertou seu r. parecer, esclarecendo o motivo pelo qual "deixa de se manifestar sobre o mérito da lide, pugnando pelo normal prosseguimento do presente mandado de segurança (id. 4058300.16121223).

Decisão proferida em 18/05/2021 (id. 4058300.18768166), na qual se determinou a intimação da Parte Impetrante para, se fosse o caso, corrigir o defeito apontado pela Autoridade impetrada, indicando a(s) Autoridade(s) coatora(s) que entender por correta(s), bem como a pessoa jurídica da qual faz parte a apontada Autoridade.

A Parte Impetrante opôs embargos de declaração contra a decisão supra (id. 4058300.18960930).

A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) apresentou contrarrazões aos embargos de declaração opostos (id. 4058300.19218065).

Decisão proferida em 04/08/2021 (id. 4058300.19828558), na qual não se conheceu do recurso de embargos de declaração, sendo concedido à Parte Impetrante mais 10(dez) dias para os fins da decisão de id. 4058300.18768166.

A Parte Impetrante apresentou manifestação (id. 4058300.20022721), na qual indica como Autoridade coatora o DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DA DELEGACIA DE MAIORES CONTRIBUINTES DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO (DEMAC/RJO), representada judicialmente pela Procuradoria - Regional da Fazenda Nacional.

Decisão proferida em 13/09/2021 (id. 4058300.20309415), na qual foi acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, suscitada pelo Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE; determinada à Secretaria a retificação de autuação para incluir o Ilmo. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DA DELEGACIA DE MAIORES CONTRIBUINTES DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RIO DE JANEIRO (DEMAC/RJO), como autoridade coatora, permanecendo a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL como pessoa jurídica Impetrada, tendo por órgão de representação judicial a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE; bem como restou determinada a notificação da notificação da Autoridade apontada como coatora para as informações legais.

Certificado o decurso de prazo sem que a nova Autoridade coatora apresentasse suas informações (id. 4058300.20958903).

O MPF reiterou a manifestação de id. 4058300.16121223 (id. 4058300.20960255).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Da ausência do interesse processual de agir quanto ao abono de férias 

O abono de férias, também conhecido como "abono pecuniário", previsto nos arts. 143 e 144 da CLT, é a conversão em dinheiro de 1/3 (um terço) dos dias de férias a que o empregado tem direito:

"Art. 143 - É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes.                 (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977         (Vide Lei nº 7.923, de 1989)

Art. 144. O abono de férias de que trata o artigo anterior, bem como o concedido em virtude de cláusula do contrato de trabalho, do regulamento da empresa, de convenção ou acordo coletivo, desde que não excedente de 20 (vinte) dias do salário, não integrarão a remuneração do empregado para os efeitos da legislação do trabalho e da previdência social."

Com relação ao referido abono, não deve incidir contribuição previdenciária sobre os valores pagos a tal título, por expressa determinação legal, conforme disposto no item 6 da alínea "e" do acima mencionado § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 1991, verbis:

"Art. 28 -  Entende-se por salário-de-contribuição:

 (...)

e) as importâncias:                  (Incluída pela Lei nº 9.528, de 10.12.97

(...)

6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 144 da CLT;  (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 1998)."

Por outro lado, a Parte Impetrante não trouxe para os autos nenhuma prova de que a Impetrada esteja exigindo a mencionada contribuição sobre o abono de férias, que, como demonstrado, não é exigido pela Lei.

Então, com relação a essa rubrica, não tem a Parte Impetrante interesse processual de agir.

2.2 - Do mérito

2.2.1 - A Contribuição Social sobre a Folha de Salário - CSFS e sua Comutatividade 

A contribuição previdenciária paga pelo Segurado e por seu Empregador, embora tida pelo C. Supremo Tribunal Federal como um tributo solidário, tem um forte caráter comutativo (art. 195, § 5º e art. 201, § 11, todos da Constituição da República), ou seja, ela é paga para receber-se em troca, no futuro e após o pagamento de determinado número de contribuições, um determinado benefício. 

Assim, se determinados períodos e/ou valores são considerados para fins de contagem e/ou cálculo para aposentadoria, haja ou não trabalho ou prestação de serviço efetivo, tem que haver incidência da contribuição previdenciária, porque não pode haver pagamento de benefício sem a respectiva fonte de custeio (§ 5º do art. 195 da Constituição da República c/c § 11 do art. 201 da mesma Carta).

Veremos, abaixo, que, quanto à comutatividade, as Cortes de Cúpula do Brasil não a adotaram.

2.2.2 - Pleito da Impetrante

Eis a parte do pedido da petição inicial a respeito do assunto:

"Meritum causae, além da confirmação das medidas liminares, o reconhecimento do direito líquido e certo da Impetrante e suas filiais ao recolhimento da contribuição previdenciária patronal e de terceiros (SEBRAE - Lei n° 8.029/90, INCRA - Decreto-Lei n° 1.110/70, APEX, ABDI, Sistema "S" [SESC, SENAC, SEST/SENAT - artigo 240, CF/88] e Salário-Educação - artigo 212, §5°, da Constituição Federal de 1988) excluindo as parcelas referentes ao (i) auxílio-doença pago nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento, (ii) férias gozadas, abono de férias, (iii) horas extras, (iv) sobre o aviso prévio indenizado, (v) adicionais noturnos, insalubridade e de periculosidade, (vi) salário maternidade, (vi) plano de saúde e odontológico (inclusive a coparticipação descontada dos empregados), (viii) vale transporte/auxílio transporte, mesmo pago em pecúnia e (ix) Auxilio Alimentação, pagos in natura, por ticket, vale ou em pecúnia e (x) gratificação natalina sobre o valor indenizado, bem como sobre aquele que incide no aviso prévio indenizado, declarando, incidentalmente a inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão das referidas verbas indenizatórias na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, de terceiros e do salário-educação, sob pena de ofensa direta ao disposto na alínea "a", do inciso I, do artigo 195 da CF/88;"

Deflui-se desse pedido que a Parte Impetrante pretende não ser compelida a recolher a contribuição previdenciária destinada à Seguridade Social (art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991) e a terceiros (SEBRAE, INCRA, APEX, ABDI, SESC, SENAC, SEST/SENAT, FNDE/Salário-Educação) sobre as rubricas que indica na sua peça inicial, bem como no trecho acima transcrito.

Analisaremos, em primeiro lugar, a incidência ou não incidência da CSFS (inciso I, art. 22, da Lei 8.212/1991), sobre as verbas indicadas na inicial.

No final desta fundamentação, teceremos comentários a respeito das Contribuições destinadas a terceiros.

2.2.2.1 - Primeiros 15(quinze) Dias do Auxílio-doença

Registro que, antes da concessão do auxílio-doença pelo INSS, a Parte Impetrante paga a remuneração dos seus Empregados, por força de Lei, relativamente aos primeiros 15(quinze) dias de afastamento por motivo de saúde.

A respeito dos valores do pagamento desses 15(quinze) primeiros dias, decidiu a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.230.957/RS): 

"2.3  Importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio-doença. 

No que se refere ao segurado empregado, durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe ao empregador efetuar o pagamento do seu salário integral (art. 60, § 3º, da Lei 8.213/91 com redação dada pela Lei 9.876/99). Não obstante nesse período haja o pagamento efetuado pelo empregador, a importância paga não é destinada a retribuir o trabalho, sobretudo porque no intervalo dos quinze dias consecutivos ocorre a interrupção do contrato de trabalho, ou seja, nenhum serviço é prestado pelo empregado. Nesse contexto, a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.100.424/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 18.3.2010; AgRg no REsp 1074103/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 16.4.2009; AgRg no REsp 957.719/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 2.12.2009; REsp 836.531/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17.8.2006."[1]

Quanto ao valor do auxílio-doença propriamente dito, óbvio que a Empregadora, ora Impetrante, não recolhe a contribuição em debate, porque quem paga tal valor é o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Logo, por força do inciso III do art. 927 do CPC, deve este pleito ser acolhido.

2.2.2.2 - Primeiros 15(quinze) Dias do Auxílio-acidente

Embora não se tenha tratado do auxílio-acidente no julgado acima transcrito, se a Empregadora estivesse pagando a algum Empregado, relativamente aos primeiros 15 dias de afastamento para gozo de auxílio-acidente, pelas mesmas razões constantes do julgado acima transcrito, também ficará desobrigada a Parte Impetrante de pagar a contribuição previdenciária em debate sobre o respectivo valor.

2.2.2.3 - Férias gozadas

A remuneração das férias gozadas tem clara natureza salarial, é tanto que sobre ela incide o imposto de renda. Se tivesse natureza indenizatória, não sofreria a incidência desse imposto, que só incide sobre renda (art. 43-I do Código Tributário Nacional)

Só não tem natureza salarial, mas sim indenizatória, o abono de férias, quando o Empregado opta por sua percepção que, como se sabe, corresponde a 1/3(um terço) do valor da remuneração das férias, e assim mesmo só tem essa natureza a parcela relativa à dobra (o Empregado deixa de trabalhar dez dias nas suas férias de trinta dias e recebe por aqueles dez dias o valor dobrado, equivalente a vinte dias). Então a parcela da dobra é que tem natureza indenizatória e por isso não sofre incidência da contribuição em debate, tampouco do IR. A parcela normal dos dez dias tem natureza salarial e sofre regular incidência da CSFS, bem como do IR.

Nesse sentido, pacífica a orientação jurisprudencial do Col. Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a incidência de contribuição previdenciária sobre férias usufruídas (v. EDcl nos EDcl no REsp 1322945/DF, 1ª Seção, publicado no DJe de 04/08/2015[2]; e AgInt no REsp 1849126/SC, 1ª Turma, publicado no DJe de 23/09/2020[3]).

Logo, neste particular não prospera o pedido, pois a CSFS incide sobre os valores que o Empregador paga aos Empregados a título de férias gozadas, porque esses valores têm clara natureza salarial.

2.2.2.4 - Horas extras, Adicional noturno e Adicional de periculosidade

Os valores recebidos a título de horas extras e adicionais noturno e de periculosidade possuem natureza remuneratória, sendo, portanto, passíveis de contribuição previdenciária.

A Primeira Seção do STJ, ao apreciar o Recurso Especial 1.358.281/SP, aplicando a sistemática prevista no art. 543-C do CPC/1973, pacificou orientação no sentido de que incide contribuição previdenciária sobre as horas extras e sobre os adicionais noturno e de periculosidade, cujo acórdão restou assim ementado:

"TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BASE DE CÁLCULO.

ADICIONAIS NOTURNO, DE PERICULOSIDADE E HORAS EXTRAS. NATUREZA REMUNERATÓRIA. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA

1. Cuida-se de Recurso Especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC para definição do seguinte tema: "Incidência de contribuição previdenciária sobre as seguintes verbas trabalhistas: a) horas extras; b) adicional noturno; c) adicional de periculosidade".

(...)

3. Por outro lado, se a verba possuir natureza remuneratória, destinando-se a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, ela deve integrar a base de cálculo da contribuição. ADICIONAIS NOTURNO, DE PERICULOSIDADE, HORAS EXTRAS: INCIDÊNCIA 4. Os adicionais noturno e de periculosidade, as horas extras e seu respectivo adicional constituem verbas de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária (AgRg no REsp 1.222.246/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17/12/2012; AgRg no AREsp 69.958/DF, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 20/6/2012; REsp 1.149.071/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22/9/2010; Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe 9/4/2013; REsp 1.098.102/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 17/6/2009; AgRg no Ag 1.330.045/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25/11/2010; AgRg no REsp 1.290.401/RS; REsp 486.697/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 17/12/2004, p. 420; AgRg nos EDcl no REsp 1.098.218/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/11/2009).

(...)

CONCLUSÃO 9. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008."

(REsp 1358281/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 05/12/2014[4])

Com relação a tais valores, portanto, não merece acolhida tal pleito

2.2.2.5 - Adicional de insalubridade

De acordo com o art. 189 da CLT, "serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos."

O adicional de insalubridade é devido ao empregado que presta serviços em atividades nocivas à saúde, sendo calculado à razão de 10% (grau mínimo), 20% (grau médio) e 40% (grau máximo) sobre o salário mínimo e não sobre o salário profissional (art. 192 da CLT).

A jurisprudência do Col. Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o adicional de insalubridade integra o conceito de remuneração e se sujeita à incidência de contribuição previdenciária (v. AgInt no REsp 1622597/RS, 2ª Turma, publicado no DJe de 14/02/2018[5]; e AgInt no REsp 1612306/RS, 1ª Turma, publicado no DJe de 08/10/2020[6]).

Portanto, com relação a tal verba, não merece acolhida o pleito da Parte Autora.

2.2.2.6 - Aviso prévio indenizado

A redação original da Lei nº 8.212/91, excluía o valor do aviso prévio "indenizado" da composição do salário de contribuição, mas, com a entrada em vigor da Lei nº 9.528, de 10/12/1997, essa verba foi retirada da alínea "e" do § 9º do seu art. 28, passando a sobre ela incidir a respectiva contribuição previdenciária.

O Decreto nº 3.048/99 (art. 214, § 9º, f), em sua redação original, também previa a exclusão do aviso prévio não cumprido e pago do salário de contribuição, mas o dispositivo também foi revogado pelo Decreto nº 6.727/09.

Portanto, tenho por correta a incidência da contribuição previdenciária sobre o valor desse aviso prévio, até mesmo porque, conforme bem a propósito destacam "Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari": "(...) o aviso prévio, mesmo quando não trabalhado, integra o tempo de serviço para todos os fins legais (art. 487 da CLT). Trata-se de direito irrenunciável por parte do empregado, de modo que, trabalhado ou não, o que é percebido pelo trabalhador dispensado é o valor equivalente ao salário do último mês contratado"[7].

Então, não se trata de valor de indenização.

Teria natureza indenizatória a parcela de eventual dobra, caso fosse pago em dobro (como, por exemplo, a parcela da dobra do abono de férias dos arts. 143-144 da CLT), o que não ocorre como o aviso prévio não gozado, mas remunerado, por mera liberalidade do empregador.

No entanto, mencionado entendimento não foi abraçado no julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp. nº 1.230.957/RS), que a seu respeito assim decidiu:

"2.2 Aviso prévio indenizado.

(...) o pagamento decorrente da falta de aviso prévio, isto é, o aviso prévio indenizado, visa a reparar o dano causado ao trabalhador que não fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a antecedência mínima estipulada na Constituição Federal (atualmente regulamentada pela Lei 12.506/2011). Dessarte, não há como se conferir à referida verba o caráter remuneratório pretendido pela Fazenda Nacional, por não retribuir o trabalho, mas sim reparar um dano. Ressalte-se que, "se o aviso prévio é indenizado, no período que lhe corresponderia o empregado não presta trabalho algum, nem fica à disposição do empregador. Assim, por ser ela estranha à hipótese de incidência, é irrelevante a circunstância de não haver previsão legal de isenção em relação a tal verba" (REsp 1.221.665/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.2.2011). A corroborar a tese sobre a natureza indenizatória do aviso prévio indenizado, destacam-se, na doutrina, as lições de Maurício Godinho Delgado e Amauri Mascaro Nascimento. Precedentes: REsp 1.198.964/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 4.10.2010; REsp 1.213.133/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 1º.12.2010; AgRg no REsp 1.205.593/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 4.2.2011; AgRg no REsp 1.218.883/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22.2.2011; AgRg no REsp 1.220.119/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 29.11.2011."[8] 

Destaco ainda que o Plenário da Suprema Corte concluiu, na Tese 759, que essa matéria não seria constitucional, quando da apreciação da possibilidade de submeter o RE 745.901 à repercussão geral, verbis:

"Tese 759

A questão da exigibilidade de contribuição previdenciária sobre a parcela do aviso prévio indenizado, recebida pelo empregado, no caso de desligamento imediato do trabalho, tem natureza infraconstitucional, e a ela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009."

Assim, diante da regra do inciso III do art. 927 do novo Código de Processo Civil, há de ser acolhido tal pleito.

2.2.2.7 - 13º (décimo terceiro) salário e 13º salário sobre o valor indenizado

A gratificação natalina foi instituída pela Lei nº 4.090/62, sua forma de pagamento foi disposta na Lei nº 4.749/65 e seu regulamento consta do Decreto nº 57.155/65, que no art. 1º, parágrafo único, estabelece que "a gratificação corresponderá a 1/12 (um doze avos) da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente, sendo que a fração igual ou superior a 15 (quinze) dias de trabalho será havida como mês integral."

A incidência da contribuição sobre tal parcela, por seu turno, é prevista no art. 7º da Lei nº 8.620/93:

Art. 7º O recolhimento da contribuição correspondente ao décimo terceiro salário deve ser efetuado até o dia 20 de dezembro ou no dia imediatamente anterior em que haja expediente bancário.

§ 1º Nos casos da rescisão do contrato de trabalho o recolhimento deve ser efetuado na forma da alínea b do inciso I do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, com a redação desta lei.

§ 2º A contribuição de que trata este artigo incide sobre o valor bruto do décimo terceiro salário, mediante aplicação, em separado, das alíquotas estabelecidas nos arts. 20 e 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

(...)"

Logo, a gratificação natalina, ou décimo terceiro salário, é devida em contraprestação a serviços prestados pelos empregados, em fração estabelecida para cada mês de trabalho, enquadrando-se na definição de retribuição ao trabalho. Portanto, seja ela paga de forma integral, indenizada ou proporcional no aviso prévio indenizado (como se verá no tópico seguinte), sobre ela incidem as contribuições vergastadas. Aliás, esse é o entendimento já consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por meio dos enunciados das súmulas nº 207 e 688:

Súmula 207

As gratificações habituais, inclusive a de Natal, consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário.

Súmula 688

É legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o 13º salário.

Desse modo, não merece acolhida tal pleito.

2.2.2.8 - 13º (décimo terceiro) salário proporcional sobre Aviso Prévio Indenizado

Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter firmado jurisprudência no sentido de que não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, como visto no tópico anterior (subitem 2.2.2.6), com relação à incidência da contribuição previdenciária sobre o 13º salário (gratificação natalina) proporcional no aviso prévio indenizado, prevalece o entendimento firmado em sede de recurso repetitivo, de que o 13º salário integra o salário de contribuição para fins de incidência da contribuição em debate (v. AgInt no AREsp 1624248/RS, 1ª Turma, publicado no DJe de 07/05/2021[9]).

Logo, relativamente à gratificação natalina proporcional ao aviso prévio, é de se adotar o mesmo entendimento quanto à incidência da contribuição sobre o 13º salário, ou seja, é de se reconhecer que o 13º salário integra o salário de contribuição para fins de incidência de contribuição previdenciária.

Assim, quanto a este aspecto, não merece acolhida o pedido da Parte Impetrante.

2.2.2.9 - Salário-maternidade

A respeito do salário maternidade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.967/PR (Tema 72), declarou a inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre tal rubrica, prevista no art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/91, e parte final do §9º, alínea a, do referido dispositivo legal, no que modificou o entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, consignado no acórdão do Recurso Especial - REsp nº 1.230.957/RS, de efeito repetitivo, que firmara o entendimento de que o salário maternidade teria natureza salarial e por isso sofreria incidência da CSFS.

Eis a tese fixada no referido julgado do Supremo Tribunal Federal, decorrente do Tema 72:

"É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário- maternidade".[10]

Diante da regra do inciso III do art. 927 do Código de Processo Civil, sou obrigado a aplicar o entendimento consignado em tal julgado da Suprema Corte, da mesma forma que antes adotara o entendimento do mencionado julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Desse modo, quanto a este aspecto, merece acolhida a pretensão da Parte Impetrante no que se refere à não incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade.

2.2.2.10 - Plano de saúde e odontológico

No que concerne ao valor pago pela Impetrante a seus empregados a título de "convênio saúde", a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não incide contribuição previdenciária, a cargo do empregador, sobre tal rubrica.

Há o entendimento de que as parcelas recebidas pelos empregados, a título de "convênio saúde", embora tenham conteúdo econômico, constituem investimento da empresa na qualidade de vida dos empregados, razão pela qual o pagamento de tais valores não se enquadra nos pressupostos exigidos para se caracterizar como verba de natureza remuneratória (v. REsp 1602619/SE, 2ª Turma, publicado no DJe de 26/03/2019[11]).

No mesmo sentido, registro, a título ilustrativo, julgados do E. TRF da 5ª Região (v. Apelação / Remessa Necessária: Processo 08002703120204058401, 3ª Turma, Julgamento em 04/03/2021[12]; e Apelação / Remessa Necessária: Processo 08212826820194058100, 1ª Turma, Julgamento em 08/10/2020[13]).

Logo, com relação a tal rubrica, merece acolhida o pleito da Impetrante.

2.2.2.10.1 - Coparticipação descontada dos empregados (plano de saúde e odontológico)

No que diz respeito aos valores descontados do salário dos empregados, referentes à assistência médico-odontológica (coparticipação), não há previsão legal para a dedução da base de cálculo das contribuições em discussão.

Depreende-se da leitura da petição inicial que a Parte Impetrante pretende, além do reconhecimento da não incidência da contribuição previdenciária, a cargo do empregador, sobre o valor pago a seus empregados a título de "plano de saúde e odontológico", deduzir da base de cálculo das contribuições em questão os valores descontados do salário dos empregados referentes a esta rubrica.

No entanto, tenho que os valores descontados do salário dos empregados, referentes à assistência médico-odontológica, fazem parte da remuneração bruta do trabalhador, não podendo tais valores ser utilizados para reduzir a base de cálculo sobre a qual incide a contribuição a cargo da empresa.

Além do que, o princípio constitucional da legalidade também se aplica aos casos de desoneração tributária (v. § 6º do art. 150 da Constituição da República).

Desse modo, se não há Lei estabelecendo que determinadas rubricas ficam a salvo da tributação das contribuições em questão, não pode o Magistrado reconhecer essa exclusão tributária.

Logo, quanto a este aspecto, não merece acolhida tal pleito.

2.2.2.11 - Vale-transporte

O art. 2º da Lei nº 7.418, de 1985, preceitua que a concessão do vale-transporte nos termos da lei descaracteriza a natureza salarial da verba, bem como não constitui a base de incidência da contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), verbis:

"Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador:                       (Renumerado do art . 3º,  pela Lei 7.619, de 30.9.1987)

a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;

b) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;

c) não se configura como rendimento tributável do trabalhador."

Outrossim, a Lei nº 8.212, de 1991, na alínea "f" do seu § 9º, afasta, expressamente, da incidência de tal contribuição o valor que o Empregado recebe a título de vale-transporte, verbis:

"Art. 28 - (...).

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:   

...

f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria;"

Da leitura dos dispositivos supra, extrai-se que, por expressa previsão legal, o vale-transporte não integra o salário-de-contribuição para fins de pagamento da contribuição previdenciária (arts. 28, § 9º, 'f', da Lei 8.212/91 e 2º, 'b', da Lei 7.418/85).

Todavia, quanto aos valores pagos aos empregados, a título de vale-transporte, em espécie, o Pleno do Col. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 478410, de Relatoria do Ministro Eros Grau, firmou o entendimento segundo o qual não incide contribuição previdenciária sobre tal rubrica, mesmo que pago em pecúnia, tendo em vista sua natureza indenizatória (v. RE 478410, Tribunal Pleno, publicado no DJE em 14/05/2010[14]).

Quanto a esta verba, portanto, merece acolhida o pleito da Impetrante.

2.2.2.12 - Auxílio-alimentação pago in natura

Quanto aos valores pagos aos empregados a título de auxílio-alimentação, quando o auxílio for pago in natura, não incide contribuição previdenciária por expressa previsão legal (alínea "c" do § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 1991):

"Art. 28. (...)

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:                  (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)

...

c) a parcela "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976;"

Sobre o tema, confira-se precedente da 1ª Turma do C. STJ:

"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PAGAMENTO HABITUAL E EM PECÚNIA. RECOLHIMENTO DO FGTS. OBRIGATORIEDADE.

1. Conforme entendimento deste Superior Tribunal, o auxílio-alimentação pago in natura não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária, esteja ou não a empresa inscrita no PAT; por outro lado, quando pago habitualmente e em pecúnia, incide a referida contribuição. Pela mesma razão, o auxílio-alimentação pago em espécie e com habitualidade também sofrerá a incidência do FGTS. Precedente: REsp 719.714/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 24/4/2006, p. 367.

2. Agravo interno não provido."

(AgInt no REsp 1785717/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 18/02/2020)   (G.N.)

Desse modo, merece acolhida o pedido da Parte Impetrante quanto ao auxílio alimentação pago in natura.

2.2.2.12.1 - Auxílio-alimentação pago em pecúnia ("vale" ou "tíquete")

Porém, quando o valor do auxílio-alimentação for pago habitualmente em pecúnia, ainda que por meio de "vale" ou "tíquete" refeição, este integra a base de cálculo para fins de incidência das contribuições sociais previdenciárias a cargo da empresa, dada a sua natureza salarial, conforme entendimento firmado pelo Col. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a contribuição previdenciária patronal incide sobre o auxílio-alimentação, quando pago em espécie ou por meio de vale-alimentação ou tíquetes (v. AgInt no AREsp 1623850/RJ, 2ª Turma, publicado no DJe de 14/12/2020[15]; e AgInt no REsp 1814758/SP, 1ª Turma, publicado no DJe de 16/11/2020[16]).

Portanto, quanto a este aspecto, não merece acolhida o pleito da Parte Impetrante.

2.2.2.13 - Quanto à incidência das demais contribuições indicadas na petição inicial

Com relação à incidência das contribuições destinadas a terceiros (SEBRAE, INCRA, APEX, ABDI, SESC, SENAC, SEST/SENAT, Salário-Educação/FNDE), não há base legal para a pretendida exclusão da tributação, nem há precedente com repercussão geral ou efeito repetitivo sobre a matéria.

As contribuições para terceiros têm por finalidade custear o chamando Sistema "S" e outros, que são entidades profissionais vinculadas ao sistema sindical, criadas por lei e mantidas por contribuições compulsórias cobradas das empresas, incidentes sobre a folha de pagamento.

Vê-se, portanto, que as contribuições aqui debatidas têm finalidades reparatórias e sociais, independentemente da situação da relação de trabalho dos Empregados das Empresas Contribuintes, uma vez que, estejam eles trabalhando ou não, persistirão, quanto à Contribuição para Terceiros (SEBRAE, INCRA, APEX, ABDI, SESC, SENAC, SEST/SENAT, Salário-Educação/FNDE), as finalidades socais desses sistemas.

Ademais, o princípio constitucional da legalidade também se aplica aos casos de desoneração tributária (v. § 6º do art. 150 da Constituição da República).

Então, como dito alhures, se não há Lei estabelecendo que determinadas rubricas ficam a salvo da tributação das contribuições em questão, não pode o Magistrado reconhecer essa exclusão tributária.

Logo, não merece acolhida tal pleito.

2.2 - Da compensação/restituição dos créditos

Eis a parte do pedido formulado na inicial sobre o assunto:

"e) Como consequência do pedido anterior, requer que seja autorizada a restituição das parcelas recolhidas indevidamente pela Impetrante e suas filiais à tais títulos, nos últimos 05 (cinco) anos, ou a compensação dos valores com quaisquer contribuições destinadas a financiar a seguridade social, sem as limitações previstas nas Leis Nº 9.430/96 e 11.457/2007, devidamente corrigidas pela SELIC." 

A Parte Impetrante pede que se declare o seu direito à restituição/compensação das parcelas da contribuição previdenciária supra que tenha recolhido sobre a rubrica indicada na petição inicial, nos últimos 5 anos.

Diante do uso do mandado de segurança, a restituição ou compensação das parcelas já pagas do(s) tributos(s) em debate será autorizada nos termos das Súmulas 267 e 269 do STF, com as quais não se chocam as seguintes Súmulas: Súmula 271 do STF: "A concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria"; Súmula 213 do STJ: "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária."; Súmula 212 do STJ: "A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória."

Todavia, tendo em vista o disposto no art. 170-A do CTN, só depois do trânsito em julgado, a Parte Impetrante deverá buscar, na via administrativa, observando-se as regras dos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 1996, na sua redação atual, também as regras do art. 166 do CTN, a restituição ou compensação das parcelas pagas indevidamente, no período posterior à impetração deste mandamus, sem prejuízo, se tal pleito for atendido, da atualização pelos índices da tabela SELIC (§ 39 do art. 34 da Lei nº 9.250, de 1995).

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Quanto aos valores referentes ao abono de férias, tenho que a Parte Impetrante não tem interesse processual de agir, de forma que, relativamente aos pleitos da petição inicial para não pagar a Contribuição Social sobre a Folha de Salários, bem como a restituição/compensação, sobre tais valores, extingo o processo, sem resolução do mérito (art. 485-VI, in fine, do CPC). 

3.2 - No tocante às demais verbas em discussão, julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação mandamental, e concedendo, parcialmente, a medida liminar e a  segurança definitiva, determino que a DD Autoridade Impetrada se abstenha de exigir da Parte Impetrante a Contribuição Social sobre a Folha de Salários de cunho patronal sobre os valores que paga aos seus Empregados relativamente:

3.2.1 - aos 15(quinze) primeiros dias por afastamento por motivo de saúde, para percepção de auxílio-doença, ou de acidente no trabalho, para percepção do auxílio-acidente;

3.2.2 - ao aviso prévio indenizado;

3.2.3 - ao salário-maternidade;

3.2.4 - ao plano de saúde e odontológico (excluindo-se a coparticipação descontada dos empregados);

3.2.5 - ao vale transporte/auxílio transporte; e

3.2.6 - ao auxílio-alimentação pago in natura.

3.3 - Outrossim, defiro parcialmente o pedido de restituição/compensação, nos termos consignados no final da fundamentação supra. 

3.4 - Como a sucumbência da Impetrante foi em torno de 60% dos pleitos, condeno-a ao pagamento das custas proporcionais e a UNIÃO a restituir-lhe o valor que tiver pago acima dessa proporção, atualizado a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso, atualizado pelos índices da tabela SELIC, por se tratar de um tributo federal.

Sem condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do Supremo Tribunal Federal).

Dê-se ciência do inteiro teor desta Sentença à DD. Autoridade Impetrada.

Sentença sujeita ao reexame necessário (§ 1º do art. 14 da Lei nº 12.016, de 2009), sem efeito suspensivo(§ 3º desse dispositivo legal).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 27.02.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE)



NOTAS DE RODAPÉ

[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª(Primeira)Seção. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Recurso Especial - Resp. nº 1.230.957/RS(2011/0009683-6). Julgado em 26.02.2014, publicado no Diário da Justiça Eletrônico-DJe de 18.03.2014[Recurso julgado sob efeito repetitivo do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973].

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201100096836&dt_publicacao=18/03/2014

[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no REsp 1322945/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 04/08/2015.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201200974088&dt_publicacao=04/08/2015

[3] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1849126/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 23/09/2020.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201903439500&dt_publicacao=23/09/2020

[4] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1358281/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 05/12/2014 [Recurso julgado sob efeito repetitivo do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973].

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201202615969&dt_publicacao=05/12/2014

[5] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1622597/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 14/02/2018.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201602270239&dt_publicacao=14/02/2018

[6] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1612306/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2020, DJe 08/10/2020.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201601787329&dt_publicacao=08/10/2020

[7] In Manual de Direito Previdenciário. 8ª Ed., Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 215.

[8] V. Nota 1.

[9] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1624248/RS, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF-5ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2021, DJe 07/05/2021.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201903474189&dt_publicacao=07/05/2021

[10] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário - RE 576967. Relator Ministro ROBERTO BARROSO. Julgado em 05/08/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito. DJe-254  DIVULG 20-10-2020.  PUBLIC 21-10-2020.

Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754147264

[11] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1602619/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201601385894&dt_publicacao=26/03/2019

[12] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. PROCESSO: 08002703120204058401, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 04/03/2021.

[13] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. PROCESSO: 08212826820194058100, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO (CONVOCADO), 1ª TURMA, JULGAMENTO: 08/10/2020.

[14] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Relator Ministro Eros Grau. Recurso Extraordinário - RE 478410. Julgado em 10.03.2010, publicado no Diário da Justiça Eletrônico-DJe de 14.05.2010].

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611071

[15] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1623850/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 14/12/2020.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201903461883&dt_publicacao=14/12/2020

[16] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp 1814758/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2020, DJe 16/11/2020.

https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901247014&dt_publicacao=16/11/2020

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Reviravolta na Estrutura Administrativa do Ministério do Trabalho e Previdência e no Ministério da Economia.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Há pouquíssimo tempo os meios jurídicos da área Previdenciária foram surpreendidos com a alocação do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS e dos Peritos da Previdência  Social nas hostes do Ministério da Economia, modificações essas feitas pela Lei 13.844, de 18.06.2019.

Então, nos  Mandados de Segurança envolvendo atos do Sr. Presidente desse Conselho, bem como de Presidentes ou de Julgadores das suas Juntas de Recursos, ou da Chefia dos Sr. Peritos Previdenciários, os Advogados passaram a ter que incluir no polo passivo a UNIÃO FEDERAL e não o INSS, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei 12.016, de 2009, a Lei do Mandando de Segurança. 

Agora, pela Lei 14.261, de 16.12.2021, temo uma nova reviravolta: o seu art. 2º alterou o art. 48-B da Lei 13.844, de 2019, e devolveu ao Ministério do Trabalho e Previdência o Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS e, obviamente, as suas Juntas de Recursos, e o seu art. 10, todos os Peritos que tinham sido alocados no Ministério da Economia foram realocados no Ministério do Trabalho e Previdência. 

Ou seja, as coisas voltaram ao seu leito natural. Então, voltamos ao normal, pois não tinha nenhum sentido submeter ao Ministério da Economia mencionados Órgãos claramente previdenciários. 

Parece que a luta interna no Governo Federal por poder causaram essas extravagantes modificações, com sérios reflexos na vida dos Operadores do Direito, principalmente dos Advogados, que ficam obrigados a acompanhar essas escaramuças governamentais, porque têm efeitos imediatos nas demandas judiciais por eles patrocinadas. 

Então, roguemos aos Céus para que alterações absurdas como as plasmadas na Lei 13.844, de 2019, não voltem a ocorrer nessa sensível área do Governo Federal, a estrutura administrativa previdenciária, já tão desgastada por não cumprir os prazos legais na apreciação dos pedidos administrativos de Benefícios dos Segurados e dos que são Assistidos pela Seguridade Social. 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

COTAS SOCIAIS PARA O ENSINO PÚBLICO SUPERIOR.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Nova decisão, com outros argumentos, tratando do delicado assunto Cotas Sociais para o Ensino Público Superior. 

Boa Leitura. 


PROCESSO Nº: 0801927-49.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M C C G E A e outro
ADVOGADO: M N C B H
IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



D E C I S Ã O 

1. Breve Relatório

M C C G e A e S C C G, qualificadas na Inicial, impetraram MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA  em face do pelo Magnífico Reitor da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE). Aduziram, em síntese, que: teriam participado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, no Ano de 2021, inscrições sob os números 211018998180 (Maria Costa) e 211019037517 (Sonja Costa); frente à publicação do Termo de Adesão da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE ao Sisu - Sistema de Seleção Unificada, 1ª edição de 2022, realizado pelo Ministério da Educação - MEC, Secretaria de Educação Superior - SESu, as Impetrantes teriam almejado efetuar suas respectivas inscrições para concorrerem ao curso de Medicina, no campus 1153 - Campus Universitário Cidade do Recife (Recife, PE), e/ou ao curso de Medicina, no campus 1051633 - Agreste Caruaru (Caruaru, PE);  conforme Termo de Adesão que segue anexo, a aludida instituição de ensino superior, nos mencionados campi, teria decidido adotar bônus de até 7% e 10% na nota, em razão de "Ações Afirmativas da IES";  em razão da aludida bonificação ilegal, não teria restado, no âmbito da UFPE, relativamente à seleção de candidatos para vagas no curso de Medicina por meio do Sisu, sequer uma única vaga para a ampla concorrência livre de bônus, não existindo na realidade essa modalidade, já que para o Campus Cidade Universitária - Recife, os candidatos que cursaram e concluíram todo o ensino médio (B6305) em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, e/ou aqueles que cursaram e concluíram, no mínimo, 2/3 do ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco (B6306), teriam insuperável vantagem em relação àqueloutros que não estudaram em escolas do valoroso estado de Pernambuco; para o ingresso de candidatos no curso de Medicina da UFPE, campus do Agreste Caruaru (Caruaru, PE), também teria previsto o Termo de Adesão da UFPE ao Sisu 2022.1 a bonificação para aqueles que teriam estudado em escolas regulares e presenciais situadas nas mesorregiões da Zona da Mata pernambucana e do Agreste pernambucano;   por ser desarrazoada e ilegal referida bonificação é que estaria impetrando esse mandamus; tais critérios de bonificação regional, previsto na referida Resolução nº 23/2021 - CEPE/UFPE, e, portanto, adotado no Termo de Adesão, não estaria proporcionado a concorrência isonômica entre os candidatos, tendo em vista que a UFPE teria adotado referida "política de ação afirmativa" de inclusão regional com relação à totalidade das vagas disponibilizadas à "ampla concorrência", alcançando, destarte, todas as 70 (setenta) vagas de ampla concorrência no campus de Recife, além das 40 (quarenta) vagas para ampla concorrência no campus do Agreste Caruaru; a bonificação instituída pela UFPE, que levaria em conta tão-somente o critério regional/geográfico (são agraciados com acréscimo na nota final do ENEM os candidatos que tenham cursado o ensino médio em escolas situadas no Estado de Pernambuco) implicaria, de fato, o pleno tolhimento de oportunidade de concorrência para candidatos que não tivessem cursado o ensino médio em escolas presenciais e regulares situadas no Estado de Pernambuco; as impetrantes, por terem cursado parte do Ensino Fundamental, e a integralidade do Ensino Médio, no Estado do Piauí, à luz do injusto e desigual regramento contido na Resolução nº 23/2021 - CEPE e contemplado no Termo de Adesão, não fariam jus ao aludido bônus, mesmo concorrendo às mesmas vagas que os concorrentes "bonificados" na mesma série classificatória; o critério meramente geográfico não poderia, à luz da Constituição da República, notadamente do Princípio da Igualdade, ser utilizado como justificativa ao estabelecimento de bonificações que, sem dúvida, implicariam a concessão de PRIVILÉGIOS a uns em detrimento d'outros; o termo de adesão, ao adotar a bonificação (acréscimo na nota - argumento de inclusão regional para efeito de classificação quanto ao SISU na UFPE) relativamente a todas as vagas de ampla concorrência (no caso do curso de medicina, nos campi Universitário Cidade do Recife e Agreste Caruaru, um bônus de 7% e 10%, respectivamente, de acréscimo na nota final aos candidatos que cursaram e concluíram todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais, bem como residirem nas mesorregiões pernambucanas, estaria excluindo a possibilidade de ampla concorrência, isto é, afastando a possibilidade de candidatos que não tenham cursado todo o ensino médio em escola situada no Estado de Pernambuco, de concorrerem a uma vaga no curso de medicina na UFPE. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"- Seja concedida TUTELA DE URGÊNCIA, inaudita altera pars, para conceder às Impetrantes, os mesmos bônus de 7% (sete por cento - Campus Recife) ou 10% (dez por cento - Campus Caruaru) nas notas obtidas pelas  Impetrantes, de modo a possibilitar-lhes concorrer, de maneira efetiva e isonômica, às vagas para a graduação em Medicina, em quaisquer dos campi onde tal curso é oferecido, no âmbito da UFPE;

- OU, alternativamente, a concessão da liminar inaudita altera pars, reconhecendo a ilegalidade do ato da Autoridade Coatora, consubstanciado no critério de inclusão regional instituído no Termo de Adesão, 1ª Edição de 2022, da UFPE, para que sejam anulados, sendo vedada a utilização do bônus regional;

- A concessão definitiva do bônus de 7% (sete porcento - Campus Recife) ou 10% (dez por cento - Campus Caruaru) sobre as notas obtidas pelas Impetrantes ou a anulação definitiva do critério de inclusão regional;

- Seja intimada a Autoridade Coatora, bem como a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE para, no prazo legal, apresentar as informações que julgar conveniente. - Findo o prazo a que se refere o inciso I, do art. 7, da Lei 12.016/2009, seja ouvido o representante do Ministério Público;

- Seja ouvido o Representante do Ministério Público competente.

Seja, ao final, julgado procedente o presente mandamus, confirmando o provimento liminar requerido.".

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão da medida liminar, conforme consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.2 - O cerne da questão é análise da constitucionalidade, legalidade da Resolução nº 23/2021 - CEPE , que prevê o seguinte:

Bônus na nota

- Ações Afirmativas

"(...) B6305 - Candidatos para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído TODO o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco Para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído TODO o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco: 1. CÓPIA DIGITALIZADA DO DOCUMENTO ORIGINAL (EM FORMATO PDF, JPEG OU PNG): I - Documento oficial de identidade válido com foto: RG, CNH, passaporte; II - Cadastro de Pessoa Física (CPF), dispensável caso conste na carteira de identidade; III - Certidão de Nascimento ou Casamento; IV - Certificado de Reservista ou Atestado de Alistamento Militar para brasileiros maiores de 18 anos do sexo masculino; V - Histórico Escolar e Certificado de Conclusão do Ensino Médio constando os três anos. VI - Certidão de Quitação Eleitoral fornecida pelo órgão da Justiça Eleitoral ou obtida através do endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (http://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/certidoes/certidao- dequitacao-eleitoral) para brasileiros maiores de 18 anos; VII - 1 (uma) foto 3x4. Obs.1: A entrega de documentos ocorrerá exclusivamente de forma remota, conforme especificada no Edital de Matrícula próprio da UFPE, de acordo com as condições sanitárias no estado de Pernambuco no contexto da pandemia de Covid-19. Obs 2: Os candidatos que forem possíveis beneficiários tanto do argumento de inclusão regional, previsto em Resolução nº 23/2021 (CEPE/UFPE), quanto da política de reserva de vagas definida na Lei nº 12.711/2012, deverão optar, no ato da inscrição, por uma dessas duas ações afirmativas, não sendo permitida a sua aplicação cumulativa. Obs 3: Os candidatos que participaram do programa de intercâmbio estadual "GANHE O MUNDO" não têm direito ao argumento de 7%, mas sim ao de 3%, conforme a Resolução 23/2021 CEPE-UFPE.".

"B6306 - Candidatos para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído, NO MÍNIMO, 2/3 DO ENSINO MÉDIO (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco. Para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído, NO MÍNIMO, 2/3 DO ENSINO MÉDIO (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco. 1. CÓPIA DIGITALIZADA DO DOCUMENTO ORIGINAL (EM FORMATO PDF, JPEG OU 3/32 4 PNG): I - Documento oficial de identidade válido com foto: RG, CNH, passaporte; II - Cadastro de Pessoa Física (CPF), dispensável caso conste na carteira de identidade; III - Certidão de Nascimento ou Casamento; IV - Certificado de Reservista ou Atestado de Alistamento Militar para brasileiros maiores de 18 anos do sexo masculino; V - Histórico Escolar e Certificado de Conclusão do Ensino Médio constando os três anos. VI - Certidão de Quitação Eleitoral fornecida pelo órgão da Justiça Eleitoral ou obtida através do endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral - TSE (http://www.tse.jus.br/eleitor/servicos/certidoes/certidao-dequitacao-eleitoral) para brasileiros maiores de 18 anos; VII - 1 (uma) foto 3x4. Obs.1: A entrega de documentos ocorrerá exclusivamente de forma remota, conforme especificada no Edital de Matrícula próprio da UFPE, de acordo com as condições sanitárias no estado de Pernambuco no contexto da pandemia de Covid-19. Obs 2: Os candidatos que forem possíveis beneficiários tanto do argumento de inclusão regional, previsto em Resolução nº 23/2021 (CEPE/UFPE), quanto da política de reserva de vagas definida na Lei nº 12.711/2012, deverão optar, no ato da inscrição, por uma dessas duas ações afirmativas, não sendo permitida a sua aplicação cumulativa. Obs 3: Os candidatos que participaram do programa de intercâmbio estadual "GANHE O MUNDO" terão direito ao argumento de 3%, conforme a Resolução 23/2021 CEPE-UFPE.".

A reserva de cotas no Ensino Superior Público, ora debatida, corresponde a uma das vertentes das "ações afirmativas" e "tutelas étnico-sociais", cujo objetivo é a criação de dispositivos ativos para realizar o princípio da igualdade, tratando os desiguais desigualmente, bem como os princípios da proporcionalidade e de proteção das minorias, no campo econômico-financeiro, social, de gênero e  étnico. 

Trata-se da real concretização desses princípios e das respectivas regras constitucionais estruturadoras. 

As pessoas contemplada pelas referidas normas administrativas infralegais, decorrentes da superestrutura constitucional, plasmada na Lei n.º 12.711/2012), enquadram-se entre aquelas que, segundo essa Lei, tiveram, em suas vidas, reduzidas as chances de acesso ao Ensino Público Superior, quando ainda na fase do Ensino Fundamental e Médio.

Trata-se de clara compensação social, autorizada em diversos dispositivos da vigente Constituição da República, concretizadas nessa Lei e nas debatidas normas administrativas, à luz dos princípios já invocados, principalmente do destacado  princípio de proteção das minorias.[1]

Com efeito, a Lei n.º 12.711/2012 definiu que 50% das vagas dos cursos de universidades públicas federais são destinadas como cotas para pessoas que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e que 50% das vagas das Instituições de ensino técnico de nível médio são destinados como cotas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas.

Definiu, ainda, que as vagas reservadas para a cota de 50% de alunos oriundos de escolas públicas serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a Instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

No caso concreto, verifica-se ainda que a Resolução n.º 23/2021, do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFPE, foi devidamente editada com base no artigo 5º, §3º, do Decreto nº 7.824/2012, o qual regulamentou a Lei de Cotas Federal (Lei n.º 12.711/2012), nos seguintes termos:

"Art. 5º Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de educação de que trata este Decreto indicarão, de forma discriminada, por curso e turno, o número de vagas reservadas.

omissis 

§ 3 º Sem prejuízo do disposto neste Decreto, as instituições federais de educação poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares ou de outra modalidade."(Destaquei).

Nesse sentido,  a citada Resolução criou "cotas regionais", consistente no acréscimo de 10% na nota final do ENEM aos candidatos que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, nos seguintes termos:

"Art. 2º O Argumento de Inclusão Regional será mantido no Sistema de Seleção Unificada (SiSU) para ingresso na UFPE da seguinte forma:

I - para os cursos de Vitória e Caruaru, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais das mesorregiões da Zona da Mata Pernambucana e do Agreste Pernambucano, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula;

II - para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído todo o ensino médio em escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula;

III - para os cursos de Vitória, Caruaru, aos/as candidatos/às que tiverem cursado e concluído no mínimo 2/3 do ensino médio (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais das mesorregiões da Zona da Mata Pernambucana e do Agreste Pernambucano, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula; e IV - para o curso de Medicina do Campus de Recife, aos/às candidatos/as que tiverem cursado e concluído no mínimo 2/3 do ensino médio (dois anos completos dos três anos previstos) nas escolas regulares e presenciais no Estado de Pernambuco, devendo apresentar no ato da matrícula o histórico escolar que comprove o atendimento ao estabelecido pelo bônus, além dos documentos elencados no edital de matrícula."

Da análise dos dispositivos constitucionais, legais e infralegais que tratam da matéria, conclui-se que não houve violação ao princípio da adequação entre os meios e os fins (art. 2, VI, da Lei n. 9.784/99),  princípio esse que tem que ser sopesado com os temperos dos acima invocados princípios da igualdade, proporcionalidade e de proteção das minorias.

Ausente, portanto, o fumus boni iuris. 

Deixo de tecer qualquer consideração quanto ao periculum in mora. porque só caberia a concessão de medida liminar se aquele e este requisito se fizessem presentes simultaneament, com a ausência daquele resta afastada a possibilidade da concessão de tal medida. 

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto:

3.1 - Indefiro o pedido de concessão de medida liminar.

3.2. - Determino seja notificada  a DD Autoridade Impetrada para prestar as devidas informações legais,  no prazo de 10 (dez) dias, tudo conforme o art. 7º, I e II, da Lei 12.016/2009.

3.3. Cientifique-se, ainda, a UFPE, pessoa jurídica à qual a Magnífica Autoridade apontada como coatora encontra-se vinculada, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.4.   Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal para o r. parecer (art. 12 da Lei nº 12.016/2009).

Cumpra-se. Intimem-se.

Recife, 12.02.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


_______________________________________________

[1] O Legislador Constituinte, visando diminuir as disparidades regionais, autorizou, até mesmo no campo macro orçamentário o tratamento desigual entre as Micro Regiões do Pais, exatamente para tratar desigualmente os desiguais, regra máxima do princípio da igualdade, conforme se vê no § 1º do art. 165 da vigente Carta Magna, verbis:

"Art. 165 - (...).

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.".

De forma que nas Leis quadrienais dos Planos Plurianuais as regiões mais pobres são contempladas com maiores investimentos. 

Obs.: Registre-se que esse dispositivo decorreu de Emenda do então Senador Constituinte Marco Maciel. 

Aliás, esse falecido Político Pernambuco, quando a vigente Constituição de 1988, completou a idade de 20(vinte) anos, escreveu um artigo(Jornal Folha de São Paulo, 05.10.2008, coluna OPINIÃO, TENDÊNCIAS/DEBATES, Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0510200809.htm), no qual, quanto à matéria em foco neste processo, destacou que na mencionada Carta as tutelas sociais não ficaram à margem, verbis:

"A tutela dos direitos sociais, anote-se, está devidamente resguardada, inclusive pelo princípio de proteção das minorias, como crianças e adolescentes, idosos e índios, e o estabelecimento da igualdade étnica.".

Note-se que não se trata de tendência comunista, como alguns apregoam, pois longe dessa vertente estava o  mencionado d. Político Pernambuco, eis que altamente conservador, com carreira política no seio do Regime Militar(1964-1985). Trata-se, sim, da prática da denominada Justiça Social, à luz dos princípios invocados no texto da decisão supra e nas regras estruturadoras da vigente Constituição de 1988.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

BPC. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO DO SEU PEDIDO. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Qual o prazo razoável para que a Gerência Executiva do INSS aprecie o pedido de concessão do benefício da Lei 8.472, de 1993, a LOAS?

Como a Lei que dele trata não fixou prazos, tenho entendido que se aplicam os prazos da Lei 9.784, de 1999, que traça regras gerais sobre o Processo Administrativo. 

Na decisão que segue, essa matéria e dissecada e trata também dos procedimentos para a concessão do BPC - Benefício de Prestação Continuada, regido pela mencionada LOAS. 

Boa leitura. 



 PROCESSO Nº: 0801866-91.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: M X P
ADVOGADO: Bartolomeu Bezerra Da Silva e outro
IMPETRADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AUTORIDADE COATORA: GERENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


 

DECISÃO

 

1. Relatório

M X P, qualificada na petição inicial, impetrou, em 08/02/2022, este mandado de segurança com pedido de liminar em face de ato que teria sido praticado pelo GERENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em Recife/PE, localizado na Avenida Mário Melo, nº 343, Santo Amaro, CEP 50040-010. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: em 27/10/2021 teria protocolado o requerimento de concessão de Benefício Assistencial ao Idoso; o pedido não fora analisado pela Autarquia Previdenciária e o prazo previsto para manifestação teria sido extrapolado. Teceu outros comentários e requereu a concessão de tutela de urgência para que seja determinada, "... liminarmente, a imediata análise do pedido administrativo de concessão do benefício assistencial ao idoso, formulado pelo Impetrante, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), com fulcro no parágrafo primeiro do artigo 536 do Código de processo civil". No mérito, requereu: "a)    Seja a autoridade impetrada notificada para prestar as informações que entender pertinente; b)    Seja concedido a Impetrante o beneplácito da assistência judiciária gratuita, por ser pobre no sentido legal; c)    A concessão da segurança, confirmando a liminar, condenando a autoridade impetrada a promover o julgamento do requerimento protocolado pela segurada, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais); d)    A notificação do Ministério Público Federal." Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 - Ressalto, inicialmente, que não há, no caso concreto, a decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, porque o ato atacado neste writ é omissivo, consistente na inércia na análise do requerimento administrativo do(a) impetrante, sendo que os efeitos dessa omissão são continuados e se protraem no tempo; portanto, renova-se de forma continuada o prazo de 120 (cento e vinte) dias previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/2009 (STJ, AgRg no RMS 31213/PE; TRF2, AC 00015429320144025101).

2.2 - O benefício da assistência judiciária merece ser concedido, provisoriamente, podendo a Parte do polo passivo impugnar ou não essa concessão.

2.3 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora caberá concessão de medida liminar, conforme consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.4 - Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo teria sido violado por ato do INSS, eis que não teria sido apreciado o seu requerimento administrativo em prazo razoável, em consonância com a própria legislação de regência.

Pois bem, de acordo com o princípio da duração razoável do processo, incluído no art. 5º da Constituição da República/88 pela Emenda Constitucional 45/04, a Administração Pública deve solucionar, em tempo razoável, o processo judicial e o administrativo.

Antes dessa EC, a Lei nº 9.784/99, já estabelecia "normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração" (art. 1º). Essa Lei, em seu art. 49, fixou o prazo de trinta dias para a Administração decidir o processo administrativo, a saber:

"Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada."

O art. 69 dessa Lei estabelece que ela só será aplicada subsidiariamente, de forma que se houver Lei específica as regras desta serão observadas.

No caso, o BPC é tratado em Lei específica, a Lei 8.742, de 1993, a qual,  estranhamente, embora tenha nela estabelecido vários procedimentos, não consta nenhum prazo para tal fim.

Então, tenho que devam ser aplicados os prazos dos arts. 24 e 49 da Lei nº 9.784, de 1999.

No presente caso, da prova colacionada, extrai-se que a Parte Impetrante protocolou requerimento do Benefício Assistencial ao Idoso, sob o nº 934918852em 27/10/2021, mas ainda não teve o seu requerimento conclusivamente apreciado, encontrando-se com o status "em análise", desde então.

Ora, já transcorreram os prazos dobrados do art. 24 da Lei 9.784, de 1999, para a avaliação social, a ser feita pelo INSS, e para eventual avaliação médica, a ser feita pela Perícia Médica Federal da UNIÃO, previstas no art. 40-B da Lei 8.472, de 1993{1}, bem como o prazo de 30(trinta) dias para julgamento do art. 49 da referia Lei nº 9.784, de 1999, de forma que a DD Autoridade apontada como coatora está em plena ilegalidade, que deve ser reparada por este Juízo.

Trinta dias a mais será bem suficiente para que a referida DD Autoridade faça com que o INSS cumpra com o seu dever legal, inclusive, após a avaliação social, encaminhar o(a) Impetrante, se for necessário, para a Perícia Médica Federal, hoje sob comando do Ministério da Economia, portanto sob responsabilidade da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.

3. Dispositivo

Posto ISSO:

3.1 - Concedo à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita e, preliminarmente, afasto a existência de decadência para utilização do mandado de segurança.

3.2 - Liminarmente, concedo à DD Autoridade Impetrada mais 30(trinta) dias úteis(caput do art. 219 do CPC, prazo processual[2]), contados da notificação para prestar informações e cumprir esta decisão, para decidir o pedido administrativo-assistencial da Parte ora Impetrante, sob pena de o INSS ficar obrigado a pagar, após esse prazo, multa a cada 30(trinta) dias corridos(Parágrafo Único do art. 219 do CPC, prazo não processual[1]) de atraso, no valor de R$ 1.250,00(hum mil, duzentos e cinquenta reais), contado o prazo de 30(trinta) dias para o cálculo e pagamento da multa de forma corridos, com atualização anual pelo IPCA-E, sem prejuízo também da responsabilização da Autoridade apontada como coatora, nos termos do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009, bem como pela possibilidade de o INSS cobrar-lhe regressivamente o valor da multa, que tenha que pagar à Parte Impetrante.

3.3 - Notifique-se a referida DD Autoridade para o cumprimento da decisão supra, sob as penas acima indicadas, bem como para prestar informações no prazo legal de 10(dez) dias, e que também se dê ciência à representação processual do INSS, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei acima referida.

No momento oportuno, ao MPF para apresentação do seu r. parecer legal.

Intime-se.

Recife, 08.02.2022

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES E RESPEITO À INDEPENDÊNCIA DO JULGADOR ADMINISTRATIVO

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Nestes trinta e poucos anos de magistratura federal, já vi muitos pleitos estranhos, mas o consignado na petição inicial deste processo, creio que nem F. Kafka seria capaz de engendrar. Quase uma distopia, por sua pretendida antecipação do que poderia vir a acontecer, como que querendo que se escrevesse o que a DD Autoridade ainda iria escrever. 

A pesquisa legal e a argumentação jurídica foi realizada pela competente  Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques, sendo dela também parte da minuta do texto. 

Boa leitura.


 PROCESSO Nº: 0801592-30.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: A. K. P.
ADVOGADO: T C Da C
REPRESENTANTE: A L DA S
IMPETRADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AUTORIDADE COATORA: GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



DECISÃO

1. Relatório

A K P, qualificado na petição inicial, representado por Guardiã, Srª A L da S, impetrou, em 02/02/2022, este mandado de segurança preventivo com pedido de liminar em face do GERENTE GERAL DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL CEAB RECONHECIMENTO DE DIREITO DA SRIV, localizado na Av. Dantas Barreto, 300, bairro de Santo Antônio, Recife/PE. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: em 10/01/2022 teria protocolado o requerimento de retificação do CNIS de sua falecida mãe, e o requerimento estaria em análise; deveria ser garantido o seu direito, de maneira preventiva, a uma decisão administrativa fundamentada no "porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, e porque aceita ou não aceita o pedido de retificação do CNIS, devendo realizar a retificação ou não, mas desde que seja fundamentada a decisão"(sic); a não fundamentação da decisão feriria direito líquido e certo do Impetrante, e a decisão de deferir ou indeferir o requerimento deveria ser fundamentada; assim, independentemente do reconhecimento ou não do pedido à retificação do CNIS, a decisão deveria ser fundamentada. Teceu outros comentários e requereu:

"A) Que seja deferido os benefícios da justiça gratuita, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, cumulado com o art. 9 da lei 1060/50, garantindo a gratuidade da justiça em todas as instâncias, em formalidade com o acesso à justiça.

B) Que seja julgado procedente o pedido liminar ora formulado, requerendo que a autoridade coatora ao realizar a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$: 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC.

C) Que seja julgado totalmente procedente a presente ação, para que a autarquia realize a análise do seu pedido de retificação de CNIS, independente de reconhecimento ou não do pedido, desde de que fundamente sua decisão, especificando o porquê aceita ou não aceita os documentos apresentados pelo autor, informando os dispositivos legais que o autorizam a realizar o procedimento, em até 10 dias, ou prazo determinado por vossa excelência, sobe pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) ou valor arbitrado por vossa excelência, e sob pena também de responsabilidade civil, como determina o §1 do art.42 da lei 9784/99, para garantir o cumprimento da demanda, como determina o art. 536,§1 do CPC. E) Que seja arbitrado por vossa excelência astreintes como multa por descumprimento de ordem judicial, tanto no pedido de liminar quanto no final da presente ação. (...)"

Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1 - Ressalto, inicialmente, que não há, no caso concreto, a decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, porque o ato atacado neste writ ainda vai ser realizado, pois se trata de mandado de segurança preventivo.

2.2 - O benefício da assistência judiciária merece ser concedido, provisoriamente, podendo a Parte do polo passivo impugnar essa concessão.

2.3 - Registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.

Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão de medida liminar, conforme consta do inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art. 300 do CPC.

2.4 - Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo estaria prestes a ser violado por ato do INSS, eis que teria direito a uma decisão fundamentada no seu requerimento de retificação do CNIS de sua falecida genitora. E, com esteio no dever de motivação das decisões administrativas, informa o conteúdo que deve estar presente na almejada decisão administrativa, sob pena de malferir direito líquido e certo do administrado.

Como é sabido, o princípio da motivação das decisões, não se aplica apenas ao Judiciário(art. 93, IX e X, da vigente Constituição da República), mas também aos Julgadores administrativos, conforme estabelece o art. 50 da Lei nº 9.784/99.

Assim, os atos administrativos de conteúdo decisório devem conter os motivos que levaram a Autoridade pública a decidir de determinada forma, o que possibilitará o seu controle externo.

Pois bem, sem maiores delongas, ao analisar os documentos anexados, data venia, não há um único elemento que possa indicar que a DD Autoridade apontada como coatora decidirá sem observar mencinado princípio, agasalhado no referido dispositivo legal. .

Por outro lado, não se pode estabelecer, previamente, o conteúdo da decisão administrativa, sob pena de ingerência indevida do Judiciário na Administração.

Com efeito, o controle jurisdicional do ato administrativo, em casos tais, é admitido somente depois de editado, desde que evidenciada flagrante ilegalidade (ausência/deficiência de motivação) ou abuso de poder, o que, repito, data venia,  não se vê nestes autos.

Nessas circunstâncias, não está presente o fumus boni iuris, requisito necessário à concessão da medida liminar.

3. Dispositivo

Posto ISSO:

3.1 - Concedo à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita e, preliminarmente, afasto a existência de decadência para utilização do mandado de segurança.

3.2 - Indefiro o pedido de concessão da medida liminar;

3.3 - Notifique-se a referida DD Autoridade para prestar informações no prazo legal de 10(dez) dias, e que também se dê ciência à representação processual do INSS, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei acima referida.

No momento oportuno, ao MPF para apresentação do seu r. parecer legal.

Intime-se.

Recife, 07.02.2022.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(rmc)