Por Francisco Alves dos Santos Jr
O caso ora publicado diz respeito à missão das agências reguladoras no direito brasileiro, especialmente da Agência Nacional de Petróleo.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0801533-23.2014.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: R R DA SILVA (e outro)
RÉU: AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO, GAS NATURAL E BIOCOMBUSTIVEIS
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
AUTOR: R R DA SILVA (e outro)
RÉU: AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO, GAS NATURAL E BIOCOMBUSTIVEIS
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
Sentença registrada
eletronicamente
Sentença tipo A
EMENTA:- DIREITO ADMINISTRATIVO. MISSÃO DA ANP.
A principal missão da ANP é que os produtos sob sua
fiscalização sejam ofertados aos consumidores com pureza e segurança.
O seu poder de fiscalização abrange também o
poder-dever de construir e operar.
A ANP só pode punir com pena pecuniária quando tiver
orientado o Comerciante sobre como deve construir e operar o seu
estabelecimento.
Caso em que isso não ocorreu.
Procedência.
Vistos, etc.
Relatório
RICARDO RODRIGUES DA SILVA, qualificado na petição inicial, assistido pela
Defensoria Pública da União, propôs esta ação anulatória em face da AGÊNCIA
NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. Requereu, inicialmente,
os benefícios da assistência judiciária gratuita e as prerrogativas da
Defensoria Pública da União. Alegou, em síntese, que: a) possui um pequeno
comércio onde vende gás de cozinha, no bairro de Santo Amaro, em Recife; b) foi
autuado, em 02.09.2011, por agente da Agência Nacional de Petróleo, Gás e
Biocombustíveis - ANP porque o seu estabelecimento comercial estava com o piso
danificado, o que comprometeria a segurança do armazenamento dos botijões de
gás, segundo a ANP; c) o dano ao piso havia sido causado pela movimentação dos
botijões e que não havia perigo efetivo no armazenamento dos mesmos, uma vez
que não havia buracos no estabelecimento, mas apenas uma discreta rachadura no
piso; d) ao ser cientificado da irregularidade, imediatamente procedeu ao
conserto do piso, o qual foi restaurado e pavimentado, conforme atestado por
agente da ANP; e) apesar disso foi multado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em
virtude do ocorrido, mesmo após apresentar defesa administrativa informando o
reparo do piso; f) sem possibilidade de desconstituir a multa no âmbito
administrativo e sem condições financeiras de arcar com a multa que lhe foi
imposta, o demandante ajuíza a presente demanda, a fim de anular a multa que
lhe foi imposta. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes
jurisprudenciais. Instruiu a inicial com documentos.
Despacho[1] que deferiu os
benefícios da assistência judiciária gratuita, as prerrogativas da Defensoria
Pública da União e determinou a citação da Requerida.
A ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis apresentou contestação[2]. No mérito, que o
Autor foi autuado pela constatação da seguinte infração[3]: armazenamento de
10 botijões P-13 cheios (Minasgás) e 12 botijões P-13 vazios (OM) sobre piso de
terra, não plano e não nivelado; que o ato administrativo praticado pela ANP
pautou-se na estrita legalidade e em observância aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que o autor deixou de atender
normas de segurança e estocagem; que as condições de segurança para armazenar e
comercializar combustíveis estão previstas em normas regulamentares, em
perfeita sintonia com o prescrito no art. 3º, VIII da Lei nº 9.847/99, e sua
inobservância constitui ato infracional sujeito à aplicação de multa; que a
alegação de regularização do pavimento na presença do fiscal é verdadeira,
porém apenas reforça o caráter ilícito do fato; que existindo previsão legal
específica para aplicação de sanção por descumprimento de normas de segurança e
estocagem do GLP, qual seja o art. 3º, VIII da Lei n. 9.847/99, deve ser
mantida a sanção, que foi aplicada, inclusive, no mínimo legal. Ao final,
pugnou pela improcedência do pedido formulado na petição inicial.
A parte Autora apresentou réplica[4].
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido
Fundamentação
1. Inicialmente, cumpre frisar que o presente
processo comporta julgamento antecipado da lide nos termos do art. 330, inciso
I, do Código de Processo Civil.
2. Pretende a parte Autora a anulação do auto de
infração nº 175.709.2011.26.363226, lavrado pela Agência Nacional de Petróleo.
São as seguintes as razões da referida autuação:
"Fica a empresa ora qualificada autuada por
armazenar 10 (dez) botijões P-13 cheios (Minasgás) e 12 (doze) botijões P-13
vazios (OM) sobre piso não plano e não nivelado, sendo que os recipientes
transportáveis de GLP devem ser armazenados sobre piso plano e nivelado,
concretado ou pavimentado, de modo a permitir uma superfície que suporte carga
e descarga, em local ventilado, ao ar livre, podendo ou não a área de
armazenamento ser encoberta, o que constitui infração ao item 4.5 da Norma ABNT
NBR 15.514:2007, estabelecida pelo Art. 1º da Resolução ANP nº 5/2008."
3. No caso em tela, a multa originada pelo auto
de infração foi motivada pelo não cumprimento das condições mínimas de
segurança, em especial a norma ABNT 15.514:2007, item 4.5, in verbis:
"4.5 Os recipientes transportáveis de GLP
devem ser armazenados sobre piso plano e nivelado, concretado ou pavimentado,
de modo a permitir uma superfície que suporte carga e descarga, em local
ventilado, ao ar livre, podendo ou não a(s) área(s) de armazenamento ser
encoberta(s)."
A tese defendida pela parte Autora é a de que
tinha conhecimento de que os botijões de gás deveriam ser armazenados em local
seguro, mas não conhecia os detalhes específicos da forma do respectivo
acondicionamento, tampouco da manutenção de um piso reto, sem o mínimo
desnível. E que seria totalmente desarrazoado supor que o postulante tivesse
ciência desta norma, que nem em lei está prevista, mas em uma resolução da
ABNT, bem como não seria acessível a um pequeno comerciante de um bairro pobre
do Recife/PE. Esclareceu, ainda, que restaurou o pavimento danificado na
presença do fiscal.
Realmente, resta induvidoso que a ANP, por seus
Agentes, nunca ministrou instruções básicas ao ora Autor, sobre as
questões de segurança, principalmente sobre como deveria ser o piso da sua
loja, quando lhe autorizou a funcionar como vendedor do produto em questão.
Antes de autuar, com aplicação de multa de valor
exageradamente alto, R$ 20.000,00(vinte mil reais), para um micro comerciante
como o Autor, embora sendo legalmente o valor mínimo, a ANP deveria tê-lo
orientado quanto à construção e operacionalização do seu micro estabelecimento.
Aliás, a Lei nº 9.847, de 26.10.1999, na qual se
encontrada fundamentado o noticiado auto de infração, é expressa no sentido de
que fiscalizar não é apenas punir, mas também construir, operar, conforme
consta expressamente do § 2º do seu art. 1º, verbis:
"§ 2o A
fiscalização abrange, também, a construção e operação de instalações e
equipamentos relativos ao exercício das atividades referidas no parágrafo
anterior".
No máximo, diante da mencionada situação, o
Autor deveria ter recebido um auto de advertência e orientação para
adaptar o seu micro estabelecimento comercial às exigências consignadas na Lei
e nos atos administrativos da ANP, com explicações técnicas por parte de Agente
da ANP de como fazer tais adaptações. Só numa segunda visita, caso ele não
tivesse atendido essas exigências, é que poderia sofrer punição pecuniária.
Assim,
como a ANP não seguiu a orientação da mencionada Lei, tenho que o referido auto
de infração e multa devam ser cancelados, por absoluta nulidade.
Dispositivo
Posto isso, julgo procedentes os pedidos desta
ação, decreto a nulidade do noticiado auto de infração, cancelo a respectiva multa
e condeno a ANP a pagar ao advogado do Autor verba honorária que, à luz do § 4º
do art. 20 do CPC, arbitro em R$ 1.000,00(hum mil reais), atualizados(correção
monetária e juros de mora)a partir do mês seguinte ao da publicação desta
sentença, na forma e índices do manual de cálculos do CJF.
Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição
obrigatória, por ser o valor inferior a sessenta salário mínimos (§ 2º do art.
475 do CPC).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 06 de maio de 2015.
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2a Vara-PE
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