sexta-feira, 11 de julho de 2014

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA: UM SÉRIO PROBLEMA BRASILEIRO.

 
   Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
    Segue uma decisão que aborda com grande problema nacional: a judicialização da saúde pública, passando pelo assunto constitucional da independência e harmonia dos Poderes Executivo e Judiciário e também pelos graves problemas orçamentários do nevrálgico setor saúde pública, com todas as suas carências e dramas pessoais.

   Observação: decisão pesquisada  pelas Assessoras Rossana Marques e Luciana Simões Correa de Albuquerque.
 
 
 
PROCESSO Nº: 0803857-83.2014.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
2ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO
AUTOR: JOSE BATISTA DE SOUZA (e outro)
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO (e outro) 
 JUIZ FEDERAL TITULAR


D E C I S Ã O


1. Breve Relatório 

    JOSE BATISTA DE SOUZA, qualificado na Inicial,  assistido pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, propôs a presente Ação Ordinária contra a UNIÃO FEDERAL e o ESTADO DE PERNAMBUCO. Aduziu, em síntese, que: aos 63 anos de idade, teria se submetido a transplante de rim, pelo SUS, através do Hospital Português; estaria acamado, em recuperação do procedimento a que foi submetido; que, segundo a sua Esposa, estaria há oito dias na enfermaria com um quadro clinico de anemia, membros inferiores inchados (pernas) e  citomegalovírus (CMV); como seria de costume em procedimentos deste tipo, o demandante estaria tomando remédios para evitar a rejeição do órgão transplantado, no caso, recebendo o medicamento THYMOGLOBULINA (Anticorpos Policlonal Anti-Timócito) com drogas de indução; existiria alto risco para o requerente de contrair infecção por citomegalovirus (CMV) e para evitar e combater infecções ele precisaria tomar o medicamento VALGANCICLOVIR (nome comercial: Valcyte) 450mg, na quantidade de 60 (sessenta) comprimidos por mês, durante o prazo mínimo de seis meses; os medicamentos usualmente fornecidos pelo SUS para prevenção do citomegalovírus (ACICLOVIR e/ou GANCICLOVIR) não possuiriam a devida eficácia, conforme declaração médica do profissional que acompanha o requerente (Dr. Alexandre de Holanda C. Pinto (CRM/PE 15179); a esposa do requerente teria feito um pedido administrativo, em 05 de maio de 2014, para concessão do medicamento, na Secretaria do Estado de Pernambuco, porém teria havido resposta negativa, conforme nota técnica GAJ/GGAJ/SES Nº 0741/2014; a família do requerente não teria condições de arcar com os custos do medicamento, em média R$ 8.500,00 por cada caixa com 60 comprimidos (representando de R$ 51.000,00 para seis meses de tratamento).  Pugnou, ao final, pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, bem como observância das prerrogativas da Defensoria Publica da União. No mérito, discorreu sobre a legitimidade passiva dos Réus;  do direito à saúde;  do princípio da reserva do possível. Teceu outros comentários e, ao final, pugnou pela concessão de tutela antecipada, de forma que se determinasse aos réus que forneçam, no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, à parte autora o medicamento VALGANCICLOVIR (nome comercial: Valcyte) 450mg, na quantidade prescrita pelo médico do requerente (atualmente de 60 comprimidos por mês), durante o prazo mínimo de seis meses. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

    É o relatório, no essencial.    Passo a decidir.

 
2. Fundamentação

2.1. Do pedido de Justiça Gratuita

   Defiro os benefícios da assistência judiciária gratuita (art. 3º da Lei 1.060/1950),  aplicando o prazo em dobro e a intimação pessoal, porque o(a) seu(sua) advogado(a)  é defensor público.

2.2. Do Pedido de Tutela Antecipada

   O objetivo da presente demanda é que a UNIÃO e o ESTADO DE PERNAMBUCO forneçam ao Autor o medicamento VALGANCICLOVIR (nome comercial: Valcyte) 450mg, medicamento este que deve ser utilizado para evitar que o Autor contraia infecção por citomegalovirus (CMV), eis que submetido a transplante renal.

   Para justificar o tratamento consta declaração do médico Alexandre de Holanda Pinto, nos seguintes termos: "é indicada a profilaxia com VALGANCICLOVIR para a prevenção de infecção por CMV, uma vez que esta é fator de risco para rejeião aguda do enxerto e redução de sobrevida do enxerto, além do aumento da morbimortalidade do paciante, não tendo eficácia a profilaxia com ACICLOVIR e ou GANCICLOVIR".

   A judicialização dessa matéria tem trazido a lume o problema da independência e da harmonia dos Poderes da União.

   Se cabe ao Poder Executivo, com base na legislação que trata da matéria e na legislação orçamentária,  elaborar a lista de remédios que devem ser fornecidos gratuitamente nas farmácias públicas vinculadas ao SUS, não cabe a interferência do Poder Judiciário, acrescentando nessa lista outros remédios, principalmente quando eles são de alto custo. 

   O Superior Tribunal de Justiça, por sua 2ª Turma, sob a relatoria da então Ministra Eliana Calmon, quando do julgamento do Recurso em Mandado de Segurança nº 28338, levantou importantes questões a respeito desse assunto, das quais destaco as que seguem: 1) o dever de o Estado garantir a seus cidadãos o direito à vida e à saúde não se confunde com direito de escolha do paciente e seu médico particular de medicamentos específicos; 2) o Paciente tem que provar a ineficácia do remédio alternativo oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

   O tema é tão importante que o Supremo Tribunal Federal levou um recurso extraordinário que dele trata à repercussão geral, verbis:

"Repercussão Geral em Recurso Extraordinário nº 566.471-6/RN

  Rel. Min. Marco Aurélio

  Recorrente: Estado do Rio Grande do Norte

  Recorrida: Carmelita Anunciada de Souza
 

 SAÚDE - ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTE DE ALTO CUSTO - FORNECIMENTO.
 
Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamente de alto custo.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reconhece existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada".[1]
   Infelizmente, conforme consulta que fiz hoje no site da Suprema Corte, em face de problemas processuais, esta ainda não decidiu o mérito deste importante precedente.

    Importante registrar, que o Conselho Nacional de Justiça, em procedimento instaurado para acompanhar o cumprimento da Recomendação n. 31/CNJ (que propõe aos Tribunais a adoção de medidas visando melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde), encaminhou para todos os magistrados do Brasil diversos enunciados, extraídos de Congresso que realizou para tratar do assunto, dentre os quais transcrevo os  afetos à matéria ora analisada:

Enunciado n. 12 - A inefetividade do tratamento oferecido pelo SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), tratamento e periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
 
Enunciado n.º 16. - Nas demandas que visam acesso a ações e serviços da saúde diferenciada daquelas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o autor deve apresentar prova da evidência científica, a inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos clínicos do SUS.
 
     Desta feita, vê-se que, além de o pretendio medicamento não se encontrar na lista da ANVISA, a declaração médica invocada na petição inicial e juntada nos autos e demais documentos igualemnte acostados aos autos não atenderam às recomendações do CNJ, acima transcritas, o que apenas reforça a linha hermenêutica ora traçada.

     Por outro lado, mencionado d. parecer médico, além de não atender às exigências dos Enunciados supra, também necessita ser submetido ao contraditório, de forma que não cabe, neste momento processual,  a pretendida antecipação da tutela.

 
     Óbvio que, depois da submissão do feito ao contraditório e do acostamento aos autos da opinião de outros médicos, ou da submissão do Autor à perícia médica, o pleito de antecipação da tutela será reapreciado.

 
   3. Conclusão

 
   Posto isso:

   a)      indefiro, por  enquanto, o pedido de antecipação da tutela;

   b)      citem-se os Requeridos, na forma e para os fins legais.

   c)       observe a Secretaria as prerrogativas inerentes à Defensoria Pública da União.
 
   P. I.

   Recife, data da validação eletrônica


   Francisco Alves dos Santos Júnior
        Juiz Federal, 2ª Vara/PE







[1] DJE nº 167, divulgação em 06.12.2007, publicação em 07.12.2007, DJ de 07.12.2007, Ementário nº 23.02.8, disponível em  www.stf.jus.br, acesso em 08.06.2009.



Nenhum comentário:

Postar um comentário