terça-feira, 6 de março de 2018

O ICMS E O ISS ENTRAM NA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL

Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
Na decisão que segue, firmou-se o entendimento de que não pode ser aplicado o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, consignado no acórdão relativo ao Recurso Extraordinário - RE nº nº 574.706/PR, que, na repercussão geral, gerou o Tema 69, com relação às bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, pelas razões consignadas na respectiva fundamentação.
 
Boa leitura.  
 
PROCESSO Nº: 0802547-03.2018.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: NE C E S DE O C E
ADVOGADO: R S P
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
 
 
D E C I S Ã O 
 
1. Breve Relatório 
 
NE C E S DE O C E, empresa qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança Preventivo, com pedido de liminar, contra o Ilmo. Sr. Delegado da Receita Federal do Brasil ePor m Recife/PE. Aduziu, em síntese, que: no exercício regular de suas atividades sociais, a Impetrante, uma sociedade limitada, estaria sujeita, por força da legislação vigente, ao recolhimento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica ("IRPJ") e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSLL"), através da sistemática do lucro presumido, instituídos pelas Leis nºs 9.430/96 e 7.869/88, respectivamente; os referidos tributos estariam sendo recolhidos com a inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ("ICMS") / Imposto sobre Serviço - ISS em suas bases de cálculo, devido a interpretação equivocada das normas infraconstitucionais que o cerceiam, que acabariam por violar o conceito de faturamento ou receita definido no artigo 195, inciso I, "b", da CF, seja com a redação antes da Emenda Constitucional n.° 20/98, seja pela redação conferida pela citada Emenda; nesse contexto, teria sido justamente esta a conclusão alcançada pelo Plenário do STF ao julgar o Tema nº 69 das Repercussões Gerais, no último dia 15/03/2017, em sessão amplamente acompanhada e divulgada pela mídia, e por meio da qual o Supremo teria fixado a tese cujo enunciado não deixaria qualquer dúvida sobre seu alcance; o ICMS não comporia a base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS, por não se enquadrar no conceito constitucional de receita ou faturamento de pessoa jurídica; os Egrégios Tribunais Pátrios devido a extensa circulação do referido julgamento pelos veículos de imprensa - noticiado no Informativo do STF nº 857 - 13 a 17 de março de 2017 - sob a óptica do artigo 927, inciso III, do NCPC, já estariam aplicando tal decisão paradigma e inclusive para situações análogas como a exclusão do ISS das bases de cálculo das Contribuições ao PIS e da COFINS, assim como para o IRPJ/CSLL, o que demonstraria o quão patente seria  o vício constitucional abaixo demonstrado. Teceu comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela concessão de medida liminar , nos termos do artigo 7º, inciso III, da Lei nº. 12.016/2009 e do art. 151, inc. IV, do CTN, para que fosse suspensa a exigibilidade do crédito tributário relativo ao montante equivalente ao ICMS/ISS excluído da base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados pela Impetrante. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação

A concessão de liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).
Como se deduz da inicial, a Impetrante  pretende aplicar o entendimento manifestado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, consignado no acórdão relativo ao Recurso Extraordinário - RE nº 574.706/PR, em repercussão geral, para ter atendida a sua pretensão de se suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo IRPJ e da CSLL sobre o valor do ICMS.
2.2.1 - Eis o teor da ementa e da tese de repercussão geral do invocado julgado da Suprema Corte:
"RE 574706 / PR - PARANÁ
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento:  15/03/2017           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017
Parte(s)
RECTE.(S) : IMCOPA IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIA DE ÓLEOS LTDA ADV.(A/S) : LUIS AUGUSTO DE OLIVEIRA AZEVEDO E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE RECDO.(A/S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
Ementa 
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.
4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Decisão
Após o voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), dando provimento ao recurso extraordinário, no que foi acompanhada pelos Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, e os votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Dias Toffoli, negando provimento ao recurso, o julgamento foi suspenso para colher os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello na próxima assentada. Falaram: pela recorrente, o Dr. André Martins de Andrade e o Dr. Fábio Martins de Andrade; pela recorrida, o Dr. Fabrício da Soller, Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada. Plenário, 09.03.2017. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), apreciando o tema 69 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017.".

Nota 2
Disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+574706%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+574706%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/aelef8p
Acesso em 31.01.2018.
Note-se que, na repercussão geral, adotou-se a TESE 69, que destaco:
"O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS".
2.2.2 - Esse d. julgado poderia ser estendido para  a CSLL e IRPJ?
Eis a definição legal de receita bruta, consignada no art. 224 e respectivo Parágrafo Único do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999:
"Art. 224.  A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31).
Parágrafo único.  Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31, parágrafo único).".
Note-se que só não entra na composição da receita bruta o valor dos impostos não cumulativos, cobrados destacadamente do comprador ou contratante e dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.
Não é o caso do ICMS, o qual não é cobrado destacadamente na nota Fiscal do Fornecedor, como sói acontecer, por exemplo, com o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, pois o ICMS faz parte integrante e indissociável do preço, eis que também faz parte da sua base cálculo, conforme a regra que segue da Lei Complementar nº 87, de 1996, que traça as regras gerais sobre o ICMS, verbis:
" Art. 13 (...).
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput  deste artigo:      (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)
I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;"
Ou seja, o ICMS é apenas indicado na nota fiscal do Fornecedor para fins de mero controle, mas não destacado, nesse documento fiscal, tampouco é cobrado de forma destacada, porque já incluído na respectiva base de cálculo, no preço da mercadoria, pois é calculado "por dentro",  diferentemente do IPI, que é calculado "por fora" e é cobrado de forma destacada, à parte do preço do produto.
Num exemplo simples: imaginemos uma mercadoria submetida a ICMS sob alíquota de 17% e IPI de 10%. Se o preço da mercadoria fosse R$ 100,00, seria indicado como valor do ICMS, num quadro próprio do corpo da nota fiscal, a quantia de R$ 17,00. E a quantia de R$ 10,00, relativa ao IPI, logo abaixo do preço, de forma que o valor total seria de R$ 110,00. Note-se, o ICMS já fazia parte do preço da mercadoria e foi cobrado dentro do próprio preço, já o IPI foi calculado à parte e cobrado "por fora", sendo adicionado ao preço da mercadoria.
Este, o IPI, não faz parte da receita bruta. Aquele, o ICMS, faz parte.
2.2.3- Do IRPJ e CSLL
Por sua vez, em relação ao IRPJ e à CSLL, que, na apuração pelo lucro presumido, caso da Impetrante, têm por base de cálculo o resultado da aplicação de um determinado percentual sobre o valor da receita bruta, não vejo como excluir dessa receita bruta o valor do ICMS, para só depois apurar a base de cálculo daqueles tributos.
Não há base legal para isso, pelas razões expostas acima.
Com efeito, pela Lei só não entra na composição da receita bruta os impostos não cumulativos e cobrados destacadamente nas notas fiscais, como ocorre, por exemplo, com o IPI. E, conforme vimos, o ICMS, embora não cumulativo, não é cobrado destacadamente, uma vez que faz parte indissociável do próprio preço, sendo indicado na nota fiscal apenas para mero controle do Fisco. Aliás, também como vimos acima, o ICMS incide sobre o seu próprio valor.
Se este Órgão Judicial atendesse a esse pleito da Impetrante, estaria ferindo a regra do § 6º do art. 150 da Constituição da República, segundo a qual qualquer tipo de desoneração tributária só pode ser concedida por Lei específica.  Vale dizer, esse Órgão Judicial estaria usurpando as funções do Chefe do Poder Executivo Federal que, por força da redução de receitas, tem competência exclusiva para iniciativa da elaboração da Lei(art. 165 da Constituição) e do Poder Legislativo, na confecção da Lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo.
Ademais, não há como aplicar, quanto ao IRPJ e CSLL, o  entendimento da Suprema Corte consignado no RE nº 574.706/PR, porque específico para COPIS-PASEP e COFINS, contribuições voltadas para a saúde pública.
2.2.4. Da aplicação do entendimento do RE nº574.706/PR ao ISS
A Impetrante também pediu que se aplique o entendimento do mencionado julgado da Suprema Corte com relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, regido pela Lei Complementar 116, de 2003, da competência dos Municípios, e pelas Leis de cada Município. 
Ou seja, quer também que se retire da base de cálculo do IRPJ e da CSLL
Data venia, isso não me parece possível.
Primeiro, porque o argumento de que o valor relativo ao ISS não é da Empresa, mas sim do Município, é apenas em parte verdadeiro, porque entra na receita bruta da Empresa, compõe o seu preço e finda por ser repassado para o Cliente da Empresa. Na verdade, quem paga, finalisticamente esse tributo, é 0 Cliente da Empresa e esta apenas o repassou para o Município. 
Se não entrasse na composição da receita bruta, seria bom, porque a Empresa poderia cobrar um valor menor do seu Cliente pelos serviços prestados(e isso é uma prova de que esse imposto é indireto), mas essa exclusão depende de Lei e o Judiciário não pode legislar, conforme acima demonstrado.
Segundo, o ISS, embora seja submetido ao lançamento poro  homologação e um imposto indireto, porque repassado no preço dos serviços,  bem parecido, pois, com o ICMS, tem o restante da sua estrutura jurídico-legal e constitucional bem diversa, pois não é um imposto não cumulativo, tampouco o seu valor faz parte da sua própria base de cálculo(v. no subitem supra o detalhamento sobre a estrutura jurídico-legal do ICMS), pelo que, segundo a definição de receita bruta, acima estudado, não pode ser dela extraído.
Ora, constata-se na ementa do mencionado Recurso Extraordinário - RE nº 574.706/PR, transcrita no subitem 2.2.1 acima, toda a sua fundamentação foi voltada para o ICMS, um imposto estadual,  tendo em vista a sua estrutura jurídico-legal e constitucional, especialmente o princípio da não cumulatividade ao qual se submete, não tendo, pois, como estender para o ISS, imposto municipal, não submetido à não cumulatividade,  esse julgado da Suprema Corte.
Diante de todo o exposto, o indeferimento do pleito liminar é medida que se impõe.

3. Conclusão

Diante de todo o exposto:
3.1 - Indefiro o pedido de concessão de medida liminar.
3.2 -Notifique-se a DD. Autoridade coatora, para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009) e também que se dê ciência desde writ ao órgão de representação judicial da UNIÃO(a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE), para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3 - No momento oportuno, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal
3.4 - Sucessivamente, voltem-me os autos conclusos para julgamento;
 Intimem-se. Cumpra-se.

Recife, 06.03.2018

Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2aVara-PE.

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