sábado, 3 de fevereiro de 2018

O CASO DE UMA ESTUDANTE FRANCESA E A RENOVAÇÃO DO VISTO DE ESTADA PARA FINS ESTUDANTIS

Por Francisco Alves dos Santos Jr

Na sentença que segue se discute um pequeno problema internacional, de renovação de visto de uma estudante francesa, para estada no Brasil com finalidades estudantis. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0802038-77.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A, registrada eletronicamente.
EMENTA.- ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. PRORROGAÇÃO DE VISTO TEMPORÁRIO DE ESTUDANTE ESTRANGEIRA.
-Se resta incontroverso ser regular a vida estudantil da Autora perante a Universidade brasileira, não pode a Autoridade Consular, tampouco a Autoridade Policial Federal contra ela instaurar procedimento ou processo tendente a deportá-la, devendo, sim,  conceder-lhe prorrogação do visto de estada no Brasil, sobretudo quando se trata de uma esforçada jovem carente francesa que aqui estuda com bolsa paga por Entidade Filantrópica Internacional.  
- Procedência do pedido.

Vistos etc.
1-Relatório
L. G T R B, nacional da República Francesa, estudante, nascida em 27/01/1993, portadora do Registro Nacional de Estrangeiro nº G062684-T propôs em 06/04/2015 a presente "AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO" com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face da UNIÃO, por meio da Defensoria Pública da União - DPU. Inicialmente, requereu os benefícios da justiça gratuita bem como a observância das prerrogativas da DPU em Juízo. Alegou, em síntese, que: seria cidadã da República Francesa e ingressara no território brasileiro em 26/08/2014, com o objetivo de cursar o mestrado em economia solidária junto à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sendo-lhe concedido visto de estudante pelo período de 7 (sete) meses; sua matrícula no referido curso de graduação teria sido possível graças a convênio firmado entre a UFPE e a universidade francesa SciencesPo Grenoblea qual estaria vinculada; após cursar o semestre do mestrado de economia solidária teria permanecido vinculada à UFPE, ainda mediante convênio entre as instituições de ensino, com vistas a cursar cadeira da Graduação de Música,bem como realizar estágio referente ao mestrado em economia solidária; como afirmaria a própria UFPE no Ofício DRI nº 012/2015, devido ao prazo interno de processamento de matrículas da universidade, a Autora apenas teria obtido o comprovante de matrícula, essencial para o pedido de prorrogação do visto de estudante, após já escoado o prazo para requerer a prorrogação; ao comparecer à Delegacia de Imigração da Polícia Federal, não teria sido aceito o protocolo de seu pedido de prorrogação, sob o argumento de que já estava  expirado o prazo e lhe teria sido imposta multa no valor de R$ 41,39 (quarenta e um reais e trinta e nove centavos), que teria sido paga;também teria sido notificada a deixar o país no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de deportação;permaneceria matriculada da graduação em Música da UFPE; estaria em risco de ser deportada a qualquer momento, após o dia 8 de abril de 2015; a decisão de indeferimento da prorrogação seria ilegal, contrária à prova dos fatos e, mais que isso, violaria qualquer noção de proporcionalidade ou razoabilidade no regime jurídico-administrativo e,mais além, na gestão da permanência de estrangeiros em território nacional; aduziu que o art. 38 da Lei 6.815 de 1980 seria inaplicável ao caso. Discorreu sobre o o direito fundamental à educação e acerca da dignidade da pessoa humana e cooperação internacional. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final: "a) a concessão do benefício da Justiça Gratuita, diante dasua condição de hipossuficiência econômica, nos termos da Lei 1.060/50 (declaração denecessidade e outorga de poderes à Defensoria Pública da União anexa); b) a intimação pessoal da Defensoria Pública da União, bem como o reconhecimento da contagem em dobro de todos os prazos processuais, nos termos dos arts. 4º, V, e 44, I, da Lei Complementar 80/94 (com a redação dada pela Lei Complementar 132/09); c) a concessão de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA inaudita altera pate, emitindo ordem judicial equivalente à de salvo-conduto que impossibilite a deportação da autora, e garanta a expedição de documento de identificação provisório até o final de seus estudos, que ocorrerá em setembro de 2015; d) a citação da parte demandada, para, querendo, contestar o pedido no prazo legal; e) ao final, a total procedência do pedido, procedendo-se à definitiva anulação do ato administrativo de deportação da autora, com anulação de todas as multas impostas com relação a sua suposta estada irregular e garantia de prorrogação de seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos junto à UFPE; f) a condenação da parte demandada em honorários advocatícios, fixados equitativamente nos termos do § 4º do art.20 do CPC e revertidos para o "Fundo para Capacitação Profissional e Aparelhamento da Defensoria Pública, decorrente das verbas sucumbenciais da atuação dos Defensores Públicos Federais" . Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa.

Decisão, na qual se concedeu à parte Autora o benefício da assistência judiciária gratuita; determinou a intimação da União para manifestação sobre o pleito de antecipação de tutela e que a União se abstivesse de realizar qualquer procedimento tendente à deportação da estudante estrangeira, até nova deliberação; e determinou a citação da União.

A União apresentou manifestação acerca do pedido de antecipação da tutela, alegando, em síntese, que: não haveria comprovação de hipossuficiência econômica da Autora a justificar a representação pela Defensoria Pública da União, sequer teria sido juntada declaração confirmando o alegado; a Autora residiria em bairro nobre da capital pernambucana e não receberia apoio financeiro da UFPE; assim, não se poderia presumir a hipossuficiência financeira da Autora. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, I e VI c/c o art. 295, II, ambos do CPC/1973. Arguiu preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois, segundo alega, inexistiria até o atual momento qualquer ato administrativo de deportação; a própria Autora teria reconhecido que teria extrapolado o prazo de estada no país; a prorrogação de prazo do visto temporário até o fim dos estudos na UFPE importa não fixar termo de permanência no país; portanto, os pedidos não seriam possíveis, pois partiriam de pressupostos equivocados. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito com fundamento no art. 267, VI do CPC. No mérito, alegou, em síntese, que inexistiriam os requisitos necessários à pretendida antecipação de tutela; a concessão da liminar estaria vedada diante do disposto no §3º do art. 1º da Lei n 8.437/92, que impediria a concessão de liminares de índole satisfativa; não estariam presentes a fumaça do bom direito e a prova inequívoca; não existiria direito potestativo do estrangeiro à permanência no território nacional, e o Judiciário não poderia adentrar na esfera de competência reservada ao Poder Executivo; consoante se depreenderia da inicial e documentos colacionados, a autora poderia permanecer no país até odia 26/03/2015, com amparo no art. 13, IV e art. 14, ambos da Lei nº 6.815/80; o acolhimento do pedido da Autora significaria a substituição da apreciação técnico-jurídica da Função Executiva por um juízo próprio da Função Jurisdicional, o que significaria ingerência indevida. Invocou os arts. 26 e 5º da Lei nº 6.815/80 e aduziu que a entrada ou a permanência de estrangeiro no Brasil observaria a Lei nº 6.815/80, o Decreto n.º 86.715/81 e Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, como a Resolução Normativa n.º 77; portanto, caberia ao estrangeiro interessado apresentar - tempestivamente - a documentação exigida pelos órgãos de controle da imigração; seria vedada a legalização da estada irregular, fato que teria sido confessado na Inicial, de acordo com o disposto no art. 38 da Lei 6.815/80; a Autora estaria pretendendo que o Judiciário se imiscuísse nas questões interna corporis do Executivo sem que houvesse qualquer evidência de ilegalidade ou abuso de poder; o procedimento administrativo adotado pela Polícia Federal teria seguido os trâmites de estilo. Acerca da prorrogação do visto de estudante, transcreveu os arts. 64, 66, 67 e 137 do Decreto n.º86.715/81, e aduziu que, nos termos dos citados dispositivos, o pedido de prorrogação deveria ser feito antes do termino do prazo concedido anteriormente e com prova do aproveitamento escolar e garantia de matricula; todavia, a Autora não teria cumprido as referidas normas, tampouco apresentado recurso em tempo hábil. Transcreveu as informações neste sentido prestadas pelo Departamento da Polícia Federal (Oficio n235-2015 DELEMIG-DERX-SR-PF-PE em anexo), as quais revelariam que: "(i) Não obstante o prazo de estada da autora findasse em 26.03.2015, esta somente compareceu à unidade da DPF em 31.03.2015, sem levar qualquer documento que comprovasse o motivo de seu retardo;(ii) Posteriormente, em 02.04.2015 novamente compareceu à DPF, onde expôs verbalmente sua situação. À ocasião foi orientada a apresentar recurso, devidamente instruído, até o dia 06.04.2015, nos termos do art. 137 do Decreto n.º 86.715/81. Mais uma vez a autora se quedou inerte.(iii) Não foi levado ao conhecimento da DPF (seja no prazo de estada regular - até 26.03.2015 , seja no prazo de oferecimento de recurso - 06.04.2015 ) o documento oriundo da UFPE, de 25.03.2015, que atestava que a autora encontrava-se matriculada naquela instituição." Aduziu que a Autora poderia, em tempo hábil, ter apresentado a documentação junto a DPF, mas não o teria feito; portanto, não teria havido qualquer atitude ilegal, desproporcional ou não-razoável por parte da DPF; a Autora, inexplicavelmente, não teria observado qualquer dos prazos a ela concedido, inclusive quando já dispunha da documentação hábil a comprovar sua condição de estudante matriculada; portanto, a estada irregular da Autora teria se dado por ato a ela imputável, já que poderia, em tempo hábil,ter apresentado a documentação necessária à apreciação de seu pleito; portanto, não se poderia cogitar da inaplicabilidade do art. 38 da Lei 6.815, pois restaria evidente a situação irregular da Autora; acrescentou que a Autora não teria providenciado qualquer comprovação do seu aproveitamento escolar, seja perante a autoridade administrativa, seja nos presentes autos; portanto, a autoridade administrativa teria agido dentro da estrita Legalidade; aduziu que os atos da Administração Pública seriam vinculados ao princípio da legalidade; não teria havido violação ao direito fundamental à educação, à dignidade da pessoa humana, da cooperação internacional, da razoabilidade e da proporcionalidade; em nenhum momento teria sido negado o direito à educação à Autora. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais ao longo de sua peça e requereu, ao final, o acolhimento das preliminares; ou, acaso ultrapassadas, o indeferimento do pedido de tutela antecipada.

Em seguida, a União apresentou Contestação, reiterando os argumentos lançados quando de sua manifestação sobre o pedido de concessão da tutela antecipada, e aduzindo que não seria possível a condenação da União em ônus sucumbenciais, em caso de procedência do pedido, haja vista que a Autora estaria sendo patrocinada pela Defensoria Pública da União; seria aplicável ao caso a Súmula nº 421 do STJ, que determinariaa impossibilidade de concessão dehonorários à Defensoria Pública, bem como o art. 46, III, da LeiComplementar nº 80/94. Ao final, requereu: o acolhimento das preliminares; ou acaso ultrapassadas, a improcedência do pedido, requerendo a juntada do Ofício nº 235/2015-DELEMIG/DREX/SR/DPF/PE, como parteintegrante da Contestação.

Despacho que intimou a parte autora para apresentar Réplica.

A parte autora apresentou Réplica à Contestação alegando, em síntese, que: estaria comprovada a sua hipossuficiência a justificar a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e a atuação da DPU em seu patrocínio; aduziu que estaria juntando declaração de pobreza na qual atestaria não dispor de condições financeiras para custear as despesas do processo, tampouco honorários de advogado; esclareceu que residiria no endereço informado na petição inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcariam com as despesas da casa; teria sua subsistência assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa à qual se encontraria vinculada; portanto, restaria demonstrado que a Autora seria pobre na forma da lei e faria jus à assistência jurídica gratuita, pelo que não haveria que se falar em extinção do feito em face de ausência de comprovação da hipossuficiência econômica; igualmente rebateu a alegação de impossibilidade jurídica do pedido; aduziu que não seria aplicável ao caso o art. 38 da Lei nº 6.815/80 porque a Autora não estava irregular no Brasil; a situação de irregularidade teria sido provocada pela exigência burocrática de que apenas poderia ingressar com o pedido de prorrogação após obter o comprovante de matrícula, o qual, por sua vez, teria sido emitido extemporaneamente; portanto, seria manifesta a ilegalidade do não recebimento de prorrogação, e nula a sua notificação para sair do País, visto que a situação de irregularidade não teria sido por ela provocada; seu único objetivo seria renovar o visto temporário de estudante, nos termos do art. 13, IV e 34 do Estatuto do Estrangeiro, e não pedir visto novo; a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais admitiria o controle judicial dos atos administrativos de deportação, e  reconheceria a quebra de juridicidade em vários casos semelhantes ao presente; seriam devidos honorários de sucumbência, os quais seriam destinados ao Fundo de Aperfeiçoamento Profissional da Defensoria Pública da União - FUNADP, devidos a Defensoria Pública da União nas ações em que participe; teria sido aberta, em banco oficial, conta especial sob o título "Fundo para Aperfeiçoamento e Capacitação Profissional da Defensoria Pública da União", à conta e ordem da Defensoria Pública da União, com autorização do Tesouro Nacional, exclusivamente para receber as receitas destinadas ao Fundo (Caixa Econômica Federal, Agência 0002, Conta Corrente 10.000-5,Operação 006 órgãos públicos, CNPJ 00.375.114/0001-16, Titular: Defensoria Pública da União). Ao final, reiterou os termos da petição inicial.

 Em cumprimento a decisão deste Juízo, a parte autora anexou declaração de pobreza que fora mencionada na Réplica.

 A parte autora ingressou com petição afirmando que, "malgrado liminar deferida com plena produção de seus efeitos, teve seu ingresso no Brasil obstado pela Polícia Federal na data de ontem."; quando do seu regresso a este País, a Polícia Federal teria condicionado sua entrada ao pagamento da multa imposta e que seria objeto desse processo judicial; face à urgência da situação, a Autora teria se visto forçada a efetuar o pagamento da multa; requereu que, quando da sentença de procedência, com a consequente anulação da multa imposta, fosse determinada a restituição dos valores dependidos pela assistida.

 Intimada para se manifestar acerca do alegado pela parte autora na petição acima mencionada, a União alegou, em síntese, que: não teria havido qualquer descumprimento de decisão judicial por parte da Polícia Federal; a União aduziu que não teria havido o deferimento da deferimento da tutela nos termos em que requerida, apenas tendo sido determinado, antes de qualquer manifestação da União, que não fossem efetivadas medidas tendentes à deportação da Autora; a União não teria adotado qualquer medida tendente a sua deportação; a cobrança de multa, ainda em vigência, para permitir a entrada da Autora no país em nada se relacionaria com a deportação; a Autora teria se ausentado do País por vontade própria, e apenas no seu retorno lhe teria sido cobrada o pagamento da multa imposta, cuja exigibilidade não teria sido afastada pela decisão em comento;tal cobrança não equivaleria à deportação e, portanto, não poderia ser relacionada com o descumprimento de decisão judicial, a configurar qualquer necessidade de ressarcimento; reiterou os termos da Contestação e pediu deferimento.

Despacho determinando que a questão da legalidade da multa administrativa imposta à parte autora no curso do processo será apreciada quando da prolação da Sentença; e determinou que as Partes especificassem provas que pretendiam produzir.

As Partes informaram não ter provas a produzir.

É o relatório.

Relatado, fundamento e decido. 

2- Fundamentação

2.1- Preliminares - ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido
Ilegitimidade ativa ad causam
A alegada inexistência da hipossuficiência econômico-financeira da parte autora não restou comprovada pela União, haja vista que a mera afirmação de que a Autora reside em bairro nobre da cidade do Recife não desconstitui a declaração da Autora que fora juntada após a Contestação, de não poder arcar com as custas processuais e com os honorários de advogado (v. declaração - Id. nº 4058300.2080694).
Ademais, em sede de Réplica, a Defensoria Pública da União - DPU informou que a Autora reside no endereço constante da Petição Inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcam com as despesas da casa.
A DPU também esclareceu que a subsistência da Autora aqui no Brasil é assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa a qual se encontra vinculada.
Acrescente-se que, por imposição legal - art. 98 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que se encontrava em vigor na época dos fatos - ao estrangeiro portador de visto temporário de estudante era vedado "o exercício de atividade remunerada por fonte brasileira.", o que reforça a ideia de que a Autora é realmente carente em termos financeiros.
Nessas circunstâncias, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam arguida pela União.
Impossibilidade jurídica do pedido
As razões aduzidas pela União a título de preliminar de impossibilidade do pedido confundem-se com o próprio mérito da ação, e terão sua devida análise no momento da análise meritória.
Aliás, a impossibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma das condições da ação com o advento do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), sendo que qualquer alegação nesse sentido é causa de decisão de mérito e não de carência da ação.

2.2 - Mérito
A Autora pretende, em síntese, obter a anulação do ato administrativo que determinou sua deportação, assim como a anulação das multas que lhe foram impostas por que estaria em situação irregular no País e, ainda, pretende ter garantida a prorrogação do seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos na UFPE.
Em sede de antecipação de tutela, requereu: a emissão de ordem judicial equivalente a salvo conduto que impossibilite a sua deportação até o final de seus estudos, que ocorreria em setembro de 2015.
Os documentos anexados aos autos demonstram: a condição de estrangeira de LEA GENEVIEVE TRISTAN RAULIN BRIOT, parte autora, e que ela é nacional da França (Id. nº 4058300.970034); a emissão de visto temporário de estudante, em 05/08/2014, válido pelo prazo de (07) sete meses, com fundamento no art. 13, inciso IV da Lei nº 6.815/80, vinculado à Universidade Federal de Pernambuco (Id. nº 4058300.970025); a Autora fora autuada (Auto de Infração e Notificação nº 0380 00159 2015) em 31/03/2015 pela Delegacia de Polícia de Imigração, por infração ao art. 125, II da referida Lei, tendo-lhe sido aplicada multa de R$ 41,39, pela prática de "ultrapassar em 5 dia(s) o prazo de estada legal no país", e também notificada de que poderia apresentar defesa escrita, no prazo de cinco dias úteis (Id. nº 4058300.970043); a Autora fora notificada (Termo de Notificação 0380 00019 2015) em 31/03/2015, pela Delegacia  de Polícia de Imigração, por estada irregular, a deixar o País no prazo de 08 (oito dias), conforme previsto no art. 98, II do Decreto nº 86.715/81, "a contar da presente data, sob pena de DEPORTAÇÃO, nos termos do Art. 57, da Lei nº 6.815/80, modificada pela Lei nº 6.964/81." (Id. nº 4058300.970043); informação com data de 12/03/2015, prestada pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE de que Léa Raullin Briot, ora Autora, estudante da Siences Po Grenoble, da França, fora autorizada a cursar o "01 semestre", como aluna de convênio, na Graduação em Música da UFPE, no período de março de 2015 a setembro de 2015 (semestre 2015.1), e que a estudante não receberá qualquer tipo de apoio financeiro da UFPE (Id. nº 4058300.970028); Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, subscrito pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE, dentre outras informações, constando que "A referida estudante, devido ao prazo interno de processamento de matrículas de nossa universidade, só pôde adquirir o comprovante de matrícula, documento listado como necessário à renovação do visto, no dia 25 de março de 2015, pois este comprovante só passa a ser emitido pelo Corpo Discente desta instituição no final do período de modificação de matrícula, que se encerrava no dia 26 de março de 2015 e, devido a este contratempo, a estudante acabou perdendo o prazo que constava no seu visto de permanência original. Pedimos, assim, que seja fornecida a ajuda possível à aluna e agradecemos antecipadamente a compreensão."; e comprovante de matrícula emitido em 25/03/2015, pena UFPE, constando a matrícula de Lea Genevieve Tristan Raulin Briot, período 2015.1, disciplina Ritmos Pernambucanos (Id. nº 4058300.970028).   
Segundo informação da Polícia Federal dirigida à Advogada da União, datada de 13/04/2015, a seguir resumida: o prazo de validade do visto concedido a Lea Genevieve Tristan Taulin Briot foi de sete meses, de modo ao expirar em 26/03/2015; a requerente, ora Autora, compareceu ao Núcleo de Registro de Estrangeiros com a finalidade de prorrogar o seu visto em 31/03/2015, portanto, além do prazo de estada estabelecido em 26/03/2015; na ocasião, a Requerente/Autora não apresentara prova de que a extemporaneidade de seu requerimento decorrera de razões de força maior, caso fortuito ou por culpa da administração pública; no dia 02/04/2015, a Requerente/Autora teria comparecido à Chefia da Delegacia de Polícia de Imigração e exposto sua situação, pelo que teria sido informada de que deveria providenciar de sua instituição de ensino superior documentação que comprovasse que a referida documentação de matrícula não pôde ser anteriormente obtida por culpa da universidade, e que ela teria até o dia 06/04/2014 (Sic.) para apresentá-la junto com a defesa prévia do seu auto de infração, contudo, teria quedado silente; o Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, pelo qual a UFPE comunicou que o comprovante de matrícula ficou à disposição da Requerente/Autora em 25/03/2015, "nunca chegou a esta Especializada"; supondo que a data do comprovante de matrícula (25/03/2015) está correto, a Requerente/Autora ainda estava dentro do prazo regular de estada para requerer a prorrogação de seu visto, "podendo fazê-lo até o dia seguinte, 26/03/2015, não o fez, contudo, vindo a apresentar-se em data extemporânea;" (Id. nº 4058300.992894)
Os documentos anexados aos autos demonstram que a emissão do visto temporário de estudante em favor da ora Autora teve por fundamento o inciso IV do art. 13 da Lei nº 6.815/80[1], do seguinte teor:
"Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:
(...)
IV - na condição de estudante;"
Demonstram, outrossim, que o prazo de validade do visto concedido à Autora foi de sete meses, de modo a expirar em 26/03/2015, e que Autora pretendia prorrogar o seu visto provisório até o final de seus estudos, em setembro de 2015.
 Acerca da prorrogação do visto temporário de estudante, a Lei nº 6.815/80, no Parágrafo Único do seu art. 14, assim dispõe:
 "Art. 14. O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art. 13, será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais, salvo o disposto no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista.                           
 Parágrafo único. No caso do item IV do artigo 13 o prazo será de até 1 (um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula."
 A prova do aproveitamento escolar e da matrícula são exigências também do Decreto nº 86.715/81, que regulamenta a Lei nº 6.815/80, verbis:
"Art . 67 - O pedido de prorrogação de estada do temporário deverá ser formulado antes do término do prazo concedido anteriormente e será instruído com:
 II - prova:
 § 2º - No caso de estudante, o pedido deverá, também, ser instruído com a prova do aproveitamento escolar e da garantia de matricula."
Noto que a Lei não exige que o Estrangeiro, na situação da ora Autora, tenha que levar a noticiada prova à Polícia Federal, mas sim perante a Autoridade Consular.
E nada consta quanto à perda do prazo para a apresentação do documento relativo ao aproveitamento escolar.
Intui-se que a Autoridade Consular ou a Autoridade Policial competente, caso tenha conhecimento de que algum(a) Estudante estrangeiro(a), na situação da Autora, tenha deixado de levar à qualquer das respectivas Repartições o referido documento, deva investigar perante a Universidade onde o(a) Estudante esteja fazendo o respectivo curso e informar-se quanto à regularidade da sua situação escolar. 
A Autora compareceu ao Departamento de Imigração da Polícia Federal local no dia 31/03/2017, com o seu visto expirado desde o dia 26/03/2017, mas a Universidade, onde ela estudava, atestou, em 25.03.2017,  que era regular a sua situação estudantil
Nesse contexto, não há como considerar irregular a permanência da parte autora no Brasil, pois ela, no período do pedido de prorrogação da sua estada no Brasil, tinha vida regular na Universidade onde estudava. 
Bastava a Autoridade Policial ter feito um telefonema para o setor próprio da referida Universidade para constatar mencionada situação de regularidade.
Não se pode impor a insuperável burocracia à materialidade dos direitos.
Os tempos de   Franz Kafka ficaram p'ra trás, felizmente.
Não há dúvida que a jovem Estudante francesa, ora Autora,  estava regular, tendo havido uma mera falta de diálogo, de comunicação,  entre as Autoridades brasileiras, consulares, policiais e universitárias,  para constatar a mencionada regularidade.
Não pode a Polícia Federal instaurar procedimento ou processo de deportação de estudante estrangeiro(a), antes de investigar se o(a) Estrangeiro(a) encontra-se realmente irregular no País e, no presente caso, data venia, resta incontroverso que, na época dos fatos acima narrados, era regular a situação estudantil da jovem Estudante francesa, ora Autora, fato esse que lhe dava o direito à renovação do visto de estada no Brasil para os fins estudantis narrados nos autos.

3 - Conclusão
Posto ISSO:
3.1 - rejeito as preliminares arguidas pela União;
3,2 - ratifico a decisão inicial, na qual, via concessão de tutela provisória de urgência, determinou-se à UNIÃO que, por seu Órgão próprio, se abstivesse de instaurar contra a Autora procedimento ou processo de deportação e torno essa determinação definitiva, sob as penas das Leis;
3.3 - E julgo procedentes os pedidos desta ação, anulando todo e qualquer procedimento ou processo ou ato tendente à deportação da Autora e condeno a UNIÃO, por seu Órgão Consular e/ou Policial próprio, a regularizar o visto para sua estada no Brasil, para os fins estudantis acima narrados e, como consequência,  anulo todas as multas que tenham sido aplicadas à Autora e condeno a UNIÃO a lhe restituir os respectivos valores, com a atualização pertinente.
3.4 - Deixo de condenar a UNIÃO em verba honorária, porque a causa da Autora está sendo patrocinada pela Defensoria Pública da UNIÃO, ou seja, por Órgão da mencionada Requerida.
3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
R.I.

Recife, 03 de fevereiro de 2018.
Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.

(rmc)




[1]O Estatuto do Estrangeiro foi revogado pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017.

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