segunda-feira, 22 de novembro de 2021

JUROS DE MORA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO IR, NEM DA CSLL.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

As parcelas recebidas a título de juros de mora não podem sofrer incidência do IR, nem da CSLL, porque têm natureza indenizatória, logo não geram acréscimo patrimonial, muito menos lucros. 

O Plenário do STF já decidiu que salários, vencimentos e verbas previdenciárias recebidas por pessoas físicas com atraso, as respectivas parcelas de juros de mora não caracterizam o fato gerador do IRPF. 

No campo da pessoa jurídica, chegou a conclusão semelhante apenas com relação a juros de mora, apurados pelos índices da tabela SELIC, nas restituições de tributos que tenham sido pagados indevidamente. 

Creio que avançará quanto aos demais juros de mora, pois estes sempre têm natureza tributária. 

Essas matérias são debatidas na sentença que segue. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0819484-83.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: PRIME - IMPORTACAO E EXPORTACAO S/A
ADVOGADO: Erick Macedo
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outro
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE-PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo B

EMENTA: -  TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. JUROS  DE MORA. TABELA SELIC. IRPJ. CSLL. NÃO INCID}ENCIA.

-As Leis que introduziram os índices da tabela SELIC na atualização dos tributos denominaram essa atualização de juros de mora, tanto quando o Contribuinte papa com atraso, como quando a Fazenda Pública ressarce, restitui ou admite a compensação de parcelas que, respectivamente, ressarciu com atraso ou cobrou indevidamente.. 

-Juros de mora têm natureza indenizatória e, por isso, como não comportam aumento patrimonial, não podem, em qualquer situação,  ser submetidos à incidência do Imposto de Renda, tampouco, quando o Contribuinte é Pessoa Jurídica, à incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL.

- O Tribunal Pleno do STF, por ocasião do julgamento do Tema 962 da repercussão geral, conferiu interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre Juros de Mora, apurados pelos índices da Tabela SELIC, recebidos  pelo Contribuintes na repetição de indébito tributário, fixando a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário"

-Concessão da segurança.


 

Vistos, etc.

1. Breve Relatório 

Busca o Impetrante provimento jurisdicional que lhe assegure a concessão de medida liminar, com autorização para que, desde logo, interrompa os recolhimentos de IRPJ/CSLL sobre os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário, nos âmbitos federal (juros de mora pelos índices da tabela SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos, devendo abster-se a Atoridade apontada como coatora de impor-lhe medidas constritivas em razão disso (tais como aplicação de multas,  negativa de CND, CNEN,  inscrição no CADIN etc.).

Teceu outros comentários e requereu, ao final: 

(e.1) seja assegurado o direito líquido e certo da impetrante de não se submeter às incidências de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive, os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário - nos âmbitos federal (juros de mora equivalentes à SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos;

(e.2) seja reconhecida a compensabilidade do indébito correspondente aos recolhimentos feitos a título de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre ingressos caracterizados como juros de mora, devidamente acrescidos da SELIC, com quaisquer tributos administrados pela RFB, conforme orientação firmada pelo STJ, sob o regime de recursos repetitivos, especialmente no item 12 da ementa do REsp 1.365.095/SP (e Súmula 461/STJ).

Decisão sob Id. 4058300.20500029 em que foi deferido o pleito de medida liminar.

A autoridade apontada como coatora apresentou Informações em que pugnou pela denegação da segurança (Id. 4058300.20845964).

O Ministério Publico Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.20867801).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Do mérito propriamente dito

Examinemos, em primeiro lugar o pedido de suspensão da exigibilidade do IRPJ e da CSLL sobre o valor dos juros, apurados pelos  índices da tabela SELIC.

Depois, veremos idêntico pleito com relação à não incidência desses tributos sobre juros de mora decorrentes de recebimentos de pagamentos em atraso e da repetição de tributos estaduais e municipais.

2.2.1 - Atualização pelos índices da tabela SELIC

Como se sabe, a substituição dos índices de correção monetária e de índices juros de mora na atualização dos tributos federais pagos com atraso pelos índices da tabela SELIC ocorreu por meio da Lei nº 8.981, de 1995, no seu art. 84, verbis:

"Art. 84 - Os tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores vierem a ocorrer a partir de 1º de Janeiro de 1995, não pagos nos prazos previstos na legislação tributária, serão acrescidos de:

I - Juros de mora, equivalentes à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal Interna.

(...).

Os juros de mora de que trata o inciso I, deste artigo, serão aplicados também às contribuições sociais arrecadadas pelo FISCO e aos débitos para com o patrimônio imobiliário, quando não recolhido nos prazos previstos na legislação específica".

Por sua vez o art. 13 da Lei nº 9.065/95 determinou:

"Art. 13 - A partir de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com redação dada pelo art. 6º da Lei 8.850 de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei 9.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a, da Lei 9.891 de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para os títulos federais acumulada mensalmente".

E para que os Contribuintes tivessem igual tratamento, quando recebessem, em restituição ou em compensação, parcelas de tributos que tivessem pagado indevidamente, por erro de fato ou de direito, a Lei nº 9.250, de 1995, fixou o mesmo índice para atualização:

"Art. 39 - (....)

§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.".  

A Lei nº 9.532, de 1997, estabeleceu, no seu art. 74, que a incidência do índice da tabela SELIC, na atualização dos valores nos casos de repetição de indébito ou compensação tributárias, ocorreria a partir do primeiro dia do mês seguinte ao do pagamento indevido, verbis:

"Art. 73. O termo inicial para cálculo dos juros de que trata o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995, é o mês subseqüente ao do pagamento indevido ou a maior que o devido.".

E de 1%(um por cento) sobre o valor do mês da efetiva restituição ou compensação(v. final do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995, acima  transcrito).

Então, pela linguagem utilizada nessas Leis, na atualização dos créditos tributáriosb, tanto quando pagos com atraso, como quando houver repetição de indébito,  deixou de existir correção monetária e passou a existir apenas juros de mora, extraídos da Tabela SELIC.

É verdade que há julgados do Superior Tribunal de Justiça, nos quais se sustentou que dentro do índice da Tabela SELIC há parcela de correção monetária e parcela de juros de mora.

Mas a legislação bancária que deu origem aos índices dessa Tabela SELIC outorga-lhe apenas a natureza de juros bancários, no Sistema Integrado de Liquidação e Custódia (SELIC) para títulos federais.

A respeito desse assunto, ensina  Édison Freitas de Siqueira no artigo acima invocado e indicado na nota de rodapé [1]] infra:

  "A Resolução nº 1.124/96 do Conselho Monetário Nacional instituiu a Taxa SELIC, definida pelas Circulares BACEN 2.868/99 e 2.900/99, assim dispondo: "define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos apurados no Sistema Integrado de Liquidação e Custódia (SELIC) para títulos federais".[1] 

Essa taxa, além de refletir a liquidez dos recursos financeiros no mercado monetário, tem a característica de juros remuneratórios ao investidor.

E o Legislador Ordinário, repito, concedeu a esses juros bancários, no campo tributário, natureza de juros de mora, ora para compensar prejuízo da Fazenda Pública, quando o Contribuinte paga com atraso, ora para recompor perdas do Contribuinte, quando este paga tributo acima do valor realmente devido e a Fazenda Pública demora, além do prazo legal, para restituí-los ou para autorizar a compensação.

Assim, desconsiderando a natureza deste índice, a SELIC foi utilizada no campo dos tributos para driblar a limitação legal dos juros moratórios dos débitos/créditos tributários, de 1% ao mês, de acordo com o art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/1966).

Essa burla à mencionada regra da Lei nº 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional e que hoje tem  status  de Lei Complementar(v. art. 146 da vigente Constituição da República), findou por ser aceita pelo Superior Tribunal de Justiça.

2.2.1-1 - A questão deste Mandado de Segurança

Agora, adentrando na questão do mandado de segurança ora sob análise, se os juros decorrentes da aplicação da Tabela SELIC, na repetição de indébito tributário, sofre ou não incidência do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza de Pessoa Jurídica, bem como da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, penso que não, pelas razões que seguem.

Explico.

Do acima exposto, temos que, legalmente os valores decorrentes da aplicação dos índices da Tabela SELIC têm natureza de juros e, na repetição de indébito tributário, tem natureza de juros de mora, pois representa a paga pelo uso indevido, no caso, pela Fazenda Pública, do dinheiro daquele que faz jus à repetição do indébito, além do prazo legal ou do prazo contratual para a restituição ou para o ressarcimento, conforme seja o caso.

Uma leitura atenta da íntegra do art. 43 do Código Tributário Nacional leva, facilmente, à conclusão que só ocorre o fato gerador do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza quando o Administrado/Contribuinte adquire a disponibilidade de renda que implique em acréscimo do seu patrimônio.

Como os juros de mora, seja na área privada, seja na área pública, têm sempre natureza indenizatória, então, nada acresce ao patrimônio Daquele que os recebe, apenas repõe alguma verba ou algum rendimento que deixou de obter em determinado momento, por culpa de Alguém que "reteve indevidamente  o seu dinheiro e foi obrigado a lhe indenizar, com o pagamento desses juros, de forma que a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica dos valores relativos a esses juros de mora fica à margem do fato gerador do Imposto de Renda, seja com relação à Pessoa Jurídica(Coletiva, como se diz, com maior propriedade, em Portugal) ou à Pessoa Física que os recebe.

E, por consequência, também fica à margem do fato gerador da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cujo fato gerador é em tudo por tudo igual ao fato gerador do Imposto sobre Renda e Proventos da Pessoa Jurídica(Coletiva) e não se pode dizer que alguém obtém lucro com o recebimento de juros de mora, pelas razões já expostas.

2.2.1-2 - A 1ª Seção do STJ

No entanto, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.138.695/SC, em julgamento submetido ao regime dos recursos repetitivos,  decidiu:

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. DISCUSSÃO SOBRE A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA EXCLUSÃO DOS JUROS SELIC INCIDENTES QUANDO DA DEVOLUÇÃO DE VALORES EM DEPÓSITO JUDICIAL FEITO NA FORMA DA LEI N. 9.703/98 E QUANDO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO NA FORMA DO ART. 167, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN.

1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.

2. Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, na forma prevista no art. 17 do Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n. 3.000/99 - RIR/99, e na forma do art. 8º da Lei n. 8.541/92, como receitas financeiras por excelência. Precedentes da Primeira Turma: AgRg no Ag 1359761/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 6/9/2011; AgRg no REsp 346.703/RJ, Primeira Turma, Rel. Min.Francisco Falcão, DJ de 02.12.02; REsp 194.989/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 29.11.99. Precedentes da Segunda Turma: REsp. n. 1.086.875 - PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/acórdão Min. Castro Meira, julgado em 18.05.2012; REsp 464.570/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 29.06.2006; AgRg no REsp 769.483/RJ, Segunda Turma, Rel. Min.Humberto Martins, DJe de 02.06.2008; REsp 514.341/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 31.05.2007; REsp 142.031/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 12.11.01; REsp. n.395.569/RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 29.03.06.

3. Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa a teor art. 17, do Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n. 3.000/99 - RIR/99, assim como o art. 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 1.381/74 e art. 161, IV do RIR/99, estes últimos explícitos quanto à tributação dos juros de mora em relação às empresas individuais.

4. Por ocasião do julgamento do REsp. n. 1.089.720 - RS (Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.10.2012) este Superior Tribunal de Justiça definiu, especificamente quanto aos juros de mora pagos em decorrência de sentenças judiciais, que, muito embora se tratem de verbas indenizatórias, possuem a natureza jurídica de lucros cessantes, consubstanciando-se em evidente acréscimo patrimonial previsto no art. 43, II, do CTN (acréscimo patrimonial a título de proventos de qualquer natureza), razão pela qual é legítima sua tributação pelo Imposto de Renda, salvo a existência de norma isentiva específica ou a constatação de que a verba principal a que se referem os juros é verba isenta ou fora do campo de incidência do IR (tese em que o acessório segue o principal). Precedente: EDcl no REsp. nº 1.089.720 - RS, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27.02.2013.

5. Conhecida a lição doutrinária de que juros de mora são lucros cessantes: "Quando o pagamento consiste em dinheiro, a estimação do dano emergente da inexecução já se acha previamente estabelecida. Não há que fazer a substituição em dinheiro da prestação devida. Falta avaliar os lucros cessantes. O código os determina pelos juros de mora e pelas custas" (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, V. 4, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p. 221).

6. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008".[2] - Destaquei em tom escuro alguns trechos.

Ou seja, à luz desse julgado, de efeito repetitivo, os juros de mora só não serão ofertados à tributação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, se o valor do qual se originaram não for tributado ou goze de isenção desses Tributos.

Vale dizer, esse E. Tribunal deu aos juros de mora a mesma natureza do valor dos quais se originaram, logo, não teriam natureza indenizatória.

Data maxima venia, esse entendimento não se amolda à tradição dos velhos comercialistas português e brasileiros, no sentido de que os juros de mora têm sempre natureza indenizatória, reparadora do uso do dinheiro alheio à margem da Lei ou do Contrato.

Na verdade, os juros de mora sempre têm natureza indenizatória, pois representam a recomposição da perda do uso de dinheiro alheio(Credor)  por outrem(Devedor).

Data maxima venia, nesse julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça findou-se por admitir que Leis Ordinárias e Diplomas Legais, como Decretos-Leis, que têm natureza de Lei Ordinária, modifiquem o art. 43 da Lei nº 5.172, de 1966(CTN, a qual, como já dissemos,  tem  status  de Lei Complementar), pois arrolou como fato gerador do IR fato não abrangido nesse artigo desse Código.

Então, no campo tributário, as definições do direito privado(civil e comercial) não podem ser alteradas pela legislação do Direito Tributário(art. 110 do Código Tributário Nacional), de forma que os juros de mora, decorrente de qualquer verba(submetida  ou não ao IRPJ e à CSLL), em face da sua natureza indenizatória, não podem sofrer a incidência do IRPJ, pois não causam nenhum acréscimo patrimonial, uma vez que apenas repõem aquele valor que não se obteve ou que deixou de ser obtido pelo uso indevido(no caso, cobrança indevida ou não ressarcimento no prazo legal) do dinheiro daquele que recebe tais juros(o Contribuinte) pelo Terceiro(no caso, a Fazenda Nacional).

E, consequentemente, os juros de mora também não podem sofrer incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, que tem, quanto ao fato gerador, a mesma estrutura do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica - IRPJ. Ademais, não se pode admitir que quem recebe juros de mora goza de algum tipo de lucro, senão apenas reparação jurídico-econômico-financeira.

2.2.1-3 - O Plenário do Supremo Tribunal Federal e Juros de Mora Recebidos por Pessoas Físicas.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quanto às pessoas físicas, já pacificou o assunto, quando julgou o Recurso Extraordinário - RE nº 855.091, sob repercussão geral,  e o respectivo acórdão ficou com a seguinte ementa:

"EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão Geral. Direito Tributário. Imposto de renda. Juros moratórios devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. Caráter indenizatório. Danos emergentes. Não incidência.

1. A materialidade do imposto de renda está relacionada com a existência de acréscimo patrimonial. Precedentes.

2. A palavra indenização abrange os valores relativos a danos emergentes e os concernentes a lucros cessantes. Os primeiros, correspondendo ao que efetivamente se perdeu, não incrementam o patrimônio de quem os recebe e, assim, não se amoldam ao conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. Os segundos, desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, ser tributados pelo imposto de renda.

3. Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). Esse atraso faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender a suas necessidades básicas e às de sua família.

4. Fixa-se a seguinte tese para o Tema nº 808 da Repercussão Geral: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".

5. Recurso extraordinário não provido."[3].

Ora, o Trabalhador que recebe parcelas de remuneração em atraso, não sofre apenas danos emergentes, como parece ter constado na fundamentação desse d. julgado do Plenário da Suprema Corte, mas também poderia sofrer perdas de possíveis lucros cessantes, com operações nas quais aquele dinheiro, indevidamente retido pelo Empregador e que lhe foi pago com atraso, poderia ter sido aplicado  em atividade lucrativa ou, no mínimo, no mercado financeiro.

Dessa forma, os juros de mora, em qualquer vertente, sempre têm natureza indenizatória, natureza essa, estruturada no direito privado, pelo que não pode, como vimos, por força do art. 110 do Código Tributário Nacional - CTN, ser modificada para fins tributários.

Diante desse julgado da Suprema Corte, a mencionada 1ª Seção do STJ, no julgamento do Resp 1.470.443/PR, 1ª SEÇÃO DO STJ, 25.08.2021, tendo por Relator o Ministro Mauro Campbell, findou por mudar aquele julgado acima transcrito, e adaptou o entendimento dessa Corte Especial .ao do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

2.2.1.4 - O Plenário do Supremo Tribunal Federal e os Juros de Mora Recebidos por Pessoas Jurídicas.

No que diz respeito à pessoa jurídica, o assunto foi enfrentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, sob repercussão geral nos autos do referido RE 1.063.187/SC, em julgado realizado em 27/09/2021, decidir

"..., por unanimidade, apreciando o Tema 962 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, dando interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, nos termos do voto do Relator. Os Ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques, inicialmente, não conheciam do recurso e, vencidos, acompanharam o Relator, para negar provimento ao recurso extraordinário da União, pelas razões e ressalvas indicadas em seus votos. Foi fixada a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário". Falaram: pela recorrente, a Dr. Andrea Mussnich Barreto, Procuradora da Fazenda Nacional; pelo recorrido, o Dr. Juliano Fernandes de Oliveira; e, pelo amicus curiae, o Dr. Roque Antonio Carrazza. Plenário, Sessão Virtual de 17.9.2021 a 24.9.2021".[4] 

Então, esse entendimento da Suprema Corte afasta o acima referido julgado da 1º Seção do STJ, segundo o qual os juros de mora recebidos por pessoas jurídicas só não necessitarão ser ofertados a tais tributos, se originados de verbas que sejam  isentas ou não sofram a incidência de tais tributos, de forma que sinto-me dispensado da obrigação do inciso III do art. 927 do CPC quanto ao julgado dessa Corte Especial, passando a ser obrigado, pela mesma regra legal, a seguir o referido julgado do STF, cujo entendimento amolda-se àquele que venho adotando há muitos anos.

2.2.1 5- Juros de Mora não decorrentes de índices da tabela SELIC

Os juros  de mora recebidos por Trabalhadores, decorrentes de recebimento de parcelas de salários/vencimentos em atraso, não são apurados pelos índices da tabela SELIC, e, mesmo assim, em face da sua natureza indenizatória, o Plenário do STF firmou o entendimento que sobre tais valores não incide o IRPF(v. subitem 2.2.1-3 supra).

O importante não é o índice pelo qual se apuram os juros de mora, mas sim a natureza jurídica destes, qual seja, natureza jurídica indenizatória, pelo que o respectivo valor não gera acréscimo patrimonial, pelo que não se submete ao fator gerador do IR(art. 43 do Código Tributário Nacional), pelo que nunca poderá sofrer incidência desse imposto e, se for pessoa jurídica, também não poderá sofrer incidência da CSLL, pelas razões já expostas(v. subitem 2.2.1-4 supra).

Logo, os valores relativos a juros de mora que a ora Impetrante recebe de pessoas físicas, pessoas jurídicas privadas ou pessoas jurídicas públicas(decorrenes de repetição de indébito tributário ou de outros créditos não tributários)também não sofrem  incidência desses dois tributos, pela mesma fundamentação supra.

2.2.2 - Tem-se que, em mandado de segurança,  persiste a validade de suas Súmulas  267 e 269, com as quais não se chocam as seguintes Súmulas do STJ: Súmula nº 271 do STJ: "A concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria"; Súmula 213 do STJ "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária."; e Súmula 212 do STJ "A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.". 

Logo, quanto ao pedido de restituição/compensação, será, na sentença, reconhecido esse direito apenas com relação às verbas a partir da data da impetração deste mandamus, sem prejuízo da observância das regras do art. 166 e 170-A do CTN.

Assim, as parcelas anteriores à data da distribuição deste mandado de segurança não podem ser objeto de delibração neste processo de mandado de segurança.

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto

3.1. Diante de todo o exposto, ratifico a decisão sob Id. 4058300.20500029 e concedo a segurança em caráter definitivo, assegurando à Impetrante o direito líquido e certo de não submeter à incidência do Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive, os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário - nos âmbitos federal (juros de mora equivalentes à SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos;

 3.2 - autorizo a ora Impetrante a requerer, na via administrativa própria, observadas as regras da Lei 9.430, de 1996 e as regras dos arts. 166 e 170-A do CTN, a restituição ou compensação das parcelas indevidamente pagas e que incidiram a partir da data da impetração deste mandado de segurança, parcelas essas que serão atualizadas pelos índices da tabela SELIC;

 3.3. Sem honorários, nos termos do art. 25 da Lei n.º 12.016/2009 e Súmula 512 do STF.

 3.4. Custas ex lege.

 3.5. De ofício, submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(§ 1º do art. 14 da Lei nº 12.016, de 2009), sem efeito suspensivo(§ 3º do mesmo artigo). 

 Recife, 22.11.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

(lsc)


___________ 

[1] Nesse sentido, Édison Freitas de Siqueira, in "Taxa SELIC - Origem, Conceito, Bórmula e Legalidade" no site Thomsom Reuters FISCO on Line 

[2]  Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 1216078 RG/ SP, Relator Ministro Dias Tofolli, julgado em 29.08.2019.

Disponível em

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750934994

Acesso em 01.10.2021, às 10h32.

[3]  Brasil Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção REsp 1.138.695 / SC RECURSO ESPECIAL 2009/0086194-3, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgamento em 22.05.2013, in DJe de 31.05.2013 e in RDTAPET vol. 38 p. 223.

Disponível em

https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%271138695%27)+ou+(%27REsp%27+adj+%271138695%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja

Acesso em 06.08.2021[4]  Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário 855.091, Relator Ministro Dias Toffoli, Julgamento em 15.03.2021, Publicação em 08.04.2021.

Disponível em

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=855091%20&sort=_score&sortBy=desc

Acesso em 06.08.2021

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. RE 1.063.187/SC. Julgado em 27/09/2021(repercussão geral)..

  Disponível em

stjus.br

Acesso em 27.09.2021. 

[6] ________________________________Recurso Extraordinário  870.947/Sergipe. Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 20/09/2017(repercussão geral)

Disponível em

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14080728

Acesso em 01.10.2021.

Processo: 0816921-19.2021.4.05.8300
Data e hora da inclusão: 16/11/2021 13:14
Identificador: 4058300.21188275

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O CRIME DE INJÚRIA RACIAL NÃO PRESCREVE. PLENÁRIO DO STF. HABEAS CORPUS Nº 154.248.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Hoje, dia 29.10.2021, colhi no Portal do Supremo Tribunal Federal a boa notícia que segue. 


"O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (28), que o crime de injúria racial configura um dos tipos penais de racismo e é imprescritível. Por maioria de votos, o colegiado npegou o Habeas Corpus (HC) 154248, em que a defesa de uma mulher condenada por ter ofendido uma trabalhadora com termos racistas pedia a declaração da prescrição da condenação, porque tinha mais de 70 anos quando a sentença foi proferida.

Injúria qualificada

L.M.S., atualmente com 80 anos, foi condenada, em 2013, a um ano de reclusão e 10 dias-multa pelo juízo da Primeira Vara Criminal de Brasília (DF) por ter ofendido uma frentista de posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria qualificada pelo preconceito (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Ao analisar recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o crime de injúria racial seria uma categoria do crime de racismo, que é imprescritível.

Equivalência

Em voto apresentado em novembro de 2020, o relator do HC, ministro Edson Fachin, concordou com o entendimento do STJ e negou o habeas corpus. Segundo o ministro, com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de representação da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII).

Prescrição

Único a divergir, o ministro Nunes Marques considerou que os crimes de racismo e injúria racial não se equiparam, o que possibilita a decretação da prescrição.

Crime inafiançável

Em voto-vista apresentado nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes observou que a Constituição é explícita ao declarar que o racismo é crime inafiançável, sem fazer distinção entre os diversos tipos penais que configuram essa prática. O ministro lembrou que, segundo os fatos narrados nos autos, a conduta praticada por L.M.S. foi uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em relação à condição de negra da vítima. “Como dizer que isso não é a prática de racismo?”, indagou.

Inferiorização da vítima

Segundo ele, não é possível reconhecer a prescrição em um caso em que foi demonstrado que a agressora pretendeu, claramente, inferiorizar sua vítima. Ele considera necessário interpretar de forma plena o que é previsto pela Constituição quanto ao crime de racismo, incluindo a imprescritibilidade, para produzir resultados efetivos para extirpar essa prática, “promovendo uma espécie de compensação pelo tratamento aviltante dispensado historicamente à população negra no Brasil e viabilizando um acesso diferenciado à responsabilização penal daqueles que, tradicionalmente, vêm desrespeitando os negros”, afirmou.

Racismo estrutural

No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso observou que, embora com atraso, o país está reconhecendo a existência do racismo estrutural. Ele salientou que não são apenas as ofensas, pois muitas vezes a linguagem naturalizada embute um preconceito. “Não podemos ser condescendentes com essa continuidade de práticas e de linguagem que reproduzem o padrão discriminatório”, disse.

Também para a ministra Rosa Weber, as ofensas decorrentes da raça, da cor, da religião, da etnia ou da procedência nacional se inserem no âmbito conceitual do racismo e, por este motivo, são inafiançáveis e imprescritíveis.

Dignidade

No mesmo sentido, a ministra Cármen Lúcia considera que, nesse caso, o crime não é apenas contra a vítima, pois a ofensa é contra a dignidade do ser humano. Ela ressaltou que, de acordo com o Atlas da Violência, em 2018, os negros foram 75,7% das vítimas de homicídio. “Vivemos numa sociedade na qual o preconceito é enorme, e o preconceito contra pessoas negras é muito maior”, apontou.

Tratados internacionais

O ministro Ricardo Lewandowski salientou que a Constituição, ao estabelecer que a prática de racismo é imprescritível, não estipulou nenhum tipo penal. Segundo ele, isso ocorre porque, ao longo do tempo, essas condutas criminosas se diversificam e é necessário que os delitos específicos sejam definidos pelo Congresso Nacional. Lewandowski também lembrou que o Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais em que se compromete a combater o racismo.

O ministro Dias Toffoli também acompanhou o entendimento pela imprescritibilidade do delito de injúria racial.

Efetividade das normas

Para o ministro Luiz Fux , presidente do STF, a discussão sobre a questão racial veio se desenvolvendo para assegurar proteção às pessoas negras e vem passando por uma série de mutações, alcançando uma dimensão social, e não meramente biológica. “As normas constitucionais dessa sociedade, que já foi escravocrata durante 400 anos e um péssimo exemplo para todo o mundo, só se podem tornar efetivas através não só da previsão em abstrato, mas da punição”, afirmou."[1].

_____________________________________________

[1] Disponível em 

http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=475646&ori=1

 Acesso em 29.10.2021.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL E DOS JUÍZES FEDERAIS FRENTE AO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO, DA PROGRESSIVIDADE E DA ISONOMIA.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

O limite da progressividade, para que o tributo não seja confiscatório.  A progressividade tributária diante do princípio da isonomia. 

Essas questões são debatidas na sentença infra, nesta ação proposta pela Associação dos Juízes Federais da Quinta Região. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0804055-13.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTORA: ASSOCIACAO REGIONAL DOS JUIZES DA 5A REGIAO

ADVOGADO: Bruno Novaes Bezerra Cavalcanti

RÉ: FAZENDA NACIONAL

ADOVOGADO: Procuradoria da Fazenda Nacional. 

2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


Sentença tipo A


EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTAS DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS JUÍZES FEDERAIS.

-Majoração de alíquotas por Emenda Constitucional.

-Alegado ferimento aos princípios da isonomia, progressividade(por ausência de contrapartida) e do não confisco.

-Princípio do Não Confisco: falta de interesse processual de agir, por Ausência de delimitação, em Lei Complementar ou em julgado  com repercussão geral do STF, do que vem a ser tributo confiscatório ou carga tributária confiscatória.

- Princípio da progressividade, quando aplicado, não fere o princípio da isonomia, porque tem por escopo a denominada justiça social, exigindo maior tributação de que tem mais,  buscando exatamente a isonomia tributária pelo campo econômico-fianneiro.

-Extinção, sem resolução do mérito, quanto ao não confisco, e improcedência quanto ao mais.

Vistos etc.

1-Relatório

A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DA 5ª REGIÃO - REJUFE, qualificada na Petição Inicial, ajuizou esta ação em face da UNIÃO (PFN), na qual pretende, a título de tutela provisória de urgência antecipada, seja determinado à Ré que:

"(...) se abstenha (...) de promover qualquer tipo de retenção nos subsídios percebidos pelos associados da parte Autora, a título de contribuição previdenciária, com base nas alíquotas progressivas previstas no art. 11 da Emenda Constitucional nº 103/2019, mantendo-se a retenção sob o patamar de alíquota anteriormente vigente. Requer-se, ainda, para fins de cumprimento da medida liminar, a expedição de ofícios ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e aos Diretores do Foro de cada uma das Seções Judiciárias integrantes da 5ª Região (JFAL, JFCE, JFPB, JFPE, JFRN e JFSE).".

A Entidade autora alegou ainda e q em síntese que: pretende afastar a cobrança das alíquotas progressivas da previdência social que terá início no mês de março de 2020, sobre os ganhos dos Juízes Federais membros da Associação Autora; as alíquotas da contribuição previdenciária dos servidores federais teriam sido majoradas, de forma progressiva, pela Emenda Constitucional nº 103/2019; o art. 11 da EC nº 103/2019 preveria faixas de cobrança de até 22%, o que seria inconstitucional; segundo a nova regra, para os servidores públicos federais ativos, previu-se a alíquota de referência de 14%, que seria reduzida ou aumentada de acordo com a base de cálculo, considerando as diversas faixas de incidência; pretende a suspensão da exigibilidade da majoração de alíquotas, inclusive liminarmente, uma vez que a cobrança será iniciada em março de 2020, ou então, subsidiariamente, a suspensão da exigibilidade até que sejam decididas as Medidas Cautelares das ADIs 6255, 6256 e 6258.

Apontou as seguintes inconstitucionalidades nas quais teria incorrido a EC 103/2019, que agravariam, diretamente, os Associados da Autora: progressividade das alíquotas sem contrapartida adicional, porque não se poderia instituir ou majorar contribuição para custear a seguridade social sem que assistisse àquele que é compelido a contribuir, o direito de acesso a novos benefícios ou a novos serviços; ofensa ao princípio da isonomia decorrente da instituição de alíquotas progressivas, nas faixas de 7,5% até 22%, somente aos servidores públicos federais, enquanto os segurados enquadrados no Regime Geral estariam submetidos a uma alíquota de 7,5% até 14%, sendo que o maior déficit da Previdência Social estaria presente no Regime Geral; caráter confiscatório da majoração das alíquotas ante a carga tributária global excessiva, pois, com a soma da contribuição com o Imposto de Renda, o servidor terá que pagar, aproximadamente, 47% do que recebe; violação da garantia constitucional da irredutibilidade dos subsídios, e ao princípio da isonomia aplicada à classe da magistratura, pois as alíquotas progressivas seriam aplicáveis apenas aos servidores federais, sendo que, para os servidores dos Estados e Municípios ainda permaneceriam vigentes alíquotas menores, o que permitia a esdrúxula situação de dois servidores em igual situação (um federal e outro estadual) submetidos a alíquotas "estrondosamente" diferentes.

Teceu outros comentários. Sustentou estarem presentes os requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência antecipada, e requereu:

"(a) o deferimento do pleito antecipatório de tutela, nos termos em que formulado no item 4; (b) a citação da Ré para que, querendo, oferte resposta no prazo legal; (c) ao final, a confirmação do pedido de tutela antecipada, tornando-a definitiva, julgando-se procedentes os pedidos, para declarar a inexistência de relação jurídica que obrigue os associados da Autora a pagar contribuição previdenciária sob o regime de alíquotas progressivas previsto no art. 11 da Emenda Constitucional nº 103/2019, condenando-se a União a repetir o indébito de valores indevidamente descontados; (d) a intimação do douto representante do Parquet para oferta de parecer, caso se entenda necessário; (e) a condenação da Ré nos ônus sucumbenciais, inclusive em honorários advocatícios, a serem fixados por este douto juízo; (f) que todas as notificações e intimações relativas ao presente feito sejam realizadas em nome do Bel. Bruno Novaes Bezerra Cavalcanti, OAB/PE 19.353, sob pena de nulidade." Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa e juntou instrumento de procuração e documentos."

Decisão na qual o pedido de tutela provisória de urgência, por cautela, ficou para ser apreciado após a Contestação da União - Fazenda Nacional.

Certidão de interposição do recurso de Agravo de Instrumento (tombo nº 0802380-83.2020.4.05.0000) em face da Decisão acima aludida, perante o E. TRF-5ª Região.

Regularmente citada, a UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) ofertou Contestação na qual apresentou Impugnação ao valor da causa, pois, segundo afirmou, o valor estaria equivocado, eis que não corresponderia ao benefício que se pretende alcançar com a procedência do pedido. Requereu a intimação da Associação - Autora para retificar o valor da causa e, se for o caso, complementar as custas iniciais. Requereu, além disso, o reconhecimento expresso por este Juízo de que os efeitos decorrentes das decisões proferidas na presente demanda alcançariam, exclusivamente, os magistrados federais que, ao tempo do ajuizamento da ação, integravam a categoria profissional, apresentaram autorização expressa e possuíam domicílio nos limites territoriais da jurisdição do órgão prolator. No mérito, abordou a contextualização das modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019 e acrescentou que, com a reforma impugnada teria se procurado restabelecer o equilíbrio das contas públicas; sustentou a constitucionalidade das alíquotas progressivas, como critérios de isonomia e capacidade contributiva e que não teria havido violação ao princípio da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco; as alterações questionadas não causariam violação à cláusula pétrea; estaria em harmonia com a forma federativa do Estado, e com os princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, que orientam os regimes públicos de previdência; no que diz respeito à irredutibilidade de vencimentos, prevista no inciso XV do art. 37 da Constituição, a jurisprudência pacífica firmada pela Suprema Corte seria no sentido de vedar apenas a redução nominal da remuneração paga ao servidor público; nos estados do Mato Grosso do Sul, do Pará, do Piauí, Santa Catarina, Sergipe, Amapá, Espírito Santo, Paraná, Paraíba, Ceará, Bahia, Amazonas, Goiás, entre outros, existiria fórmulas de progressividade; não haveria risco de dano ou risco de dano ao resultado útil do processo a justificar o deferimento da tutela de urgência, e requereu, ao final: "a) seja a associação autora intimada para, no prazo de 15 (quinze) dias, corrigir o valor da causa e para, se for o caso, complementar as custas, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito ou de cancelamento da distribuição; b) o indeferimento do pedido de tutela de urgência; c) o julgamento pela total improcedência dos pedidos formulados pela demandante, nos termos do inciso I do artigo 487 do CPC, com sua consequente condenação nos ônus de sucumbência, conforme o art. 85, §§ 3º e seguintes, do referido diploma processual civil; d) caso julgado procedente o pedido, o reconhecimento de que os efeitos decorrentes das decisões proferidas na presente demanda alcançam exclusivamente aqueles que, ao tempo do ajuizamento da ação, integravam a categoria profissional, apresentaram autorização expressa e possuíam domicílio nos limites territoriais desta Seção Judiciária. Finalmente, protesta pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, e pugna pela juntada das informações prestadas pela Advocacia-Geral da União e pelo Congresso Nacional nos autos da ADIn nº 6.255, da relatoria do eminente Ministro Roberto Barroso, requerendo que os argumentos nelas apresentados sejam igualmente considerados para fins de solução da presente controvérsia." Juntou documentos.

A Parte Autora apresentou Réplica na qual rebateu a impugnação ao valor da causa arguida pela União, e aduziu que a eficácia do título coletivo a ser configurado nestes autos deveria se estender a todo o território do Estado de Pernambuco. Rebateu as teses de defesa levantadas pela Fazenda Nacional e pugnou pela procedência dos pedidos formulados na Petição Inicial.

Decisão na qual restou indeferida a impugnação ao valor da causa levantada pela União; indeferiu a tutela de urgência antecipada; e que fosse aberta vista dos autos ao MPF, por se tratar de ação coletiva.

A UNIÃO reiterou os termos da Contestação.

O Ministério Público Federal ofertou r. Parecer no qual deixou de se manifestar sobre o mérito da lide e manifestou-se pelo prosseguimento do feito.

Juntados "Anexos da Comunicação" (id. 4050000.25100733) e  "Comunicações" (id. 4050000.25100731) com o inteiro teor do v. Acórdão e da certidão de trânsito em julgado do Agravo de Instrumento interposto pela Parte Autora em face da Decisão acima aludida, que indeferiu a tutela de urgência antecipada. O E. TRF-5ª Região negou provimento ao recurso.

É o relatório, no essencial.

Fundamento e decido.

2- Fundamentação

2.1 - Eis o que decidiu o Ministro Roberto Barroso em Reclamação no Supremo Tribunal Federal:

"Rcl 39080 / MA - MARANHÃO

RECLAMAÇÃO

Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO

Julgamento: 16/03/2020

Publicação: 19/03/2020

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 18/03/2020 PUBLIC 19/03/2020

Partes

RECLTE.(S) : ESTADO DO MARANHAO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO RECLDO.(A/S) : RELATOR DA ADI Nº 0811902-97.2019.8.10.0000 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS BENEF.(A/S) : ASSOCIACAO DOS MAGISTRADOS DO MARANHAO ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS BENEF.(A/S) : ASSOCIACAO DO MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

Decisão

Despacho:

Petição 10.504/2020: O Estado do Maranhão, informando o ajuizamento pela Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Maranhão - ADEPOL da ADI nº 0801188-44.2020.8.10.0000, com a mesma causa de pedir e pedido que a ADI nº 0811902-97.2019.8.10.0000, objeto da presente reclamação, pleiteia seja suspensa também a tramitação daquela ação. Requer, ainda, a suspensão de processos judiciais, individuais ou coletivos, em curso no primeiro ou segundo grau da Justiça Estadual do Maranhão, cujo pedido ou causa de pedir envolva a inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia do art. 4º da Lei Complementar Estadual nº 219/2019 e da Emenda Constitucional nº 103/2019, como medida de economia processual.

Decido.

Quanto ao pedido de suspensão da ADI nº 0801188-44.2020.8.10.0000, verifico, em consulta ao andamento processual disponibilizado no sítio eletrônico do TJ/MA, que a conexão do feito em relação à ADI nº 0811902-97.2019.8.10.0000 já foi reconhecida, tendo sido determinada a reunião dos processos, sob a relatoria do Des. Antonio Fernando Bayma Araújo. Assim, os efeitos da medida cautelar deferida nesta reclamação passam a se aplicar também à ADI nº 0811902-97.2019.8.10.0000, a qual passa, igualmente, a ter a tramitação suspensa. Desnecessária, portanto, a apreciação do pedido do reclamante neste ponto.

Quanto ao pedido de suspensão de processos judiciais, individuais ou coletivos, em curso no primeiro ou segundo grau da Justiça Estadual do Maranhão com objeto semelhante ao das ADIs objeto da presente reclamação, indefiro-o. A tramitação de demandas em que se discuta incidentalmente a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 219/2019 e da Emenda Constitucional nº 103/2019 não caracteriza usurpação de competência do STF, sobretudo porque não há, nas ADIs nºs 6254, 6255, 6258 e 6271, determinação de suspensão processos judiciais em curso no território nacional, em todas as instâncias, que envolvam a aplicação da Emenda Constitucional nº 103/2019. Ademais, cuida-se pedido genérico, que sequer especifica o ato ou decisão reclamada, sendo inviável seu acolhimento.

Ante o exposto, nada há a acolher em relação à petição 10.504/2020.

Publique-se.

Brasília, 16 de março de 2020.

Ministro Luís Roberto Barroso

Relator"[1].

2.2 - Examinemos, então, as questões postas na petição inicial.

2.2.1 - O pedido de antecipação de tutela já foi apreciado e rejeitado na Decisão inicial, que foi mantida pelo  TRF5R, nos autos de agravo de instrumento, conforme noticiado no Relatório supra.

2.2.2 - As alegações obre o ferimento do princípio do não confisco não podem ser examinadas, porque, embora previsto na Constituição(art. 150-IV), ainda não veio à luz Lei Complementar traçando os limites quanto a esse assunto, ou seja, dizendo quando um tributo ou a carga tributária de um Ente Tributante passa a ser considerada confiscatória, conforme exige o art. 146-II da mencionada Carta.

Nessa situação, a esperança é que a Suprema Corte trace tais limites, até que o Congresso Nacional exerça o seu poder-dever, editando a esperada e mencionada Lei Complementar.

Por enquanto, os Administrados e Contribuintes não têm interesse processual de agir, por impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que a referida regra constitucional tem finalidade meramente programática, não gerando direito subjetivo.

2.2.2 - As alegações da petição inicial, no sentido de que restaria ferido o princípio da isonomia, na aplicação do princípio da progressividade apenas para os Juízes Federais e Servidores Federais, data venia, não merece acolhida, porque o Legislador Constituinte Derivado autorizou a aplicação da progressividade em todos os níveis, verbis:

"Art. 149 - ...

§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.  "(

Por outro lado, data venia, não há que se falar em ferimento ao princípio da isonomia, na aplicação da progressividade tributária, tampouco na fixação de contrapartida(tais como: proventos progressivos, ou benefícios progressivos etc),  porque esse princípio, o da progressividade, com origem no velho Manifesto Comunista[2], tem por finalidade exatamente exigir tributo maior de quem tem rendimento maior, praticando assim a denominada justiça social , ou seja, buscando a isonomia na progressividade conômico-financeira da tributação.

Note-se que, se a progressividade tributária for bem aplicada, terá o condão de fazer observar a isonomia tributária, exatamente o contrário do que se sustenta na petição inicial. E nesse sentido, já há precedente do STF, verbis:

".... Não se vislumbra a presença de incompatibilidade entre a técnica da progressividade e o caráter real do IPTU, uma vez que a progressividade constitui forma de consagração dos princípios da justiça fiscal e da isonomia tributária.".[3].

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - mantenho, na íntegra, a Decisão inicial, na qual se negou a tutela provisória de urgência;

3.2 - quanto aos pedidos relativos ao não confisco, indefiro a petição inicial(art. 330-III), por considerar os Substituídos Processuais carentes desse pleito, por falta de interesse processual de agir e, com relação a tal pleito, extingo o processo, sem resolução do mérito(art. 485,  VI, CPC);

3.2 - quanto ao mais, julgo improcedentes os pedidos;

3.3 - condeno a Parte Autora nas custas processuais e, em face da simplicidade do caso, em honorários advocatícios no percentual mínimo legal(§ 2º do art. 82 do CPC), qual seja, em 10%(dez) por cento do valor atualizado da causa, atualização a ser feita na forma e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal.

Registrada, intimem-se.

Recife, 01.09.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE.




[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Pleno.

Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1075220/false

Acesso em: 20.08.2021

[2] Nesse sentido, v. SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Princípio da Progressividade Tributária na Diminuição das Diferenças , na Terceira Via e no Consenso de Wahsington. Revista a ESMAPE, Recife, Escola Superior da Magistratura de Pernambuco, v. 6, n.13, p. 160, janeiro/junho de 2001.

[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ADI 2732. Relator Ministro Dias Toffoli. Julgamento em 07.10.2015, publicação em 11.12.2015.

Disponível em

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=progressividade%20tribut%C3%A1ria&sort=_score&sortBy=desc

Acesso em 01.09.2021.


terça-feira, 31 de agosto de 2021

LICENÇA REMUNERADA PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE, EMPREGADO DA PETROBRÁS, E EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EM UNIVERSIDADE PÚBLICA DA LOCALIDADE DO DESTINO.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Os Tribunais firmaram o entendimento de que Servidor(a) público(a) estatal tem o direito constitucional e legal de obter licença remunerada para acompanhar Cônjuge que trabalha em Empresa Pública Federal, quando por esta removido para cidade diversa daquele(a), especialmente quando vai continuar exercendo a sua atividade em Autarquia Federal no destino. 

Esse assunto é tratado detalhadamente na sentença que segue.

Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0811851-55.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTORA: ROGERIA PATRICIA REINAUX DE VASCONCELOS
ADVOGADO: Rafael Jose Pinto Tizei e outros
RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

Sentença tipo A


EMENTA:- REMOÇÃO A PEDIDO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE. EMPREGADO DA PETROBRÁS.  PROCEDÊNCIA.

- A alínea "a" do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais, mas que seja servidor da Administração Pública, tanto Direta quanto Indireta.

- A Carta Magna estabelece, entre os deveres do Estado, especial proteção à família (art. 226) e nesta está incluída a que garanta à Autora o direito de acompanhar seu cônjuge, mantendo a integridade dos laços familiares que os prendem.

-Procedência.

 

Vistos, etc.

1. Relatório

 ROGÉRIA PATRÍCIA REINAUX DE VASCONCELOS, qualificada na inicial, ajuizou a presente AÇÃO pelo Procedimento Comum, c/c PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Aduziu, em síntese que: a) teria ingressado nos quadros da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE por meio de concurso público, para o cargo de "Engenheiro Civil", com a consequente nomeação e posse nas datas de 25/11/2008 e 26/12/2008; b) teria casado em junho de 2010 e seu esposo ocupava, desde outubro de 2008,  o cargo de engenheiro civil na Petrobrás e estaria lotado na cidade de Ipojuca/PE e desse relacionamento adveio uma  filha,  nascida em 18.06.2014, ; c) a Petrobrás teria transferido seu esposo para a cidade de Itaboraí/RJ e lá ele estaria lotado desde 01.02.2020; d) teria apresentado Requerimento Administrativo perante a UFPE, pleiteando licença remunerada para acompanhamento do conjugue e em 25.06.2020 teria sido proferido despacho pela Procuradoria Federal da Universidade, determinando a averiguação da existência de processo judicial com decisão liminar ou definitiva para o caso, com o posterior prosseguimento do feito pela Diretoria de Gestão de Pessoas; e) a DGP teria dado encaminhamento ao processo e no dia 30.06.2020, com o despacho derradeiro, prolatado pela Seção de Movimentação de Pessoal da Universidade, indeferindo o pedido, sob o fundamento de que seu cônjuge é empregado público e não se enquadra no conceito de servidor público, disposto no art. 84, §2º da Lei nº 8.112/1990;  f) não restando outra alternativa, viu-se obrigada a propor a presente ação, no intuito de anular o ato administrativo que negou o requerimento formulado perante à UFPE. Fundamentou seu pedido citando textos de lei e da jurisprudência pátria, anexou documentos e ao final requereu o deferimento do pedido de Tutela Provisória de Urgência, no sentido de que a UFPE proceda à imediata concessão da licença para acompanhamento de cônjuge prevista no art. 84 da Lei nº. 8.112/90, com exercício provisório (com remuneração) na Universidade Federal Fluminense - UFF, município de Niterói/RJ.

Decisão, acostada sob Id. 4058300.15287760, na qual foi concedida a pleiteada tutela provisória de urgência e foi determinado que a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE providenciasse a licença remunerada à Autora para o exercício provisório de suas atividades na Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói/RJ. Determinou-se ainda a citação da Parte Ré.

A UFPE apresenta contestação, acostada sob Id. 4058300.15712606. Não indicou preliminares. Alegou em síntese, que a licença de servidor público federal se encontra disciplinada no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90, e o que se está buscando com essa demanda é, via judiciário, modificar o sistema de licença para acompanhar cônjuge previsto na lei. Aduziu que somente há de se falar em direito à licença para acompanhamento do cônjuge se ambos estiverem vinculados à pessoa jurídica de direito público, e não é esta a situação observada nos presentes autos, pois o marido da autora não é servidor público e sim empregado público da PETROBRAS, empresa pública federal com personalidade jurídica de Direito Privado, constituída que é sob a forma de Sociedade Anônima e capital particular.

A Parte Autora apresentou réplica à Contestação, acostada sob Id. 4058300.16015899.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do mérito.

A pretensão da Autora, servidora da Universidade Federal de Pernambuco, onde ocupa o cargo de Engenheira Civil, é de obter, definitivamente,  a licença para acompanhamento de conjugue, com o exercício provisório e por prazo indeterminado na Universidade Federal Fluminense - UFF, na cidade de Niterói no Rio de Janeiro. Fundamenta seu pedido no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90 c/c art. 226 da Constituição Federal, sem prejuízo da sua remuneração.

Pelo que se extrai da contestação apresentada pela UFPE, a única razão que apresenta para pedir pela improcedência do pedido é considerar que o cônjuge da Autora não seria servidor público e não preencheria, assim, o requisito legal para a concessão da licença pleiteada.

A DD Aiutoridade apontada como coatora utilizou-se do mesmo argumento  empregado para indeferir o pleito da Autora na via administrativa e essa questão já foi enfrentada de modo detalhado na Decisão inicial desta ação, na qual este Magistrado concedeu a pleiteada tutela provisória de urgência, da qual transcrevo a respectiva fundamentação:

"(...)

A pretensão da Autora, servidora da Universidade Federal de Pernambuco, onde ocupa o cargo de Engenheira Civil, é de obter, liminarmente, a licença para acompanhamento de conjugue, com o exercício provisório e por prazo indeterminado na Universidade Federal Fluminense - UFF, na cidade de Niterói no Rio de Janeiro. Fundamenta seu pedido no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90 c/c art. 226 da Constituição Federal.

Quanto a probabilidade do direito da Autora é possível extrair dos autos:

a)   A Autora é servidora pública federal da UFPE, lotada em Recife/PE;

b)  O conjugue (Nierton de Macedo Barroso), é Engenheiro Civil da Petrobrás, transferido para a cidade de Itaboraí/RJ, desde 01.02.2020, conforme documento anexado aos autos (Id. 4058300.15275541);

b-1 - o casal tem uma filha,  nascida em 18.06.2014;

c)   A Universidade Federal Fluminense - UFF, em ofício ao Reitor da UFPE, informa ter interesse em receber a Autora, na condição de Exercício Provisório, com base no art. 84 da Lei 8.112/90, ocupante do cargo de Engenheiro-Área, para exercício na Superintendência de Arquitetura, Engenharia e Patrimônio - SAEP (Id. 4058300.15275542);

d)  O fundamento legal que embasaria a pretensão da Autora, nos termos expressos no processo administrativo anexado aos autos, seria o artigo 84, § 2º da Lei nº 8.112/90.

O referido § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90, estabelece que:

"Da Licença por Motivo de Afastamento do Cônjuge 

Art. 84.  Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo. 

§ 1o  A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração.

§ 2o  No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo."(negritei)

Na manifestação da UFPE ficou bem claro que o pleito administrativo da Autora teria sido indeferido, exclusivamente porque o seu conjugue não seria servidor público, conforme se extrai do documento anexado sob Id. 4058300.15275616:

"(...).

"Isto posto e considerando o despacho nº 20046/2020, informamos que o pedido da servidora para concessão da licença para acompanhamento de cônjuge, com exercício provisório na Universidade Federal Fluminense - UFF, conforme requerimento (Anexo nº 1467/2020), foi indeferido fundamentado no fato de seu cônjuge ser empregado público e não se enquadrar no conceito de "servidor público" disposto no art. 84, §2º, da Lei nº8.112/1990."

A questão a ser enfrentada se resume: na possibilidade de equiparação do empregado de Sociedade de Economia Mista ou de Empresa Pública, a servidor público federal,  para preenchimento dos requisitos do art. 84, § 2º, da Lei 8.112/90, como ocorre no caso em comento, em que o conjugue da Autora é empregado público de Sociedade de Economia Mista (Petrobrás S/A), além do importante problema da garantia  da proteção da unidade familiar e da convivência em família da criança do casal, responsabilidade do Estado, bem  como da obrigatoriedade dos Pais de darem assistência aos filhos e criá-los, segundo veremos abaixo.

Ora, a jurisprudência das Cortes Superiores, entendem que preenchidos os requisitos legais, o exercício provisório constitui verdadeiro direito subjetivo dos servidores públicos, estejam eles no exercício de suas atividades na Administração Direta ou Indireta.

Neste sentido:

"MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS. ART. 36 DA LEI 8.112/90. DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI 8112/90. ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

1. Em mandado de segurança, a União, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda, recorrer (parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/97). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo.

2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF.

3. A alínea "a" do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal "servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta.

4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante "especial proteção do Estado". Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem.

5. Segurança concedida.

(STF, Tribunal Pleno, MS 23058/DF, Min. Rel. Carlos Britto, DJU 14/11/2008)". (negritei)

Mutatis mutandis, embora nesse julgado o cônjuge do servidor da administração direta fosse empregado público da Caixa Econômica Fedeal, empresa pública federal, cuja totalidade das ações pertencem à UNIÃO FEDERAL, tenho que se aplica ao caso presente, no qual o cônjuge da servidora da Administração Direta(UFPE) é empregado público da PETROBRÁS S/A, sociedade de economia  mista,  porque ambos submetem-se ao sistema trabalhista celetista e essas duas Entidades Sociedades Anônimas são consideradas Estatais da Administração Indireta Federal. 

E são, nesse aspecto, tão semelhantes que se submetem às mesmas proibições de acúmulo de cargos, conforme regra do inciso do art. 37 da Constituição da República, verbis:

"XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)".

Por outro lado, o grande público não sofrerá nenhum prejuízo,  porque a Autora, prestará, na Universidade Federal Fluminense, os mesmos serviços que presta hoje na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, como demonstrado acima, no ofício encaminhado pela Universidade Fluminense. E são duas Universidades Federais. 

A mesma Carta Magna estabelece, entre os deveres do Estado, especial proteção à família (art. 226) e que garanta à criança, ao adolescente e ao jovem a convivência familiar, para que cresçam e formem-se num ambiente social saudável e equilibrado (art. 227).

E se a vida a dois do casal não for facilitada, os Pais ficarão impedidos de cumprir a regra do art.229 da Constituição da República, segundo a qual " Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.".

Então, por todos os ângulos se examine a questão, chega-se facilmente  à conclusão que a probabilidade do direito da Autora se faz presente e, se o pleito não for atendido liminarmente, a demora na tramitação  deste processo poderá  torná-lo inútil, em face da rapidez da dinâmica da vida a dois. "

Registre-se que mencionada Decisão inicial transitou em julgado, pois não houve contra ela a interposição de nenhum recurso.

Diante de tais considerações e em face de todo corpo probatório anexado aos autos, a pretensão de remoção da Autora merece ser acolhida.

3. Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos formulados na petição inicial, torno definitiva a tutela provisória de urgência deferida, assegurando à Autora a licença remunerada para o exercício provisório de suas atividades na Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói/RJ, sob pena de pagamento de multa mensal, a favor da Autora, em caso de não cumprimento, correspondente a 10%(dez por cento) do seu vencimento líquido, sem prejuízo da responsabilização funcional, administrativa e criminal do Servidor e/ou Respectiva Chefia que venha a dar azo ao pagamento dessa multa.

Outrossim, condeno a UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE a ressarcir as custas judiciais despendidas pela Autora, com atualização pelos índices da tabela SELIC, a partir do mês seguinte ao do desembolso, bem como a pagar ao seu Patrono verba honorária, a qual, tendo em vista o baixo valor da causa e a regra do § 8º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, e ainda considerando o esforço médio do seu I. Patrono(§ 2º do art. 85 do referido diploma processual), arbitro em R$ 3.000,00(três mil reais), que serão atualizados(correção monetária e juros de mora), a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença até a data da expedição do respectivo requisitório[STF, Plenário, RE 579-431/RS] E [STJ, Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS, Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291], pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, no qual já se encontra consignado o entendimento do julgado do Plenário do STF no RE 870.947/SE, a ser efetuada pelo setor próprio do TRF5R,  conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04/10/2017.

Finalmente, dou este processo por extinto, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC

Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, porque presente a situação do inciso I do § 3º do art. 496 do vigente Código de Processo Civil.

Registrada, intimem-se.

Recife, 31.08.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara da JFPE