quarta-feira, 6 de maio de 2015

ANP. PODER-DEVER DE FISCALIZAÇÃO CONSISTE EM CONSTRUIR,OPERAR E, SÓ NO ÚLTIMO CASO, PUNIR.

Por Francisco Alves dos Santos Jr

O caso ora publicado diz respeito à missão das agências reguladoras no direito brasileiro, especialmente da Agência Nacional de Petróleo.
Boa leitura.
 
 
PROCESSO Nº: 0801533-23.2014.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: R R DA SILVA (e outro)
RÉU: AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO, GAS NATURAL E BIOCOMBUSTIVEIS
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 

Sentença registrada eletronicamente

Sentença tipo A

EMENTA:- DIREITO ADMINISTRATIVO. MISSÃO DA ANP.

A principal missão da ANP é que os produtos sob sua fiscalização sejam ofertados aos consumidores com pureza e segurança.

O seu poder de fiscalização abrange também o poder-dever de construir e operar.

A ANP só pode punir com pena pecuniária quando tiver orientado o Comerciante sobre como deve construir e operar o seu estabelecimento.

Caso em que isso não ocorreu.

Procedência.

 

Vistos, etc.

Relatório

RICARDO RODRIGUES DA SILVA, qualificado na petição inicial, assistido pela Defensoria Pública da União, propôs esta ação anulatória em face da AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. Requereu, inicialmente, os benefícios da assistência judiciária gratuita e as prerrogativas da Defensoria Pública da União. Alegou, em síntese, que: a) possui um pequeno comércio onde vende gás de cozinha, no bairro de Santo Amaro, em Recife; b) foi autuado, em 02.09.2011, por agente da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - ANP porque o seu estabelecimento comercial estava com o piso danificado, o que comprometeria a segurança do armazenamento dos botijões de gás, segundo a ANP; c) o dano ao piso havia sido causado pela movimentação dos botijões e que não havia perigo efetivo no armazenamento dos mesmos, uma vez que não havia buracos no estabelecimento, mas apenas uma discreta rachadura no piso; d) ao ser cientificado da irregularidade, imediatamente procedeu ao conserto do piso, o qual foi restaurado e pavimentado, conforme atestado por agente da ANP; e) apesar disso foi multado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em virtude do ocorrido, mesmo após apresentar defesa administrativa informando o reparo do piso; f) sem possibilidade de desconstituir a multa no âmbito administrativo e sem condições financeiras de arcar com a multa que lhe foi imposta, o demandante ajuíza a presente demanda, a fim de anular a multa que lhe foi imposta. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Instruiu a inicial com documentos.

Despacho[1] que deferiu os benefícios da assistência judiciária gratuita, as prerrogativas da Defensoria Pública da União e determinou a citação da Requerida.

A ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis apresentou contestação[2]. No mérito, que o Autor foi autuado pela constatação da seguinte infração[3]: armazenamento de 10 botijões P-13 cheios (Minasgás) e 12 botijões P-13 vazios (OM) sobre piso de terra, não plano e não nivelado; que o ato administrativo praticado pela ANP pautou-se na estrita legalidade e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que o autor deixou de atender normas de segurança e estocagem; que as condições de segurança para armazenar e comercializar combustíveis estão previstas em normas regulamentares, em perfeita sintonia com o prescrito no art. 3º, VIII da Lei nº 9.847/99, e sua inobservância constitui ato infracional sujeito à aplicação de multa; que a alegação de regularização do pavimento na presença do fiscal é verdadeira, porém apenas reforça o caráter ilícito do fato; que existindo previsão legal específica para aplicação de sanção por descumprimento de normas de segurança e estocagem do GLP, qual seja o art. 3º, VIII da Lei n. 9.847/99, deve ser mantida a sanção, que foi aplicada, inclusive, no mínimo legal. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido formulado na petição inicial.

A parte Autora apresentou réplica[4].

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido

Fundamentação

1. Inicialmente, cumpre frisar que o presente processo comporta julgamento antecipado da lide nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

2. Pretende a parte Autora a anulação do auto de infração nº 175.709.2011.26.363226, lavrado pela Agência Nacional de Petróleo. São as seguintes as razões da referida autuação:

"Fica a empresa ora qualificada autuada por armazenar 10 (dez) botijões P-13 cheios (Minasgás) e 12 (doze) botijões P-13 vazios (OM) sobre piso não plano e não nivelado, sendo que os recipientes transportáveis de GLP devem ser armazenados sobre piso plano e nivelado, concretado ou pavimentado, de modo a permitir uma superfície que suporte carga e descarga, em local ventilado, ao ar livre, podendo ou não a área de armazenamento ser encoberta, o que constitui infração ao item 4.5 da Norma ABNT NBR 15.514:2007, estabelecida pelo Art. 1º da Resolução ANP nº 5/2008."

3. No caso em tela, a multa originada pelo auto de infração foi motivada pelo não cumprimento das condições mínimas de segurança, em especial a norma ABNT 15.514:2007, item 4.5, in verbis:

"4.5 Os recipientes transportáveis de GLP devem ser armazenados sobre piso plano e nivelado, concretado ou pavimentado, de modo a permitir uma superfície que suporte carga e descarga, em local ventilado, ao ar livre, podendo ou não a(s) área(s) de armazenamento ser encoberta(s)."

A tese defendida pela parte Autora é a de que tinha conhecimento de que os botijões de gás deveriam ser armazenados em local seguro, mas não conhecia os detalhes específicos da forma do respectivo acondicionamento, tampouco da manutenção de um piso reto, sem o mínimo desnível. E que seria totalmente desarrazoado supor que o postulante tivesse ciência desta norma, que nem em lei está prevista, mas em uma resolução da ABNT, bem como não seria acessível a um pequeno comerciante de um bairro pobre do Recife/PE. Esclareceu, ainda, que restaurou o pavimento danificado na presença do fiscal.

Realmente, resta induvidoso que a ANP, por seus Agentes,  nunca ministrou instruções básicas ao ora Autor, sobre as questões de segurança, principalmente sobre como deveria ser o piso da sua loja, quando lhe autorizou a funcionar como vendedor do produto em questão.

Antes de autuar, com aplicação de multa de valor exageradamente alto, R$ 20.000,00(vinte mil reais), para um micro comerciante como o Autor, embora sendo legalmente o valor mínimo, a ANP deveria tê-lo orientado quanto à construção e operacionalização do seu micro estabelecimento.

Aliás, a Lei nº 9.847, de 26.10.1999, na qual se encontrada fundamentado o noticiado auto de infração, é expressa no sentido de que fiscalizar não é apenas punir, mas também construir, operar, conforme consta expressamente do § 2º do seu art. 1º, verbis:

"§ 2o  A fiscalização abrange, também, a construção e operação de instalações e equipamentos relativos ao exercício das atividades referidas no parágrafo anterior".

No máximo, diante da mencionada situação, o Autor deveria ter recebido um auto de advertência e orientação para adaptar o seu micro estabelecimento comercial às exigências consignadas na Lei e nos atos administrativos da ANP, com explicações técnicas por parte de Agente da ANP de como fazer tais adaptações. Só numa segunda visita, caso ele não tivesse atendido essas exigências, é que poderia sofrer punição pecuniária.

Assim, como a ANP não seguiu a orientação da mencionada Lei, tenho que o referido auto de infração e multa devam ser cancelados, por absoluta nulidade.


Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos desta ação, decreto a nulidade do noticiado auto de infração, cancelo a respectiva multa e condeno a ANP a pagar ao advogado do Autor verba honorária que, à luz do § 4º do art. 20 do CPC, arbitro em R$ 1.000,00(hum mil reais), atualizados(correção monetária e juros de mora)a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, na forma e índices do manual de cálculos do CJF.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatória, por ser o valor inferior a sessenta salário mínimos (§ 2º do art. 475 do CPC).

Registre-se. Intimem-se.

Recife, 06 de maio de 2015.

 

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE

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