Por Francisco Alves dos Santos Júnior
O prazo de prescrição, na área tributária, para o caso de repetição de indébito, só se inicia depois da decisão administrativa ou judicial revisora(art. 168, II, CTN).
No caso que segue, essa matéria e detalhadamente debatida.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0825789-54.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: T P LTDA
ADVOGADO: M F R C
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo A
Ementa:- DIREITO TRIBUTÁRIO . REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO.
Afastada exceção de prescrição.
Parcela de restituição induvidosamente devida.
Procedência.
Vistos, etc.
1. Breve Relatório
T PLTDA, qualificada
na Inicial, ajuizou esta AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER em face de SECRETARIA
DA RECEITA FEDERAL/Fazenda Nacional. Aduziu a parte autora, em síntese,
que: teria manejado um processo administrativo, de nº
10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011, para parcelar dívidas de
IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que fora feito em 6 0 parcelas, a iniciar em
13/05/2011; em 28 de janeiro de 2014, teria ingressado junto à Ré
com um pedido de revisão de débitos, (processo nº 10480.721487/2014-70)
uma vez que, conforme consta naquela petição, teria havido uma apuração
equivocada dos impostos mencionados acima, o que teria ocasionado um
recolhimento em excesso de impostos, tendo em vista as alíquotas
utilizadas teriam sido majoradas; em 03 de agosto de 2018, cerca de
quatro anos depois do pedido de revisão, teria sido apresentado
parecer do processo nº 10480-721487/2014-70, (justamente o processo de
pedido de revisão dos cálculos do imposto) onde constaria procedência
do pedido, isso em 03 de agosto de 2018, determinando o registro
das modificações de parcelamento, com o abatimento dos valores
parcelados, conforme parecer em anexo; a revisão deveria ser realizada
sem qualquer intervenção da parte Autora, uma vez que o erro nos
débitos foram reconhecido de ofício pelo Auditor Fiscal, determinando
que fosse alterado o processo de parcelamento; não haveria a
necessidade de um outro processo administrativo, ou mesmo de qualquer
requerimento da parte Autora para que fosse reconhecido e devolvido o
valor dos impostos recolhidos a maior, ou mesmo que fosse
disponibilizado o crédito correspondente para compensação por parte da
empresa Autora, uma vez que continuaria em atividade e recolhendo seus
impostos; o parcelamento fora todo quitado, conforme se observa dos
documentos anexos; o parcelamento das dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e
COFINS fora realizado em 13 de maio de 2011 e dividido em 60 parcelas,
conforme comprovantes em anexo; a última parcela fora quitada em abril de 2016; o parecer apenas fora exarado em 03 de agosto de 2018,
quando o parcelamento estava todo quitado; conforme se observa do
parecer do Auditor Fiscal, entenderia esse que seria indevido o valor de
R$ 177.141,86, na data acima mencionada; não teria havido qualquer
tipo de compensação, ou mesmo a Receita teria colocado à disposição da
Autora qualquer crédito em relação ao valor acima mencionando, não se
cogitando, evidentemente, a devolução do valor em pecúnia ao seu
proprietário, tendo em vista impostos pagos por equívoco; a questão que
estaria motivando o presente processo, definindo a parte Autora a
lide, seria o fato de a Receita Federal se recusar a realizar o
pagamento, ou até mesmo a compensação, do valor que foi reconhecido
como indevido; o indébito estaria delimitado; conforme se vê do
documento anexo, a Receita Federal, sem realizar maiores explicações,
argumentaria que, como o processo seria de 2011, referindo-se à
impostos de anteriores a esse período; o direito à devolução dos
valores estaria prescrito, uma vez que o processo administrativo
estaria "extinto" (como se vê no documento mencionado, uma tela do
sistema de cobrança da RFB), e que não seria possível o ingresso de
qualquer processo administrativo para devolução, ou mesmo compensação
dos valores pagos a maior e reconhecidos como indevidos pela própria
União; a Receita estaria alegando que o processo administrativo que
pedira a revisão (10480.721487/2014-70) não seria o mesmo do processo
de parcelamento (10480-402291/2011-36), contando como data inicial da
prescrição o processo de parcelamento, e não o processo de revisão; o
processo de parcelamento teria data de 13 de maio de 2011 e o processo
de revisão possuiria data de 28 de janeiro de 2014;parecer exarado
seria datado de 03 de agosto de 2018, mais de quatro anos após o
ingresso do processo de revisão; considerando que a parte Autora apenas
fora intimada do parecer em setembro de 2019; caberia à Receita
Federal corrigir os seus próprios atos, dentro do controle difuso do
processo administrativo; a parte autora não poderia ser
responsabilizada pelo atraso atribuído unicamente ao Erário Público;
não caberia sequer o manejo de um outro processo administrativo para
pleitear o pagamento do valor indevido; a própria parte autora A
própria Receita Federal deveria ter providenciado a devolução do
indébito, uma vez que fora reconhecido de ofício o recebimento a maior
dos impostos acima mencionados; não militaria em favor da Receita a
alegação de supressão de um processo administrativo, porque esse já
existiria e tivera a sua decisão proferida; dessa maneira, faria jus o
Autor à restituição do valor indevidamente pago, de acordo com o
parecer exarado pelo Auditor Fiscal, no valor de R$ 177.141,86,
que deveria ser corrigido desde agosto de 2018, de acordo com os
argumentos acima expendidos. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final,
pela:
"Condenação
ao pagamento da devolução dos valores referentes aos impostos IRPJ,
CSLL, PIS e COFINS, já reconhecidos como indevidos pela Receita
Federal, no valor de R$ 177.141,86, que deve ser corrigido desde agosto de 2018, de acordo com os argumentos acima expendidos;
Condenação
da parte Ré ao ônus sucumbenciais, custas e honorários, calculados em
20% sobre o valor da causa, ou no valor máximo permitido pela Lei."
Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação sob Id. 4058300.13613048
aduzindo, em apertada síntese, que: haveria duas premissas, qual
seja, a necessidade do contribuinte para constituir o indébito
tributário, seja por ação de conhecimento ou seja por requerimento
administrativo; diante da decisão que certificar a existência do
indébito, o contribuinte também precisaria ter a iniciativa de
executá-la, seja por execução judicial ou por pedido administrativo;
haveria prazos para que o contribuinte exercesse o direito de
constituição do indébito e execução do mesmo; a repetição de indébito
cuidaria de relação jurídica tributária, porque decorrente de suposto
crédito tributário que fora pago indevidamente, de modo que as regras
sobre a prescrição deveriam observar o art. 146, III, da Constituição
Federal; o STJ entenderia que o pedido administrativo de
compensação/restituição do crédito tributário não caracterizaria a interrupção do prazo prescricional
para a ação de execução; o contribuinte através do processo
administrativo, de nº 10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011,
teria parcelado as suas dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que
fora feito em 60 parcelas, a iniciar em 13/05/2011; em 28 de janeiro
de 2014, a Autor teria ingressado com um pedido de revisão de débitos,
(processo nº 10480.721487/2014-70 - doc. 01 em anexo; o pedido não
se trataria de restituição e em que pese a decisão ter sido proferida apenas em 2018, tal processo não teria tido o condão de interromper a prescrição. Argumentou, finalmente "Assim,
houve a consumação da prescrição para a repetição de indébito, pois
transcorreram mais de cinco anos a contar do suposto pagamento
indevido, devendo ser rechaçada a alegação de existência de causa
suspensiva/interruptiva da prescrição." E pugnou pela decretação de improcedência dos pedidos.
A parte autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.14202984).
As
partes foram instadas a se manifestarem sobre provas que eventualmente
quisessem produzir, tendo ambas rechaçado tal necessidade (Id. 4058300.14565860 e 4058300.14568746).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
No
caso dos autos, a Empresa contribuinte através do processo
administrativo, de nº 10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011,
parcelou as suas dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que foi feito
em 60 parcelas, a iniciar em 13/05/2011.
Em
28 de janeiro de 2014, ingressou com um pedido de revisão de débitos,
(processo nº 10480.721487/2014-70 ), tendo a Fazenda Nacional, por seu
Órgão próprio, por meio de um parecer, nos autos de tal processo administrativo, admitido, em 03 de agosto de 2018, que a ora Autora pagara, em excesso, no bojo do parcelamento, por erro de cálculos da própria Administração, a quantia de R$ 177.141,86.
Alega
a União (Fazenda Nacional) que não se tratava de pedido de restituição
administrativa, mas de mera correção do valor do parcelamento, e, em
que pese o parecer tivesse sido proferido em 2018, tal processo não teria o condão de interromper a prescrição.
Pois bem.
O Plenário do STF, no julgamento do RE nº 566.621,
pacificou o entendimento de que, independentemente do tipo de
lançamento a que se submete o tributo, o prazo de prescrição para
repetição de indébito, depois da entrada em vigor da Lei Complementar
118, de 2005, será sempre de cinco anos, conforme fixada no caput do art. 168 do Código Tributário Nacional.[1]. Eis a ementa deste leading case:
"Ementa
DIREITO
TRIBUTÁRIO - LEI INTERPRETATIVA - APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 118/2005 - DESCABIMENTO - VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA -
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS - APLICAÇÃO DO PRAZO
REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS
AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC
118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no
sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o
prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados
do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts.
150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se
auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo
reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos
contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em
verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova.
Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes,
porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como
qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e
aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a
repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova,
fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do
prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões
pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de
nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança
jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do
acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e
resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do
prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis,
conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da
Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos
contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também
que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos.
Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna
na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão
possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se
trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário.
Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC
118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos
tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120
dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543invocados pela defesa da UNIÃO-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido."
Não
há dúvida que o Superior Tribunal de Justiça, nos julgados AgRg no REsp
1.575.004/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 14/3/2016; REsp 1.248.618/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe 13/2/2015; AgRg no AgRg no REsp 1.217.558/RS,
Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 19/4/2013,
invocados na contestação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, firmou o
entendimento de que, enquanto tramita o processo administrativo,
tendente a constituir o crédito(apurar), não há interrupção do prazo de
prescrição para a repetição de indébito.
Mas, no caso, o reconhecimento da cobrança em valor superior à dívida, no total de R$ 177.141,86, ocorreu em 03.08.2018, via pedido revisional nos autos do respectivo processo administrativo de parcelamento.
O próprio Órgão da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL que cometeu o erro, na decisão revisora, o reconheceu.
Então, à luz do invocado julgado do Plenário da Suprema Corte em conjunto com o inciso II do art. 168 do Código Tributário Nacional,
conclui-se tranquilamente que não houve a alegada prescrição, porque
esta ação foi proposta em 23.12.2019, ou seja, no ano seguinte à data da
decisão revisora.
A
fluência do prazo de prescrição, para o caso, conforme a regra do
invocado inciso II do art. 168 do CTN, inicia-se no dia seguinte àquele
em que o Contribuinte é intimado da da decisão revisora e não do início
do PA, até mesmo porque só se sabe se tem valor a ser restituído ou não
depois dessa decisão.
Ademais,
feriria o princípio da moralidade afastar a responsabilidade da ora
Requerida de restituir o que cobrou indevidamente, quando se sabe que
foi o Órgão próprio da Requerida que cometeu a falha, na cobrança de
sobrevalor e que também apurou esse sobrevalor.
Obviamente,
a Requerida haverá também de ser condenada a ressarcir as custas
judiciais despendidas pela Parte Autora, bem como a pagar ao seu Patrono
verba honorária, que será arbitrada em percentual ligeiramente superior
ao mínimo legal(§§ 2º e 3º do art. 85 do CPC), porque o seu Patrono
teve de desenvolver esforço e dedicação um pouco maior do que
normalmente se realiza, em face do inusitado da causa.
Como
o valor do crédito da ora Autora, na data da propositura desta ação,
era inferior a 200 salários mínimos, uma vez que o valor do salário
mínimo em dezembro de 2019 era de R$ 998,00 x 200 = R$ 199.600,00.
Então,
o percentual da verba honorária será de 13%(treze por cento) por cento
do valor atualizado do crédito da Autora, objeto da condenação.
3. Dispositivo
Diante do exposto, rejeito a exceção de prescrição, julgo procedentes os pedidos desta ação judicial, dou por constituído(apurado) o referido crédito da Parte Autora no montante acima indicado e condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a restituir à Autora a quantia de R$ 177.141,86(cento e setenta e sete mil, cento e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos), relativa a parcelas que a Autora pagou em valor superior ao devido no parcelamento dos tributos IRPJ,
CSLL, COPIS e COFINS, quantia essa já reconhecida como indevida pela
Receita Federal do Brasil em Recife, a qual se encontra atualizada até
03.08.2018, pelo que haverá de ser atualizada, pelos índices da
Tabela SELIC, conforme regra do § 4º do art 39 da Lei nº 9.250, de 1995,
até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme sedimentado
entendimento do Plenário do STF. atualização essa a ser feita pelo setor
próprio do TRF5R, nos termos da Resolução 458, de 2017, do Conselho da
Justiça Federal.
Condeno
a parte Ré, ainda, ao reembolso das custas eventualmente despendidas
pela parte Autora, bem como ao pagamento de honorários advocatícios,
fixados em 13% (treze por cento) sobre o valor atualizado da condenação,
conforme acima fundamentado.
Deixo
de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, porque o valor
da causa é inferior 1000 salários mínimo(inciso I do § 3º do art. 496 do
CPC).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 23.02.2021
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2a Vara da JFPE
_______________________________________
[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE nº 566.621, Relatora Min. Ellen Gracie, Julgado em 04/08.2011, in DJe de 11/10/2011.
Disponível
em
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=566621%20&sort=_score&sortBy=desc
Acesso em 23.02.2021