sexta-feira, 10 de abril de 2015

REPASSE TRIBUTÁRIO DA UNIÃO PARA O FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNCIÍPIOS-FPM DEVE SER CALCULADO ANTES DA DEDUÇÃO DE VALORES QUE A UNIÃO REPASSARÁ PARA SEUS PRÓPRIOS FUNDOS(FINOR, FINAM, FUNRES, PROTERRA, ETC.).

Por Francisco Alves dos Santos Jr
 
 
 
A UNIÃO costuma criar Fundos(como FINOR, FINAM, FUNRES, PROTERRA, etc)relativos a incentivos fiscais e incentivos financeiros, custeados com receitas dos tributos de sua competência. Todavia, por força de regras da Constituição da República, parte dessas receitas tributárias a UNIÃO é obrigada a repassar para os Estados(FPE - Fundo de Participação dos Estados) e para os Municípios(FPM - Fundo de Participação dos Municípios). Na decisão que segue,  discute-se se a UNIÃO é obrigada a calcular primeiro o repasse que é constitucionalmente obrigada a fazer para os Estados e para os Municípios antes de deduzir os valores que irá repassar para aqueles Fundos Federais, ou se poderá fazê-lo apenas depois de deduzir os valores daqueles Fundos Federais.
 
Trata-se de importante matéria de direito constitucional-financeiro, a respeito da qual o Supremo Tribunal Federal já decidiu no que diz respeito ao ICMS, quanto à cota-parte(25%)que os Estados têm que repassar para os Municípios e decidiu no sentido de que os Estados primeiro devem calcular a cota-parte dos Municípios para, só depois, calcular os valores para repasse de Fundos Estaduais que eventualmente tenham criado.
 
Boa leitura.
 
 
 
PROCESSO Nº: 0802115-86.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: MUNICIPIO DE SERRA TALHADA
ADVOGADO: P G D DE R  (e outros)
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR




D E C I S Ã O

1 - Relatório

O MUNICÍPIO DE SERRA TALHADA/PE, qualificado na petição inicial, ajuizou esta ação, rito ordinário, em face da UNIÃO. Alegou, em síntese, que o Fundo de Participação dos Municípios - FPM seria formado por 23,5% (vinte e três inteiros e cinco décimos por cento) do produto da arrecadação dos impostos da União sobre a renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI); que, com o nascimento do crédito tributário e sua consequente extinção pelo pagamento ou ato correlato (produto da arrecadação), nasceria para os Municípios o imediato direito creditício; que, todavia, a União estaria dilapidando parte de tal receita Municipal, pois estaria deduzindo, do total da arrecadação dos impostos que compõem o FPM, determinados valores para a constituição de fundos de incentivos fiscais (FINOR, FINAM, FUNRES, FCEP, PIN e PROTERRA), quando só poderia assim proceder da parcela constitucional que lhe cabe; que o pedido final não seria para que a União utilize a citada arrecadação bruta (excluindo todas as deduções da fórmula) como base de cálculo do FPM, mas sim para que deixe de abater do conceito (e fórmula) de arrecadação líquida os valores utilizados na composição de seus fundos de incentivos fiscais (FINOR, FINAM, FUNRES, FCEP. PIN e PROTERRA), ou, em outras palavras, que exclua das "deduções" os valores direcionados a tais fundos, passando estes valores a também comporem a base de cálculo do FPM; que, em síntese, por força constitucional (art. 159-I), pertenceria aos Municípios 23,5% (vinte e três inteiros e cinco décimos por cento) do produto da arrecadação do IPI e do IR, assim entendido, como sendo o resultado de tudo quanto fora pago pelos contribuintes a título de tais impostos (arrecadação), ainda que esses valores não venham a ser transferidos pelos agentes arrecadadores (bancos, etc.) aos cofres públicos (recolhimento), mas, sim, transferidos diretamente para os citados fundos de incentivos fiscais; que o fato de serem repassados diretamente aos referidos fundos, após sua arrecadação, não alteraria o direito dos Municípios à participação de seu resultado, eis que estes participariam do resultado da arrecadação (dos pagamentos) e não dos recolhimentos (transferência de tais pagamentos à conta única da União). Teceu outros comentários, e requereu, a título de antecipação dos efeitos da tutela: que seja determinado à União que, para fins de aferição dos valores do FPM (23,5% do produto da arrecadação de IR e IPI), deixe de abater do conceito (e fórmula) de arrecadação líquida os valores utilizados na composição de seus fundos de incentivos fiscais (FINOR, FINAM, FUNRES, FCEP. PIN, PROTERRA etc.), ou, em outras palavras, que exclua das "deduções" os valores direcionados a tais fundos de incentivos fiscais, passando estes valores também comporem a base de cálculo do FPM, em consonância com o conceito de "produto da arrecadação" inserto no art. 159, inciso I, da CF/88; sendo deferida, que outorgue prazo razoável, não maior que 20 (vinte dias), para que a ordem seja cumprida, sob pena de multa diária a ser estipulada por esse r. Juízo, em valor suficiente a estimular seu tempestivo cumprimento; bem como, que ordene que a Ré comprove seu cumprimento por meio de demonstrações contábeis/financeiras que demonstrem os totais das perdas em razão da prática indevida (deduções dos fundos de incentivos fiscais) e a consequente recomposição da cota do FPM do Autor; ainda, seja determinado à Ré a prática de todos os atos necessários à efetivação da ordem judicial, sendo expressamente vedada a adoção de qualquer medida retaliativa, tais como inscrever o Autor no CADIN, retardar ou impedir a emissão da Certidão de Débitos, dificultar administrativamente o deferimento de qualquer direito etc., ficando-lhe assegurado, contudo, o pleno exercício do poder de fiscalização dos procedimentos efetuados pelo Município-Autor. Atribuiu valor à causa e juntou documentos.

2- Fundamentação[1]

2.1- Não tenho dúvida que estamos diante de uma matéria de direito constitucional-financeiro, que envolve a distribuição das receitas tributárias, tratada nos arts. 157 a 162 da Constituição da República e em algumas regras do seu Ato das Disposições Constitucionais Tributárias.

2.2- No v. Acórdão do Plenário C. Supremo Tribunal Federal( RE 572.762)[2],  houve análise e julgamento dos reflexos de incentivo dado pelo Estado de Santa Catarina, no campo financeiro(e não tributário) do ICMS, consistente em técnica estabelecida no art. 25 e no § 2º do art. 26 da Lei nº 1.490 daquele Estado, transcritos no voto do Min. Cezar Peluso, que transcrevo:

"Art. 25 - A liberação das parcelas mensais obedecerá o seguinte:
I - após o recolhimento do ICMS no prazo legal pela empresa, o FADESC repassará o valor da parcela ao agente financeiro, no prazo máximo de 15 dias, contado da data do respectivo recolhimento;
(...)
".

E o art. 26, § 2º, diz o seguinte:       

"Art. 26 -
(...).
§ 2º - Não caberá liberação quando a empresa não recolher o ICMS no prazo regulamentar".

Mencionado Ministro, analisando esse dispositivo, assim concluiu;

"Noutras palavras, o ICMS entra na contabilidade do Estado. O Estado tira o dinheiro, repassa-o para o FADESC e este o repassa à empresa. Então, o que o Estado está fazendo - a levar a sério o que está aqui no acórdão do Tribunal de Santa Catarina - é uma fraude à Constituição, porque o Estado deduz, do montante do produto total da arrecadação do ICMS, o valor correspondente aos repasses. (...). Ou seja, altera a base de cálculo do que pertence aos Municípios.".

Deflui-se desse esclarecedor voto que realmente não se trata de um incentivo tributário, mas sim de um incentivo financeiro. Ou seja, não houve isenção tributária, tampouco redução de alíquota ou de base de cálculo do ICMS. Vale dizer, não houve uma renúncia tributária, pois o Estado arrecadou todo o valor do imposto e depois o utilizou em operação financeira. Dessa forma, ao deduzir o valor desse incentivo financeiro do montante da arrecadação do ICMS para, só depois, calcular os 25% que o inciso IV do art. 158 da Constituição da República assegura aos Municípios, incidiu em gritante inconstitucionalidade.

Portanto, corretíssimo o entendimento do Plenário do C. Supremo Tribunal Federal a respeito da inconstitucionalidade da mencionada prática do Estado de Santa Catarina.

3. No presente caso, o Município-autor quer, via antecipação de tutela, que se determine à União que calcule sua cota-parte do FPM sobre os valores do IPI e do IR, deixando de abater do conceito de arrecadação líquida os valores utilizados na composição dos seus fundos de incentivos fiscais, como se tais valores tivessem sido efetivamente arrecadados.

Não há dúvida que a União tem competência plena para legislar sobre o IPI e IR(art. 153 da Constituição da República c/c o Parágrafo Único do art. 6º do Código Tributário Nacional).

Não há nenhuma regra na Constituição da República que a impeça de, por meio de Lei específica(§ 6° do art. 150 dessa Carta), conceder qualquer tipo de benefício e/ou incentivo fiscal com relação a esses tributos.

Há inúmeras formas de a Fazenda Pública renunciar a receita tributária. Caso essa renúncia se concretize, por exemplo, por mera isenção do IPI,  isso implicará em redução da arrecadação desse imposto, e não haverá entrada nos cofres da União da respectiva parcela, de forma que o montante do IPI, para os fins de distribuição para o FPM, também sofrerá redução.

E se isso acontece, não se estará diante de um problema jurídico-tributário, mas sim de problema político-financeiro-administrativo, que deve ser resolvido nesse campo.[3]

Relativamente a esse tipo de renúncia fiscal, a União terá apenas mais uma obrigação legal, que é a prevista no inciso V do § 2º do art. 4º da Lei Complementar 101, 04.05.2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, verbis:

"Art. 4o - A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e:
I - (...).
§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.
 § 2o O Anexo conterá, ainda:
I - (...).
II - (...).
III - (...).
IV - (...).
V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado."

Ou seja, a União terá que demonstrar no denominado Anexo de Metas Fiscais, que acompanhará o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária, como compensará a perda de receita em decorrência das noticiadas renúncias fiscais. Note-se que essa Lei não obriga que a compensação de receita terá que ser do mesmo tributo, mas sim no total das receitas, no caso, das receitas correntes.

E o Chefe do Poder Executivo da União deve ter atendido essa exigência, pois, como se sabe, todos os anos está vindo à luz uma nova Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Se não tivesse feito essa demonstração, certamente os cultos Parlamentares do nosso Congresso Nacional não teriam transformado em Lei referidos projetos.

4. No entanto, a autorização legal para que os Contribuintes do IR indiquem parte do IR que têm a pagar para os fundos FINOR, FINAM, FUNRES, PIN[4], PROTERRA[5], gera  fenômeno financeiro semelhante ao do incentivo do Estado de Santa Catarina, analisado no item "2" supra, pois a receita total do IR devido entra nos cofres da União, é contabilizada e, posteriormente, há o repasse para tais Fundos do percentual previsto em Lei.

Então, mutatis mutandis, apenas com relação aos repasses que a União faz para tais fundos é que se aplica o acima referido v. julgado do C. Supremo Tribunal Federal, cabendo assim parcial antecipação da tutela, ou seja, a UNIÃO só poderá calcular e fazer o repasse para tais Fundos depois de calcular e repassar a parcela do Fundo Nacinoal dos Municípios pertencente ao Município ora Autor. 

 

Conclusão

 

Posto isso, defiro em parte o pedido de antecipação da tutela e determino que a União tome imediatas providências, por seus órgãos próprios, para que, na apuração da cota-parte do Fundo de Participação dos Municípios-FPM do Município ora Autor, quando da apuração da base de cálculo desse FPM o faça ANTES de calcular e deduzir do total das receitas do imposto de renda-IR e/ou do imposto sobre produtos industrializados-IPI os valores que irá repassar para os Fundos FINOR, FINAM, FUNRES, FCEP, PIN e PROTERRA, e que cumpra essa determinação já a partir do próximo repasse, ficando para se decidir quanto aos valores de períodos passados oportunamente, em face das regras do art. 100 da vigente Constituição da República, tudo sob pena de pagamento de multa mensal, correspondente a R$ 10.000,00(dez mil reais) a favor do Município-autor,  e sem prejuízo da responsabilização criminal e administrativa(improbidade administrativa) do Servidor que der causa ao descumprimento dessa decisão.

P.I.

Recife, 10 de abril de 2015.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(r.m.c.)



[1] Registro que prolatei decisão, com fundamentação semelhante a que segue, nos Processos nºs 2009.83.00.012653-9 e 0004159-87.20, Classe 29, Ação Ordinária.

[2] BRASIL, C.Supremo Tribunal Federal, Estado de Santa Catarina x Município de Timbó. I - (...). II - O repasse de quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. III - Limitação que configura indevida interferência do Estado no Sistema constitucional de repartição de receitas tributárias. IV - Recurso extraordinário desprovido.  RE 582;862/SC, julgado em 28.junho.2008. Min. Relator Ricargo Lewandowski. DJe nº 167, Divulgação em 04.09.2008. Publicação em 05.09.2008. Plenário do C.Supremo Tribunal Federal.

 [3]  Lembro que, quando do advento da Lei Complementar nº 87, de 1996, a União passou a pagar aos Estados uma compensação financeira, para repor a perda de receita do ICMS, que deixou de ser arrecada na exportação de produtos primários e semi-elaborados,  negociada no Congresso Nacional e consignada em texto dessa Lei Complementar. Mas, mesmo que não tivesse sido criada essa compensação financeira, mencionada Lei não seria inconstitucional, porque a União podia e pode estabelecer 'não incidência'(na verdade, uma isenção heterônoma)desse imposto estadual, conforme alínea "e" do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República.   

 

[4] Por exemplo, o fundo destinado ao Programa de Integração Nacional-PIN, tem parte das suas receitas vinda de parcela do Imposto de Renda que o contribuinte deve e indica na sua declaração para ser destinada a esse Fundo, conforme se vê no art. 5º do Decreto-lei nº 1.106, de 16.06.1970, verbis:

 "Art 5º A partir do exercício financeiro de 1971 e até o exercício financeiro de 1974, inclusive, do total das importâncias deduzidas do impôsto de renda devido, para aplicações em incentivos fiscais, 30% (trinta por cento) serão creditados diretamente em conta do Programa de Integração Nacional, permanecendo os restantes 70% (setenta por cento) para utilização na forma prevista na legislação em vigor. (Vide Decreto nº 67.527, de 1970).

 E documento acostado com a petição inicial comprova que a totalidade do imposto de renda entra como receita da União, é por esta contabilizada e só mais tarde é que a União repassa a parte do incentivo fiscal para esse Fundo. 

 [5] Especificamente sobre o PIN e o PROTERRA, o C. STF iniciou o julgamento da ACO nº 758 / SE, suspenso o julgamento em face de pedido de vista, em 12/03/2015, conforme acompanhamento processual no sítio do STF.


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