terça-feira, 15 de agosto de 2017

MAIS UM PESADELO NO SUS.




Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue decisão enfrentando mais um dos inúmeros pesadelos diários dos hospitais públicos brasileiros, decorrentes da má-gestão do SUS e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O medicamento está arrolado entre aqueles que devem ser fornecidos pelo SUS, mas no momento em que a Médica o solicita, para aplicação no Paciente, está em falta no dispensário hospitalar, porque a Secretaria Estadual da Saúde não repôs o estoque de acordo com a demanda. Nesse caso, o Judiciário é obrigado a conceder a tutela provisória de urgência de antecipação, liminarmente. 
Boa leitura.
PROCESSO Nº 0811977-13.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: S F C
Adv.: Defensoria Pública da União - DPU
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO, Estado de Pernambuco e Hospital do Câncer
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

D E C I S Ã O
  1.  Breve Relatório

            SEVERINO FRANCISCO CORREIA, assistido pela Defensoria Pública da União, ajuizou  esta Ação Ordinária com pedido de tutela de urgência em face da União, do Estado de Pernambuco e do HOSPITAL DO CÂNCER DE PERNAMBUCO. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que: o autor, com 66 anos de idade, teria sido diagnosticado com Mieloma Múltiplo sintomático (CID 10: C90.0) em estágio avançado, conforme laudos e demais documentos anexos, sendo tratado no Hospital do Câncer de Pernambuco, que seria uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - UNACON; teria sido submetido a diversos tratamentos, quais sejam: Protocolo quimioterápico CTD - Ciclofosfamida, Talidomida e dexametasona; em relatório médico, haveria menção de evolução após 4 ciclos da quimioterapia com piora importante e progressão da doença, além de tromboses extensas impossibilitando o uso da talidomida; atualmente, o autor estaria internado  no Hospital do Câncer na UTI desde o dia 29/06/2017 e, conforme descrição médica, apresentaria franca progressão da doença e insuficiência respiratória; a sua médica assistente, Dra. Danielle Padilha, CRM 13336, teria indicado  a utilização da medicação BORTEZOMIBE, na dose de 3,5 mg, equivalente a 4 frascos ampolas ao mês, por 8 ciclos, totalizando 32 frascos ampolas, como sendo a melhor opção para o caso do assistido; teria procurado o, Sistema Único de Saúde, para o recebimento do medicamento, mas seu fornecimento fora negado pela Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, conforme documentos anexados (demanda com a secretaria de saúde); tal documento demosntraria a insuficiência da medicação para atender o assistido, vez que afirmam que "estamos aguardando uma nova pequena remessa desse medicamento"; desse modo, o medicamento BORTEZOMIBE estaria em falta no Hospital do Câncer há mais de 5 meses e o autor, portanto, estaria sem o tratamento adequado; segundo parecer do Setor Médico da DPU, da lavra de Dra. Raíssa Inojosa Correia - CRM-PE 14809, ''o caso do autor trata-se de situação excepcional a ensejar tratamento diferenciado, uma vez que o assistido apresentou falha de resposta a esquema terapêutico comum fornecido pelo SUS (Ciclofosfamida, Talidomida e dexametasona), evoluindo com piora importante e progressão da doença, bem como se encontra em situação de impossibilidade de utilizar outro tratamento fornecido pelo SUS, tais como alta dose de quimioterapia e transplante de medula óssea.''; o autor não possuiria condições financeiras de arcar com as despesas dessa medicação de alto custo, por ser uma pessoa de baixa renda;  conforme tabela da ANVISA, para as aquisições públicas de medicamentos (Fonte: http://portal.anvisa.gov.br) a medicação BORTEZOMIBE na apresentação de 3,5 MG PÓ LIOF INJ CT FA VD, compreenderia o valor de preço de fábrica máximo variável de acordo com o laboratório entre R$ 2.687,83 a R$ 4.135,02; considerando que o tratamento completo de 8 ciclos totaliza 32 frascos ampolas, o custo total do tratamento teria sido estimado em R$ 86.010,56 (oitenta e seis mil e dez reais e cinquenta e seis centavos). Teceu outros comentários, notadamente acerca do direito à saúde previsto na Constituição.Pugnou, ao final, pela concessão de antecipação da tutela provisória de urgência, inaudita altera parte, para determinar aos réus que forneçam ao demandante, em até 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, o medicamento BORTEZOMIBE, conforme prescrição médica. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação 


2.1 Benefício da Justiça Gratuita


Merece ser concedido à parte Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que o Autor declarou falsamente ser pobre, ficará obrigado ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do CPC).

Outrossim, o benefício ora concedido  abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a parte Autora é assistida por Defensor Público.


2.2. Do pedido de antecipação da tutela


2.2.1 - A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual. O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico da tutela de urgência.

À luz do dispositivo legal em comento, in verbis:

Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.



O adiantamento promovido pela medida emergencial repousa, assim, sobre eficácias inerentes ao pedido articulado na petição inicial, ou melhor, imanentes à sentença que provavelmente o julgará procedente, no todo ou em parte.


2.2.2. Dos Programas Específicos para o tratamento do câncer


O Sistema Único de Saúde já prevê um programa específico para o tratamento do câncer, concretizado através dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e das Unidades de Assistência de Alta Complexidade (UNACONs), que se realiza por meio de cadastramento prévio e, portanto, verificação do caso clínico, encaminhamento e acompanhamento conforme evolução da doença.

Deste modo, para a obtenção de tratamento específico, indispensável a sua sujeição à política pública existente para o tratamento de câncer, estabelecida pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e executada por intermédio dos CACONs, não sendo possível o fornecimento direto de medicamento para tratamento privado.

Somente com a prescrição do tratamento junto aos centros de alta complexidade vinculados ao INCA poderá o paciente postular o medicamento excepcional, não padronizado pelo SUS, e desde que reste comprovado que o tratamento público usualmente fornecido tenha se mostrado ineficaz no combate ao avanço da doença.

Assim, primeiramente, deve o paciente com câncer ser matriculado em estabelecimento de saúde habilitado na área de Oncologia pelo SUS, para receber assistência integral e integrada.

No presente caso, o Autor encontra-se devidamente acompanhado no serviço de oncologia clínica do Hospital de Câncer de Pernambuco (UNACON), restando atendido tal requisito (Id. 4058300.3755110).

Sendo assim, passo a apreciar o pedido da tutela provisória de urgência indicada.


2.2.3. Do pedido de tutela de urgência


O atual sistema constitucional e legal obriga, de forma solidária, todas as Unidades da Federação a prestar serviços e a fornecer remédios e outros materiais na área de saúde a todos que compõem a população brasileira, tendo como única restrição, para fins até mesmo de organização orçamentária, que o SUS relacione os procedimentos, materiais e remédios, que podem ser fornecidos na sua área.

O objetivo desta ação é forçar o Poder Público a fornecer o medicamento BORTEZOMIBE, conforme informação constante na petição inicial, nos seguintes termos:


Em relatório médico, há menção de evolução após 4 ciclos da quimioterapia com piora importante e progressão da doença, além de tromboses extensas impossibilitando o uso da talidomida.
Atualmente, o autor encontra-se internado no Hospital do Câncer na UTI desde o dia 29/06/2017 e, conforme descrição médica, apresenta franca progressão da doença e insuficiência respiratória.
Dessa feita, a sua médica assistente, Dra. Danielle Padilha, CRM 13336, indicou a utilização da medicação BORTEZOMIBE, na dose de 3,5 mg, equivalente a 4 frascos ampolas ao mês, por 8 ciclos, totalizando 32 frascos ampolas, como sendo a melhor opção para o caso do assistido.
Assim, procurou o SUS, Sistema Único de Saúde, para o recebimento do medicamento, mas seu fornecimento foi negado pela Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, conforme documentos anexados (demanda com a secretaria de saúde), os quais demonstram a insuficiência da medicação para atender o assistido, vez que afirmam que "estamos aguardando uma nova pequena remessa desse medicamento".



Sendo assim, da leitura da Inicial, há de se inferir que  o medicamento solicitado possui repasse pelo SUS, mas está em falta, conforme informação constante no documento intitulado " Demanda com a Secretaria de Saúde" (Id. 4058300.3755098), verbis:

Recebemos a manifestação por meio de 0800 no qual a cidadã relata que seu pai, o Sr. Severino Francisco Correia é paciente do Hospital do Câncer, onde faz tratamento oncológico. Descreve que a medicação Velcade, necessária para que ele faça tratamento de quimioterapia esta em falta porque a Secretaria Estadual de Saúde não enviou e não informam previsão para chegada.
Após análise atentamente efetuada, confirmamos que esteve efetivamente em falta o medicamento constante na presente demanda da ouvidoria de saúde, mas informamos que foi registrada uma pequena entrada deste fármaco no estoque do armazém central ALCLOG, estando, no momento a serem efetuados os procedimentos e protocolos obrigatórios para poder ser liberado mais rapidamente possível, às Farmácias de Pernambuco, pelos motivos acima mencionados. O usuário deverá comparecer na farmácia de Pernambuco da área de sua residência, para receber ou para ter conhecimento da data e da ordem de distribuição pela fila de espera, a fim de resolver a situação de pendência com a celeridade necessária.



Ora, se o medicamento foi arrolado pelo Órgão próprio do SUS, teria que estar disponível no dispensário dos Hospitais Públicos e nos estoques das Farmácias Públicas. 
Se não está, por algum problema de má-gestão, cabe ao Judiciário conceder prazo para a sua obtenção e pronto repasse para o tratamento do Paciente, observadas as regras legais e processuais acima indicadas. 
É o caso destes autos.

3. Conclusão



Posto isso:


a) defiro os benefícios da assistência judiciária gratuita, com as ressalvas constantes no item 2.1 supra.


b) defiro, também, a tutela provisória de urgência antecipatória e concedo ao Estado de Pernambuco o prazo máximo de 7(sete)dias corridos para fornecer o medicamento acima indicado para tratamento do Autor, no Hospital onde se encontra ou onde se encontrar no momento da entrega, sob pena de pagamento de multa diária, a favor do Autor, no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), sem prejuízo da responsabilização administrativa, civil e criminal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao seu pagamento, ficando a UNIÃO obrigada a ressarcir o Estado de Pernambuco, oportunamente, caso a despesa com a aquisição do referido medicamento ultrapasse o valor que a UNIÃO é obrigada a repassar, pelo SUS, para mencionado Estado;


c) Citem-se as partes Rés, na forma e para os fins legais e intime o Estado de Pernambuco, por meio do seu Órgão próprio de representação judicial para dar efetivo cumprimento à decisão supra, com a urgência que o caso requer.


d) Observe a Secretaria as prerrogativas inerentes à Defensoria Pública da União.


Intime-se.



Recife, 15 de agosto de 2017. 


Francisco Alves dos Santos Júnior


Juiz Federal, 2ª Vara/PE

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