Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue intressante sentença, pesquisada e minutada pela Assessora Patrícia Pessoa Luna, sobre prescrição e exigências para que a UNIÃO possa considerar um terreno como terreno de marinha ou acrescido de marinha.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0819383-17.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: RICARDO BARRETO DORNELAS CAMARA e outro
ADVOGADO: Ighor Fernando Rocha Galvao
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
Sentença tipo A
Ementa: -
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DEMARCAÇÃO DE TERRENO DE
MARINHA OU ACRESCIDO DE MARINHA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. MARCO INICIAL.
DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. APLICABILIDADE DA REDAÇÃO ORIGINAL
DO ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
LEGALIDADE, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
-
Nulas são as decisões administrativas ou os respectivos atos
administrativos, lançadas(os) nos autos de processos administrativos
demarcatórios, noticiados na petição inicial e na contestação, nas(os)
quais o terreno onde está o imóvel de propriedade dos Autores foi
considerado terreno de marinha, porque não foi, nos referidos processos
administrativos, observada solenidade fixada em Lei, com a notificação
pessoal dos interessados identificados e com domicílio certo, solenidade
aquela que tinha por meta a observância dos princípios constitucionais
do contraditório e da ampla defesa, cuja inobservância também findou por
ferir outro princípio constitucional, o do devido processo legal.
- Procedência.
Vistos etc.
1. Relatório
NELMA DE HOLANDA CORDEIRO LIMA e RICARDO BARRETO DORNELAS CAMARA, qualificados na petição inicial, ajuizaram, em 08/10/2019, esta "AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA"
em face da UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. Sustentaram, inicialmente, a
competência desta Justiça Federal. Alegaram, em síntese, que: seriam
legítimos proprietários da sala comercial nº 510 do Edf. Clinical Center
Karla Patrícia, localizada na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina,
Recife/PE; em outubro de 2017, teriam recebido em sua sala comercial do
antigo proprietário do imóvel (Sr. PAULO ROBERTO DE BARROS E SILVA)
cobranças relativas à taxa de ocupação ("terreno de marinha") da sala
comercial, que seria de propriedade dos autores desde maio de 1994
(identificada no DARF como cadastrada sob o RIP nº 2531 0129364-32; as
cobranças se refeririam aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014,
2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, sendo as mesmas lançadas em nome do
antigo proprietário do imóvel; o primeiro boleto recebido pelo antigo
proprietário se encontraria anexado a esta exordial como matéria de
prova; o imóvel aludido nunca teria estado em área de marinha, como
comprovaria a Certidão Vintenária recentemente expedida pelo 1º Cartório
de Registro de Imóveis de Recife, cuja primeira linha já salientaria
tratar-se de "fração ideal de terreno PRÓPRIO", ou seja, alodial,
sem ônus ou gravames registrados; os autores teriam se dirigido à
Secretaria de Patrimônio da União (SPU) para requerer a motivação da
cobrança e o ato administrativo que a teria embasado; os atendentes
apenas teriam informado que o imóvel havia sido demarcado como terreno
de marinha e que a cobrança, doravante, seria devida, anualmente; o
Condomínio do Edifício teria repassado aos condôminos informações
conseguidas junto àquele órgão, registrando que as salas do edifício
teriam sido todas colocadas sob oneração por meio do Processo
Administrativo nº 04962.005742/2013-37, aberto em 05/09/2013 (que não
seria um processo demarcatório); o despacho que "demarcou" uma única
sala daquela edificação como ocupante de terreno de marinha (e teria
servido de base para cadastrar todas as demais salas do prédio) teria se
dado em 21/11/2013; o próprio órgão teria admitido que violou as leis
regentes desse tipo de processo demarcatório ao confirmar nesse
documento que nunca teria realizado qualquer audiência ou notificação de
interessados; no mesmo processo administrativo, outro absurdo, todas as
142 salas teriam sido cadastradas em nome da Empresa DINIZ ENGENHARIA
LTDA, antiga proprietária do terreno (cujo registro de
incorporação data de 1991), o que teria impedido que os verdadeiros
proprietários tomassem conhecimento da "demarcação", pois os boletos de
cobrança seriam enviados para o domicílio fiscal do proprietário
cadastrado no RIP (endereço declarado no imposto de renda); no referido
processo administrativo, a SPU, mesmo ciente de que o terreno fora
transacionado em 1991, teria ordenado o cadastramento de todas as
unidades em nome daquela empresa; na folha n. 095, constaria a
criação dos 142 RIPs; na folha 096, a servidora alertaria que não possui
os nomes dos proprietários, e, mesmo assim, teria cadastrado os imóveis
em nome de quem não mais possuiria relação jurídica com os imóveis; "em
2013, a SPU "convola" um "referido" procedimento administrativo da
década de 60, sem sequer notificar os reais proprietários das salas do
edifício, mesmo ciente de que o grosso dessa informação poderia ser
solicitado ao cartório de registro de imóveis, deixa a situação "correr
solta" e, em 2017, "joga" todos esses débitos para os reais
proprietários, de maneira açodada e ilegal". Teceram outros
comentários. Transcreveram dispositivos legais e ementas de decisões
judiciais. Requereram, em sede de tutela provisória de urgência: "5.1. Que,
reconhecida a patente falta de intimação pessoal dos interessados, o
frontal desrespeito à legislação em vigor na demarcação da linha de
preamar média de 1831 e a ausência de procedimento administrativo
individual, que seja deferida a antecipação dos efeitos da tutela
para suspender os efeitos do reconhecimento do imóvel do autor, de
cadastro RIP nº 2531 0129364-32, como terreno de marinha; 5.2. Que, uma vez suspensos os efeitos do reconhecimento do imóvel dos Autores como sendo terreno de marinha, requer que seja deferida antecipação dos efeitos da tutela para sustar as cobranças anuais de foro e eventuais pagamentos de laudêmio até o fim da presente demanda". No mérito, requereram: "5.3. No mérito, o reconhecimento da nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da pretensão inicial como terreno de marinha, cancelando-se, por consequência, o cadastro RIP junto à SPU; 5.4. Que
seja reconhecida a consequência financeira da referida nulidade, com a
anulação/cancelamento da taxa de ocupação e de todos os encargos legais
originados na inscrição do imóvel no RIP; 5.5. Que a União seja condenada a devolver ao autor, a título de repetição de indébito, TODOS os valores pagos por ele ilegalmente a título de taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2019, anos em que o autor quitou a taxa de ocupação, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC, ou outro índice de que se vale a Justiça Federal, e juros legais de mora de 1% (um por cento) ao mês; 5.6. Que seja declarada a inexistência de relação jurídica do imóvel com a demandada, por não se tratar de "terreno de marinha" originado de procedimento demarcatório regular". Protestaram o de estilo. Atribuíram valor à causa. Inicial instruída com instrumentos de procuração e documentos.
Decisão
proferida em 16/10/2019 (id. 4058300.12193789), na qual foi deferido
liminarmente o pedido de concessão de tutela provisória de urgência
cautelar; bem como se determinou a citação da UNIÃO.
Citada, a UNIÃO
apresentou contestação (id. 4058300.12874499). Como prejudicial de
mérito, arguiu exceção de prescrição. No mérito, alegou, em síntese,
que: o imóvel objeto da ação estaria localizado em área da União,
possuindo a natureza jurídica de Acrescido de Marinha, com cadastro
na SPU/PE sob o RIP 2531.0129402-00, em regime de ocupação, e possuiria
débitos em aberto; a demarcação da área onde se localiza o imóvel
objeto da ação teria sido realizada através do processo demarcatório n.º
10197/86-28 (Linha n.º 05 - Pina /Boa Viagem) com aprovação das linhas
de Marinha em 25/10/1960; o Decreto nº 4.105/1868 traria em seu bojo o
conceito de terreno de marinha e regularia a concessão dos terrenos de
marinha, dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou
artificialmente e o processo demarcatório para tanto, prevendo regras
para o processo demarcatório dessas áreas; o art. 202, do Decreto Lei
9760-46, teria convalidado as demarcações que lhe foram anteriores, sob a
condição de terem sido seguidos os ritos previstos nas normas vigentes à
época. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos
legais. Requereu, ao final: "... seja declarada a absoluta IMPROCEDÊNCIA
do pedido autoral com a condenação da parte ex adversa ao
pagamento de honorários advocatícios arbitrados por V. Exa. (art. 20, §
4º., do Código de Processo Civil), e demais encargos de estilo, tais
como custas processuais e despesas decorrentes da sucumbência".
Protestou o de estilo.
A UNIÃO requereu dilação de prazo para apresentar a prova do cumprimento da obrigação de fazer (id. 4058300.12874613).
Em seguida, apresentou petição, pugnando pela juntada de documentos que
comprovariam o cumprimento da decisão judicial (id. 4058300.131050400).
A Parte Autora apresentou réplica à contestação (id. 4058300.13445865).
Comunicação
enviada pelo E. TRF-5ª Região com o inteiro teor do v. acórdão
proferido no Agravo de Instrumento nº 0815477-87.2019.4.05.0000, bem
como o seu trânsito em julgado, no qual foi improvido o recurso
interposto pela UNIÃO (id. 4050000.21923820).
Despacho no qual foram as partes intimadas sobre a produção de novas provas (id. 4058300.17249364).
A
UNIÃO informou não ter mais provas a produzir (id. 4058300.17379936) e a
Parte Autora pugnou pela juntada de uma decisão do STJ, acerca de
imóvel situado na mesma edificação (id. 4058300.17655355).
Vieram os autos conclusos.
É o Relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1
- Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo,
por não divisar necessidade a realização de outras provas, uma vez que
cabe apenas decidir se a demarcação do imóvel em questão seguiu ou não
as regras constitucionais e legais da época, possível com as provas que
se encontram nos autos (art. 355, I, CPC).
2.2 - Da exceção de prescrição
Defende
a UNIÃO, como prejudicial de mérito, a ocorrência de prescrição, sob o
fundamento de que o processo demarcatório em questão ocorreu em 1960,
estando, portanto, prescrito o próprio fundo de direito, tendo em vista
que desde a data da declaração da demarcação do terreno de marinha até a
propositura da presente ação transcorreram mais de 05 (cinco) anos
(Decreto-Lei n° 20.910, de 6 de janeiro de 1932).
Na réplica à contestação (id. 4058300.13445865), os Autores alegaram, verbis:
"1. Os autores adquiriram o imóvel em 1994, inexistindo naquela data, ou ainda, anterior àquela, qualquer registro público de ônus sobre o imóvel; 2.
Em 2013, mediante um procedimento administrativo completamente viciado,
tendo em vista a inexistência de notificação pessoal dos autores na
demarcação, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), cadastrou o
imóvel dos requerentes como acrescido de marinha, inexistindo ainda,
informação de tal alteração no Ofício de Registro Público de Imóveis
até os dias atuais, conforme documentos apresentados; 3. Em outubro de 2017,
os autores foram surpreendidos e receberam a notificação extrajudicial
do antigo proprietário (Sr. PAULO ROBERTO DE BARROS E SILVA),
informando-lhe da existência de débitos perante a União, surgindo deste
fato o seu direito à pretensão de impugnar o ato eivado de nulidade
(actio nata)."
Assiste razão à Parte Autora.
Explico.
Da
análise dos documentos acostados aos autos, vê-se que, quando da
aquisição do imóvel em tela pelos Autores, no ano de 1994, não existia
em seu registro público informações de que se tratava de bem da União.
Em 2013, a partir do "Requerimento de Inscrição de Ocupação", formulado
por um dos condôminos do Ed. Clinical Center Karla Patrícia (processo
administrativo nº 04962.005742/2013-37), a Secretaria do Patrimônio da
União - SPU cadastrou o imóvel em comento como acrescido de marinha, em
regime de ocupação. E, apenas em outubro de 2017, ocorreram as
notificações para cobrança dos encargos decorrentes da demarcação,
nascendo, então, de acordo com o princípio da actio nata, a
pretensão da Parte Autora (momento em que teve ciência inequívoca da
demarcação), data a partir da qual deverá ser contado o prazo
prescricional.
Segundo
pacífico entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, a data da
cobrança da taxa de ocupação é o termo inicial da contagem do prazo
prescricional das ações em que se pretende a anulação dos processos de
demarcação de terreno de marinha. Nesse sentido:
"PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. PRESCRIÇÃO DAS AÇÕES EM
QUE SE PRETENDE A ANULAÇÃO DOS PROCESSOS DE DEMARCAÇÃO. APLICAÇÃO DO
ART. 1o. DO DECRETO 20.910/1932. TERMO INICIAL CONTAGEM DO PRAZO
PRESCRICIONAL. DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO. RETORNO DOS AUTOS À
ORIGEM PARA NOVA ANÁLISE DA PRESCRIÇÃO. AGRAVO INTERNO DO ENTE
FEDERATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1.
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a
decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as
interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça (Enunciado Administrativo 2).
2.
A jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento de que a data
da cobrança da taxa de ocupação é o termo inicial da contagem do prazo
prescricional das ações em que se pretende a anulação dos processos de
demarcação de terreno de marinha, devendo ser aplicado o art. 1o. do
Decreto 20.910/1932.
3.
Uma vez que o Tribunal de origem reconheceu a prescrição da pretensão,
considerando como termo inicial da contagem do prazo o término do
procedimento administrativo de demarcação da área e tendo em vista que
não há no acórdão informação quanto à data da cobrança da taxa de
ocupação, devem os autos retornar à origem, a fim de que a questão seja
examinada nos termos do entendimento firmado por esta Corte Superior.
4. Agravo Interno do Ente Federativo a que se nega provimento.
(AgInt
no AgInt no REsp 1524201/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020[1]) (G.N.)
Desse
modo, como a presente ação foi ajuizada em 08/10/2019, portanto, 02
(dois) anos após a cobrança da taxa de ocupação (termo inicial), é de
ser rejeitada a exceção de prescrição levantada pela UNIÃO.
2.2 - Do mérito propriamente dito
2.2.1
- Cinge-se a questão de mérito, objeto da presente ação, em verificar
se o processo demarcatório nº 10197/86-28, que aprovou a Linha Preamar
Média de 1831 em 1960, realizado pela SPU, e o processo de inscrição do
referido imóvel em regime de ocupação (RIP: 2531.0129364-32), no ano de
2013, podem ser considerados válidos com relação aos Autores.
Eis a íntegra dos pedidos formulados na petição inicial pelos Autores:
"5.3. No mérito, o reconhecimento da nulidade do ato de inscrição do imóvel objeto da pretensão inicial como terreno de marinha, cancelando-se, por consequência, o cadastro RIP junto à SPU;
5.4. Que
seja reconhecida a consequência financeira da referida nulidade, com a
anulação/cancelamento da taxa de ocupação e de todos os encargos legais
originados na inscrição do imóvel no RIP;
5.5. Que a União seja condenada a devolver ao autor, a título de repetição de indébito, TODOS os valores pagos por ele ilegalmente a título de taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2019, anos em que o autor quitou a taxa de ocupação, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC, ou outro índice de que se vale a Justiça Federal, e juros legais de mora de 1% (um por cento) ao mês;
5.6. Que seja declarada a inexistência de relação jurídica do imóvel com a demandada, por não se tratar de "terreno de marinha" originado de procedimento demarcatório regular."
Pois bem.
O
procedimento administrativo de demarcação de terreno de marinha
encontra-se regulado pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946 (arts. 9º ao 14), de
acordo com o qual compete ao Serviço de Patrimônio da União - SPU
realizar a "determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias" (art. 9º).
No
caso sob análise, a Parte Autora comprova que adquiriu, por meio de
"Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda com Cessão de
Direitos", em 24/05/1994, dos Srs. Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho,
Paulo Roberto de Barros e Silva e Fenando de Oliveira Barros, a sala
comercial nº 510, do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, localizada na
Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE (id. 4058300.12089207).
O
referido imóvel foi adquirido pelos promitentes cedentes por meio de
"Escritura Pública de Ajuste para Incorporação, Permuta, Destinação,
Discriminação e Instituição de Condomínio", lavrada em 31/05/1991,
registrada no Registro Geral de Imóveis - 1º Ofício (matrícula nº
58.122), em 04/06/1992, sendo o imóvel identificado como "fração ideal
de terreno próprio", conforme consta da "Certidão Vintenária" juntada
aos autos (id. 4058300.12089202).
Observa-se
dos documentos acostados que a partir do "Requerimento de Inscrição de
Ocupação", formulado por um dos condôminos do Ed. Clinical Center Karla
Patrícia, em 04/09/2013 (processo administrativo nº
04962.005742/2013-37), a Secretaria do Patrimônio da União - SPU
informou que o imóvel objeto do aludido procedimento foi abrangido pelo
Processo Demarcatório nº 10197/86-28, que resultou na aprovação, em
25/10/1960, da Linha do Preamar Médio (LPM) de 1831, devidamente traçada
pela Divisão de Identificação e Fiscalização - DIIFI, caracterizando o
imóvel como acrescido de marinha (id. 4058300.12089259):
"ASSUNTO: INSCRIÇÃO DE OCUPAÇÃO
[...]
Trata
o presente processo do pedido de inscrição de ocupação do terreno de
marinha, situado na, N° 636, Pina, Recife-PE, formulado pela Sra. Maria
Carolina Lins de Albuquerque.
2. A
LPM de 1831 está devidamente traçada pela Divisão de Identificação e
Fiscalização - DIIFI, aprovada em 25/10/1960 de acordo com o Processo n°
10197/86-28 caracterizando o imóvel como acrescido de marinha, de
acordo com planta fls.80, certificado cadastral SPU-PE, Fls.82 e Memorial Descritivo de fls.83.
3.
As audiências previstas no art.100 do Decreto-Lei n° 9.760/46 não foram
realizadas, tendo em vista que o imóvel se encontra fora de um raio de
1.320,00m de qualquer estabelecimento Militar e distar mais de 100,00m
da atual orla marítima e, por fim, se encontrar em área já urbanizada.
4. Para
tanto, quanto à formalidade jurídica dos autos, opinamos que o mesmo
encontra-se devidamente instruído e apto para se conceder a inscrição de
ocupação precária do imóvel acima caracterizado no percentual de 5%
(cinco por cento), haja vista se tratar de inscrição posterior a 1º de
outubro de 1988, conforme determina o art. 1º, inciso II do Decreto nº
2.398/87, de 21 de dezembro de 1987 e Portaria n° 07 de 31/01/2001,
conforme determina o art. 2º, VII, § 4º, de acordo com e que sejam
cobradas as taxas de ocupação devidas, em atenção ao art. 47 da Lei nº
9.636/98
5. Finalizando, proponho
que seja concedida a inscrição de ocupação, em seguida à DIIFI, para
depois de analisados os documentos apresentados, incluir/corrigir os
dados do imóvel na base de dados do SIAPA, calcular o domínio pleno e a
taxa de ocupação no percentual acima recomendado e, por fim, à DIREP
para expedir o(s) Documento(s) de Arrecadação de Receita Federal (DARF)
necessário(s) à regularização do sobredito imóvel, além de verificar se
há necessidade de se cobrar laudêmios das transferências de direitos de
ocupações existentes no processo.
[...]."
,
(G.N.)
Dessa
forma, deferido o noticiado requerimento administrativo e concedida a
inscrição de ocupação do aludido imóvel, em 24/12/2013, foram
relacionadas/individualizadas as demais unidades do condomínio em
questão e encaminhadas para as respectivas inscrições de ocupação (id.
4058300.12089259).
Como
visto no documento supratranscrito, o procedimento administrativo que
levou à inscrição de ocupação das demais unidades do Ed. Clinical Center
Karla Patrícia, que teve início no ano de 2013, por solicitação de um
condômino, se desenvolveu sem qualquer intimação pessoal da Parte Autora, ou do antigo proprietário do imóvel em questão,
culminando com a cobrança de taxas de ocupação do imóvel dos Autores
(RIP: 2531.0129364-32) relativa aos anos de 2009 a 2019 (id.
4058300.12089278).
Da
análise dos documentos acostados, conclui-se, portanto, que à época da
Escritura Pública registrada no Registro Geral de Imóveis (1992) não
existia no registro público informações de que se tratava de bem da
União. Aliás, tal fato é reconhecido pela própria Secretaria de
Patrimônio da União, em parecer administrativo assinado eletronicamente
pelo Chefe de Divisão Sr. Joselito Felix Dantas, em 04/12/2017 (id.
4058300.12089272):
"3
- O procedimento de transferência foi efetuado considerando o
conhecimento a data da lavratura da escritura, eximindo a geração da
multa, vista que na época da transação foi expedida certidão de domínio pela SPU, considerando o imóvel Alodial (próprio), dispensando o promitente Comprado da obrigação da apresentação do titulo que deu origem a transferência." (sic)(G.N.)
A
UNIÃO, embora alegue em sua defesa que a demarcação da área onde se
localiza o imóvel objeto da ação foi realizada mediante o processo
demarcatório nº 10197/86-28, em 25/10/1960, não fez a comprovação
nos autos de que tenha havido notificação pessoal dos interessados à
época acerca do processo de demarcação, assim como não demonstrou
que, em data anterior a outubro de 2017, tenha dado ciência aos Autores
ou mesmo aos antigos proprietários do procedimento administrativo que
levou à inscrição de ocupação das demais unidades do Ed. Clinical Center
Karla Patrícia, no ano de 2013.
Sobre a necessidade de intimação pessoal dos
interessados identificados e com domicílio certo para a validade dos
procedimentos demarcatórios de terreno de marinha, o C. Superior
Tribunal de Justiça consolidou entendimento, no qual identifica 03
situações distintas, a saber: 1) nos procedimentos demarcatórios
realizados até 31.05.2007, deve-se respeitar o disposto no art. 11 do
Decreto-Lei n. 9.760/1946, em sua redação original[2], com a necessária intimação pessoal
dos interessados certos e com domicílio conhecido; 2) naqueles
procedimentos ocorridos entre o período de vigência da Lei n.
11.481/2007 (01/06/2007) até a publicação da decisão de concessão de liminar pelo STF na ADI n. 4.264/PE (DJe 25/03/2011), deve-se observar a redação dada pela Lei n. 11.481/2007[3] ao art. 11 do Decreto Lei n. 9.760/1946, que autoriza a convocação de todo e qualquer interessado por edital; e 3) nos procedimentos iniciados após 27/05/2011, a intimação pessoal dos interessados e com endereço conhecido passou a ser novamente obrigatória. Nesse sentido:
"PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
TERRENO DE MARINHA. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. EXEGESE DO ART. 11 DO
DECRETO-LEI 9.760/1946.
1.
O Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a
controvérsia, em conformidade com o que lhe foi tempestivamente
apresentado. In casu, a Corte Regional expressamente motivou o acórdão
nos seguintes termos: a) o imóvel deixou de pertencer à União, após a
entrada em vigor da EC 46/2005; b) o processo administrativo de
demarcação de terras é viciado por nulidade absoluta, decorrente da
notificação editalícia dos confrontantes com endereço conhecido; e c) no
período que antecedeu a CF/1988, os Decretos 66.227/1970 e 71.206/1972
não eram suficientes para atribuir à União a propriedade de imóveis na
área territorial denominada "Gleba Rio Anil".
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022 do CPC.
3. "A
jurisprudência desta Corte de Justiça, em respeito aos princípios da
boa-fé e da segurança jurídica, consolidou o entendimento de que, nos
procedimentos demarcatórios realizados até a publicação da Lei n.
11.481, de 31 de maio de 2007, deve-se respeitar o disposto no art. 11
do Decreto-Lei n. 9.760/1946, na sua redação original, sendo necessária a
intimação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido;
naqueles ocorridos entre o período de vigência da Lei n. 11.481/2007 (1º
de junho de 2007) até a publicação da decisão proferida pelo STF na
ADIN n. 4.264/PE (DJe 25/03/2011), não há que se falar em ilegalidade da
convocação dos interessados apenas por edital, e nos (procedimentos)
iniciados após 27 de maio 2011, a intimação pessoal dos interessados e
com endereço conhecido passou a ser novamente obrigatória" (AgInt no REsp 1.388.335/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 5/9/2017).
4.
Impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que este examine
a validade da intimação por edital à luz do regime jurídico vigente na
data de sua realização, conforme os parâmetros acima estabelecidos.
5. Recurso Especial parcialmente provido."
(REsp 1814353/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 09/09/2019[4])
Nessa
mesma linha, confira-se julgado da E. 3ª Turma do TRF da 5ª Região, ao
apreciar situação semelhante relacionada a imóvel localizado na mesma
edificação do imóvel em apreço:
"EMENTA:
APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA CUMULADA
COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TERRENO DE MARINHA E ACRESCIDOS. PROCEDIMENTO
DEMARCATÓRIO. FIXAÇÃO DA LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831. PRESCRIÇÃO
QUINQUENAL. MARCO INICIAL. DATA DA COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO.
APLICABILIDADE DA REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946.
AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL. INSCRIÇÃO DO REGIME DE OCUPAÇÃO
REALIZADO EM 2013. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA.
PROVIMENTO.
1.
Apelação interposta por particular em face de sentença que, em sede de
ação anulatória de débito, extinguiu o feito, com resolução do mérito,
em razão da prescrição da pretensão (art. 487, II, do Código de Processo
Civil), no que tange aos pedidos fundamentados na premissa da nulidade
do processo demarcatório e julgou improcedente o pedido de repetição do
indébito, no que tange à alegada ocorrência de decadência de parte das
taxas de ocupação objeto da controvérsia, resolvendo o mérito, nos
termos do art. 487, I, do CPC/15.
2. Em suas razões recursais, o particular alegou que:
i)
se trata de Ação Anulatória de Débito Fiscal ajuizada em face da União
Federal, objetivando a nulidade do ato de inscrição do imóvel do autor
como de marinha, tendo em vista, a ilegalidade no procedimento
demarcatório, ante a inexistência de notificação pessoal do recorrente
no procedimento administrativo ocorrido em 2013, que, qualificou o
imóvel do apelante como público (terreno de marinha);
ii)
o apelante adquiriu o imóvel em 1992, inexistindo naquela data, ou
ainda, anterior àquela, qualquer registro público de ônus sobre a
propriedade;
iii)
em 2013, mediante um procedimento administrativo completamente viciado,
tendo em vista a inexistência de notificação pessoal do autor na
demarcação, a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), cadastrou o
imóvel como acrescido de marinha;
iv)
em outubro de 2017, o apelante foi surpreendido e recebeu em sua
residência, as cobranças relativas à taxa de ocupação de seu imóvel,
surgindo deste fato o seu direito à pretensão de impugnar o ato eivado
de nulidade (actio nata);
v)
deve ser afastada a ocorrência de prescrição, seja porque
imprescritível o ato administrativo nulo, seja porque, no caso concreto,
o suposto prazo prescricional apenas poderia ter início com o
recebimento do DARF para pagamento, o que somente ocorreu em outubro de
2017;
vi)
colacionou precedente e juntou aos autos decisão do STJ, em sede de
recurso especial, acerca de imóvel situado na mesma edificação.
3.
O cerne da questão nos autos consiste em perquirir se está configurada a
prescrição da pretensão autoral, qual seja a declaração de nulidade do
processo de demarcação de terreno de marinha incidente sobre o imóvel
descritos na inicial, de sua propriedade.
4.
Quando da aquisição do imóvel em comento, em 1992, não existia em seu
registro público informações de que se tratava de bem da União, conforme
certidão vintenária acostada aos autos. Assim, de acordo com o
princípio da actio nata, somente com as notificações para cobrança dos
encargos decorrentes da demarcação, que ocorreram apenas em outubro de
2017, nasceu a pretensão da parte autora (momento em que teve ciência
inequívoca da demarcação), data a partir da qual será contado o prazo
prescricional. Esse foi o entendimento firmado por esta Terceira Turma
ao apreciar situação semelhante relacionada a imóvel situado na mesma
edificação do imóvel em apreço, no qual se entendeu não restar
configurada a prescrição da pretensão autoral. (Precedente: Processo nº
08123406320184058300, Apelação Cível, Desembargador Federal Rogério de
Meneses Fialho Moreira, 3ª Turma, Julgamento: 01/07/2021).
5.
Nesse diapasão, deve ser afastada a prescrição da pretensão autoral,
notadamente porque a ação foi proposta em agosto de 2018, ou seja, antes
de decorridos cinco anos.
6.
Nos termos do que dispõe o art. 1.013, § 4º, do CPC, passa-se ao
julgamento da legalidade do processo demarcatório da Linha Preamar Média
de 1831 realizado pela SPU.
7.
A União Federal sustentou que a demarcação da área onde se localiza o
imóvel objeto da ação foi realizada mediante processo demarcatório nº
10197/86-28 em 25/10/1960. Ocorre, todavia, que não há comprovação nos
autos de que tenha havido notificação pessoal dos interessados à época
acerca do processo de demarcação. Com efeito, a apelada não demonstrou
que, em data anterior a outubro de 2017, houvera ciência do apelado ou
mesmo dos antigos proprietários acerca da incorporação dos bens ao
patrimônio federal.
8.
Essa prova poderia ter sido realizada através da demonstração de envio
de prévias cobranças da taxa de ocupação ou mesmo de notificações
pessoais aos anteriores ocupantes/proprietários, o que não foi feito.
9. Esta
Corte Regional e o Colendo Superior Tribunal de Justiça possuem
entendimento pacífico, no sentido de que, nos procedimentos
demarcatórios da faixa de marinha ocorridos até 31/05/2007, é mister a
notificação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido,
na forma da redação original do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46,
notadamente em razão dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
10.
Precedentes: STJ, REsp 1755321 / ES. Segunda Turma. Rel.: Min. Herman
Benjamin. DJe: 27/11/2018; TRF 5ª Região, Apelação Cível nº
0802542-65.2015.4.05.8500. Quarta Turma. Rel.: Des. Federal Edilson
Pereira Nobre Júnior. Data do julgamento: 16/03/2017; STJ, AGRESP
200901746747, CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJE DATA:13/05/2010.
11. A
interpretação do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46 não pode ser outra
que não a de que a citação por edital só poderá ser adotada pela União
quando for desconhecido o proprietário do imóvel a ser demarcado, o que
não se mostrou ser o caso dos autos.
12. Deve-se
ter em conta que a notificação editalícia apenas vem sendo admitida no
interstício temporal entre a publicação da Lei nº 11.481/2007 e da
concessão de liminar pelo STF na ADI n. 4.264/PE, com efeitos apenas ex
nunc - entre 01.06.2007 e 27.5.2011.
13. Considerando
que, no caso vertente, a demarcação ocorreu em data anterior - no ano
de1960 -, deveria ter sido observada a necessidade de prévia intimação
pessoal do então proprietário/ocupante.
14.
Nesses termos, o registro do bem apontado na inicial - Sala comerciai
nº 205 do Edf. Clinical Center Karla Patrícia, localizadas na Av.
Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE - como terreno de marinha é
nulo, eis que advindo de procedimento administrativo irregular, tornando
sem efeito, por ilação, as cobranças de taxas de ocupação e demais
encargos financeiros correlatos em face da apelante.
15.
Apelação provida, a fim de reformar a sentença e julgar procedente a
pretensão autoral, para: a) reconhecer a nulidade do ato de inscrição do
imóvel objeto da lide como terreno de marinha; b) reconhecer a nulidade
da cobrança da taxa de ocupação e encargos legais originados da
inscrição do imóvel como terreno de marinha; c) declarar o direito do
autor à repetição do indébito dos valores pagos pelo autor a título de
taxa de ocupação referentes aos exercícios de 2009 a 2017, acrescidos de
correção monetária e juros de mora de acordo com o Manual de Cálculos
da Justiça Federal. Inversão do ônus da sucumbência, mantido o
percentual de 10% sobre o proveito econômico obtido - valor dos débitos
cancelados, na forma do art. 85, § 2º, do CPC."
(PROCESSO:
08115030820184058300, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO
BRAGA DAMASCENO, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 11/11/2021) (G.N.)
Nessa
situação, indubitavelmente, a UNIÃO não demonstrou ter feito, na
demarcação de 1960, a necessária notificação pessoal dos interessados
certos e com domicílio conhecido, e assim procedeu também por ocasião do
procedimento administrativo que levou à inscrição de ocupação das
demais unidades do Ed. Clinical Center Karla Patrícia, em 2013.
Acertada,
pois, a decisão que suspendeu os efeitos desses processos
administrativos demarcatórios, acostada sob identificador nº
4058300.12193789.
Nulo,
írrito, sem nenhum valor é o ato demarcatório lançado nos autos dos
noticiados procedimentos administrativos, tanto no de demarcação de
1960, como no de inscrição de ocupação realizado em 2013, por total
ausência de notificação dos Interessados.
E
os atos desses processos administrativos demarcatórios são nulos porque
foi ignorada solenidade prevista em Lei, com o consequente ferimento
aos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal,
do contraditório e da ampla defesa, hoje plasmados, o primeiro no inciso
II do art. 5º e no art. 37 da vigente Constituição da República do
Brasil e os demais, respectivamente, nos incisos LIV e LV do referido
art. 5º dessa Carta republicana.
Ressalto
que a UNIÃO, por regular processo administrativo demarcatório, com
observância dos procedimentos estabelecidos na nova redação do art. 11
do mencionado Decreto-lei nº 9.760, de 05.09.1946, dada pela Lei nº
13.139, de 26.06.2015(sem prejuízo do direito de os Autores impugnarem a possível futuro processo administrativo demarcatório), até
poderá enquadrar o imóvel objeto desta ação como terreno de marinha ou
terreno acrescido de marinha, mas enquanto isso não ocorrer o imóvel dos
Autores é considerado alodial, sem qualquer limitação foreira, e sobre
tal imóvel não paira nenhum direito da UNIÃO no campo do domínio direto.
Assim
sendo, há de se reconhecer a nulidade do ato de inscrição do imóvel
objeto da lide como terreno de marinha e, consequentemente, a nulidade
da cobrança da taxa de ocupação e demais encargos legais originados de
tal inscrição, bem como declarar o direito dos Autores à repetição do
indébito dos valores comprovadamente pagos a título de taxa de ocupação.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 - Rejeito a exceção de prescrição levantada pela UNIÃO.
3.2 - Julgo procedentes
os pedidos desta ação para reconhecer a nulidade plena do noticiado
procedimento demarcatório de 1960, que declarou ser o imóvel dos Autores
terreno de marinha, bem como do processo administrativo de
inscrição de ocupação realizado em 2013, pelo que determino que a UNIÃO,
pela referida Secretaria de Patrimônio da União em Pernambuco - SPU/PE,
cancele dos seus registros o cadastramento do imóvel inscrito sob o RIP
nº 2531 0129364-32 (sala comercial nº 510, do Ed. Clinical Center Karla
Patrícia, localizada na Av. Domingos Ferreira, 636, Pina, Recife/PE)
como sendo terreno de marinha e que também providencie idêntico
cancelamento perante o respectivo Cartório de Registro de Imóveis, se
neste tiver providenciado algum registro, e que tome todas essas
providências no prazo de 30(trinta)dias, fornecendo aos Autores, se
solicitada, a respectiva certidão, com a informação de que não se trata
de terreno de marinha, tudo sob pena de pagamento de multa mensal,
correspondente a R$ 2.000,00(dois mil reais), cujo valor será atualizado
de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, a partir do mês
seguinte ao da publicação desta sentença, sem prejuízo da
responsabilização pessoal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao
pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.
3.3
- Outrossim, condeno a UNIÃO a cancelar todos os lançamentos e
respectivas inscrições em dívida ativa(se tiver havido), bem como
eventuais Certidões de Dívida Ativa - CDAs, relativamente às respectivas
cobranças de taxa de ocupação/foro anual, laudêmio e respectivas multas
e/ou outros acréscimos, bem como a restituir os valores que a tais
títulos lhe tenham sido pagos em decorrência dos mencionados atos
administrativos, ora reconhecidos por nulos de pleno direito, e exigidos
dos Autores, atualizados conforme Manual de Cálculos do Conselho da
Justiça Federal.
3.4
- Condeno ainda a UNIÃO a ressarcir as custas processuais despendidas
pelos Autores, bem como em verba honorária, a qual arbitro em 10%(dez
por cento) do valor atualizado da causa, observando-se, quanto à
atualização, os índices e formas do manual de cálculos do Conselho da
Justiça Federal.
3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487-I, CPC).
3.6
- Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, em face
da regra do inciso I do § 3º do art. 496 do vigente Código de Processo
Civil.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 24,05.2022
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2a Vara da JFPE
(mppl)
[1]
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AgInt no REsp
1524201/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020.
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201500727452&dt_publicacao=01/07/2020
[2] Decreto-Lei n. 9.760/1946
"Art.
11. Para a realização do trabalho, o S. P. U. convidará os interessados,
certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60
(sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas,
documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos
compreendidos no trecho demarcando." (redação original)
[3]
Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os
interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias
ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos
concernentes aos terrenos compreendidos no trecho
demarcando. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) (Vide ADI 4.264)
[4]
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1814353/MA, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 09/09/2019.
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201900929419&dt_publicacao=09/09/2019