quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O MISTERIOSO ALHO DA CHINA - CAPÍTULO I

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A Alfândega do Estado de Pernambuco(Brasil) flagrou uma operação estranha: a Empresa brasileira importa alho da CHINA por preço muito superior ao que ela obtém revendendo esse produto no  mercado brasileiro. E os valores envolvidos na operação de aquisição são em montante bem superior ao valor do capital social dessa Empresa. Então, as mercadorias foram apreendidas para averiguação. A Empresa impetrou este mandado de segurança, buscando a liberação das mercadorias,  via medida liminar, que foi negada. Após o julgamento, publicaremos,  como Capítulo II, a sentença. 

Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0801718-45.2020.4.05.8302 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M C A DE F E A E 
ADVOGADO: F P N De C M e outro
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

D E C I S Ã O

1. Breve Relatório

M C A DE F E A E, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de Medida Liminar em face do INSPETOR-CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE. Aduziu, em apertada síntese, que: no desempenho de seus objetivos contratuais - Comercialização e Importação de Frutas e Alho - visando garantir o desenvolvimento de suas atividades normais, teria realizado operação de importação de alho fresco, oriundo da Republica Popular da China; realizaria, com frequência, a importação de alho fresco, recolhendo todos os impostos e encargos, daí decorrentes, agindo sempre dentro da legalidade; fora surpreendida com a interrupção dos despachos aduaneiros, constantes das Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, retendo 133.855,00 quilogramas de alho fresco, sob a inusitada suspeita de que as entradas relativas a essas importações totalizarariam valores maiores do que suas vendas ao mercado interno, sugerindo que a renda bruta (vendas menos importações) não seria capaz de sustentar sua atividade econômica, conforme termo de inicio de ação fiscal n° 027/2020, ora anexa; segundo a Autoridade Fiscal, sua suspeita se justificaria pelo simples fato de o valor total de venda ser inferior ao custo da aquisição da mercadoria, o que não possuiria, em seu entender, sentido lógico para uma atividade comercial perene, que deveria manter margem de lucro para o setor da atividade econômica; nem sempre a atividade de importação seria lucrativa, pois dependeria, quase que totalmente, do câmbio, em dólar; no caso dos autos, a Autoridade sequer teria justificado efetivamente o motivo das suspeitas, declarando exclusivamente que o impetrante estaria amargando prejuízos; além  de a acusação ser realizada de forma inopinada, sem qualquer documento probatório que respaldasse a referida conclusão, mas tão-somente a rasa menção a prejuizos na venda do alho, demonstrando, assim, que não haveria qualquer Segurança Jurídica na fiscalização; a Impetrante teria apresentado toda a documentação referente a importação, recolhido todas as taxas e impostos e, mesmo assim, as mercadorias, que seriam perecíveis, ainda seguiriam retidas no Porto de Suape, conforme descrição ali constante; a Impetrante estaria com toneladas de mercadorias perecíveis paradas nos navios, aguardando a apuração dos Fiscais; seria desnecessária a retenção das mercadorias para tal apuração; o Impetrante já estaria pagando mais de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) a título de deposito, somado a "Demuge", taxa paga por conteiner, no importe de R$ 200,00 por dia; não seria razoável, tampouco LEGAL, que a Impetrante fosse coagida a concordar com a determinação da fiscalização de reter 133.855,00 quilogramas de alho fresco, com conteiners que já estão parados no Porto de Suape há 43 (quarenta e três) dias, enquanto aguarda, indefinidamente, que os fiscais realizem o procedimento fiscal, que poderia durar meses e, d'outra banda, as mercadorias retidas seriam perecíveis por se tratar de alho fresco; não seria justo que a Impetrante fosse penalizada podendo perder sua mercadoria; os produtos retidos seriam essenciais para a manutenção da atividade da impetrante que já amargaria os efeitos da apreensão em sua saúde financeira, já abalada pela crise ocasionada pela Pandemia; o Superior Tribunal de Justiça e o  Supremo Tribunal Federal já teriam pacificado  entendimento de que as suspeitas não seriam causa de retenção de mercadorias, uma vez que a Receita Federal teria os meios legais para cobrança que entendesse como devida, por meio de AUTO DE INFRAÇÃO; as suspeitas da Autoridade Fazendária não seriam causa de pena de perdimento de mercadorias, mas apenas aplicação de multa e cobrança da diferença tributária, pelo que a retenção da carga para coação ao pagamento de multas e tributos se mostraria totalmente inconstitucional; em que pese o entendimento dos Tribunais Superiores, entendimento, inclusive sumulado, proibindo tal conduta do Fisco, teria necessitado impetrar o presente Mandado de Segurança para ver declarado o direito líquido e certo à consecução regular de sua atividade empresarial, através do desembaraço de seus produtos importados, sem que fosse coagida a concordar, sem o devido processo legal, que tivesse praticado infrações dissociadas da realidade material dos fatos; por se tratar de produto perecível, assim como, pela sempre longa duração do processo administrativo, para apuração do susposto ilícito, não seria razoável que as importações da Impetrante fossem paralisadas até a conclusão do procedimento, que deveria, indispensavelmente, propiciar ao importador o direito ao contraditório e à ampla defesa, através de um regular processo administrativo, aliado ao fato de que as mercadorias já se encontrariam retidas há mais de 40 (quarenta) dias, acarretando, ainda, pesadas despesas de armazenagem. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fosse concedida a medida liminar para: 

"a) determinar à Autoridade Coatora que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das mercadorias consubstanciadas nas Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, devendo, caso entenda necessário, prosseguir com a lavratura de auto de infração como forma de oportunizar à Impetrante o contraditório e ampla defesa acerca das alegações de prática de subfaturamento, caso esse seja o único óbice;

b) Ao final, seja confirmada a medida liminar, por sentença, para declarar o direito da Impetrante em desembaraçar as mercadorias consubstanciadas    na  Declaração de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, independentemente de qualquer suspeita que não esteja sendo discutida através do devido processo legal, caso seja o único óbice."

Decisão sob Id. 4058302.16009652, proferida pelo MM. Juiz TIAGO ANTUNES DE AGUIAR, sob o argumento de que seria  caso de incompetência funcional do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Caruaru-PE, logo caso de incompetência absoluta.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Considerações Preliminares

2.1.1 - Da Autuação da DD Autoridade

De início, proceda a Secretaria à inclusão do Ilmo. Sr. INSPETOR-CHEFE DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SUAPE na condição de autoridade coatora, uma vez que assim foi indicado na petição inicial.  Deve a Secretaria, ainda, fazer as anotações pertinentes no sistema, eis que inexiste a prevenção acusada pelo Pje.

2.1.2 - Da competência do Juízo

 

Data maxima venia do d. Magistrado Federal TIAGO ANTUNES DE AGUIAR, Juiz de uma das Varas de Caruaru-PE, onde se encontra sediada a Impetrante,  uma  Turma do STF e precedente do STJ, mudando antigo entendimento jurisprudencial, passaram a admitir que o mandado de segurança pode ser impetrado no local de residência/sede do(a) Impetrante, ainda que as Autoridades apontadas como coatoras estejam sediadas em outras ou em outra localidade, como no presente caso. 

O Pleno do TRF-5ªRegião remou um certo tempo contra esse entendimento, no entanto, em r. julgado mais recente, em caso específico envolvendo benefício previdenciário, alinhou sua jurisprudência ao que têm decidido as mencionadas Cortes de cúpula do Judiciário Brasileiro, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO DESTINADA À OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E AO PAGAMENTO DE ATRASADOS. AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DO SEGURADO-IMPETRANTE, DIVERSO DA SEDE DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO PACIFICADA PELO STF E PELO STJ. ACESSO À JUSTIÇA E AO SERVIÇO PREVIDENCIÁRIO. TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO.

1. No caso, trata-se de definir a quem compete processar e julgar o mandado de segurança impetrado contra ato imputado a servidor do INSS, que foi ajuizado pelo impetrante no foro do seu domicílio, tendo o Juízo a quem os autos foram distribuídos (21ª/PE - suscitado) afirmado a sua incompetência absoluta e determinado a remessa à Vara com jurisdição abrangente do Município em que sediada a autoridade apontada como coatora (14ª/PB - suscitante).

2. Não é nova a jurisprudência do STF, no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na Seção Judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato/fato que originou a demanda, onde esteja situada a coisa litigiosa ou, ainda, no Distrito Federal, aplicando-se aos mandados de segurança impetrados contra autoridade pública federal a regra do art. 109, parágrafo 2º, da CF/88, admitindo-se, assim, a impetração no foro de domicílio do impetrante (cf. RE nº 509.442 AgR/PE, Relatora: Ministra ELLEN GRACIE, julgado em 03.08.2010).

3. Em julgamento sob a sistemática da repercussão geral, o STF definiu tese jurídica de que "a regra prevista no parágrafo 2º do art. 109 da Constituição Federal também se aplica às ações movidas em face das autarquias federais" (Tema nº 374).

4. Nessa linha, vem entendendo o STJ pela possibilidade de ajuizamento do mandado de segurança no domicílio do impetrante, ainda que não corresponda à sede da autoridade apontada como coatora.

5. No entanto, o Pleno do TRF5 consolidou a sua jurisprudência em sentido diferente, ou seja, de que, "em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento é absoluta, estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade coatora". Este Tribunal considera que "o Juízo que está na sede da autoridade impetrada tem muito mais facilidade na obtenção de acesso à documentação pertinente ao processo, bem como de obter o cumprimento de medidas liminares. Essa é a tese comprometida com a funcionalidade e que, portanto, deve prevalecer" (CC nº 0811813-48.2019.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, julgado em 03/10/2019). Em igual pegada: "Em que pese a 1ª Seção do STJ ter passado a entender que 'o mandado de segurança pode ser impetrado no foro do domicílio do autor, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja diversa da do impetrante, devendo prevalecer a opção prevista na Constituição no art. 109, parágrafo 2º à infraconstitucional' (AINTCC-2016/0324596-5, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Seção, DJe 22.06.2017), o Plenário deste TRF da 5ª Região optou conscientemente por manter a jurisprudência tradicional, isto é, que em se tratando de mandado de segurança a competência, de caráter absoluto, define-se pela sede funcional da autoridade coatora. [...] Firmada a jurisprudência após intensos debates, o Pleno desta Corte deve mantê-la estável, íntegra e coerente, nos moldes do art. 926 do CPC/2015, independentemente da posição pessoal de seus integrantes" (CC nº 0807491-82.2019.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal RUBENS CANUTO, julgado em 01/07/2019). Exatamente nessa direção, veja-se o recente precedente do Plenário: CC nº 0815302-93.2019.4. 05.0000, Relator: Desembargador Federal MANOEL ERHARDT, julgado em 27/01/ 2020, unânime.

6. O entendimento do Plenário conduziria ao reconhecimento da competência da 14ª Vara/PB. No entanto, a particularidade do caso concreto impõe o amadurecimento da posição do TRF5 sobre a matéria.

7. Segundo consta dos autos originários, o impetrante jamais se dirigiu à Agência do INSS localizada em Teixeira/PB; o seu requerimento administrativo foi protocolado na Agência do INSS, localizada na Avenida Mário Melo, no bairro de Santo Amaro, em Recife/PE. Mesmo as informações complementares que foram exigidas do segurado pelo INSS foram prestadas junto à unidade da autarquia previdenciária em Recife/PE, porque o INSS autoriza que o comparecimento para atendimento se dê na Agência mais próxima do domicílio do requerente. Mais ainda, de acordo com os documentos acostados, todos os vínculos laborais do impetrante se deram no Estado de Pernambuco, a maior parte deles na cidade do Recife/PE (e as correspondentes rescisões, idem). Sequer o impetrante é paraibano. A questão é que, uma vez protocolado o requerimento administrativo, ele passa a uma fila nacional, podendo ser vinculado, independentemente da localização, a uma Agência do INSS diversa daquela que recebeu o requerimento administrativo. Em decorrência dessa sistemática, no caso concreto, o pleito administrativo do impetrante foi decidido por servidor da Gerência Executiva do INSS em Teixeira/PB.

8. Nessas circunstâncias, não é razoável se exigir do segurado que se desloque para a Paraíba, para fins de ajuizamento do mandado de segurança, sequer servindo, na hipótese, a justificativa da facilidade de acesso às informações necessárias ao julgamento da demanda. Se, em tempos de tecnologia avançada, havia certa dificuldade de manter essa motivação da proximidade à fonte dos dados informativos, para vincular a propositura do mandado de segurança na sede da autoridade coatora, essa razão perde ainda maior robustez diante da nova sistemática de atendimento e julgamento dos pedidos administrativos de benefício previdenciário.

9. O mandado de segurança é remédio constitucional destinado a confrontar ato ilegal ou abusivo da autoridade administrativa, de modo que a interpretação das regras de impetração do mandamus não deve privilegiar aquela pessoa sobre a qual pesam as imputações de ilegalidade ou abusividade. Em outros termos, não se coaduna com o Texto Constitucional de 1988 a exegese que dificulta ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário, na defesa de direito alegadamente líquido e certo, supostamente violado pela Administração Pública, dificultando, inclusive, nessa ordem de ideias, o acesso ao próprio serviço previdenciário essencial.

10. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Federal suscitado (21ª Vara/ PE), de domicílio do segurado. (PROCESSO: 08005516720204050000, CC - Conflito de Competencia - , DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Pleno, JULGAMENTO: 13/03/2020, PUBLICAÇÃO:) G.N.”[1]

Pois bem, embora o caso dos autos não envolva, como no acórdão paradigma do Pleno do E. TRF-5ª Região, benefício previdenciário, impõe-se reconhecer, todavia,  que mencionada Corte modificou a sua jurisprudência, de forma que estão superados os entendimentos das Turmas desse Tribunal, cujos julgados foram invocados por referido d. Magistrado Federal.

Também, ainda data maxima venia do referido d. Magistrado Federal de Caruruaru-PE, não é caso de competência absoluta,  é tanto que a Parte Impetrante pode escolher o foro que lhe for mais  confortável e, certamente, menos oneroso.

Todavia, para que este processo não fique "passeando" entre Caruaru-PE e esta bela Capital do Estado de Pernambuco, e ainda considerando que se trata de competência relativa e a que a Parte Impetrante não recorreu da  noticiada r. decisão do d. Juiz Federal de Caruaru-PE, tenho por bem firmar a competência deste Juízo Federal,  ou seja, desta 2a Vara Federal de Pernambuco.

2.2 Do Mérito e da Medida Liminar

A concessão de medida liminar em Mandado de Segurança pressupõe a presença de um conjunto probatório que demonstre a plausibilidade das alegações do impetrante, em grau compatível com a medida requerida, aliado a um fundado e justo receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao objeto da demanda decorrente do tempo para o regular transcurso do processo.

No caso vertente, a medida liminar requerida consubstancia-se na determinação de que a Autoridade Coatora que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das mercadorias consubstanciadas nas Declarações de Importação nº 2012215857,  2012786307, 2013114116 e 2013338502, devendo, caso entenda necessário, prosseguir com a lavratura de auto de infração como forma de oportunizar à Impetrante o contraditório e ampla defesa acerca das alegações de prática de "subfaturamento"[2],  caso esse seja o único óbice.

Pois bem.

É verdade que a Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal impede a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. A apreensão somente seria devida, portanto,  a título de medida preparatória a resguardar eventual aplicação da pena de perdimento de bens, nas hipóteses cabíveis.

No caso em análise, a Impetrante defende, no corpo da Inicial, de forma categórica, que a Autoridade coatora não teria,  sequer, justificado efetivamente o motivo das suspeitas, declarando exclusivamente que o impetrante estaria amargando prejuízos.

Entretanto, da leitura  do TERMO DE INÍCIO DE AÇÃO FISCAL nº 027/2020 (Id. 4058302.16007057), vê-se que a autoridade alfandegária assim pontuou:

"Ainda que as atividades econômicas decorrentes do comércio exterior revelem saldo deficitário durante o período analisado, poderia se cogitar que a empresa tivesse recursos próprios oriundos da atividade de comércio atacadista (CNAE 4633-8-01) com aquisição de mercadorias no mercado interno para continuar financiando as importações que se seguiram. Entretanto, não há registros de vendas de mercadorias que não sejam as importadas. Além disso seu capital social, alterado de 250 mil reais para 500 mil reais em maio de 2020, se totalmente integralizado, é bem inferior ao recurso necessário para o financiamento de mais de 2 milhões reais de importações concretizadas nos meses subsequentes, sem levar em consideração aquelas que se encontram em despacho e pré-despacho.

Diante desse cenário, vislumbra-se, em tese, que os recursos para o custeio das suas importações podem não ter amparo no resultado da atividade comercial declarada.  

Convém ponderar ainda que a empresa importou nos últimos três meses 218 toneladas de produtos. As datas das notas de saída permitem inferir que as mercadorias deveriam passar por algum estabelecimento para fins de estoque e segregação previamente à distribuição aos clientes em diversas datas. Entretanto, de acordo com a Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) declarada, não constam empregados na folha de pessoal da matriz e filial. Também não constam registros de aquisição de bens patrimoniais, móveis e equipamentos para a atividade logística, o que sugere haver uma incompatibilidade entre o volume de mercadorias e sua capacidade operacional. Diante dos fatos constatados, e para a apuração da regularidade da importação e a instrução do procedimento fiscal, INTIMO o contribuinte para atender, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência deste termo, as seguintes exigências:

1)APRESENTAR contrato social da empresa e de todas as suas alterações, devidamente registrados na Junta Comercial;  

2)COMPROVAR, mediante a apresentação de documentação idônea, a origem, a disponibilidade e a transferência dos recursos necessários à integralização do capital social;

 3)APRESENTAR os seguintes documentos, para comprovação do efetivo funcionamento da empresa:  

3.1 Faturas de contas de energia elétrica e água dos últimos seis meses;  

3.2 Contrato(s) de locação de imóvel(is) e de pagamentos do aluguel dos últimos seis meses;  

3.3 Relacionar os nomes dos funcionários, cargo e CPF;  

3.4 Fotografia da fachada do estabelecimento do importador;  

3.5 Fotografia do interior do estabelecimento do importador;  

4)APRESENTAR extratos de movimentação de todas as contas correntes bancárias e aplicações financeiras da empresa importadora no período de 11/2019 a 09/2020;

 5)APRESENTAR extratos de movimentação de todas as contas correntes bancárias e aplicações financeiras do único sócio/dirigente José Aguinaldo Cabral. CPF: 843.907.514-68 no período de 09/2019 a 09/2020; 

6)APRESENTAR as faturas comerciais e proforma, os contratos de câmbio e seus respectivos comprovantes de liquidação relativos às DIs e ao Conhecimento de Carga Eletrônico listados na Tabela 01 (DIs atuais) e Tabela 02 (DIs já desembaraçadas).

7)INFORMAR se as operações cambiais (Tabelas 01 e 02), ou parte delas, foram financiadas com recursos de terceiros.

Em caso positivo, APRESENTAR as provas desse financiamento, por meio de instrumento de contrato de financiamento ou de empréstimo, o qual deverá conter:

 7.1 Identificação dos participantes da operação: devedor, fornecedor, financiador, garantidor e assemelhados;  

7.2 Descrição das condições de financiamento: prazo de pagamento do principal, juros e encargos, margem adicional, valor de garantia, respectivos valores-base para cálculo, e parcelas não financiadas; e 7.3 Forma de prestação e identificação dos bens oferecidos em garantia;  

8)INFORMAR se os pagamentos de tributos/multas/despesas referentes às DIs listadas na Tabela 01 e 02 foram realizados mediante débito em conta corrente de titularidade do contribuinte.

Caso tais pagamentos, ou parte deles, não tenham sido suportados por conta corrente do contribuinte, INFORMAR:

 8.1 Os dados da(s) conta(s) corrente(s) originária(s) dos recursos empregados nesses pagamentos (banco, agência, número da conta corrente);  

8.2 O titular dessa(s) conta(s) (CPF/CNPJ e nome); e

 8.3 A relação do titular dos recursos com o contribuinte, acompanhada de documentação que a comprove;  

9)INFORMAR os possíveis clientes (compradores) (CPF/CNPJ e nome) para as mercadorias objeto das DIs e CE da Tabela 01; APRESENTAR informações detalhadas a respeito da relação comercial, o(s) contrato(s) eventualmente firmado(s), os pedidos feitos e correspondências, e-mails e quaisquer outros documentos que registraram as negociações; 10)APRESENTAR os Relatórios de Operações de Câmbio e Transferências Internacionais em nome do CNPJ da fiscalizada e do CPF sócio/dirigente José Aguinaldo Cabral, no ano de 2020, os quais podem ser extraídos gratuitamente no Sistema Registrato do Banco Central do Brasil.".

Então, a DD Autoridade apontada como coatora não só justificou, como demonstrou que há algo de estranho nas atividades importadoras da Impetrante, a ser apurado na via administrativa, pois com tão pequeno capital social, não se sabe como consegue tanto dinheiro para importar alho tão caro da CHINA para  revendê-lo por preço bem abaixo aqui no BRASIL.

Certamente,  nas suas investigações, os Técnicos da Repartição à qual a DD. Autoridade apontada como coatora encontra-se vinculada, aplicarão as regras que envolve o complexo problema dos "preços de transferência", para entender essa engenharia econômico-financeira e tomar, no final,  as providências pertinentes.  

Oxalá,  tudo se apure de forma  favorável à ora Impetrante.  

Mas o certo é que não se trata de um mero problema tributário, como quis fazer crer a Impetrante na sua longa petição inicial, e o alegado direito da ora  Impetrante, neste momento processual,  não é liquido, muito menos certo. 

 

Assim, prima facie, não vislumbro, de plano,  ilegalidade, nem abuso de poder na atuação da DD Autoridade apontada como coatora, situação essa que afasta a existência do fumus boni iuris e impossibilita a concessão da pretendia medida liminar. 

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Preliminarmente, determino que a Secretaria tome as providências indicadas no subitem 2.1.supra e firmo a competência deste Juízo para esta causa;

3.,2 - Indefiro o pleito de concessão de medida liminar;

3.3 - Notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009) e dê-se ciência desde writ ao órgão de representação judicial da UNIÃO (Fazenda Nacional), no caso, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.4 - Decorrido o prazo para as Informações, com ou sem elas, remetam-se os autos para o MPF, para o r. parecer legal, bem como para outras providências legais que entender por pertinentes.

Intimem-se. Cumpra-se, COM URGÊNCIA.

Recife, 24.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(lsc)

________________________________________________________

[1] BRASIL. TRUBINAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO.

Disponível em: https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1

Acesso em: 03/08/2020.

[3] Pelo que entendi da petição inicial, parece-me caso de superfaturamento(aquisição por preço superior ao preço de venda no Importador) e não de subfaturamento, como alegado pela Impetrante. Prima facie, parece que a questão envolve o problema de preço de transferência("transfering price"), tratado na Lei nº 9.430, de 1996, art. 18 e seguintes. .





 

 


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

IRRF ACIMA DO VALOR REAL DEVIDO. APURAÇÃO NA DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL. DATA DA INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA(SELIC) NA RESTITUIÇÃO.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Interessante matéria tributária é debatida na sentença infra. Momento da incidência de juros de mora, no valor do imposto de renda retido além do valor devido, quando da restituição pelo Fisco Federal. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0808083-92.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: SINDICATO DOS POLICIAIS RODOVIARIOS FEDERAIS EM PE
ADVOGADO: Laércio De Souza Ribeiro Neto
SUBSTITUÍDO SINDICAL: J S C DA S
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR) 

Sentença tipo A

EMENTA:- TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. RETENÇÃO NA FONTE. RESTITUIÇÃO. JUROS. TERMO INICIAL  ART. 16 DA LEI N. 9.250/95.

-O Estado, nos sistemas políticos liberais, não podem receber tratamento diverso do dado aos Contribuintes quanto às responsabilidades tributárias.

- A retenção na fonte de imposto de renda, para  o Contribuinte que sofre a retenção,  corresponde a pagamento.

-A parcela retida indevidamente tem que ser atualizada a partir da data em que esse fenômeno  ocorreu, da mesma forma que se atualiza o tributo quando o Contribuinte faz o pagamento com  atraso.  

-Aplicação do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995 c/c incisos I e 1V do art. 150, alínea "b" do inciso III do art. 146, todos da Constituição e dos arts. 161 e 165 do Código Tributário Nacional.

-Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

SINDICATO DOS POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO - SINPRF/PE propôs esta AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, a favor do acima indicado Substituído Processual, em face de UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, pessoa jurídica de direito público, através da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, e a Procuradoria - Regional da Fazenda Nacional - 5ª Região em nome do substituto processual JOSE SANDOVAL CORREIA DA SILVA. Aduziu, em síntese, que: o substituído seria servidor público federal e perceberia como remuneração o montante bruto de R$ 17.158,08 (dezessete mil, cento e cinquenta e oito reais e oito centavos); sua fonte pagadora descontaria de sua remuneração parcela no valor de R$ 2.850,96 (dois mil, oitocentos e cinquenta reais e noventa e seis centavos) a título de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), o qual seria retido diretamente na fonte (vide rubrica "Imposto de Renda Retido Fonte" constante do contracheque anexo); até a feitura da declaração anual de ajuste, o valor do IRRF permaneceria em posse da fazenda nacional em seu valor nominal, ou seja, sem os acréscimos legais em razão do tempo; a modalidade de retenção do tributo na fonte (rendimentos sujeitos a tributação exclusiva/definitiva) não admitiria compensação ou abatimento com os valores apurados ao final do período, diferenciando-se da regra contida no art. 16 da Lei n. 9.250/95; os juros e a correção monetária (SELIC), incidentes na ação de repetição do indébito tributário, relativo ao IRPF retido na fonte, deveria fluir a partir da retenção na fonte (antecipação). Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação da procedência dos pedidos, bem como a restituição dos valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos. Inicial instruída com procuração e documentos.

Determinada a intimação da parte autora para promover o recolhimento das custas processuais (Id. 4058300.5750399), o Sindicato Autor pugnou pela correção do valor da causa para R$11.275,07, bem como o deferimento da isenção das custas processuais (Id. 4058300.5849303).

Foi concedido provisoriamente o benefício da Justiça Gratuita e determinada a citação (Id. 4058300.10117256).

A União (PRU) pugnou pela intimação exclusiva da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional (Id. 4058300.10170703).

Citada, a União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação (Id. 4058300.10342431), alegando, em apertada síntese, que o termo inicial dos juros e correção monetária no caso de restituição de IRPF retido na fonte estaria expressamente previsto no artigo 16 da Lei nº 9.250/95; a relação jurídico-tributária seria regida pela estrita legalidade de forma que até mesmo as questões em torno dos acréscimos legais, seja na cobrança, seja na repetição, deveriam obediência aos termos da lei; não teria sido por outra razão  que, mutatis mutandis, o Colendo STJ, em sede de recurso repetitivo, não teria reconhecido  o direito do contribuinte à correção monetária de crédito escritural de IPI decorrente do princípio da não-cumulatividade; nesses casos, o contribuinte teria um crédito em face de um recolhimento que se revelou maior diante do referido princípio; no entanto, mesmo assim, por ausência de previsão legal, não haveria direito à correção de tais valores, salvo se houvesse oposição do fisco à utilização do crédito, nos termos ali transcritos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.

Determinou-se a exclusão do União Federal do polo passivo (Id. 4058300.12419208), mantendo-se nesse polo a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL.

Certificado o decurso de prazo sem manifestação (Id. 4058300.14101807).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - O cerne da controvérsia consiste em examinar se, na hipótese de restituição de IRPF retido na fonte, os juros e correção monetária devem incidir a partir do mês seguinte ao da retenção propriamente dita ou a partir da data da declaração.

Estabelece o art. 16 da Lei nº 9.250, de 1995, que o termo inicial é a "data prevista para a entrega da declaração de rendimentos".

No mesmo sentido, o artigo 82 do atual Regulamento do Imposto de Renda,  Decreto nº 9.580/18.

Para melhor compreensão da matéria, passo a transcrever os dispositivos normativos referidos nos autos:

Lei nº 9.250/95:

"Art. 16. O valor da restituição do imposto de renda da pessoa física, apurado em declaração de rendimentos, será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data prevista para a entrega da declaração de rendimentos até o mês anterior ao da liberação da restituição e de 1% no mês em que o recurso for colocado no banco à disposição do contribuinte." (Vide Lei nº 9.430, de 1996)

Decreto nº 9.580/2018:

"Art. 82.  O valor da restituição a que se refere o art. 81 será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do mês subsequente ao previsto para a entrega tempestiva da declaração de ajuste anual até o mês anterior ao da liberação da restituição, e de um por cento no mês em que o recurso financeiro for disponibilizado ao contribuinte em instituição financeira.". (Lei nº 9.250, de 1995, art. 16; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 62).

Vê-se, pois, que as previsões normativas acima transcritas baseiam-se na premissa de que, na generalidade dos rendimentos tributáveis, o eventual direito à repetição somente surge quando do ajuste anual, isto é, ao final do período, quando se apura o saldo devedor ou credor.

Há precedente  da 2ª Turma do STJ no mesmo sentido da legislação acima indicada,  verbis:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. RESTITUIÇÃO. TERMO INICIAL DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA (SELIC). DATA DA RETENÇÃO (ANTECIPAÇÃO) VS. DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. RENDIMENTOS NÃO SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA / DEFINITIVA. ART. 16, DA LEI N. 9.250/95.

1. Ressalvados os casos em que o recolhimento do tributo é feito exclusivamente pela retenção na fonte (rendimentos sujeitos a tributação exclusiva/definitiva), que não admite compensação ou abatimento com os valores apurados ao final do período, os juros e correção monetária (SELIC) incidentes na ação de repetição do indébito tributário fluem a partir da data prevista para a entrega da declaração de rendimentos e não a partir da retenção na fonte (antecipação), consoante o art. 16 da Lei n. 9.250/95.

2. Precedentes em casos onde se analisou a exigibilidade para efeito de se fixar o termo inicial do prazo prescricional da ação de repetição de indébito: EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp. n. 1.233.176/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 21/11/2013, DJe 27/11/2013; REsp. n. 1.472.182-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19.05.2015.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido."[1]

2.2 - Data maxima venia, penso diferente.

2.2.1 - Inicialmente, não se pode confundir a hipótese de IRRF de rendimentos de pessoas físicas do respectivo IRR exclusivamente na fonte.

Na primeira hipótese,  a parcela de IR paga,  via retenção na fonte, leva em consideração o valor realmente devido do IR da Pessoa  Física, para aquele ato.

A respectiva apuração na declaração de ajuste anual é apenas para saber se houve retenção em valor acima do devido,  ou não.

Quando se constata que o Contribuinte pagou IR em valor superior ao realmente devido, recebe a restituição.

O valor que foi retido e pago exclusivamente na  fonte, como sói acontecer, por exemplo,  com a parcela  relativa ao  13º Salário, a ganhos em  loterias,  etc., não é considerada na determinação do valor definitivamente devido do IRPF na declaração anual de ajuste, posto a retenção é exclusivamente na fonte.

 2.2.2 - Mas, com relação ao IRRF que não seja  exclusivo na  fonte, é diferente, porque esse valor entra na apuração da determinação do valor realmente devido do IR na declaração de ajuste anual.

Então, se restar apurado, na declaração anual de ajuste do IR,  por exemplo, que em janeiro do ano-calendário (antigo ano-base) foi retido dos vencimentos de um Servidor Público Imposto de Renda em valor maior que o valor realmente devido, será do mês seguinte, fevereiro daquele ano-calendário, que passará a incidir atualização, pelos  índices da tabela SELIC, para a devida restituição, porque se tratou de um pagamento indevido, de forma  que se aplica, ao caso a regra do § 4º do art. 39 da referida Lei nº 9.250, de 1995. 

Imaginemos a situação contrária: apura-se,  na declaração de ajuste anual do IR de determinada  Pessoa  Física que ela deixou de recolher, por exemplo, parcela do IRPF de autônomo no mês de abril do ano calendário (antigo ano-base). Essa pessoa física vai recolher essa parcela do IRPF com atualização pelos índices da tabela SELIC a partir do mês  seguinte àquele em que aquela parcela deveria ter sido recolhida,  qual seja, a partir de maio do ano calendário (antigo ano-base) e não da data da entrega da declaração. 

Então, o tratamento deve ser igualitário para as duas Partes: Contribuintes e Fazenda Pública.

A parcela de atualização pelos índices da tabela SELIC corresponde a juros de mora, por isso tem que incidir a partir do mês seguinte àquele em que a Fazenda Pública(no primeiro exemplo) ou o Contribuinte(no segundo exemplo) passa a usar o dinheiro alheio indevidamente.

Aliás, aqui, além dos juros de mora, calculados dessa forma, o coitado do Contribuinte, do segundo exemplo, ainda terá que pagar a denominada  multa fiscal e, dependendo da situação, até mesmo a multa  penalidade.

Então, por que, quando ocorre a situação contrária, apura-se, na declaração de ajuste anual, que o Contribuinte pagou IRPF, via retenção fonte, valor superior ao que  realmente  devido(e consegue-se apurar exatamente em que mês do ano calendário isso aconteceu), a mesma  Fazenda Nacional só vai pagar juros de mora pelos índices da tabela SELIC a esse Contribuinte a partir da data prevista para a entrega da declaração do  IR?

Situações idênticas, soluções  diversas?

Óbvio que esse artigo 16 da Lei nº 9.250, de 1995, quanto à atualização, não pode prevalecer, porque, fere o inciso I do art. 150 da Constituição da República, pois estará sendo exigido imposto de renda sem base em Lei.

Realmente, não há Lei autorizando pagamento de IR acima  do realmente devido e, se houvesse, seria  inconstitucional, porque feriria o art. 43 e incisos do Código Tributário Nacional, cuja Lei 5.172, de 1966, que o instituiu tem status de Lei Complementar, conforme regra do art. 146 III, a e b da vigente Constituição da República.

E,  como bem alegado na petição inicial, mencionado artigo 16 da Lei nº 9.250, de 1995, provoca confisco, logo, choca-se com o inciso IV desse mesmo artigo 150 dessa mesma Carta Magna, que veda o confisco.

Mencionado art. 16 da Lei nº 9.250, de 1995, também choca-se, contrario sensu e  violentamente,  com os arts. 161 e 165 do Código Tributário Nacional. Note-se que este último estabelece que o Contribuinte, quando paga tributo indevidamente, faz jus à restituição do valor total que tenha pago nessa situação.

E, repito, contrariados tais dispositivos do Código Tributário Nacional(Lei 5.172, de 1966), contrariadas também restam as alíneas "a" e "b" do inciso III do art. 146 da referida Carta Magna, segundo a qual cabe à Lei Complementar[2]estabelecer as regras gerais sobre obrigação tributária e crédito tributário.

É que o Legislador Ordinário não pode contrariar regras do Código Tributário Nacional, exatamente por força dessa ora invocada regra da Constituição da República.

A data de apuração, data maxima venia, para tal finalidade, não poderia, NUNCA,  ter nenhuma  importância, porque contraria o sistema de responsabilização da Parte, no caso, credora, que exige indevidamente, antes do tempo, o pagamento relativo à  obrigação tributária de determinado parcela do tributo.

Se a Fazenda Pública exigiu o Imposto em valor maior que o devido, em determinada competência do ano, tem que indenizar o Contribuinte com  os noticiados juros de mora, a partir do mês seguinte da exigência indevida, conforme as regras da Constituição da República e do Código Tributário Nacional acima invocadas. 

Outrossim, em regimes democráticos e liberais, como o reinante no Brasil, se assim não for, restará também  ferido o princípio constitucional da igualdade de tratamento entre Fisco e Contribuinte nas  suas responsabilidades tributárias.

Nessas situações, a Fazenda Pública também deveria ser obrigada a pagar ao Contribuinte multa, como dele exige quando o Contribuinte atrasa o pagamento, culposa(multa fiscal) ou dolosamente(multa penalidade).

Por outro lado, como já indicado acima, a mesma Lei nº 9.250, de 1995, onde tem acento o acima  transcrito art. 16, tem regra própria  sobre compensação ou restituição de Imposto pago indevidamente, no § 4º do seu art. 39, com a seguinte redação:

"§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.".

Note-se que essa regra, tendo  em vista a estrutura constitucional acima  invocada, especialmente o princípio da igualdade de tratamento nesse campo entre o Contribuinte e o Fisco, adveio do fato de que Lei anterior, a Lei nº 9.065, de 20.06.1995, instituiu regra semelhante(juros SELIC a partir do mês seguinte ao do vencimento, caso não houvesse o pagamento) apenas  à favor da Fazenda Pública e, diante da grita dos Contribuintes, o Poder Legislativo trouxe à luz o acima transcrito justo dispositivo de Lei(refiro-me ao § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995).

Com efeito, eis a regra do art. 13 da mencionada Lei  nº 9.065, de 20.06.1995:

"Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente.".

Então, totalmente sem sentido a regra do acima  transcrito art. 16 da Lei nº 9.250, de 26.12.1995, sobre a data do início da incidência dos juros de mora do Imposto de Renda Pessoa Física que a Fazenda Pública exigiu indevidamente em determinado mês do ano calendário, porque o assunto foi tratamento corretamente, e à  luz do sistema constitucional tributário e do Código Tributário Nacional, no § 4º do art. 39 dessa mesma Lei.

A retenção na fonte, para o Autor, correspondeu a pagamento, posto que retirado do valor que tinha a receber, tendo o recolhimento cabido à Pessoa que fez a retenção. Então, a incidência dos juros de mora,  a seu favor, tem que ser a partir do  mês seguinte ao da indevida retenção.

Data maxima  venia, a  matéria não vem recebendo o devido tratamento, dentro de uma visão justa e constitucional,  pelo que espero que a Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça faça a devida retificação quando for apreciá-la sob efeito repetitivo. 

NÃO HÁ dúvida que o avanço dos sistemas  eletrônicos da atualidade permitem que a Fazenda  Pública saiba exatamente quanto cada Contribuinte tem que recolher em cada competência  tributária, sem  necessidade de dele exigir parcela maior que a realmente devida, de forma que,  quando assim o fizer, deverá ser exemplarmente punida, da mesma forma que pune o Contribuinte quando este recolhe imposto em valor menor que o devido.

Nos sistemas políticos liberais, e não há dúvida que o Brasil vive atualmente sob um sistema  liberal exacerbado, o Estado tem que se submeter as Leis da mesma  forma que os  cidadãos.

2.3 - Obviamente, o recebimento das verbas aos  quais o Autor faz jus, decorrentes deste processo, não configurará fato gerador do Imposto de Renda, por se tratar de imposto de renda restituído em face de cobrança indevida, pelo que deverá ser declarado no tópico próprio da sua futura declaração do IRPF.

3. Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a revisar as declarações do IRPF do Autor, relativas aos últimos cinco anos anteriores à data da propositura desta ação, fazendo incidir os juros de mora(índices da tabela SELIC) sobre as parcelas retidas na  fonte em valor maior que o realmente devido em cada competência do respectivo ano calendário(antigo ano-base), a partir do  mês seguinte ao da retenção indevida(que correspondente, para o Autor,  a pagamento indevido),  incidência de juros essa na forma estabelecida no acima transcrito § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 28.12.1995, e que mencionada atualização, pelos índices da tabela SELIC,  estenda-se até a data da expedição do(s) requisitório(s) constitucional(ais)[3] e efetivamente restituídos ao ora Autor, observando-se o 1%(um por cento) para o mês em que o respectivo valor for efetivamente pago.

Outrossim, condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a ressarcir eventuais custas processuais que tenham sido pagas neste processo, bem como verba honorária que, considerando a simplicidade do caso, arbitro, com base no § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, em 10%(dez por cento) do valor atualizado que venha a ser restituído ao Autor.

Deixo de submeter este processo ao duplo grau de jurisdição porque o valor econômico da demanda  é inferior a 1.000(mil) salários  mínimos(inciso I do § 3º do art. 496 do CPC).

Finalmente, dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, do CPC).

Fica a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL isenta do pagamento de custas, por força de Lei.

Intimem-se.

Recife, 23.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.

(lsc)

_______________________________________


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2a Turma. Recurso Especial - REsp nº 1.434.703/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques,  julgado em 08/09/2015, in Diário da Justiça  Eletrônico - DJe de 17/09/2015.

[2] Como se sabe, resta pacificado na doutrina e na jurisprudência que a Lei nº 5.172, de 1966, pela qual se instituiu o Código Tributário Nacional, em virtude da estrutura constitucional posterior ao seu advento, adquiriu o status de Lei Complementar e hoje tem esse status assegurado no art. 146 da vigente Constituição da República.

[3] "Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 96 da repercussão geral, negou provimento ao recurso. Não votou, no mérito, o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Em seguida, o Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: "Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório", vencido, em parte, na redação da tese, o Ministro Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 19.4.2017.". 

Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

Acesso em 10.10.2017.

 

 

REQUISITOS PARA FAZER O CURSO DE RECICLAGEM DE VIGILANTE NO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


A pessoa que exerce a atividade de Segurança/Vigilante só poderá fazer o curso de reciclagem na Polícia  Federal se não tiver antecedentes  criminais e, caso tenha condenação criminal, só se tiver sido reabilitado ou, após o término do cumprimento da pena, já tiver decorrido mais de cinco anos. 

Na sentença que segue, todos os detalhes desse assunto são dissecados. 

Boa leitura. 



Obs.: Sentença minutada pela Assessora LUCIANA SIMÕES DE ALBUQUERQUE.



 PROCESSO Nº: 0806849-07.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: J S DA S
ADVOGADO: M J J G A 
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
AUTORIDADE COATORA: SUPERINTENDENTE DPF CARLOS HENRIQUE OLIVEIRA DE SOUZA, DIRETOR REGIONAL DA POLICIA FEDERAL EM PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



SENTENÇA TIPO A.


EMENTA:  MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICADO DE RECICLAGEM DE CURSO DE VIGILANTE. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. PUNIBILIDADE EXTINTA, PELO CUMPRIMENTO DA PENA. REABILITAÇÃO NÃO COMPROVADA.

DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

Vistos, etc.

1. Relatório

Versam os presentes autos sobre mandado de segurança impetrado por J S DA S contra o ato imputado ao DIRETOR REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM PERNAMBUCO, consubstanciado na negativa de inscrição do impetrante no curso de reciclagem da formação de vigilante, em virtude da exigência imposta pela Portaria nº 3.233/2012- DG/DPF, da Polícia Federal. Para tanto, narra na petição inicial, em apertada síntese, que: trabalharia como segurança patrimonial em empresa privada, sendo obrigado a se submeter a cursos periódicos de reciclagem para a permanência em suas funções; para participar de cursos de reciclagem, necessária seria a apresentação de antecedentes criminais; apesar de ter apresentado certidão negativa de antecedentes, fora impedido de participar do curso de reciclagem por possuir condenação penal por porte ilegal de arma; tal conduta teria sido praticada em 2015, o Impetrante teria sido preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo, crime previsto no art, 14 da Lei n. 10.826/2013; teria sido processado e julgado nos autos 83-59.2015.8.17.1580 e logo após a sentença condenatória, teria cumprido sua pena, através do Processo de Execução PENAL n. 252-07.2019.8.17.1518; a sentença de extinção da punibilidade pelo cumprimento já teria sido exarada;   tal ação já estaria arquivada e a pena extinta; para fins de Direito, seria considerada idoneidade moral um conjunto de qualidades que recomendam o indivíduo à consideração pública, com atributos como honra, respeitabilidade, seriedade, dignidade e bons costumes; a idoneidade significaria a qualidade de boa reputação; a condenação penal pelo porte ilegal de arma não teria trazido  para sua reputação nenhuma consequência no sentido de denegrir a sua imagem e nem teria feito a qualquer pessoa do seu convívio social acreditar que o mesmo teria se transformado em um criminoso pelo fato e utilizar uma arma; caso não participasse do curso, correria o risco de ficar desempregado. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"Concessão da segurança para afastar o ato coator no sentido de declarar a idoneidade moral do Autor como critério para realização do curso de vigilantes, bem como, que determine a concessão de tal autorização e posterior homologação do certificado pelo Departamento da Policia Federal de  Pernambuco, mediante e imediatamente, o atendimento dos requisitos estabelecidos no art. 16 da Lei7.102, de20 de junho de1983, e do art. 155 da Portaria nº 3.233 -DG -DPF de 10 de dezembro de 2012.

Inicial instruída com procuração e documentos.

Notificada, a autoridade apontada como coatora apresentou Informações sob Id. 4058300.14433101, aduzindo, em apertada síntese, que:   a lei que regula a atividade de segurança privada no país seria a de nº 7.102/1983, regulamentada pelo Decreto nº 89.056/1983; o órgão incumbido de realizar a autorização, o controle e a fiscalização da atividade de segurança privada seria a Polícia Federal, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.102/1983 c/c o art. 32 do Decreto nº 89.056/1983;  a Polícia Federal teria Editado a Portaria nº 387/2006 - DG/DPF, já revogada pela Portaria nº 3.233/2012 - DG/DPF, que seria  a portaria atualmente em vigor; a  lei de regência, em seu art. 16, VI, estabeleceria que um dos requisitos para o exercício da profissão de vigilante seria não ter antecedentes criminais registrados; com o intuito  de regulamentar referido dispositivo legal, a portaria em vigor, com efeito, em seu art. 155, VI, teria vedado o exercício da profissão de vigilante a quem possua registro de indiciamento em inquérito policial; entretanto,  tal vedação atualmente estaria  suspensa, em função de decisão judicial proferida pelo TRF - 1ª Região, nos autos da Ação Civil Pública nº 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, que teria determinado que a Polícia Federal assegurasse "a quaisquer interessados, em todo o território nacional, o direito de matrícula e/ou homologação do curso deformação, reciclagem ou extensão para vigilantes, independentemente de estarem respondendo a processo criminal ou inquérito policial (..); assim, a orientação atualmente em vigor da Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos, órgão central da Polícia Federal sobre controle de segurança privada, seria de não obstar a matrícula/homologação de curso de formação/reciclagem/extensão do vigilante, contanto que ele não tivesse ainda sido condenado por sentença criminal transitada em julgado; no caso de condenação criminal transitada em julgado, o exercício da profissão só seria possível se o vigilante obtivesse a reabilitação criminal, ou quando decorrer o período de tempo superior a cinco anos, contados da data de cumprimento ou extinção da pena (art. 155, §4º, II e III da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF); já havendo o trânsito em julgado da condenação criminal do impetrante, e não havendo nos autos notícia de implementação de nenhuma das hipóteses previstas no art. 155, §4º, I Iou III, da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, haveria causa impeditiva para homologação do curso de reciclagem do impetrante.

O Ministério Público Federal se manifestou pela denegação da segurança.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

Versam os presentes autos sobre mandado de segurança impetrado por JOANIR SEVERINO DA SILVA contra o ato imputado ao DIRETOR REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM PERNAMBUCO, consubstanciado na negativa de inscrição do impetrante no curso de reciclagem da formação de vigilante, em virtude da exigência imposta pela Portaria nº3.233/2012- DG/DPF, da Polícia Federal.

De início, há de se registrar que, por desempenharem atividade que apresenta risco potencial à coletividade, as empresas de segurança privada se submetem a critérios rígidos de controle administrativo, estabelecidos pelo legislador.

Da leitura das Informações, vê-se que a autoridade apontada como coatora reconhece que orientação atualmente em vigor da Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos, órgão central da Polícia Federal sobre controle de segurança privada, por força de decisão exarada em sede de Ação Civil Pública, Tombada sob o número 0039226-84.2013.4.01.3300/BA[1], seria de não obstar a matrícula/homologação de curso de formação/reciclagem/extensão do vigilante, contanto que ele não tivesse ainda sido condenado por sentença criminal transitada em julgado.  Sustentou, ainda, que, no caso de condenação criminal transitada em julgado, o exercício da profissão só seria possível se o vigilante obtivesse a reabilitação criminal, ou quando decorresse o período de tempo superior a cinco anos, contados da data de cumprimento ou extinção da pena (art. 155, §4º, II e III da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF), o que não teria ocorrido no caso em análise.

Pois bem.

O art. 155, § 4º, II e III, da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, que dispõe sobre as normas relacionadas às atividades de Segurança Privada, estabelece: 

"Art. 155. Para o exercício da profissão, o vigilante deverá preencher os seguintes requisitos, comprovados documentalmente:

(...)

§ 4o Não constituem obstáculo ao registro profissional e ao exercício da profissão de vigilante:

(...)

II - a condenação criminal quando obtida a reabilitação criminal fixada em sentença;

III - a condenação criminal quando decorrido período de tempo superior a cinco anos contados da data de cumprimento ou extinção da pena; e

(...)"

Quanto à reabilitação criminal, o Código Penal, em seu art. 94, preceitua:

"Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado:

I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;

II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.".

Relativamente à noticiada Ação Civil Pública tombada sob o n. 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, vê-se, por sua vez, que assim restou ementado [1]:

"ADMINISTRATIVO. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO/RECICLAGEM/EXTENSÃO DE VIGILANTES. INEXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITO POLICIAL E/OU PROCESSO CRIMINAL SEM DECISÃO CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. ILEGITIMIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

I - Não obstante se reconheça a legitimidade da exigência de idoneidade moral para o exercício profissional de vigilante, eventual indiciamento do investigado em Inquérito Policial ou o oferecimento de denúncia em Ação Penal ainda em curso, não tem o condão, por si só, de configurar a ausência daquele requisito, até que seja efetivamente considerado culpado, com o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88), restando, assim, sem nenhum efeito jurídico as disposições do art. 155, VI c/c o art. 156, § 1º, da Portaria n. 3.233/2012 -DG/DPF.".

Assim, sob a égide da legislação transcrita acima e do decidido na noticiada Ação Civil Pública n. 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, que orientou o novo posicionamento do Departamento da Polícia Federal, conclui-se que ao impetrante não é impossível o exercício da atividade profissional de segurança privada desde que comprove, após o cumprimento da pena imposta, a necessária reabilitação da prática do delito.

Nesse contexto, conforme salientado pelo Ministério Público Federal na sua manifestação,  o impetrante foi condenado a pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão,  que restou substituída por duas penas restritivas de direito - prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

A decisão condenatória, por sua vez,  transitou em julgado em 15/01/2019 e a sentença de extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena foi proferida em 06/12/2019, conforme consta do processo criminal juntado aos autos (ids. 4058300.14013429 e 4058300.14013435).

Acerca de tal hipótese, confira-se o precedente que se segue:

"E M E N T A CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE RECICLAGEM PARA FORMAÇÃO DE VIGILANTE. NÃO HOMOLOGAÇÃO PELA POLÍCIA FEDERAL. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CONDENAÇÃO PENAL TRANSITADA EM JULGADO HÁ MENOS DE CINCO ANOS.
1. A Constituição Federal expressamente possibilita a restrição do exercício profissional caso não atendidas as qualificações estabelecidas em lei.
2. A Lei 7.102/83 prevê como requisito para o exercício da profissão de vigilante não ter antecedentes criminais registrados .
3. O art. 155, § 4º, incisos II e III do art. 155 da Portaria n. 3.233/12-DG/PF estabelece que a condenação criminal não constituirá óbice ao registro profissional e ao exercício da profissão de vigilante quando obtida a reabilitação criminal fixada em sentença ou quando decorrido o período de tempo superior a cinco anos contados da data de cumprimento ou extinção da pena, hipótese em que não se enquadra o impetrante. Inocorrência de violação ao art. 5º, inc. XLVII, alínea "b", da Constituição Federal.
4. Da análise dos autos, observa-se que a sentença condenatória transitou em julgado em 20/7/2015, e a extinção da pena ocorreu apenas em 24/5/2017; portanto, ainda não houve a reabilitação, nos termos dos requisitos expressos no art. 94 do Código Penal.
5. Apelação a que se nega provimento.".[2]

Assim, à vista de tais premissas,  observa-se que o Impetrante não comprovou ser reabilitado criminalmente pelo juízo da condenação, razão pela qual a denegação da segurança é medida que se impõe.

3. Dispositivo

POSTO ISSO,  DENEGO a segurança pleiteada e extingo o processo com resolução do mérito

Sem custas, ex lege.

Sem honorários, ex vi art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Registrada, intime-se.

Recife, 23.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


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[1] Disponível em https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00392268420134013300&pA=&pN=392268420134013300. Acesso em 23.09.2020. E da consulta da  movimentação processual da noticiada Ação Civil Pública, vê-se que o Recurso Especial em face do acórdão foi inadmitido (AgInt no REsp 1702724(2016/0210567-3 de 02/08/2017)

[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. (TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000044-52.2017.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 07/11/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/11/2019)

Disponível em http://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=5.

Acesso em 22.09.2020.