segunda-feira, 27 de julho de 2020

NÃO HÁ LEI AUTORIZANDO A EXCLUSÃO DA RECEITA BRUTA DO VALOR QUE SE PAGA PELO USO DE BANDEIRAS DE CARTÕES DE CRÉDITO. ENCARGO NÃO CARACTERIZADO COMO INSUMO ESSENCIAL À ATIVIDADE DA EMPRESA QUE EFETUA O PAGAMENTO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Imagine o seguinte exemplo: a Empresa "A" vende o seu produto para João por R$ 200,00. João paga com o cartão de crédito da bandeira MasterCard. A Empresa "A", pelo uso da bandeira desse cartão, paga à Empresa MasterCard R$ 10,00. Òbvio que a receita bruta da Empresa "A" foi R$ 200,00. Então, este é o valor que comporá a base de cálculo da COPIS e da COFINS,  porque as Leis que delas tratam dizem que a base de cálculo de ambas é a receita bruta total. 
Seria o uso do cartão um insumo essencial às atividades da Empresa "A", de forma que teria  direito a creditar-se do valor que paga pelo  uso do cartão?
Na sentença que segue, essa matéria  é debatida. 
Boa  leitura. 



PROCESSO Nº: 0810154-96.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: D R DE P LTDA
ADVOGADO: A A Da S e outro
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)







Sentença tipo A




EMENTA:- MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO.

-Não há Lei autorizando a dedução ou não inclusão na receita bruta da Impetrante da parcela do valor que recebe dos seus Clientes, via cartão de crédito, e repassa, a título de pagamento,  para as Empresas de Cartões de Crédito pelo uso da bandeira do Cartão.


-Negação da segurança.


Vistos, etc. 



1. Breve Relatório 




D R DE P LTDA, qualificada na Petição Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido liminar em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE. Aduziu, em síntese, que: seria sociedade empresária com finalidade eminentemente lucrativa, que desempenharia atividades econômicas (doc. 06 - Amostra de Notas Fiscais) e com acentuada frequência - perceberia a contraprestação pecuniária de seus clientes por intermédio de Instituições Financeiras que operam Cartões de Crédito e Débito; nos contratos de prestação de serviços financeiros estariam previstos percentuais sobre o valor de cada uma das transações eletrônicas realizadas, a fim de remunerar as respectivas Operadoras de Cartões; seria patente que a ausência desse meio de pagamento implicaria evidentemente em uma redução no resultados e nas vendas do negócio, uma vez que 170.000,00 (cento e setenta mil reais) seriam vendidos por meio de cartão, o que qualificaria tal serviço como insumo, pela tese do impacto no resultado/operação da empresa, ou seja, relevância, pois sem tal haveria uma volumosa queda nas vendas da empresa; não haveria de se falar em relevância de tal insumo, pois, os meios de pagamentos disponibilizados ao cliente fariam evidentemente parte do serviços (contexto, estrutura da loja, meios de pagamento e qualidade e condições do produto) ofertados pela empresa, os quais representariam uma oportunidade e conveniência para o cliente (serviço de meio para geração das vendas), sem o qual haveria inclusive de se estabelecer uma verdadeira subtração do serviço ofertado, mudando assim a qualidade do complexo (produto + estabelecimento + atendimento = serviço) ofertado ao cliente; tais importâncias não chegariam, sequer,  a se incorporar ao caixa da Autora, porquanto seriam retidas diretamente pela Instituição Financeira, por ocasião do pagamento dos recebíveis (doc. 10 - Amostra dos Pagamentos pelas Administradoras); não se trataria, pois, de receita sua, mas de verdadeira prestação de serviços de intermediação de negócios, que na realidade seria pago pela clientela da Impetrante; teriam sido editados dois precedentes vinculantes (artigo 927, inciso III, do CPC/15) plenamente aplicáveis em favor da Postulante; o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 574.706/PR, por intermédio do qual o Supremo Tribunal Federal teria asseverado que uma receita de terceiro, ainda que implicasse ingresso temporário de caixa, não poderia integrar a base de cálculo das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS (doc. 13 - Acórdão 1); ii) o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.221.170/PR, em cujo seio a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça pontificou que o conceito de insumo, para  fins de creditamento das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativos, deveria ser aferido sob a óptica da essencialidade ou relevância, imprescindibilidade ou importância, ao desenvolvimento das atividades econômicas da Contribuinte; diante de tal contexto fático,  a Contribuinte buscaria o reconhecimento de seu direito líquido e certo, mormente para:  




"(a) ter o seu direito à restituição - via compensação ou precatório - daquilo que excessivamente pagou nos últimos 5 (cinco) anos; e, de agora em diante, (b) apurar a Contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS com as exclusões ou creditamentos dos valores relativos às taxa/comissões retidas pelas entidades que operam os cartões de crédito e débito utilizados pelos consumidores na hora de adquirir produtos, mercadorias ou serviços." 




Protestou o de estilo. Inicial instruída co procuração e documentos.




Decisão sob Id.  4058300.14739085, na qual se indeferiu o pedido de medida liminar.




A União (Fazenda Nacional), na petição sob Id.  4058300.14818394, aduziu, dentre outros aspectos, que: caso houvesse  a subtração das despesas referentes às taxas pagas às administradoras de cartão de crédito/débito, a atividade da autora permaneceria se desenvolvendo de forma regular, dada a possibilidade da utilização de outras formas de pagamento; os dispêndios realizados pela Impetrante, referentes à taxa em questão, não passariam pelo "teste de subtração", não podendo ser considerados essenciais para o desenvolvimento da atividade desempenhada pela contribuinte, motivo pelo qual não se enquadrariam no conceito de insumo preconizado no REsp 1.221.170. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança requestada.






Certificado o prazo sem manifestação da autoridade coatora (Id.4058300.15160481




O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.15233001)




É o relatório, no essencial




Passo a decidir.




2. Fundamentação






Conforme já registrado na decisão sob Id. 4058300.14739085, já faz algum tempo que as COPIS e COFINS têm por base de cálculo a receita bruta total, sendo que a definição de receita bruta encontra-se na atual redação do art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei nº 1.598, de 1977.




A Impetrante quer autorização para não incluir nessa receita bruta total as parcelas de valores que recebe nos  pagamentos feitos por seus Clientes com cartão de crédito e que é obrigada a pagar às  Empresas de Cartões de Crédito, de cujas bandeiras se utiliza, porque teria por receita apenas o valor líquido da operação(valor recebido do Cliente menos o valor que paga às Empresas de Cartões de Crédito).
Ocorre que o Legislador elegeu como base de cálculo de tais  Contribuições a receita bruta e não a receita líquida.




A tese do RE 574.706/PR do Plenário do STF não se aplica ao caso, porque tratou da exclusão do valor do ICMS da base de cálculo das COPIS e COFINS, com utilização de argumentos constitucional-tributários inaplicáveis ao encargo que a Impetrante tem para com as Empresas de Cartões de Crédito. 




A Impetrante também invocou o Resp nº 1.221.170/PR.




Eis a ementa desse d. julgado:




"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E COFINS NÃO CUMULATIVAS. TAXA PAGA ÀS OPERADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONCEITO DE INSUMO AFERIDO À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Não ocorre contrariedade ao art. 535, II, do CPC/1973 quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária aos interesses da parte e inexistência de prestação jurisdicional.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o tema da inclusão da taxa paga às operadoras de cartão de crédito e débito na base de cálculo do PIS e da COFINS passa pela definição e conceito de receita e faturamento previstos no art. 195, I, "b", da Constituição Federal/1988, sendo, portanto, matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. "O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte" (REsp 1.221.170/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 24/4/2018).
4. Inviável reconhecer que as despesas com as operadoras de cartão de crédito e débito sejam consideradas insumos em face da sua não essencialidade no processo produtivo, na medida em que se trata de forma de pagamento complementar à disposição dos consumidores.
5. Agravo interno a que se nega provimento.". [1]




Noto que nesse julgado não se adotou a tese invocada pela ora  Impetrante, pois nele não se analisou a questão da composição da receita bruta e não se admitiu que a ora  Impetrante se creditasse,  a titulo de insumo, dos valores que paga como "taxa" às Empresas de Cartões de Crédito. É que não vejo mencionado encargo como insumo essencial da atividade da ora Impetrante, pois se não existir a atividade persistirá.
Diz a Impetrante que,  sem o cartão de crédito, haverá redução dos ganhos, por isso se caracterizaria como  insumo esse serviço prestados pelas Empresas de Cartões de Crédito.
Não se sabe. Não há provas em tal sentido. Talvez até aumente,  pois se a Impetrante optar por cobrar em dinheiro, com desconto do valor que iria  pagar para as Empresas de Cartões de crédito, talvez até houvesse um incremento nas suas vendas. 




Embora o STJ, no julgado supra, tenha entendido que a matéria seria  constitucional, data maxima venia, não vejo assim, pois a vigente  Constituição da República, no seu art. 195, I. b, apenas elegeu como possíveis bases de cálculo da COFINS o faturamento ou a receita bruta e, quanto à COPIS-PASEP, da base de cálculo não tratou(a base de cálculo desta contribuição sempre foi fixada, inicialmente, por Lei Complementar, depois  por Medida Provisória e por Lei).




O Legislador Ordinário elegeu a receita bruta total como base de cálculo para essas duas Contribuições.




Então, a questão posta diz respeito ao que compõe a receita bruta legal, portanto, nada tendo a matéria de constitucional.




Na definição de receita bruta, no acima referido art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei 1.598, de 1977, não há nenhuma regra que autorize nenhum Contribuinte a não incluir ou deduzir dos valores que recebe dos seus Clientes, e que comporão a receita bruta, as parcelas que paga às  Empresas de Cartões de Crédito, pelo uso da  bandeira destas, quando realiza vendas por esse meio de pagamento.




Com efeito, a única verba que pode ser  excluída é a indicada  no § 4ª do referido dispositivo legal, na qual não se  enquadra mencionado encargo que a ora  Impetrante cobra dos seus Clientes, nos  preços dos seus  produtos/serviços, e depois repassa para as Empresas de Cartões de Crédito.




Assim, a denegação da segurança é medida que se impõe.






3. Dispositivo




Diante de tudo o que foi exposto, denego a pretendida segurança e extingo o processo com resolução do mérito(art. 487, I,  CPC).




Sem condenação em honorários em respeito ao art. 25 da Lei n.12.016/2009.




Registre-se. Intimem-se.




Recife, 27.07.2020




Francisco Alves dos Santos Júnior 




Juiz Federal, 2ª Vara/PE


(lsc)
 ______________________________________
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (AgInt nos EDcl no AREsp 1176156/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 07/06/2019.
Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=1.221.170%2FPR+E+TAXA+E+CART%C3O+E+CR%C9DITO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
Acesso em 09.06.2020.


ISENÇÃO DO IRPF. APOSENTADO. CÂNCER DE PRÓSTATA. RECONHECIMENTO DO PEDIDO PELA UNIÃO-FAZENDA NACIONAL.CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E DE PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS SOBRE O § 1º DO ART. 19 DA LEI 10.522, DE 2002.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A regra do § 1º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, estabelece que a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL não deve ser condenada em verba honorária quando, em ação tributária, o seu Procurador concordar com  o pleito da petição inicial. Na sentença que segue, diante do princípio da causalidade e de princípios de direito administrativo que orientam pela boa administração, afasta-se a aplicação dessa regra legal e, não obstante o reconhecimento do  pedido pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, foi ela condenada ao pagamento da verba honorária mínima. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0803856-88.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: L A DE O
ADVOGADO: L A M L De A
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A

EMENTA:- TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. ISENÇÃO DO IR E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEOPLASIA MALIGNA. APOSENTADO.  RECONHECIMENTO DO PEDIDO PELA RÉ.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NOS TERMOS DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO,  QUE PRIMAM PELA BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Vistos, etc.

1. Breve Relatório





Trata-se de ação de rito comum proposta em 13/02/2020 por LINDINALDO ALVES DE OLIVEIRA, aposentado,  contra a UNIÃO/FAZENDA NACIONAL. Requereu, preliminarmente, a prioridade na tramitação do feito e benefício da gratuidade judiciária. No final, pediu:

"c) julgar procedente o pedido, para o fim de:
c.1) declarar a não-incidência do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria do Autor, sob pena de negativa de vigência ao art. 6º, inciso XIV da Lei Federal de nº 7.713/88, confirmando, assim, a tutela antecipada eventualmente deferida;
c.2) determinar que o seja oficiado ao INSS e à FACHESF para se absterem em proceder com a retenção do imposto de renda na fonte;
c.3) condenar a UNIAO a proceder com REPETIÇAO DE INDÉBITO das importâncias retidas e pagas a título de imposto de renda, a partir da concessão do início da doença (que seria de 06/10/2016 a 04/2018 - anteriores à primeira isenção - e a partir de 2019 até a data da nova isenção a ser deferida na presente ação ), respeitada o prazo prescricional, corrigidas pela taxa SELIC, na conformidade da Súmula de nº 162 do STJ e do art. 39, § 4º da Lei Federal de nº 9.250/95.
Requer-se, ainda, a condenação do Réu no ressarcimento das custas processuais e demais despesas com a propositura da presente ação, e no pagamento dos honorários advocatícios, a serem fixados em não menos do que 20% (vinte por cento) do valor total atualizado da condenação.
Os documentos que instruem a presente contestação são declarados autênticos pelas causídicas/signatárias, tratando-se de cópias fidedignas dos respectivos originais, o que declaram sob as penas da lei.
Requer, ainda, por ser o autor pessoa pobre, na acepção jurídica do termo, sem condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento e de sua família (conforme declaração anexa), digne-se Vossa Excelência a conceder ao mesmo o BENEFÍCIO DA JUSTICA GRATUITA, na forma do artigo 4°, da Lei n° 1.060/50, com a redação imposta pela Lei n° 7.510/86, e artigos 128, Lei n° 8.213/91.".


Foi determinada a citação da Requerida(Id. 4058300.13662305).

A União (Fazenda Nacional), em resposta, concordou com a procedência do pedido para declarar a isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria do Autor, sob pena de negativa de vigência ao art. 6º, inciso XIV, da Lei Federal de nº 7.713/88. Não se opôs, ainda, à repetição de indébito das importâncias retidas e pagas a título de imposto de renda, a partir do início da doença (que seria de 06/10/2016 a 04/2018 - anteriores à primeira isenção - e a partir de 2019 até a data da nova isenção a ser deferida na presente ação), respeitado o prazo prescricional, corrigidas pela taxa SELIC. Registrou ainda, que, nos termos do art. 19, §1.º, inciso I, da Lei n.º 10.522/2002, não seria o caso de condenação em honorários (Id. 4058300.14056594).

A parte autora defendeu que seria o caso de condenação em honorários advocatícios, em face da triangularização da relação jurídico-processual.(Id. 4058300.14747065)



É o relatório, no essencial.



Passo a decidir.







2. Fundamentação




2.1 - No que diz respeito  ao  mérito, diante do quadro descrito no Relatório supra, sem maiores delongas, há de ser  homologado o reconhecimento, por parte da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, da integralidade do pleito do Autor,  com consequente decretação de procedência dos pedidos.
2.2 - No que diz respeito ao pedido da UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL para não ser condenada em verba honorária, com base no § 1º do art. 19 da Lei 10.522/2002, mudando o meu posicionamento anterior, tenho que referida  regra, embora  veiculada em Lei específica, o que afastaria a aplicação das regras do vigente Código de Processo Civil relativas ao assunto, tenho que não merece vingar, porque fere o princípio da causalidade e princípios de direito administrativo,  os quais até podem ser agasalhados em Lei, mas por Lei não podem ser revogados.
Realmente, além de ferir o princípio da causalidade, mencionada regra legal também fere princípios de direito administrativo, que orientam pela boa administração pública, pois, diante de tal regra legal, nota-se uma  clara tendência da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL de negar pleitos tributários, feitos na via administrativa, ainda que o Administrado/Contribuinte tenha plena razão,  como no presente caso, remetendo esse Administrado/Contribuinte, forçosamente,  para  o Judiciário e, quando aqui chega, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, calcado no referido dispositivo legal, concorda e pede liberação do pagamento da verba honorária sucumbencial.
Então, a UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL está se valendo dessa regra legal para aumentar a já gigantesca carga de trabalho do Poder Judiciário Federal, num despropósito administrativo inaceitável.
Admissível sim, que haja, na referida  situação processual, uma  redução,  pela metade, do valor do mínimo legal da verba honorária,  mas não a sua dispensa total.
Então, à luz de tais argumentos,  tenho por bem aplicar o § 4º do artigo 90 do vigente CPC, observando-se a regra do § 2º e a gradação do §3º do art. 85 do  mesmo diploma  processual.





3. Dispositivo



Posto isso:



a) Homologo, por sentença, o reconhecimento dos pedidos (art. 487, II, a, do CPC) e os julgo procedentes,  condenando a UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL a conceder isenção de imposto de renda ao Autor, desde a data em que essa isenção deixou de ser concedida(2019), e, quando ao período de 06/10/2016 a 04/2018, relativamente ao qual referida  isenção foi reconhecida na via administrativa, mas as parcelas já cobradas não lhe foram restituídas, que agora o sejam, com atualização pelos índices da tabela SELIC, conforme regra do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995.

Outrossim, com base no princípio da causalidade,  nos princípios de direito administrativo que levam à boa administração e nas regras legais indicadas no subitem "2.2" da fundamentação supra,  condeno a UNIÃO - FAZENDA  NACIONA a pagar ao Patrono da Parte Autora  verba honorária, na metade do mínimo legal, observada a gradação do § 3º do art. 85 do CPC e as regras de apuração dos §§ 4º e 5º desse artigo legal.





Custas, ex lege.



Registrada, intimem-se.



Recife, 27.07.2020



Francisco Alves dos Santos Júnior



 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.





sexta-feira, 24 de julho de 2020

UMA IMPORTANTE QUESTÃO PREVIDENCIÁRIA. BPC PARA IDOSO. VERBAS PRETÉRITAS. MANDADO DE SEGURANÇA, MEIO PROCESSUAL INDEVIDO


Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Se o casal é idoso e carente e o Esposo já recebe o Benefício Previdenciário Continuada, a Esposa também tem o direito de receber o mesmo benefício. Mas, parcelas pretéritas não podem ser pleiteadas por meio de mandado de segurança e sim por meio de ação de cobrança, procedimento comum. 
Esses assuntos  são debatidos na sentença infra. 
Boa leitura. 

Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques Rocha.




PROCESSO Nº: 0811905-21.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: S S DE M
ADVOGADO: T C Da C
IMPETRADO: PRESIDENTE DA 3ª JUNTA DE RECURSOS - RECIFE/PE MARIA JOSÉ ALVES
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença tipo C.


EMENTA: - MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO PARA PLEITEAR VERBAS PREVIDENCIÁRIAS PRETÉRITAS. 

O mandado de segurança não pode ser utilizado para cobrança de verbas préteritas(Súmulas 269 e 271 do STF).. 
Extinção do processo sem resolução do mérito.

Vistos, etc.

1-Relatório
S S DE M, qualificada na Petição Inicial, impetrou em 21/07/2020, este mandado de segurança com pedido de medida liminar em face de ato atribuído à PRESIDENTE DA 3ª JUNTA DE RECURSOS - RECIFE, Srª MARIA JOSÉ ALVES. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e alegou, em síntese, que: o INSS teria indeferido o requerimento da Impetrante de concessão do benefício de prestação continuada requerido em 27/11/2017; interpusera recurso ordinário no dia 26/02/2020 da mencionada Decisão, e o recurso teria sido julgado no dia 21/07/2020, pela 3ª Junta de Recursos da Previdência Social; no recurso, a Parte Impetrante teria pedido a exclusão da renda per capita do benefício previdenciário no valor de um salário mínimo percebido por seu cônjuge, Sr. Antonio Francelino de Morais; a 3ª Junta de Recursos teria concluído que, embora o Impetrante tivesse protocolado o pedido no dia 27 de novembro de 2017, só faria jus ao  benefício a partir de 02 de abril de 2020, data da publicação da Lei nº 13.982/2020, e teria determinado a implementação do benefício a partir dessa data; todavia, tal posicionamento adotado pela Corte Julgadora feriria a jurisprudência dominante nos tribunais, bem como o determinado na Ação Civil Pública nº 0000083-10.2007.4.05.8305, que transitou em julgado em 21 de março de 2014, com acordão publicado pelo STJ, que determinaria que não se deveria considerar outro benefício no valor de um salário mínimo para fins de cálculo da renda per capita. Transcreveu ementas de decisões judiciais e aduziu que teria havido ferimento a seu direito líquido e certo, porque não se deveria considerar  no cálculo da renda per capita os valores correspondentes aos benefícios previdenciários de um salário mínimo; portanto, deveria ser determinado, em caráter liminar, que a Autoridade apontada coatora revisasse o acórdão publicado, com a exclusão do cálculo da renda per capita, o valor do benefício previdenciário correspondente a um salário mínimo percebido por seu esposo. Teceu outros comentários, e requereu, ao final: "A) Que seja deferido os benefícios da justiça gratuita, sob a égide do art. 99, § 4º c/c 105, in fine, ambos do CPC, cumulado com o art. 9 da lei 1060/50, garantindo a gratuidade da justiça em todas as instâncias, em formalidade com o acesso à justiça. B) Que seja determinado que, a autoridade coatora exclua do cálculo da renda per capita o valor referente a um salário mínimo derivado de um benefício previdenciário percebido pelo companheiro da autora. C) Que seja arbitrado por vossa excelência astreintes como multa por descumprimento de ordem judicial. D) Que seja julgado totalmente procedente a presente ação. E) Que sejam as notificações e intimações realizadas no endereço constante na nota de rodapé, ou, pelo endereço eletrônico thiagoadv43@yahoo.com.br, do Dr. THIAGO CAVALCANTI DA COSTA, OAB/PE - 41.702, dando ciência assim dos atos e termos do processo, respeitando o art. 269 do CPC, com a efetiva publicação dos atos nos órgãos oficiais, com os nomes das partes, advogados com o respectivo número de inscrição na OAB, sob pena de nulidade, como consta no art. 272, §2 do CPC. F) Que seja expedido as intimações necessárias, em especial a intimação do NSS." Atribuiu valor à causa e juntou instrumento de procuração e documentos.
2- Fundamentação
2.1 - Merece ser deferido, provisoriamente, o benefício da Justiça Gratuita à Parte Impetrante, sem prejuízo de eventuais sanções administrativas e criminais, caso esteja faltando com a verdade, quanto à alegada hipossuficiência.
2.2 - Inicialmente, registro que não cabe, no mandado de segurança, a aplicação das figuras jurídicas do art. 300 do vigente CPC, porque a Lei 12.016, de 2009, fixou procedimento próprio para o mandado de segurança.
Se presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, caberá concessão de  medida liminar, conforme consta do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09, e não de alguma das tutelas do referido art.  300 do CPC.
Neste mandado de segurança, a Parte Impetrante sustenta que seu direito líquido e certo teria sido violado por ato do INSS, eis que a Autoridade Impetrada, no julgamento do recurso ordinário referente ao seu requerimento administrativo de concessão do benefício assistencial - LOAS IDOSO - não excluiu do cálculo da renda per capita o valor do benefício correspondente a um salário mínimo percebido por seu esposo, em consonância com a jurisprudência dos Tribunais e com a Ação Civil Pública nº 0000083-10.2007.4.05.8305, que transitou em julgado em 21 de março de 2014, e requer:
"Que seja determinado que, a autoridade coatora exclua do cálculo da renda per capita o valor referente a um salário mínimo derivado de um benefício previdenciário percebido pelo companheiro da autora."
A esse respeito, a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), estabelece em seu art. 34, que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família idoso não será computado pra fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
O Pleno do C. STF, ao julgar o RE 580.963/PR, com repercussão geral reconhecida, declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, Parágrafo Único, da Lei 10.741/2003, sem pronúncia de nulidade, verbis:
"BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO. A LEI DE ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), AO REGULAMENTAR O ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ESTABELECEU OS CRITÉRIOS PARA QUE O BENEFÍCIO MENSAL DE UM SALÁRIO MÍNIMO SEJA CONCEDIDO AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA E AOS IDOSOS QUE COMPROVEM NÃO POSSUIR MEIOS DE PROVER A PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU DE TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA.
(...)
4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional.
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013[1])
O E. STJ também julgou a questão pela sistemática dos recursos repetitivos, com decisão com trânsito em julgado em 16/12/2015, na qual se firmou o entendimento de que deve ser excluído do cômputo da renda familiar para concessão de LOAS o benefício previdenciário de um salário mínimo recebido por idoso:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015[2]).
Portanto, à luz dos precedentes acima invocados, de vinculação obrigatória aos Juízes e Tribunais (CPC, art. 927, II), no cálculo da renda familiar para a concessão do benefício assistencial (Loas IDOSO), não deve ser incluído o benefício no valor de um salário mínimo, previdenciário ou assistencial recebido por idoso com mais de 65 anos.
2.3- Caso dos autos
Pelo que se infere dos documentos anexados com a Petição Inicial e do narrado na Inicial, a Impetrante requereu, administrativamente, o beneficio assistencial ao idoso em 27/11/2017, que fora indeferido pelo INSS sob o argumento de que a renda per capita familiar ultrapassava o limite legal, em razão da Aposentadoria (por idade) no valor de um salário mínimo recebida por seu cônjuge, desde os idos de 2008.
A Impetrante solicitara, no recurso ordinário, a exclusão do benefício previdenciário no valor de um salário mínimo percebido por seu cônjuge, da formação do cômputo da renda familiar; e a 3ª Junta de Recursos da Previdência Social, deu parcial provimento ao recurso da Impetrante, sob o seguinte fundamento:
"(...)
No INFBEN - Informações do Benefício consta benefício em nome do esposo da postulante Aposentadoria por Idade com início em 02.07.2008 no valor mensal de R$ 954,00.
O Artigo 20 - A da lei 13.982/2020 estabelece que: Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário mínimo.
Em vista os documentos apresentados, Ação Civil Pública, cabe informar que a decisão proferida na Ação não abrange o município de Surubim/PE, município este residência da interessada.
Desta forma, a renda per capita familiar não é superior ao permitido por lei.
Merecendo reforma o ato praticado pelo INSS.
Voto no sentido de conhecer do recurso para, no mérito, DAR-LHE Provimento Parcial com reconhecimento do direito a partir da publicação da Lei 13.982/2020 em 02.04.2020."
Com esse julgamento, o INSS excluiu o valor de um salário mínimo referente à da Aposentadoria (por Idade) do seu cônjuge, e acatou (parcialmente) o requerimento da Impetrante de concessão do LOAS-IDOSO, mas apenas a partir da publicação da Lei nº 13.982/2020, em 02/04/2020.
No entanto, a Impetrante pretende a revisão do mencionado ato administrativo para que a renda de um salário mínimo recebida por seu cônjuge idoso, seja excluída a partir do requerimento administrativo, em 27/11/2017.
Ocorre que, o atendimento ao pleito da Impetrante, tal como formulado, importará, inevitavelmente, afronta às Súmulas do C. STF de nº 269 ("O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança") e 271 ("Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria").
Ademais, tal pleito não está autorizado pela Lei do Mandado de Segurança - Lei nº 12.016/2009, verbis:
"Art. 14.  Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. 
(...)
§ 4o  O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial."

Portanto, considerando que o mandado de segurança não pode ser utilizado como ação de cobrança, nem para postular vantagens econômicas pretéritas, reconheço que a via utilizada pelo Impetrante não é adequada a sua real pretensão.
A pretensão para recebimento de parcelas  retroativas deve ser feita  por meio  da ação própria, via procedimento comum.
Assim, diante da regra do inciso IV do art. 485 do vigente  Código de Processo  Civil devo, de ofício(§ 3º do art. 485, CPC) extinguir o processo, sem resolução do mérito.
3- Dispositivo
Posto ISSO,
3.1- Defiro à Parte Impetrante, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita, sob as condições estabelecidas na fundamentação supra;
3.2- De ofício, reconheço a inadequação da via processual eleita, e extingo o processo sem resolução do mérito(CPC, art. 465, IV, §3º).

Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório.
R.I.
Recife, 23.07.2020.
 Francisco Alves dos Santos Júnior.
   Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE

quinta-feira, 23 de julho de 2020

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E CELERIDADE. MEIO LEGAL QUE GARANTE A APLICAÇÃO DESSES PRINCÍPIOS. .

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Acrescentou-se o inciso LXXVIII ao art. 5º da vigente Constituição da República Brasileira, pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, com o qual foram introduzidos entre os direitos e garantias individuais desse artigo o princípio da duração razoável do processo e a determinação para fixação de meios que garantam o seu cumprimento por intermédio da observância de outro princípio, o da celeridade, meios  esses que foram implantados pelo Legislador Ordinário, no campo dos tributos, pelo art. 24 da Lei nº 11.457, de 2007, qual seja, prazo máximo de 360(trezentos e sessenta) dias para Administração Tributária julgar processos administrativos, pelos quais os Contribuintes façam algum pleito. 
Na decisão que segue, esse assunto é detalhadamente debatido, inclusive indicando-se importante julgado da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, com efeito repetitivo, a respeito da constitucionalidade do mencionado dispositivo legal. 
Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0809791-12.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: B NE C DE P L E H LTDA
ADVOGADO: A K G L
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
B NE C DE P L E H LTDA, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com Pedido Liminar contra o DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE, autoridade que integra a Receita Federal do Brasil - União Federal no qual pugna por provimento jurisdicional liminar para fins de determinar que proceda, de forma imediata, a análise do(s) pedido(s) de restituição enviado(s) eletronicamente à Secretaria da Receita Federal do Brasil em Recife, em 15/07/2016, há mais de 360 dias. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
Despacho sob Id. 4058300.14662623, no qual se determinou a intimação da Impetrante para juntar aos autos instrumento de procuração outorgando poderes ao advogado a fim de regularizar sua representação processual (Id. 4058300.14662623), o que foi cumprido (Id. 4058300.15313745).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação 
2.1 - A concessão da medida liminar exige a presença simultânea dos dois pressupostos estabelecidos no inciso III do artigo 7º da Lei nº 12.016/2009, quais sejam, demonstração da relevância do fundamento (fumus boni iuris) e perigo da demora (periculum in mora).
No caso em análise, pugna a Impetrante por provimento jurisdicional liminar no sentido de determinar que a DD Autoridade apontada como coatora analise os pedidos de restituição realizados pelo sistema PERD/COMP indicados na inicial, protocolizados em 15/07/2016, portanto, há mais de 360 dias, prazo máximo legal para  tanto, que há muito estaria ultrapassado.
Pois bem.
A todos, no âmbito judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, na forma preconizada no inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.
Na busca da efetivação da garantia constitucional a um processo célere, estabeleceu o Legislador derivado o prazo de 360 dias para a conclusão de processo administrativo de natureza fiscal, conforme norma do art. 24 da Lei 11.457/2007, a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos pelo contribuinte.
Nesse sentido, veja-se o texto desse dispositivo legal:
"Art. 24.  É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.".
Com fulcro nos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade, o STJ pacificou, em sede de recurso especial submetido ao regime do recurso repetitivo previsto no art. 543-C do CPC, o entendimento quanto ao direito subjetivo à prolação de decisão em processo administrativo fiscal de pedido de restituição na forma estatuída pela Lei 11.457/2007.
Eis a ementa desse importante julgado:
"EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
2. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (Precedentes: MS 13.584/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 26/06/2009; REsp 1091042/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; MS 13.545/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/10/2008, DJe 07/11/2008; REsp 690.819/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 19/12/2005)
3. O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto 70.235/72 - Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei 9.784/99, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte.
4. Ad argumentandum tantum, dadas as peculiaridades da seara fiscal, quiçá fosse possível a aplicação analógica em matéria tributária, caberia incidir à espécie o próprio Decreto 70.235/72, cujo art. 7º, § 2º, mais se aproxima do thema judicandum, in verbis: "Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: (Vide Decreto nº 3.724, de 2001) I - o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;
II - a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;
III - o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.
§ 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas.
§ 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos." 5. A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, em seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris: "Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte." 6. Deveras, ostentando o referido dispositivo legal natureza processual fiscal, há de ser aplicado imediatamente aos pedidos, defesas ou recursos administrativos pendentes.
7. Destarte, tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos (art. 24 da Lei 11.457/07).
8. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.".
(STJ, REsp 1138206/RS, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe 01/09/2010) 
Fixadas essas premissas, nota-se, da análise dos autos, que a Impetrante protocolou o Pedido de Ressarcimento nº 10467.720283/2016-51 em 15/07/2016 (vide Ids. 4058300.14599457 e 4058300.14599460).
Vê-se, pois, que resta comprovada a principal alegação da petição inicial, no sentido de que realmente o mencionado prazo legal encontra-se ultrapassado.
Diante de tal contexto e sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que se impõe
3. Dispositivo 
Posto isso:
3.1 - Defiro a medida liminar e determino que a DD Autoridade Impetrada seja notificada para prestar informações, no prazo legal de 10(dez) dias,  bem como para proceder à análise e decisão quanto ao Pedido de Restituição Eletrônico descrito na petição inicial, no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, sob pena de arbitramento de multa, salvo se apontar, em decisão fundamentada, eventuais razões que legalmente justifiquem a impossibilidade de proceder à análise e julgamento aqui determinados;

3.2 - Dê-se ciência do presente feito à União - Fazenda Nacional, por intermédio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional da 5ª Região, na forma e para os fins do  inciso II do art. da Lei n.º 12.016 de 07.08.2009;

3.3 - Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal, para os fins legais.

Intimem-se. Cumpra-se.


Recife, 23.07.2020.


Francisco Alves dos Santos Junior                            






Juiz Federal da 2ª Vara (PE)