quarta-feira, 29 de março de 2017

NÃO INCIDEM JUROS COMPENSATÓRIOS, NEM DE MORA, NOS REPASSES TRIBUTÁRIOS CONSTITUCIONAIS DA UNIÃO PARA OS MUNICÍPIOS.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior.

Na sentença que segue são discutidos interessantes assuntos de direito constitucional e financeiro, no que diz respeito aos repasses tributários da UNIÃO para os Municípios. 

Sentença pesquisada e minutada pela Assessora Luciana Simoes Correa de Albuquerque

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0801081-42.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: MUNICIPIO DE INAJA
ADVOGADO: B R P M
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


Sentença tipo A, registrada eletronicamente.

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO


Não incide juros de mora, que tem natureza indenizatória, quando a União repassa para o mencionado Fundo as parcelas previstas nas alíneas 'd' e 'e' do inciso I do art. 159 da vigente Constituição da República dentro dos prazos fixados nesses dispositivos constitucionais.
Outrossim, não há que se falar em juros compensatórios, por falta de expressa previsão legal.

Improcedência.


Vistos, etc.

1. Breve Relatório

O MUNICÍPIO DE INAJÁ/PE, devidamente qualificado na inicial, propôs esta ação ordinária, com pedido de liminar inaudita altera parte, em face da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL). Alegou, em síntese, que: a) o Fundo de Participação dos Municípios, como uma das modalidades de transferências de recursos financeiros da União para os Municípios, está previsto no art. 159, inciso I, alíneas "b", "d" e "e" da Constituição Federal; b) a partir da entrada em vigor das Emendas Constitucionais nº 55/2007 e 84/2014, o repasse ao Fundo de Participação dos Municípios deveria ser de 24,5% do produto da arrecadação dos impostos federais sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados; c) deste percentual, ser 1% entregue no primeiro decênio do mês de dezembro de cada ano e 1% no primeiro decênio do mês de julho de cada ano, sendo os demais 22,5% entregues mês a mês; d) o valor correspondente aos 22,5% da arrecadação líquida do IR e do IPI é repassado pelo Banco do Brasil nas contas correntes dos Municípios, de acordo com os valores que lhes cabem; e) com relação ao percentual de 2% da mesma arrecadação, a Secretaria do Tesouro Nacional credita numa conta específica do SIAFI, quantias que vão sendo acumuladas pelo período de um ano, quando então, são distribuídos no primeiro decêndio do mês de julho e depois no primeiro decêndio de dezembro; f) os mencionados 2% seriam depositados e acumulados e renderiam juros na Conta Única da União e só seriam entregues no ano seguinte até o repasse ao FPM; g) quando o repasse dos 2% é feito, a União teria apenas repassado o valor do principal sem o acréscimo dos juros ocorridos no período; h) os juros que seriam gerados sobre os valores dos 2% e depositados na conta da União, deveriam ser repassados aos Municípios e não terem sido apropriados pela União. Fundamentou sua pretensão com base na legislação pátria, juntou documentos e ao final requereu:
    "a) LIMINARMENTE, a concessão da medida antecipatória INAUDITA ALTERA PARTE, diante da presença dos requisitos autorizadores da medida, a saber, a prova inequívoca, a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, todos comprovados no bojo desta petição, para determinar que a Ré repasse as próximas cotas-extras do FPM relativas aos 2% (dois por cento) da arrecadação de IR e IPI acumulados durante todo o ano e a serem entregues apenas em 10 de julho (art. 159, I, 'e', CF/88 - 1%) e 10 de dezembro (art. 159, I, 'd', CF/88 - 1%) conjuntamente com os juros e que incidiram sobre os respectivos valores no período entre a efetiva arrecadação e seu repasse, vedando que a mesma se aproprie dos mesmos, notificando-se o SECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL e o SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL para cumprimento da decisão, determinando-se ainda que seja comprovado contabilmente o cumprimento da tutela antecipada, sob pena de multa diária não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e as demais cominações legais cabíveis;
     b) que seja citada a União, na pessoa de seu representante legal na Fazenda Nacional, no prazo da Lei, para responder aos termos da presente ação;
    c) que a Fazenda Nacional seja notificada para que  proceda  com  o  registro  contábil,  financeiro e orçamentário dos juros pagos pelo Banco Central junto com o valor do principal (2% do valor de IR e IPI arrecadado no período), a fim de evitar que a União disponha dos referidos valores;
     d) no mérito seja julgado procedente o pedido formulado nesta ação, confirmando-se a tutela antecipada, para determinar que a União repasse as cotas-extras do FPM relativas aos 2% (dois por cento) da arrecadação de IR e IPI acumulados durante todo o ano e a serem entregues apenas em 10 de julho (art. 159, I, 'e', CF/88 - 1%) e 10 de dezembro (art. 159, I, 'd', CF/88 - 1%) conjuntamente com os juros pagos pelo Banco Central do Brasil e que incidiram sobre os respectivos valores no período entre a efetiva arrecadação e seu repasse, vedando que a mesma se aproprie dos mesmos;
    e) por se tratar de desconstituição de ato administrativo-financeiro realizado unilateralmente pela União, dispensa-se a expedição de precatório, do que se requer seja autorizada a devolução da quantia não repassada à conta do Município Autor, a ser depositada neste juízo em favor da Municipalidade.
    f) o pagamento, pela União, da correção monetária e juros, pela TAXA SELIC, das verbas não repassadas nos últimos 5 (cinco) anos;
    g) que seja condenada a União nas custas e honorários advocatícios no percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação."
Decisão exarada em 24/02/2016, indeferindo o pleito antecipatório (Id. 4058300.1724227).
A União apresentou Contestação (Id. 4058300.1847893). Defendeu a ausência de interesse processual do pedido no que tange ao 2% do produto de arrecadação do produto da arrecadação do IR e do IPI creditado ao FPM no mês de dezembro de cada ano retroativo a 05 anos anteriores ao ajuizamento da ação, uma vez que tal obrigação de receita só teria passado a existir a partir da Emenda Constitucional n. 84. Defendeu, ainda, que o prazo prescricional previsto para o caso em análise seria de três anos. No mérito, alegou, em apertada síntese, inexistência de previsões constitucional, legal e infralegal no que se refere ao repasse com tais acréscimos de juros, como pretendido. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.
Réplica apresentada em 19/05/2016 ( Id. 4058300.1985837), reiterando os termos da Inicial e rebatendo os argumentos da defesa.
 É o relatório, no essencial.

2. Fundamentação

2.1. Da ausência de interesse processual em relação à parte do pedido.

Suscitou a União a preliminar de ausência de interesse processual no que tange ao 1% do produto da arrecadação do IR e do IPI creditado ao FPM no primeiro decênio de julho de cada ano retroativo a 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Isso porque, tal obrigação de transferência de receita só teria passado a existir a partir da Emenda Constitucional nº 84, de 02 de dezembro de 2014, ou seja, eventual condenação não poderia retroagir a 5 anos do ajuizamento da ação no que tange a essa parcela.
Com parcial razão a UNIÃO, pois, se procedente o pleito, as parcelas previstas na aínea 'e' do inciso I do art. 159 da vigente Constituição da República só poderá retroagir a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 84, que é de 2014, Emenda essa que introduziu mencionada alínea no referido inciso I do indicado artigo constitucional.

2.2. Da prescrição

Alegou, ainda, a União não se aplicar, ao presente caso, a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto nº 20.910/1932, aduzindo ser aplicável a prescrição trienal, normatizada no art. 206, § 3º do Código Civil, sob o argumento de não estar o demandante buscando o cumprimento de uma obrigação principal da União, mas sim a pretensa imposição acessória referente a eventuais juros incidentes entre a arrecadação e o repasse.
Contudo, é de ver-se que o Decreto nº 20.910/1932 não faz distinção sobre a sua aplicação se dar apenas em relação às obrigações principais atinentes à União. Ao contrário, a referida norma estabelece que a prescrição qüinqüenal deve ser aplicada a quaisquer dívidas da União, seja qual for a sua natureza.Confira-se:
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem".
Ante tais considerações, aplicável, ao caso concreto, a norma do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.

2.3. Do julgamento antecipado

Julgo este feito antecipadamente, por não divisar necessidade de dilação probatória(art. 355, I, do novo Código de Processo Civil). 
Pretende o Município-autor que a União seja obrigada a incluir juros de mora, contados da data da arrecadação até a data do repasse, relativamente às verbas indicadas nas alíneas 'd' e 'e' do inciso I do art. 159 da vigente Constituição da República.
Sustenta o autor correrem juros entre a arrecadação e o repasse de tais percentuais, isto é, durante o tempo que o numerário permanece na conta única do Tesouro Nacional, na forma da MP 2179-36/2001, não sendo, contudo, repassados pela União ao FPM, mas tão somente o valor do principal, apropriando-se a União indevidamente dos valores correspondentes.
Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 159:
"Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 84, de 2014)
a) [...];
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) [...];
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 55, de 2007)
e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;" (Incluída pela Emenda Constitucional n.º 84, de 2014)".
No que tange à periodicidade dos referidos repasses, na regulamentação dos dispositivos constitucionais, estabeleceu-se que a cada decêndio seriam repassados os valores referentes aos 22,5% devidos ao FPM, conforme sistemática instituída pela Lei Complementar n.º 62/1989, cujo art. 4.º prescreve:
"Art. 4°. A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação:
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia;
II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia;
III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente."
Já no tocante aos valores adicionais estabelecidos nas alíneas "d)" e "e)" do inciso I do art. 159 da CF/88, o próprio dispositivo constitucional estabelece as datas em que devem ser feitos os repasses, quais sejam, o primeiro decêndio de dezembro e de julho de cada ano, respectivamente.
Questiona-se, no caso, se são devidos juros pela União no repasse dos valores devidos ao FPM, bem como se os juros são devidos mesmo que os repasses sejam realizados dentro dos prazos estabelecidos na Constituição Federal e nas leis de regência.
É sabido que a doutrina jurídica classifica os juros, quanto ao seu fundamento, em juros moratórios e juros remuneratórios. Os primeiros têm natureza indenizatória, pois decorrem de crédito em face do não pagamento efetuado no tempo oportuno. O segundos, também chamados de compensatórios, são aqueles devidos ao credor com objetivo de remunerar o empréstimo do capital. Têm natureza distinta dos juros moratórios (devidos pela inadimplência) e podem ser classificados em convencionais (taxas pactuadas) e legais (taxas previstas em lei).
O Município autor fundamenta seu pedido no argumento de que os valores que lhe são repassados permanecem, durante certo período, depositados em conta da União e que, por isso, rendem juros pagos pelo Banco Central, nos termos da Medida Provisória n.º 2.179-36/2001.
Tal MP, que rege as relações financeiras entre a UNIÃO e o Banco Central do Brasil, estabelece o seguinte:
"Art. 1º.  As disponibilidades de caixa da União depositadas no Banco Central do Brasil serão remuneradas, a partir de 18 de janeiro de 1999, pela taxa média aritmética ponderada da rentabilidade intrínseca dos títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal interna de emissão do Tesouro Nacional em poder do Banco Central do Brasil".
Observa-se, da norma transcrita, que se trata de relação obrigacional estabelecida entre o Tesouro Nacional (UNIÃO) e o Banco Central do Brasil, em que se estabelece a remuneração do capital da União que esteja depositado na referida autarquia.
Note-se, contudo, que tal previsão normativa não abrange terceiros com quem referidas pessoas jurídicas tenham obrigações de qualquer natureza. Não existe, de fato, fundamento normativo para, com base em tal regra jurídica - que estabelece obrigações financeiras entre o BACEN e a UNIÃO - o município em tela pleitear que lhe sejam pagos juros no repasse de sua cota do FPM.
Assim, não há como se obrigar a União a pagar juros, muito menos de mora, pois a União, na medida em que realiza o repasse de valores ao FPM dentro dos prazos constitucionais e legais, não está sendo impontual com sua obrigação.
Conforme estabelece a Lei Complementar n.º 62/1989:
"Art. 4° A União observará, a partir de março de 1990, os seguintes prazos máximos na entrega, através de créditos em contas individuais dos Estados e Municípios, dos recursos do Fundo de Participação:
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês: até o vigésimo dia;
II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês: até o trigésimo dia;
III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês: até o décimo dia do mês subseqüente.
§ 1º [...]
§ 2° Ficam sujeitos à correção monetária, com base na variação do Bônus do Tesouro Nacional Fiscal, os recursos não liberados nos prazos previstos neste artigo."
O dispositivo em destaque é claro no sentido de que apenas é devida a correção monetária quando os recursos do FPM e do FPE não são liberados nos prazos previstos na lei. Ora, se no pagamento pontual não há sequer a obrigação de pagar a correção monetária, menos razões existem para o pagamento de juros.
De outro vértice, tampouco são devidos juros remuneratórios, pois a União não está empregando capital do município que lhe esteja emprestado ou esteja em seu poder. Não se configura hipótese de compensação pelo emprego de capital alheio.
Como acertadamente aduziu a União, na sua defesa, o Legislador da Constituição Federal, por imposição do pacto federativo e aberta à necessidade de fortalecimento político e financeiro dos entes federados menores, consciente da ainda existente centralização econômica no ente federado maior, previu um sistema de repartição de receitas na Seção VI do Capítulo I do seu Título VI, nominado "DA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS". Previu, pois, hipóteses em que parte da arrecadação de tributos das competências tributárias dos entes maiores seriam repartidas com os entes menores, criando, notadamente, duas espécies de repartição.
Na primeira espécie, a Constituição estabeleceu hipóteses em que as receitas, embora decorram de tributos da competência do ente maior, "pertencem" ao ente menor, desde a arrecadação. São as hipóteses dos art. 157 e 158 da CF, este último relativo aos municípios. Confiram-se:
"Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:
I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;
II - vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I.
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;
II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003)
III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;
II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal."
Em tais situações, o produto da arrecadação já pertence ao ente menor desde a sua origem. Tal, evidentemente, não é o caso dos autos.
A segunda hipótese de repartição de receitas se dá na forma de "transferências tributárias", caso vertente. Nessas, o produto da arrecadação pertence ao ente maior, detentor da competência tributária (para instituir o tributo) e da sujeição tributária ativa (competência para exigir e arrecadar o tributo). Porém, a Constituição estabeleceu uma obrigação de transferir parcela do produto da arrecadação ao ente menor; criou, assim, uma obrigação pública de dar quantia certa do ente maior para o ente menor, correspondente a um percentual daquela arrecadação.
Logo, ao invés de o constituinte usar a expressão "pertencem", como nos arts. 157 e 158, usou a expressão "A União entregará" (art. 159, caput, da CF/1988). Nesse último caso, as importâncias só passam ao domínio do ente menor quando são transferidas pelo ente maior.
Desse modo, o município só vem a ser o titular do dinheiro com o repasse nas datas estabelecidas na Constituição. As verbas passam a lhe pertencer apenas, no que concerne ao que é discutido nos autos, passado o primeiro decênio de julho quanto ao primeiro 1% e passado o primeiro decênio de dezembro quanto ao outro 1%.
Não há dúvida, por outro lado, de que o dinheiro é bem móvel fungível, que, como tal, somente tem sua propriedade transferida com a tradição (art. 1.267 do Código Civil).
No caso das receitas de IR e IPI, tem-se que se tratam de tributos de titularidade da União, nos termos do art. 153, III e IV, da Lei Maior. Assim, a competência tributária e a capacidade tributária ativa são atribuídas à União.
O fato de a Constituição Federal prever com rigor a obrigação de repasse de parte da arrecadação de tais impostos aos demais entes políticos internos não significa que a propriedade do produto da arrecadação seja já dos municípios ou dos Estados no momento em que ocorre. O rigor da norma constitucional apenas indica que a União está adstrita à determinação de realizar inexoravelmente a transferência.
Portanto, a titularidade dos valores em apreço é da União, até que sejam entregues aos Estados e municípios. Tanto é assim, que cabe a ela cobrar judicialmente tais valores de IR e IPI. Não é o município ou o Estado, mas sim a UNIÃO, quem, em nome próprio, executa as dívidas de referidos tributos contra os contribuintes inadimplentes.
Desse modo, por não estar se valendo de capital alheio, também não cabe falar em juros remuneratórios. Não se trata de capital que a União tenha obtido por meio de mútuo, tampouco de dinheiro de outrem que esteja em seu poder.
Para ilustrar o entendimento ora adotado, confira-se o precedente que se segue:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPASSE. JUROS INCIDENTES SOBRE OS VALORES ACUMULADOS NA CONTA ÚNICA DA UNIÃO (CTU). ACESSÓRIO QUE SEGUE O PRINCIPAL DE TITULARIDADE DA UNIÃO. INCABIMENTO DE REPASSE DO ACRÉSCIMO PARA O ENTE MUNICIPAL.
1. Apelação de sentença que julgou improcedente o pedido formulado na inicial, não reconhecendo o Município autor como titular dos juros incidentes sobre os valores acumulados na Conta Única da União (CTU), que serão repassados, posteriormente, ao Fundo de Participação dos Municípios, nos termos do art. 159, I, "d" e "e", da Constituição Federal de 1988.
2. Em suas razões, o Município repisa sua tese de que faz jus ao repasse das cotas-extras do Fundo de Participação dos Municípios, relativas aos 2% (dois por cento) da arrecadação de IR e IPI acumulados durante todo o ano e a lhes serem entregues apenas em 10 de julho (art. 159, I, "e", CF/88 - 1%) e 10 de dezembro (art. 159, I, "d", CF/88 - 1%), acrescidas dos juros pagos pelo Banco Central do Brasil. Destaca que a principal fonte de receitas destinada aos Municípios advém do Fundo de Participação dos Municípios - FPM e aponta violação ao princípio federativo. Destaca a existência de vinculação entre União e a Secretaria do Tesouro Nacional, defendendo a tese de que não existe uma permissibilidade para que a União se aproprie desses valores principais, muito menos dos acessórios, ou seja, os juros.
3. O Fundo de Participação dos Municípios configura uma das sistemáticas constitucionais de repartição de receitas tributárias entre os entes federados. Referido Fundo, segundo preceitua o art. 159, inciso I, da CF/88, é constituído do percentual de 22,5% do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) e sobre produtos industrializados (IPI), acrescido de 1% incluído pela Emenda Constitucional nº 55/2007, que será entregue no primeiro decênio do mês de dezembro de cada ano, totalizando o percentual de 23,5%. Trata-se, portanto, de um mecanismo de repartição, cuja finalidade é transferir parte do produto da arrecadação de impostos que, originariamente, segundo a competência tributária, pertenceriam à União.
4. Nesse diapasão, em que pese a União estar adstrita ao referido repasse do FPM, dentro dos prazos constitucionais e legais estabelecidos, prevalece o entendimento de que a quantia a ser repassada não pertence, desde sempre, ao Município, mas, ao revés, apenas pertencerá quando ocorrer o efetivo repasse. Assim, apenas o fato de incidirem juros compensatórios (pagos pelo Banco Central) sobre os valores depositados em conta da União (aí incluída a parcela que será repassada para o Município), não justifica o pretendido incremento do valor repassado, em que pese a grande importância do FPM como fonte de receitas do Município. 
5. Não há que entender os referidos juros como acessório dos valores repassados, posto que o principal ao qual os mesmos se atrelam, como visto, pertencem a União, na medida em que a relação obrigacional de remuneração do capital foi estabelecida entre o Tesouro Nacional e o Banco Central do Brasil, por força da MP n.º 2.179-36/2001, de maneira que tal comando não abrange terceiros com quem referidas pessoas jurídicas tenham obrigações de qualquer natureza. Daí a permissibilidade para que a União se aproprie dos acessórios (juros) que seguem os valores principais que integram originariamente (produto da arrecadação de impostos) a receita da União.
6.  No caso, não há lastro legal para o pleito do Município apelante, dado que o referido acessório (juros), ao ser implementado/acrescido, pertencerá à União, proprietária da quantia depositada (principal) à época da constituição dos mesmos. Ademais, não há que se falar em juros moratórios, posto que não se trata de hipótese de impontualidade de pagamento de obrigação. Nem se cogita de violação ao princípio federativo. No mesmo sentido, julgados deste Regional: AC/PE, Processo: 08080804520154058300, Data do Julgamento: 10/07/2016, Primeira Turma, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt; AG/SE, Processo: 08008118620164050000, Data do Julgamento: 25/07/2016, Segunda Turma, Relator: Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado); (AC/PE, Processo: 08080630920154058300, Data do Julgamento: 04/08/2016, Terceira  Turma, Relator: Desembargador Federal Alcides Saldanha (Convocado).
7. Apelação desprovida.
(PROCESSO: 08011082520164058300, AC/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 3ª Turma, JULGAMENTO: 28/10/2016, PUBLICAÇÃO:  )
Nesse cenário, a improcedência do pedido é medida que se impõe.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - acolho em parte a preliminar de falta de interesse de agir do Município-autor, levantada na defesa da UNIÃO, relativamente ao pleito de retroação da condenação ao período de cinco anos, contados da data da propositura da ação, uma vez que tal retroação só poderá, com relação à verba repassada à luz da alínea 'e' do inciso I do art. 159 da vigente Constituição, dar-se até a data em que a Emenda Constitucional nº 84, que é de 2014, que introduziu mencionada alínea no texto do referido dispositivo constitucional, pelo que, com relação a este pleito dou indefiro a petição inicial e dou o processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 485, I e VI, do NCPC)..
3.2 - no mérito,  julgo IMPROCEDENTES os pedidos, dando o processo por extinto, cmo resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC. 
Isento o Município autor do pagamento de custas, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/1996, mas o condeno condeno ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, tendo em conta os critérios fixados nos § 2º do art. 85 do NCPC (lugar de prestação do serviço, baixa complexidade da causa - mormente por se tratar de demanda repetitiva - e o trabalho realizado pelo advogado, bem como o tempo exigido para o seu serviço), observando-se os limites dos §§ 3º ao 5º do art. 85 do mesmo diploma processual.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 496, I, CPC).
Registre-se. Intimem-se.

Recife, 29 de março de 2017.

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE

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