terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. NÃO RECONHECIMENTO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

O prazo de prescrição, na área tributária, para o caso de repetição de indébito, só se inicia depois da decisão administrativa ou judicial revisora(art. 168, II, CTN). 

No caso que segue, essa matéria e detalhadamente debatida. 

Boa leitura.  




 PROCESSO Nº: 0825789-54.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: T P LTDA
ADVOGADO: M F R C
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença tipo A

Ementa:- DIREITO TRIBUTÁRIO . REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO.
Afastada exceção de prescrição.
Parcela de restituição induvidosamente devida.
Procedência.

Vistos, etc.

1. Breve Relatório

T PLTDA, qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER em face de SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL/Fazenda Nacional. Aduziu a parte autora, em síntese, que:  teria manejado um processo administrativo, de nº  10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011, para parcelar dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que fora feito em 6 0 parcelas, a iniciar em 13/05/2011;  em 28 de janeiro de 2014, teria ingressado junto  à Ré com um pedido de revisão de débitos, (processo nº 10480.721487/2014-70) uma vez que, conforme consta naquela petição, teria havido uma apuração equivocada dos impostos mencionados acima, o que teria ocasionado um recolhimento em excesso de impostos, tendo em vista as alíquotas utilizadas teriam sido majoradas; em 03 de agosto de 2018, cerca de quatro anos depois do pedido de revisão, teria sido apresentado parecer  do processo nº 10480-721487/2014-70, (justamente o processo de pedido de revisão dos cálculos do imposto) onde constaria procedência do pedido, isso em 03 de agosto de 2018, determinando o registro das modificações de parcelamento, com o abatimento dos valores parcelados, conforme parecer em anexo; a revisão deveria ser realizada sem qualquer intervenção da parte Autora, uma vez que o erro nos débitos foram reconhecido de ofício pelo Auditor Fiscal, determinando que fosse alterado o processo de parcelamento; não haveria a necessidade de um outro processo administrativo, ou mesmo de qualquer requerimento da parte Autora para que fosse reconhecido e devolvido o valor dos impostos recolhidos a maior, ou mesmo que fosse disponibilizado o crédito correspondente para compensação por parte da empresa Autora, uma vez que continuaria em atividade e recolhendo seus impostos; o parcelamento fora todo quitado, conforme se observa dos documentos anexos; o parcelamento das dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS fora realizado em 13 de maio de 2011 e dividido em 60 parcelas, conforme comprovantes em anexo; a última parcela fora quitada em abril de 2016; o parecer apenas fora exarado em 03 de agosto de 2018, quando o parcelamento estava todo quitado;  conforme se observa do parecer do Auditor Fiscal, entenderia esse que seria indevido o valor de R$ 177.141,86, na data acima mencionada; não teria havido qualquer tipo de compensação, ou mesmo a Receita teria colocado à disposição da Autora qualquer crédito em relação ao valor acima mencionando, não se cogitando, evidentemente, a devolução do valor em pecúnia ao seu proprietário, tendo em vista impostos pagos por equívoco; a questão que estaria motivando o presente processo, definindo a parte Autora a lide, seria o fato de a Receita Federal se recusar a realizar o pagamento, ou até mesmo a compensação, do valor que foi reconhecido como indevido; o indébito estaria delimitado; conforme se vê do documento anexo, a Receita Federal, sem realizar maiores explicações, argumentaria que, como o processo seria de 2011, referindo-se à impostos de anteriores a esse período; o direito à devolução dos valores estaria prescrito, uma vez que o processo administrativo estaria "extinto" (como se vê no documento mencionado, uma tela do sistema de cobrança da RFB), e que não seria possível o ingresso de qualquer processo administrativo para devolução, ou mesmo compensação dos valores pagos a maior e reconhecidos como indevidos pela própria União; a Receita estaria alegando que o processo administrativo que pedira a revisão (10480.721487/2014-70) não seria o mesmo do processo de parcelamento (10480-402291/2011-36), contando como data inicial da prescrição o processo de parcelamento, e não o processo de revisão; o processo de parcelamento teria data de 13 de maio de 2011 e o processo de revisão possuiria data de 28 de janeiro de 2014;parecer exarado seria datado de 03 de agosto de 2018, mais de quatro anos após o ingresso do processo de revisão; considerando que a parte Autora apenas fora intimada do parecer em setembro de 2019; caberia à Receita Federal corrigir os seus próprios atos, dentro do controle difuso do processo administrativo; a  parte autora não poderia ser responsabilizada  pelo atraso atribuído unicamente ao Erário Público; não caberia sequer o manejo de um outro processo administrativo para pleitear o pagamento do valor indevido; a própria parte autora  A própria Receita Federal deveria ter providenciado a devolução do indébito, uma vez que fora reconhecido de ofício o recebimento a maior dos impostos acima mencionados; não militaria em favor da Receita a alegação de supressão de um processo administrativo, porque esse já existiria e tivera a sua decisão proferida; dessa maneira, faria jus o Autor à restituição do valor indevidamente pago, de acordo com o parecer exarado pelo Auditor Fiscal, no valor de R$ 177.141,86, que deveria ser corrigido desde agosto de 2018, de acordo com os argumentos acima expendidos. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"Condenação ao pagamento da devolução dos valores referentes aos impostos IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, já reconhecidos como indevidos pela Receita Federal, no valor de R$ 177.141,86, que deve ser corrigido desde agosto de 2018, de acordo com os argumentos acima expendidos;

Condenação da parte Ré ao ônus sucumbenciais, custas e honorários, calculados em 20% sobre o valor da causa, ou no valor máximo permitido pela Lei."

Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação sob Id. 4058300.13613048 aduzindo, em apertada síntese, que:  haveria duas premissas, qual seja,  a necessidade do contribuinte para constituir o indébito tributário, seja por ação de conhecimento ou seja por requerimento administrativo; diante da decisão que certificar a existência do indébito, o contribuinte também precisaria ter a iniciativa de executá-la, seja por execução judicial ou por pedido administrativo; haveria prazos para que o contribuinte exercesse o direito de constituição do indébito e execução do mesmo;  a repetição de indébito cuidaria de relação jurídica tributária, porque decorrente de suposto crédito tributário que fora pago indevidamente, de modo que as regras sobre a prescrição deveriam observar o art. 146, III, da Constituição Federal; o STJ entenderia que o pedido administrativo de compensação/restituição do crédito tributário não caracterizaria a interrupção do prazo prescricional para a ação de execução; o  contribuinte através do processo administrativo, de nº  10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011, teria parcelado as suas dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que fora feito em 60 parcelas, a iniciar em 13/05/2011; em 28 de janeiro de 2014, a Autor teria ingressado com um pedido de revisão de débitos, (processo nº 10480.721487/2014-70 - doc. 01 em anexo;  o pedido não se  trataria de restituição e em que pese a decisão ter sido proferida apenas em 2018, tal processo não teria tido o condão de interromper a prescrição. Argumentou, finalmente "Assim, houve a consumação da prescrição para a repetição de indébito, pois transcorreram mais de cinco anos a contar do suposto pagamento indevido, devendo ser rechaçada a alegação de existência de causa suspensiva/interruptiva da prescrição." E pugnou pela decretação de improcedência dos pedidos.

A parte autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.14202984).

As partes foram instadas a se manifestarem sobre provas que eventualmente quisessem produzir, tendo ambas rechaçado tal necessidade (Id. 4058300.14565860 e 4058300.14568746).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

No caso dos autos, a Empresa contribuinte através do processo administrativo, de nº  10480-402291/2011-36, em 13 de maio de 2011, parcelou as suas dívidas de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, o que foi feito em 60 parcelas, a iniciar em 13/05/2011.

Em 28 de janeiro de 2014, ingressou com um pedido de revisão de débitos, (processo nº 10480.721487/2014-70 ), tendo a Fazenda Nacional, por seu Órgão próprio, por meio de um parecer, nos autos de tal processo administrativo, admitido, em 03 de agosto de 2018, que a ora Autora pagara, em excesso, no bojo do parcelamento, por erro de cálculos da própria Administração, a quantia de R$ 177.141,86.

Alega a União (Fazenda Nacional) que não se tratava de pedido de restituição administrativa, mas de mera correção do valor do parcelamento,  e, em que pese o parecer tivesse sido proferido em 2018, tal processo não teria o condão de interromper a prescrição.

Pois bem.

O Plenário do STF, no julgamento do RE nº 566.621,  pacificou o entendimento de que, independentemente do tipo de lançamento a que se submete o tributo, o prazo de prescrição para repetição de indébito, depois da entrada em vigor da Lei Complementar 118, de 2005, será sempre de cinco anos, conforme  fixada no caput do art. 168 do Código Tributário Nacional.[1]. Eis a ementa deste leading case:

"Ementa

DIREITO TRIBUTÁRIO - LEI INTERPRETATIVA - APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 - DESCABIMENTO - VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS - APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543invocados pela defesa da UNIÃO-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido."

Não há dúvida que o Superior Tribunal de Justiça, nos julgados AgRg no REsp 1.575.004/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,  Segunda  Turma,  DJe  14/3/2016;  REsp  1.248.618/SC, Rel. Ministro  Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/2/2015; AgRg no AgRg  no  REsp  1.217.558/RS,  Rel.  Ministro  Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 19/4/2013, invocados na contestação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, firmou o entendimento de que, enquanto tramita o processo administrativo, tendente a constituir o crédito(apurar), não há interrupção do prazo de prescrição para a repetição de indébito.

Mas, no caso, o reconhecimento da cobrança em valor superior à dívida, no total de R$ 177.141,86, ocorreu em 03.08.2018, via pedido revisional nos autos do respectivo processo administrativo de parcelamento.

O próprio Órgão da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL que cometeu o erro, na decisão revisora, o reconheceu.

Então, à luz do invocado julgado do Plenário da Suprema Corte em conjunto com o inciso II do art. 168 do Código Tributário Nacional, conclui-se tranquilamente que não houve a alegada prescrição, porque esta ação foi proposta em 23.12.2019, ou seja, no ano seguinte à data da decisão revisora.

A fluência do prazo de prescrição, para o caso, conforme a regra do invocado inciso  II do art. 168 do CTN, inicia-se no dia seguinte àquele em que o Contribuinte é intimado da da decisão revisora e não do início do PA, até mesmo porque só se sabe se tem valor a ser restituído ou não depois dessa decisão.

Ademais, feriria o princípio da moralidade afastar a responsabilidade da ora Requerida de restituir o que cobrou indevidamente, quando se sabe que foi o Órgão próprio da Requerida que cometeu a falha, na cobrança de sobrevalor e que também apurou esse sobrevalor.

Obviamente, a Requerida haverá também de ser condenada a ressarcir as custas judiciais despendidas pela Parte Autora, bem como a pagar ao seu Patrono verba honorária, que será arbitrada em percentual ligeiramente superior ao mínimo legal(§§ 2º e 3º do art. 85 do CPC), porque o seu Patrono teve de desenvolver esforço e dedicação um pouco maior do que normalmente se realiza, em face do inusitado da causa.

Como o valor do crédito da ora Autora, na data da propositura desta ação, era inferior a 200 salários mínimos, uma vez que o valor do salário mínimo em dezembro de 2019 era de R$ 998,00 x 200 = R$ 199.600,00.

Então, o percentual da verba honorária será de 13%(treze por cento) por cento do valor atualizado do crédito da Autora,  objeto da condenação.

3. Dispositivo

Diante do exposto, rejeito a exceção de prescrição,  julgo procedentes os pedidos desta ação judicial, dou por constituído(apurado) o referido crédito da Parte Autora no montante acima indicado e  condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a restituir à Autora a quantia de R$ 177.141,86(cento e setenta e sete mil, cento e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos),  relativa a parcelas que a Autora pagou em valor superior ao devido no parcelamento dos tributos IRPJ, CSLL, COPIS e COFINS, quantia essa já reconhecida como indevida pela Receita Federal do Brasil em Recife, a qual  se encontra atualizada até 03.08.2018, pelo que haverá de ser atualizada, pelos índices da Tabela SELIC, conforme regra do § 4º do art 39 da Lei nº 9.250, de 1995, até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme sedimentado entendimento do Plenário do STF. atualização essa a ser feita pelo setor próprio do TRF5R, nos termos da Resolução 458, de 2017,  do Conselho da Justiça Federal. 

Condeno a parte Ré, ainda, ao reembolso das custas eventualmente despendidas pela parte Autora, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 13% (treze por cento) sobre o valor atualizado da condenação, conforme acima fundamentado.

Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição, porque o valor da causa é inferior 1000 salários mínimo(inciso I do § 3º do art. 496 do CPC).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 23.02.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE


_______________________________________

[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE nº 566.621, Relatora Min. Ellen Gracie, Julgado em 04/08.2011, in DJe de 11/10/2011.

Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=566621%20&sort=_score&sortBy=desc

Acesso em 23.02.2021

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