terça-feira, 31 de agosto de 2021

LICENÇA REMUNERADA PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE, EMPREGADO DA PETROBRÁS, E EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EM UNIVERSIDADE PÚBLICA DA LOCALIDADE DO DESTINO.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Os Tribunais firmaram o entendimento de que Servidor(a) público(a) estatal tem o direito constitucional e legal de obter licença remunerada para acompanhar Cônjuge que trabalha em Empresa Pública Federal, quando por esta removido para cidade diversa daquele(a), especialmente quando vai continuar exercendo a sua atividade em Autarquia Federal no destino. 

Esse assunto é tratado detalhadamente na sentença que segue.

Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0811851-55.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTORA: ROGERIA PATRICIA REINAUX DE VASCONCELOS
ADVOGADO: Rafael Jose Pinto Tizei e outros
RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

Sentença tipo A


EMENTA:- REMOÇÃO A PEDIDO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE. EMPREGADO DA PETROBRÁS.  PROCEDÊNCIA.

- A alínea "a" do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais, mas que seja servidor da Administração Pública, tanto Direta quanto Indireta.

- A Carta Magna estabelece, entre os deveres do Estado, especial proteção à família (art. 226) e nesta está incluída a que garanta à Autora o direito de acompanhar seu cônjuge, mantendo a integridade dos laços familiares que os prendem.

-Procedência.

 

Vistos, etc.

1. Relatório

 ROGÉRIA PATRÍCIA REINAUX DE VASCONCELOS, qualificada na inicial, ajuizou a presente AÇÃO pelo Procedimento Comum, c/c PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Aduziu, em síntese que: a) teria ingressado nos quadros da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE por meio de concurso público, para o cargo de "Engenheiro Civil", com a consequente nomeação e posse nas datas de 25/11/2008 e 26/12/2008; b) teria casado em junho de 2010 e seu esposo ocupava, desde outubro de 2008,  o cargo de engenheiro civil na Petrobrás e estaria lotado na cidade de Ipojuca/PE e desse relacionamento adveio uma  filha,  nascida em 18.06.2014, ; c) a Petrobrás teria transferido seu esposo para a cidade de Itaboraí/RJ e lá ele estaria lotado desde 01.02.2020; d) teria apresentado Requerimento Administrativo perante a UFPE, pleiteando licença remunerada para acompanhamento do conjugue e em 25.06.2020 teria sido proferido despacho pela Procuradoria Federal da Universidade, determinando a averiguação da existência de processo judicial com decisão liminar ou definitiva para o caso, com o posterior prosseguimento do feito pela Diretoria de Gestão de Pessoas; e) a DGP teria dado encaminhamento ao processo e no dia 30.06.2020, com o despacho derradeiro, prolatado pela Seção de Movimentação de Pessoal da Universidade, indeferindo o pedido, sob o fundamento de que seu cônjuge é empregado público e não se enquadra no conceito de servidor público, disposto no art. 84, §2º da Lei nº 8.112/1990;  f) não restando outra alternativa, viu-se obrigada a propor a presente ação, no intuito de anular o ato administrativo que negou o requerimento formulado perante à UFPE. Fundamentou seu pedido citando textos de lei e da jurisprudência pátria, anexou documentos e ao final requereu o deferimento do pedido de Tutela Provisória de Urgência, no sentido de que a UFPE proceda à imediata concessão da licença para acompanhamento de cônjuge prevista no art. 84 da Lei nº. 8.112/90, com exercício provisório (com remuneração) na Universidade Federal Fluminense - UFF, município de Niterói/RJ.

Decisão, acostada sob Id. 4058300.15287760, na qual foi concedida a pleiteada tutela provisória de urgência e foi determinado que a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE providenciasse a licença remunerada à Autora para o exercício provisório de suas atividades na Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói/RJ. Determinou-se ainda a citação da Parte Ré.

A UFPE apresenta contestação, acostada sob Id. 4058300.15712606. Não indicou preliminares. Alegou em síntese, que a licença de servidor público federal se encontra disciplinada no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90, e o que se está buscando com essa demanda é, via judiciário, modificar o sistema de licença para acompanhar cônjuge previsto na lei. Aduziu que somente há de se falar em direito à licença para acompanhamento do cônjuge se ambos estiverem vinculados à pessoa jurídica de direito público, e não é esta a situação observada nos presentes autos, pois o marido da autora não é servidor público e sim empregado público da PETROBRAS, empresa pública federal com personalidade jurídica de Direito Privado, constituída que é sob a forma de Sociedade Anônima e capital particular.

A Parte Autora apresentou réplica à Contestação, acostada sob Id. 4058300.16015899.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do mérito.

A pretensão da Autora, servidora da Universidade Federal de Pernambuco, onde ocupa o cargo de Engenheira Civil, é de obter, definitivamente,  a licença para acompanhamento de conjugue, com o exercício provisório e por prazo indeterminado na Universidade Federal Fluminense - UFF, na cidade de Niterói no Rio de Janeiro. Fundamenta seu pedido no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90 c/c art. 226 da Constituição Federal, sem prejuízo da sua remuneração.

Pelo que se extrai da contestação apresentada pela UFPE, a única razão que apresenta para pedir pela improcedência do pedido é considerar que o cônjuge da Autora não seria servidor público e não preencheria, assim, o requisito legal para a concessão da licença pleiteada.

A DD Aiutoridade apontada como coatora utilizou-se do mesmo argumento  empregado para indeferir o pleito da Autora na via administrativa e essa questão já foi enfrentada de modo detalhado na Decisão inicial desta ação, na qual este Magistrado concedeu a pleiteada tutela provisória de urgência, da qual transcrevo a respectiva fundamentação:

"(...)

A pretensão da Autora, servidora da Universidade Federal de Pernambuco, onde ocupa o cargo de Engenheira Civil, é de obter, liminarmente, a licença para acompanhamento de conjugue, com o exercício provisório e por prazo indeterminado na Universidade Federal Fluminense - UFF, na cidade de Niterói no Rio de Janeiro. Fundamenta seu pedido no artigo 84, § 2º, da Lei nº 8.112/90 c/c art. 226 da Constituição Federal.

Quanto a probabilidade do direito da Autora é possível extrair dos autos:

a)   A Autora é servidora pública federal da UFPE, lotada em Recife/PE;

b)  O conjugue (Nierton de Macedo Barroso), é Engenheiro Civil da Petrobrás, transferido para a cidade de Itaboraí/RJ, desde 01.02.2020, conforme documento anexado aos autos (Id. 4058300.15275541);

b-1 - o casal tem uma filha,  nascida em 18.06.2014;

c)   A Universidade Federal Fluminense - UFF, em ofício ao Reitor da UFPE, informa ter interesse em receber a Autora, na condição de Exercício Provisório, com base no art. 84 da Lei 8.112/90, ocupante do cargo de Engenheiro-Área, para exercício na Superintendência de Arquitetura, Engenharia e Patrimônio - SAEP (Id. 4058300.15275542);

d)  O fundamento legal que embasaria a pretensão da Autora, nos termos expressos no processo administrativo anexado aos autos, seria o artigo 84, § 2º da Lei nº 8.112/90.

O referido § 2º do art. 84 da Lei 8.112/90, estabelece que:

"Da Licença por Motivo de Afastamento do Cônjuge 

Art. 84.  Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo. 

§ 1o  A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração.

§ 2o  No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo."(negritei)

Na manifestação da UFPE ficou bem claro que o pleito administrativo da Autora teria sido indeferido, exclusivamente porque o seu conjugue não seria servidor público, conforme se extrai do documento anexado sob Id. 4058300.15275616:

"(...).

"Isto posto e considerando o despacho nº 20046/2020, informamos que o pedido da servidora para concessão da licença para acompanhamento de cônjuge, com exercício provisório na Universidade Federal Fluminense - UFF, conforme requerimento (Anexo nº 1467/2020), foi indeferido fundamentado no fato de seu cônjuge ser empregado público e não se enquadrar no conceito de "servidor público" disposto no art. 84, §2º, da Lei nº8.112/1990."

A questão a ser enfrentada se resume: na possibilidade de equiparação do empregado de Sociedade de Economia Mista ou de Empresa Pública, a servidor público federal,  para preenchimento dos requisitos do art. 84, § 2º, da Lei 8.112/90, como ocorre no caso em comento, em que o conjugue da Autora é empregado público de Sociedade de Economia Mista (Petrobrás S/A), além do importante problema da garantia  da proteção da unidade familiar e da convivência em família da criança do casal, responsabilidade do Estado, bem  como da obrigatoriedade dos Pais de darem assistência aos filhos e criá-los, segundo veremos abaixo.

Ora, a jurisprudência das Cortes Superiores, entendem que preenchidos os requisitos legais, o exercício provisório constitui verdadeiro direito subjetivo dos servidores públicos, estejam eles no exercício de suas atividades na Administração Direta ou Indireta.

Neste sentido:

"MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS. ART. 36 DA LEI 8.112/90. DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI 8112/90. ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

1. Em mandado de segurança, a União, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda, recorrer (parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/97). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo.

2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF.

3. A alínea "a" do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal "servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta.

4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante "especial proteção do Estado". Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem.

5. Segurança concedida.

(STF, Tribunal Pleno, MS 23058/DF, Min. Rel. Carlos Britto, DJU 14/11/2008)". (negritei)

Mutatis mutandis, embora nesse julgado o cônjuge do servidor da administração direta fosse empregado público da Caixa Econômica Fedeal, empresa pública federal, cuja totalidade das ações pertencem à UNIÃO FEDERAL, tenho que se aplica ao caso presente, no qual o cônjuge da servidora da Administração Direta(UFPE) é empregado público da PETROBRÁS S/A, sociedade de economia  mista,  porque ambos submetem-se ao sistema trabalhista celetista e essas duas Entidades Sociedades Anônimas são consideradas Estatais da Administração Indireta Federal. 

E são, nesse aspecto, tão semelhantes que se submetem às mesmas proibições de acúmulo de cargos, conforme regra do inciso do art. 37 da Constituição da República, verbis:

"XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)".

Por outro lado, o grande público não sofrerá nenhum prejuízo,  porque a Autora, prestará, na Universidade Federal Fluminense, os mesmos serviços que presta hoje na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, como demonstrado acima, no ofício encaminhado pela Universidade Fluminense. E são duas Universidades Federais. 

A mesma Carta Magna estabelece, entre os deveres do Estado, especial proteção à família (art. 226) e que garanta à criança, ao adolescente e ao jovem a convivência familiar, para que cresçam e formem-se num ambiente social saudável e equilibrado (art. 227).

E se a vida a dois do casal não for facilitada, os Pais ficarão impedidos de cumprir a regra do art.229 da Constituição da República, segundo a qual " Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.".

Então, por todos os ângulos se examine a questão, chega-se facilmente  à conclusão que a probabilidade do direito da Autora se faz presente e, se o pleito não for atendido liminarmente, a demora na tramitação  deste processo poderá  torná-lo inútil, em face da rapidez da dinâmica da vida a dois. "

Registre-se que mencionada Decisão inicial transitou em julgado, pois não houve contra ela a interposição de nenhum recurso.

Diante de tais considerações e em face de todo corpo probatório anexado aos autos, a pretensão de remoção da Autora merece ser acolhida.

3. Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos formulados na petição inicial, torno definitiva a tutela provisória de urgência deferida, assegurando à Autora a licença remunerada para o exercício provisório de suas atividades na Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói/RJ, sob pena de pagamento de multa mensal, a favor da Autora, em caso de não cumprimento, correspondente a 10%(dez por cento) do seu vencimento líquido, sem prejuízo da responsabilização funcional, administrativa e criminal do Servidor e/ou Respectiva Chefia que venha a dar azo ao pagamento dessa multa.

Outrossim, condeno a UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE a ressarcir as custas judiciais despendidas pela Autora, com atualização pelos índices da tabela SELIC, a partir do mês seguinte ao do desembolso, bem como a pagar ao seu Patrono verba honorária, a qual, tendo em vista o baixo valor da causa e a regra do § 8º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, e ainda considerando o esforço médio do seu I. Patrono(§ 2º do art. 85 do referido diploma processual), arbitro em R$ 3.000,00(três mil reais), que serão atualizados(correção monetária e juros de mora), a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença até a data da expedição do respectivo requisitório[STF, Plenário, RE 579-431/RS] E [STJ, Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS, Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291], pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, no qual já se encontra consignado o entendimento do julgado do Plenário do STF no RE 870.947/SE, a ser efetuada pelo setor próprio do TRF5R,  conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04/10/2017.

Finalmente, dou este processo por extinto, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC

Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, porque presente a situação do inciso I do § 3º do art. 496 do vigente Código de Processo Civil.

Registrada, intimem-se.

Recife, 31.08.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara da JFPE

Nenhum comentário:

Postar um comentário