quinta-feira, 30 de julho de 2020

COTAS RACIAIS. ACESSO À UNIVERSIDADE PÚBLICA. INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Sistema de cotas raciais para ingresso no ensino superior público do Brasil. 
Quando o Judiciário pode intervir, diante de uma decisão da Comissão de Avaliação Racial da Universidade. 
Choque entre decisão da Comissão de Avaliação Racial de uma Universidade Pública Federa do Rio de Janeiro e do SISU x decisão da Comissão de Avaliação Racial da Universidade Federal de Pernambuco. 
A necessidade de motivação dos atos administrativos. 
Essas questões são debatidas na sentença que segue. 
Boa leitura. 



Obs.: pesquisa de jurisprudência realizada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque





PROCESSO Nº: 0804842-42.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: ANA JULIA BESSA COSTA NICACIO
ADVOGADO: Severino Pedro De Franca Junior
IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
AUTORIDADE COATORA: PRÓ-REITORA PARA ASSUNTOS ACADÊMICOS - UFPE e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


SENTENÇA TIPO A


EMENTA:- ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. MOTIVAÇÃO.


Todos os atos administrativos, que concedem ou negam direitos, têm que ser motivados, com a devida fundamentação.
Se dois Órgãos Governamentais Federais concluem que uma cidadã é parda,  para acesso à Universidade Pública Federal por meio das cotas raciais, não pode prevalece a conclusão de um outro Órgão Federal, de igual hierarquia, com observância dos mesmos critérios, em sentido contrário, principalmente quando não se sabe as motivações deste último Órgão Federal.
Intervenção do Judiciário para fazer prevalecer, por razões sociais, conforme orientação legal, as duas primeiras conclusões.
-Concessão da segurança.

Vistos, etc.
1. Relatório
ANA JULIA BESSA COSTA NICÁCIO, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de medida liminar inaudita altera parte em face do Magnífico Reitor da UFPE, Prof. Dr. Alfredo Macedo Gomes e pela Pró-Reitora para Assuntos Acadêmicos, a Prof. Magna do Carmo Silva. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que:  já teria cursado Ciências Econômicas em Universidade Pública, sendo aprovada pelo sistema de cotas L6, na Cidade de Campos dos Goytacazes, aprovada no ano de 2019; todavia, teria sempre nutrido o sonho de cursar Direito; no afã de tornar-se advogada, teria estudado nos últimos anos, dividindo seu tempo entre a preparação para o ENEM 2020 e curso de Ciências Econômicas; mesmo com os parcos recursos que não teriam permitido frequentar cursinhos, teria abdicado de sua vida familiar para se dedicar aos estudos; teria participado do Processo Seletivo UFPE - SISU 2020 - Concorrendo a uma vaga no curso de Direito na modalidade de concorrência L6; com a nota de 697.55 que obtivera no ENEM, a Impetrante teria acreditado ter conseguido realizar o sonho que há muito galgava, qual seja, ter sido aprovada  em uma instituição pública para cursar Direito; a Impetrante somente teria se declarado parda, como verdadeiramente seria, por levar em consideração as disposições da Lei 12.711/12 e do próprio edital que teria regulamentado o certame e por ter sido aprovada pela banca de avaliação da autodeclaração do SISU 2019; a Impetrante, segundo os critérios de classificação do IBGE, descritos na Inicial, seria considerada de cor parda; tais circunstâncias corroborariam a imprecisão da banca avaliadora; o sonho de resultado de anos de dedicação, esforço e renúncia teria sido ilegalmente retirado do impetrante, isto porque após fazer a pré-matrícula, conforme estabelecido no edital do processo seletivo UFPE-SISU 2020, cumprindo todas as exigências para o preenchimento da vaga no Curso de Direito da UFPE e ter sido aprovada na 1ª chamada, não teria sido reconhecida como parda; o ato administrativo da Comissão de validação instituída pela UFPE que teria invalidado a autodeclaração da Impetrante seria ilegal, pois careceria de motivação; o Edital-Processo Seletivo UFPE-SISU 2020 informaria que seriam observadas características fenotípicas, sem elencar quais seriam estas e quais seriam os critérios objetivos utilizados para sua verificação; a especificação dos critérios seriam genéricos, para não dizer, inexistentes; a nova regra instituída pela UFPE, consistente na necessidade de apresentação do candidato cotista, perante a Comissão de Validação da Autodeclaração de pessoas pretas e pardas fora criada no ano de 2019 e sem que os candidatos conheçam de forma clara os critérios utilizados para  verificação, a comissão teria invalidado a autodeclaração de quase 100 (cem) estudantes classificados no Sisu pelas cotas raciais, conforme reportagem ali noticiada; conforme Edital-Processo seletivo da UFPE-SISU 2020, a Universidade não teria estabelecido critérios precisos para avaliação do perfil étnico-racial dos candidato; a banca avaliadora teria realizado a avalição em no máximo 1 minuto e meio e a referida avaliação consistiria apenas na leitura de um texto pelo candidato sendo o mesmo filmado pela banca enquanto procedia a leitura; tal procedimento revelaria arbitrariedade sem precedentes por parte da banca, que, sem nenhum embasamento legal ou estudo científico, apenas no olhar, não utilizando nenhum recurso técnico ou perícia, determinaria quem seria ou não pardo; por não estabelecer critérios objetivos e cristalinos para avaliação do candidato a comissão avaliativa não teria sido  capaz de motivar o ato que ensejou a invalidação da autodeclaração de pessoa parda do Suplicante; a ausência de motivação do ato inviabilizaria o exercício do contraditório e da ampla defesa do Impetrante, desta forma, o ato ilegal e arbitrário que frustrou o sonho do Impetrante de cursar Direito deveria ser anulado; a comissão teria aprovado declarações cujos titulares teriam apresentado as mesmas características fenotípicas do Impetrante; a Impetrante faria jus ao ingresso na UFPE para o curso de Direito, tanto nos critérios acadêmicos, quanto nos aspectos de raça, pois se enquadraria perfeitamente no grupo das pessoas pardas, basta ver as fotos do mesmo em anexo; diversas pessoas que tiveram suas Declarações validadas possuiriam a mesma cútis e traços étnicos da Impetrante, conforme fotos de diversas pessoas que teriam sido consideradas pardas pela comissão; a UFPE teria aberto prazo para o  candidato recorrer administrativamente do resultado do procedimento de verificação de etnia, nada obstante, não teria apresentado critérios que teriam levado a comissão de validação a desclassificar o Impetrante do sistema de cotas na modalidade L6; a banca não teria estipulado como seria o fenótipo de um pardo, a fim de que fosse possível comprovar de forma comparativa que o Impetrante não o possuiria; não haveria qualquer estudo científico, metodológico que pudesse afirmar com veemência quais características seriam de um pardo; seria possível constatar no item 7.9 do Edital-Processo seletivo UFPE-SISU 2020, que a autoridade coatora não teria apresentado critérios objetivos para a verificação da etnia dos candidatos concorrendo a uma vaga sob o sistema de cotas, limitando-se a afirmar que o elemento de análise seria pautado exclusivamente no fenótipo do candidato; em que pesasse a constitucionalidade, conforme julgamento da ADC 41, dos critérios subsidiários de heteroidentificação para aferição da veracidade da autodeclaração, a demonstração de quais características devem ser examinadas e quais seriam os fundamentos que caracterizam uma pessoa como parda ou não seria  medida imperativa, como único meio capaz de garantir o contraditório e a ampla defesa; não teria sido apresentado qualquer fundamento para a invalidação da autodeclaração do Impetrante, porquanto a UFPE apenas teria publicado uma lista com o nome dos aprovados, conforme documento anexo; nos termos dos precedentes citados, prevaleceria o entendimento de que, para invalidar  a autodeclaração de identidade étnica,  a avaliação da comissão deveria apresentar quais as características e os fundamentos que teriam sido considerados na classificação do candidato como pardo ou não; havendo dúvida razoável quanto ao fenótipo do candidato deveria prevalecer sua autodeclaração; a ausência de critérios objetivos para validação ou não da autodeclaração étnica, corroboraria, também, para a VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, isto porque, teria permitido que outros candidatos em padrão étnico muito similar, senão idênticos ao da Impetrante, fossem declarados aptos a concorrem a vaga no curso de Direito como cotistas, nos termos das fotos anexadas à Inicial; a comissão da UFPE teria considerado pardos vários candidatos com mesmo fenótipo do Impetrante, como comprovado pelas fotos anexadas, o que configuraria tratamento antisonômico. Teceu outros comentários, notadamente acerca do preenchimento dos requisitos para a concessão da medida liminar. Pugnou, ao final, que:
"d) LIMINARMENTE - INAUDITA ALTERA PARS, determine que as autoridades coatoras sejam compelidas a RESERVAR A VAGA DA IMPETRANTE obedecendo a sua ordem de classificação na concorrência da vaga de Direito na modalidade L6, ante a presença dos pressupostos legais que ensejam a concessão liminar do pedido;
e) a procedência dos pedidos, concedendo a segurança para assegurar o direito líquido e certo do Impetrante de se matricular no Curso de Direito, obedecendo sua ordem de classificação na modalidade L6, invalidando o ato coator nulo de pleno direito por violar o princípio da isonomia e carecer de motivação.".
Decisão sob Id. 4058300.1371627, na qual foi deferido o pedido de medida liminar para que as DD Autoridades apontadas como coatoras fossem compelidas  a reservar a vaga para a Impetrante, obedecendo a sua ordem de classificação na concorrência da vaga de Direito na modalidade L6 e que se lhe fosse permitida a frequência das respectivas aulas, com o respectivo registro, submissão a avaliações e demais eventos próprios dos demais discentes, para os fins indicados no final da fundamentação de tal decisão, até ulterior deliberação judicial.
A DD Autoridade apontada como coatora apresentou Informações, aduzindo, em apertada síntese, que:  a matéria não poderia ter sido trazida em ação mandamental, vez que não haveria prova documental possível a fazer do direito alegado, ao menos não nos termos em que alegado na petição inicial,  que discutiria a ascendência, contexto social e histórico individual da Impetrante. No mérito, alegou que o Poder Judiciário não poderia substituir pontualmente o sistema  (para o caso concreto da presente impetração) sem comprometer a sua legitimidade, publicidade, controle social, padronização e consistência das comissões de heteroidentificação da UFPE. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança (Id. 4058300.13860716).
O Ministério Público Federal, pelo d. Procurador da República JOAO BERNARDO DA SILVA, ofertou substancioso Parecer, opinando pela concessão parcial da segurança pleiteada (Id.4058300.14293677).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a  decidir.
2. Fundamentação
2.1 - Considerações Estruturais sobre  Assunto
Na decisão sob Id. 4058300.13716273, que ora transcrevo, consignei que as políticas afirmativas são formas de compensação social a seguimentos da população historicamente marginalizados, servindo para diminuir a desigualdade e o preconceito, e uma das concretizações dessas políticas consiste na instituição das mencionadas "cotas raciais", mediante reserva de vagas em instituições públicas àqueles que passaram por longo processo de exclusão.
No Brasil, inaugurou-se o sistema dessas cotas através de normas administrativas internas das instituições públicas de ensino, que passaram a prever a reserva de vagas para candidatos portadores de deficiência, negros, pardos, indígenas, e pessoas economicamente hipossuficientes.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal,  como se sabe, decidiu a respeito do assunto em abril de 2012, no julgamento da ADPF 186, especificamente sobre o caso das cotas raciais para o ingresso na Universidade Nacional de Brasília - UNB, tema esse em debate neste processo, verbis:
"ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
I - Não contraria - ao contrário, prestigia - o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II - O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III - Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV - Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII - No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação - é escusado dizer - incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII - Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente.[1].
Na ocasião, a Corte entendeu constitucionais as ações afirmativas, bem como as cotas em si, pois elas se prestariam a concretização do princípio da igualdade no seu sentido material. O STF resolveu privilegiar a justiça distributiva, prestigiando o caráter social da questão, em detrimento da justiça individual (meritocracia), considerando a reserva de vagas como fator positivo de discrímen.
Após o posicionamento da Suprema Corte, adveio a normatização da referida política afirmativa, por meio da edição da Lei 12.711/12, que passou a prever a reserva, aos negros, "de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei (art. 1)".
No julgamento da ADPF 186, o STF reconheceu a higidez dos dois critérios (autoidentificação e heteroidentificação). Entendeu que ambos os sistemas, separados ou combinados, desde que jamais deixassem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, seriam aceitáveis pelo texto constitucional.
A Suprema  Corte voltou ao assunto em outra oportunidade, no ano de 2017, no julgamento da ADC 41, como bem destacou o d. Procurador da República JOAO BERNARDO DA SILVA, no parecer acostado nos autos e acima  referido, quando então concluiu pela constitucionalidade da Lei nº 12.990, de 2014, que criou o sistema de cotas para concursos públicos, ratificou como idôneo o método de heteroidentificação, que leva em consideração a declaração do Candidato e a confirmação ou negação por uma  Comissão, verbis:
"4 . Procedência do pedido, para fins de declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014. Tese de julgamento: 'É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e ampla defesa'."[2]
A DD Autoridade apontada como coatora, a esse respeito, argumentou no mesmo sentido, nas suas d. Informações:
"O conceito de raça , por sua vez, no que se refere às distinções entre seres humanos, é recusado pela ciência, ao passo em que a desigualdade sócio- racial é um fato evidente.A aparência (fenotipia), por outro lado, é talvez o dado mais relevante para a suposição da presença da hipossuficiência, que é o que dá fundamento à política de ação afirmativa. É que, se levado às últimas consequências o dogma da autodeclaração , correr-se-ia o risco do esvaziamento completo da cota racial. Assim, divisou-se um sistema de controle que fosse externo ao candidato, mas que de algum modo retirasse sua legitimidade da diversidade inerente à sociedade que o concebeu."
E registrou preocupação com a interferência do Judiciário em casos tópicos:
"Não se imagina como possa o Poder Judiciário substituir pontualmente esse sistema (para o caso concreto da presente impetração) sem comprometer a sua legitimidade, publicidade, controle social, padronização e consistência.".

Bem, no sistema constitucional brasileiro, que adotou o jurisdição una, a última palavra cabe ao Judiciário, o qual, como vimos acima, tem decidido com muito equilíbrio a respeito do assunto.
Por outro lado, em casos concretos,  como este, o Judiciário só intervém quando há alegação de ferimento de direito, com desrespeito à estrutura jurídico-constitucional e legal do País. 
E a jurisdição una, adotada na vigente Constituição da República(art.  5º, - "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"), faz parte de qualquer País democrático.
Então, as DD Autoridades coatora, como democratas que devem ser,  haverão de conformar-se com a decisão do Judiciário para o caso, seja a seu favor, seja  contra. 
2.2 - O Caso sob Análise
In casu, observo que  o Edital do processo Seletivo SISU 2020 [3], dispôs acerca da convocação do candidato, anteriormente à homologação do resultado final do concurso, para comparecimento presencial para verificação da condição declarada, bem como estabelecendo os critérios a serem observados, verbis:
"7.1. Para concorrer às vagas reservadas a candidatos pretos ou pardos, o candidato deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no Sistema de Seleção Unificada-SISU 2020, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Anexo IX)7.2. Serão instituídas Comissões de Heteroidentificação, com competência deliberativa para validação da autodeclaração dos candidatos, conforme a Resolução nº 24/2019 (CEPE/UFPE)7.3. Cada Comissão de Heteroidentificação será composta de 3(três) membros da comunidade universitária e membros externos que, preferencialmente, deverão possuir vínculo com grupos de pesquisa ou núcleos de estudo ou movimentos sociais organizados ligados à questão étnico-racial, além de terem participado do curso de formação. 7.4. Todos os candidatos autodeclarados pretos ou pardos dos três campi (Recife, Vitória ou Agreste, na cidade de Caruaru) que forem selecionados na chamada regular, assim como os convocados da Lista de Espera do Sisu 2020, habilitados no Sistema de Seleção Unificada-SISU 2020 deverão, obrigatoriamente, submeter-se à avaliação da Comissão de Heteroidentificação no campus correspondente a seu curso, não sendo permitida a entrega de documentos por procuração. 7.5. É de exclusiva responsabilidade do CANDIDATO observar os prazos estabelecidos neste Edital e divulgados na página da UFPE na internet, no endereço eletrônico: www.sisu.ufpe.br, assim como suas eventuais alterações e demais procedimentos referentes ao processo seletivo.7.6. O candidato deverá se apresentar, para preencher e assinar a autodeclaração, perante a Comissão de Heteroidentificação levando documento oficial com foto. A ausência de documento com foto implica a invalidação automática da autodeclaração e a sua exclusão do certame, podendo o candidato ainda que matriculado, perder a vaga a qualquer tempo, sem prejuízo das demais medidas judiciais cabíveis.7.7. O local de atendimento para os candidatos do Campus Recife será o Auditório do NIATE do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), em frente ao Colégio de Aplicação. Os candidatos dos campi de Caruaru e Vitória devem procurar a Escolaridade a fim de receber orientações do local onde a Comissão está instalada.7.8.  O resultado da avaliação da Comissão estará disponível até o dia 10 de fevereiro, em lista a ser divulgada na página www.sisu.ufpe.br, apenas com os candidatos que foram reconhecidos como pretos ou pardos.7.9.  O não comparecimento ou indeferimento da validação da autodeclaração como pessoa preta ou parda  implicará na eliminação do candidato no processo seletivo.7.10.  Não será permitido aos candidatos o uso: de adereços, de óculos escuros, de chapéus ou bonés e de maquiagem,  na apresentação do candidato perante a Comissão de Heteroidentificação.7.11.  Para validar a autodeclaração de candidatos às vagas reservadas aos candidatos pretos ou pardos serão considerados unicamente os aspectos fenotípicos do candidato, sendo vedado qualquer outro critério, inclusive as considerações sobre a ascendência. 7.12.  Entende-se por fenótipo o conjunto de características físicas do indivíduo, predominantemente a cor da pele, a textura do cabelo e os aspectos faciais, que, combinados ou não, permitirão validar ou invalidar a autodeclaração.7.13.  Será considerado preto ou pardo o candidato que assim for reconhecido por pelo menos dois dos membros da Comissão de Heteroidentificação, com base no fenótipo.7.14.  As deliberações da Comissão de Heteroidentificação terão validade apenas para o Sistema de Seleção Unificado - Sisu 2020, não servindo para outras finalidades.".
Então, sem dúvida nenhuma cabia  à mencionada Comissão da UFPE decidir quanto ao fenótipo da Impetrante, de forma devidamente motivada, como exige o direito positivo brasileiro, conforme veremos abaixo. 
Impressiona-me o fato de que a ora Impetrante já estudou em Instituição de Ensino Superior, conforme dito na petição inicial, na cota de negros/pardos e que na seleção do SISU essa sua situação física também já fora aceita.
Então, o caráter científico dessa identificação fica um pouco arranhada quando, como no presente caso, a Comissão Examinadora da UFPE afastou essa característica essencial da ora Impetrante, ignorando por completo a conclusão de outra Comissão de igual hierarquia.
Como alguém pode ser considerada, para uma Instituição de Ensino Superior Pública,  parda, e para outra Instituição de Ensino Superior,  não parda, quando os critérios de aferição são os mesmos?
A pessoa é ou não é negra, é ou não é parda, é ou não é indígena, em qualquer  lugar.
A Impetrante alega que a avaliação da Comissão da UFPE não teria apresentado, com clareza, os critérios adotados para a avaliação do fenótipo.
É verdade que o Edital enunciou, expressamente, a adoção dos  parâmetros utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, como critério de avaliação, nos termos adrede transcritos.
Mas se esse critério é científico não pode a ora Impetrante aqui não ser parda, mas ser parda ali, como o foi na Instituição de Ensino Superior Público da Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ.
Nesse sentido, asseverou ainda a  Impetrante que a banca examinadora da UFPE, ao avaliar as suas características, concluiu que não poderia ser considerada negra ou parda, por não apresentar traços fenotípicos inerente ao referido grupo.
Para melhor análise, eis trecho do resultado do recurso interposto pela Impetrante na via administrativa (4058300.13684887), verbis:
"A comissão recursal mantém o entendimento de que a candidata é inapta para preenchimento de vaga reservada para cota étnico racial, pois não identifica nesta traços fenotípicos negros (pessoas pretas e pardas) que justifiquem o deferimento do recurso, de acordo com a Resolução n°24/2019-CEPE/UFPE. Da análise do vídeo a comissão compreende que o candidata tem nariz e lábios com traços finos". (GN)
Desse modo, no caso concreto, nota-se que a verificação da etnia levou em consideração os traços externos dos candidatos que historicamente servem para caracterizar a raça negra/parda.
Então, ainda que a Candidata ou o Candidato,  no exame vestibular da UFPE, tenha a cor negra ou parda, assim não será considerado se tiver lábios finos e nariz afilado.
Bem, o Judiciário não pode entrar nessa seara, principalmente no tipo de  procedimento  judicial escolhido pela Impetrante, o mandado de segurança, porque para fazer qualquer consideração a respeito, teria que providenciar uma perícia, com especialistas no assunto,   para confirmar ou negar a conclusão da Comissão da UFPE, o que não é possível em ação mandamental.
É verdade, repito,  que o Judiciário não pode substituir essa Comissão para tal finalidade [4], mas não pode o Judiciário admitir que uma cidadã, como a ora Impetrante, já tenha frequentado uma Instituição de Educação Superior Pública, na Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, como parda, porque assim reconhecida pela Comissão daquela Universidade,  e aqui em Pernambuco a Comissão da UFPE  a tenha considerado como não parda.
Também não se pode deixar de lado a alegação da ora Impetrante que lhe fora conferido tratamento antisonômico com relação a outros Candidatos com características fenotípicas  semelhantes a sua e, para embasar sua alegação, acostou fotos  anexadas ao documento sob Id. 4058300.13684820.
Diante de tal contexto, ainda na retromencionada decisão sob Id. 4058300.13716273, ora transcrita, registrou-se que, à luz do princípio da transparência que deve reger os atos administrativos, tal situação mereceria ser aclarada pelas DD. Autoridades apontadas como coatoras, que deveriam instruir as  respectivas Informações com Parecer da Comissão de Heteroidentificação designada para o processo seletivo descrito nos autos, detalhando, de forma comparativa com os demais candidatos listados pela Impetrante, o porquê daqueles terem sido considerados pardos/negros e a Impetrante, não, deveriam ter juntado também, se é que existem, os "votos" que os Membros da mencionada Comissão deram nos autos administrativos, e suas respectivas motivações, negando o reconhecimento da situação de parda à ora Impetrante.
E nessas motivações teriam que demonstrar o motivo pelo qual não acolheram a decisão da Comissão da Universidade de Campos de Goytacazes do Rio de Janeiro, e da Banca do SISU, as quais  concluíram que a ora Impetrate era PARDA.
Nas Informações, assinada por um Procurador,  as DD Autoridades apontadas como coatoras restringiram-se a alegar que a questão discutida pela Impetrante demandaria dilação probatória e a decisão da comissão seria soberana, o que impediria a atuação do Judiciário.
Mas, como já  explicado, o Judiciário pode intervir quando houver alguma inconstitucionalidade ou ilegalidade na  prática dos atos administrativos.
Há,  no presente caso, a prova central. não impugnada pelas Magníficas Autoridades apontadas como coatoras:  a  Comissão de outra Universidade Pública e a  banca do SISU consideraram a Impetrante parda.
E a respeito dessa fato a Comissão da UFPE silenciou, pois as DD Autoridades apontadas como coatoras não trouxeram para os autos as suas motivações.
Então,  entre a Comissão daquela Universidade do Estado do Rio de Janeiro mais a Banca do SISU versos  a Comissão da UFPE, o Judiciário pode e deve  ficar com as conclusões daquelas,  pelo critério dos fins sociais, que é um critério legal(art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4.657, de 04.09.1942, com diversas alterações, especialmente as veiculadas na Lei nº 12.357, de 2010) no qual se enquadra o critério da hipossuficiência, não só econômica, mas cultural, social, e que deu origem às Leis de cotas raciais.

Nesse panorama, tem-se que os a motivação dos atos administrativos é obrigatória, principalmente quando limitam ou ampliam direitos individuais,  com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídico-legais, conforme preceitua o art. 50 da Lei 9.784/99, cujo inciso III se aplica a esta lide, posto que elenca decisões em processo administrativos de concurso e seleção.
A respeito desse assunto, a falta de motivação na decisão da referida Comissão da UFPE, foi percebida, com sagacidade,  no, mais uma vez invocado,  d. Parecer do Ministério Público Federal, acostado sob identificador nº 4058300.14293677, verbis:
"Ora, embora possa pode ser legítima a decisão que excluiu a impetrante do curso pretendido, mostra-se arbitrário, a luz do ordenamento jurídico pátrio, ausência de motivação da decisão que culminou com sua eliminação. Como é cediço, os atos administrativos devem ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, conforme preceitua o art. 50 da Lei 9784/99, cujo inciso III se aplica a lide, posto que elenca decisões em processo administrativos de concurso e seleção.(...).Todavia, também não se pode vislumbrar, no Estado de direito, a negação de direito sem que os motivos sejam razoavelmente explicitados.".
A lª Turma do TRF5ª, sob a relatoria do Culto Magistrado e Professor IVAN LIRA DE CARVALHO, em junho de deste 2020, já  tinha decidido nesse mesmo sentido, :
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. AUTODECLARAÇÃO. LEI Nº 12.711/12. NÃO ENQUADRAMENTO NA CONDIÇÃO DE PARDO.  AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. I - Apelação em face de Sentença proferida nos autos de processo, que julgou procedente a pretensão para anular o ato de indeferimento da matrícula da Autora e determinar que a UFAL realize sua matrícula no curso de Matemática (licenciatura noturno), em vaga reservada à cota social, estando a classificação (nota) da autora dentro do número de vagas. II - Primeiramente, afasta-se a alegação de necessária formação de litisconsórcio com os demais candidatos aprovados para a seleção. De acordo com o entendimento do STJ,"em regra, é dispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário entre candidatos participantes de concurso público, tendo em vista que estes têm apenas expectativa de direito à nomeação"(AgInt na PET no RMS 45.477/AP, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, julg. em 26/06/2018, DJe 08/08/2018). III - O cerne da controvérsia cinge-se em verificar a legalidade do ato administrativo elaborado pela Comissão de Heteroidentificação da UFAL que concluiu pela negativa da autodeclaração de etnia da Autora e consequente indeferimento de sua inscrição no curso pleiteado na referida Universidade. IV - O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 41/DF, entendeu ser legítimo o critério da heteroidentificação de candidatos para garantir o acesso às vagas reservadas as pessoas autodeclaradas negras ou pardas. Embora a citada jurisprudência ter sido formada no contexto da Lei nº 12.990/2014 (que regulamenta o sistema de cotas nos concursos públicos), idêntico entendimento deve ser aplicado à Lei nº 12.711/2012 (sistema de cotas de ensino superior) considerando que possuem a mesma finalidade, qual seja, o combate à desigualdade social no país. V - No caso dos autos, o Edital nº 03/2019 - PROGRAD/UFAL, que disciplinou o processo seletivo do qual a demandante participou, adotou a autodeclaração como critério para aferir a condição de negro ou pardo dos candidatos cotistas. Ao tratar do procedimento de verificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos que se autodeclararem negros (pretos ou pardos), o Edital dispôs, em seu item 11.6, sobre análise a ser feita por Banca de Avaliação para fins de comprovação da condição do candidato. VI - Compulsando os autos, vê-se que não foi colacionado qualquer documento contemporâneo ao certame que explicitasse as razões que levaram a Comissão de Heteroidentificação da UFAL a concluir pelo não enquadramento da Autora como cotista, tendo a referida Banca se limitado a publicar uma lista com o resultado final da verificação da autodeclaração prestada pelos candidatos, da qual constam apenas os nomes daqueles que foram considerados negros/pardos pela comissão responsável por tal avaliação. Dessa forma, constata-se que a Banca Examinadora não apresentou critérios objetivos, limitando-se a apontar a incompatibilidade do fenótipo da Autora com o de uma pessoa negra/parda, mas sem especificar/motivar sua conclusão, restando patente, portanto, a violação ao princípio da motivação, nos termos do art. 50 da Lei nº 9.784/99, devendo ser declarada a nulidade do respectivo ato. VII - Destaque-se que o próprio sistema de ensino público federal já admitiu o enquadramento da autora no sistema de cotas, tendo esta comprovado haver cursado ensino médio no IFAL, em vagas reservadas ao critério racial, o que demonstra a subjetividade e imprecisão das avaliações realizadas pelos Tribunais Raciais constituídos no âmbito destas instituições. (excerto da Sentença) VIII - Com relação à alegação de que seria incabível a condenação da UFAL ao pagamento de Honorários Advocatícios considerando que a parte Autora é representada pela Defensoria Pública da União, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento no sentido de que "após as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, houve mudança da legislação correlata à Defensoria Pública da União, permitindo a condenação da União em honorários advocatícios em demandas patrocinadas por aquela instituição de âmbito federal, diante de sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária". Além disso, a Defensoria Pública da União não faz parte da Autarquia apelante, são pessoas jurídicas distintas, com personalidades jurídicas próprias. IX - Quanto aos Honorários Recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em Honorários Advocatícios, a título de Honorários Recursais, em 2%. X - Desprovimento da Apelação." [5]
Sob tal perspectiva, tenho que a concessão da segurança é medida que se impõe.
3. Dispositivo
Posto isso, ratifico a medida liminar, concedida na decisão sob Id. 4058300.13716273, e concedo a pleiteada segurança definitiva, pelo que determino que fica reconhecido o direito líquido e certo de a Impetrante  matricular-se, em caráter definitivo,  no Curso de Direito, da Universidade Federal de Pernambuco, obedecendo sua ordem de classificação na cota de pardos, com aproveitamento da frequência às aulas que lhe foi garantida na mencionada medida  liminar, e determino que as Magnificas Autoridades apontadas como coatoras observem o acima consignado, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
Custas, ex lege.
Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do STF).
De ofício, submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(§ 1º do art.14 da referida Lei), sem efeito suspensivo§ 3º do mesmo dispositivo legal).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30.07.2020.

Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal da 2a Vara da JFPE
____________________________________________________
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. (ADPF 186, Relator(a):  Ministro  Ricardo Lewandowski, julgado em 26/04/2012, in Diário da Judicial Eletrônico – Dje nº 205, divulgado em 17-10-2014 e publicado em 20-10-2014.
Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=269432069&ext=.pdf.
Acesso em 05/03/2020
[2] Brasil. Supremo Tribunal Federal, Plenário, ADC 41, Relator(a): Ministro Roberto Barroso,  julgado em 08/06/2017, in Diário Judicial Eletrônico - DJse-nº 180, divulgado  em 16-08-2017, publicado em 17-08-2017) (destacou-se)
[3] Disponível em:  https://www.ufpe.br/documents/38970/2570200/EDITAL-MATRICULA SISU-UFPE+2020-29-01-20.pdf/7dc53e27-e1fe-41aa-8a99-84144c7afd6d)
[4] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5a Região. 3ª Turma. Processo nº 08108401420174058100, AC - Apelação Cível. Relator Desembargador Federal  Cid Marconi,  julgamento em 16/02/2020, sem indicação de veículo de publicação
Disponível em:
https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=exibir&tipo=1
Acesso em 05/03/2020
[5] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Primeira Turma. . Processo nº 08043233120194058000, AC - Apelação Civel. Relator Desembardor Federal Ivan Lira de Carvalho(convocado), julgamento em  25/06/2020, sem indicação de veículo de publicação.
Acesso em 29.07.2020.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

NÃO HÁ LEI AUTORIZANDO A EXCLUSÃO DA RECEITA BRUTA DO VALOR QUE SE PAGA PELO USO DE BANDEIRAS DE CARTÕES DE CRÉDITO. ENCARGO NÃO CARACTERIZADO COMO INSUMO ESSENCIAL À ATIVIDADE DA EMPRESA QUE EFETUA O PAGAMENTO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Imagine o seguinte exemplo: a Empresa "A" vende o seu produto para João por R$ 200,00. João paga com o cartão de crédito da bandeira MasterCard. A Empresa "A", pelo uso da bandeira desse cartão, paga à Empresa MasterCard R$ 10,00. Òbvio que a receita bruta da Empresa "A" foi R$ 200,00. Então, este é o valor que comporá a base de cálculo da COPIS e da COFINS,  porque as Leis que delas tratam dizem que a base de cálculo de ambas é a receita bruta total. 
Seria o uso do cartão um insumo essencial às atividades da Empresa "A", de forma que teria  direito a creditar-se do valor que paga pelo  uso do cartão?
Na sentença que segue, essa matéria  é debatida. 
Boa  leitura. 



PROCESSO Nº: 0810154-96.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: D R DE P LTDA
ADVOGADO: A A Da S e outro
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)







Sentença tipo A




EMENTA:- MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO.

-Não há Lei autorizando a dedução ou não inclusão na receita bruta da Impetrante da parcela do valor que recebe dos seus Clientes, via cartão de crédito, e repassa, a título de pagamento,  para as Empresas de Cartões de Crédito pelo uso da bandeira do Cartão.


-Negação da segurança.


Vistos, etc. 



1. Breve Relatório 




D R DE P LTDA, qualificada na Petição Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido liminar em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE. Aduziu, em síntese, que: seria sociedade empresária com finalidade eminentemente lucrativa, que desempenharia atividades econômicas (doc. 06 - Amostra de Notas Fiscais) e com acentuada frequência - perceberia a contraprestação pecuniária de seus clientes por intermédio de Instituições Financeiras que operam Cartões de Crédito e Débito; nos contratos de prestação de serviços financeiros estariam previstos percentuais sobre o valor de cada uma das transações eletrônicas realizadas, a fim de remunerar as respectivas Operadoras de Cartões; seria patente que a ausência desse meio de pagamento implicaria evidentemente em uma redução no resultados e nas vendas do negócio, uma vez que 170.000,00 (cento e setenta mil reais) seriam vendidos por meio de cartão, o que qualificaria tal serviço como insumo, pela tese do impacto no resultado/operação da empresa, ou seja, relevância, pois sem tal haveria uma volumosa queda nas vendas da empresa; não haveria de se falar em relevância de tal insumo, pois, os meios de pagamentos disponibilizados ao cliente fariam evidentemente parte do serviços (contexto, estrutura da loja, meios de pagamento e qualidade e condições do produto) ofertados pela empresa, os quais representariam uma oportunidade e conveniência para o cliente (serviço de meio para geração das vendas), sem o qual haveria inclusive de se estabelecer uma verdadeira subtração do serviço ofertado, mudando assim a qualidade do complexo (produto + estabelecimento + atendimento = serviço) ofertado ao cliente; tais importâncias não chegariam, sequer,  a se incorporar ao caixa da Autora, porquanto seriam retidas diretamente pela Instituição Financeira, por ocasião do pagamento dos recebíveis (doc. 10 - Amostra dos Pagamentos pelas Administradoras); não se trataria, pois, de receita sua, mas de verdadeira prestação de serviços de intermediação de negócios, que na realidade seria pago pela clientela da Impetrante; teriam sido editados dois precedentes vinculantes (artigo 927, inciso III, do CPC/15) plenamente aplicáveis em favor da Postulante; o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 574.706/PR, por intermédio do qual o Supremo Tribunal Federal teria asseverado que uma receita de terceiro, ainda que implicasse ingresso temporário de caixa, não poderia integrar a base de cálculo das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS (doc. 13 - Acórdão 1); ii) o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.221.170/PR, em cujo seio a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça pontificou que o conceito de insumo, para  fins de creditamento das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativos, deveria ser aferido sob a óptica da essencialidade ou relevância, imprescindibilidade ou importância, ao desenvolvimento das atividades econômicas da Contribuinte; diante de tal contexto fático,  a Contribuinte buscaria o reconhecimento de seu direito líquido e certo, mormente para:  




"(a) ter o seu direito à restituição - via compensação ou precatório - daquilo que excessivamente pagou nos últimos 5 (cinco) anos; e, de agora em diante, (b) apurar a Contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS com as exclusões ou creditamentos dos valores relativos às taxa/comissões retidas pelas entidades que operam os cartões de crédito e débito utilizados pelos consumidores na hora de adquirir produtos, mercadorias ou serviços." 




Protestou o de estilo. Inicial instruída co procuração e documentos.




Decisão sob Id.  4058300.14739085, na qual se indeferiu o pedido de medida liminar.




A União (Fazenda Nacional), na petição sob Id.  4058300.14818394, aduziu, dentre outros aspectos, que: caso houvesse  a subtração das despesas referentes às taxas pagas às administradoras de cartão de crédito/débito, a atividade da autora permaneceria se desenvolvendo de forma regular, dada a possibilidade da utilização de outras formas de pagamento; os dispêndios realizados pela Impetrante, referentes à taxa em questão, não passariam pelo "teste de subtração", não podendo ser considerados essenciais para o desenvolvimento da atividade desempenhada pela contribuinte, motivo pelo qual não se enquadrariam no conceito de insumo preconizado no REsp 1.221.170. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança requestada.






Certificado o prazo sem manifestação da autoridade coatora (Id.4058300.15160481




O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.15233001)




É o relatório, no essencial




Passo a decidir.




2. Fundamentação






Conforme já registrado na decisão sob Id. 4058300.14739085, já faz algum tempo que as COPIS e COFINS têm por base de cálculo a receita bruta total, sendo que a definição de receita bruta encontra-se na atual redação do art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei nº 1.598, de 1977.




A Impetrante quer autorização para não incluir nessa receita bruta total as parcelas de valores que recebe nos  pagamentos feitos por seus Clientes com cartão de crédito e que é obrigada a pagar às  Empresas de Cartões de Crédito, de cujas bandeiras se utiliza, porque teria por receita apenas o valor líquido da operação(valor recebido do Cliente menos o valor que paga às Empresas de Cartões de Crédito).
Ocorre que o Legislador elegeu como base de cálculo de tais  Contribuições a receita bruta e não a receita líquida.




A tese do RE 574.706/PR do Plenário do STF não se aplica ao caso, porque tratou da exclusão do valor do ICMS da base de cálculo das COPIS e COFINS, com utilização de argumentos constitucional-tributários inaplicáveis ao encargo que a Impetrante tem para com as Empresas de Cartões de Crédito. 




A Impetrante também invocou o Resp nº 1.221.170/PR.




Eis a ementa desse d. julgado:




"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E COFINS NÃO CUMULATIVAS. TAXA PAGA ÀS OPERADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONCEITO DE INSUMO AFERIDO À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Não ocorre contrariedade ao art. 535, II, do CPC/1973 quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária aos interesses da parte e inexistência de prestação jurisdicional.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o tema da inclusão da taxa paga às operadoras de cartão de crédito e débito na base de cálculo do PIS e da COFINS passa pela definição e conceito de receita e faturamento previstos no art. 195, I, "b", da Constituição Federal/1988, sendo, portanto, matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. "O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte" (REsp 1.221.170/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 24/4/2018).
4. Inviável reconhecer que as despesas com as operadoras de cartão de crédito e débito sejam consideradas insumos em face da sua não essencialidade no processo produtivo, na medida em que se trata de forma de pagamento complementar à disposição dos consumidores.
5. Agravo interno a que se nega provimento.". [1]




Noto que nesse julgado não se adotou a tese invocada pela ora  Impetrante, pois nele não se analisou a questão da composição da receita bruta e não se admitiu que a ora  Impetrante se creditasse,  a titulo de insumo, dos valores que paga como "taxa" às Empresas de Cartões de Crédito. É que não vejo mencionado encargo como insumo essencial da atividade da ora Impetrante, pois se não existir a atividade persistirá.
Diz a Impetrante que,  sem o cartão de crédito, haverá redução dos ganhos, por isso se caracterizaria como  insumo esse serviço prestados pelas Empresas de Cartões de Crédito.
Não se sabe. Não há provas em tal sentido. Talvez até aumente,  pois se a Impetrante optar por cobrar em dinheiro, com desconto do valor que iria  pagar para as Empresas de Cartões de crédito, talvez até houvesse um incremento nas suas vendas. 




Embora o STJ, no julgado supra, tenha entendido que a matéria seria  constitucional, data maxima venia, não vejo assim, pois a vigente  Constituição da República, no seu art. 195, I. b, apenas elegeu como possíveis bases de cálculo da COFINS o faturamento ou a receita bruta e, quanto à COPIS-PASEP, da base de cálculo não tratou(a base de cálculo desta contribuição sempre foi fixada, inicialmente, por Lei Complementar, depois  por Medida Provisória e por Lei).




O Legislador Ordinário elegeu a receita bruta total como base de cálculo para essas duas Contribuições.




Então, a questão posta diz respeito ao que compõe a receita bruta legal, portanto, nada tendo a matéria de constitucional.




Na definição de receita bruta, no acima referido art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei 1.598, de 1977, não há nenhuma regra que autorize nenhum Contribuinte a não incluir ou deduzir dos valores que recebe dos seus Clientes, e que comporão a receita bruta, as parcelas que paga às  Empresas de Cartões de Crédito, pelo uso da  bandeira destas, quando realiza vendas por esse meio de pagamento.




Com efeito, a única verba que pode ser  excluída é a indicada  no § 4ª do referido dispositivo legal, na qual não se  enquadra mencionado encargo que a ora  Impetrante cobra dos seus Clientes, nos  preços dos seus  produtos/serviços, e depois repassa para as Empresas de Cartões de Crédito.




Assim, a denegação da segurança é medida que se impõe.






3. Dispositivo




Diante de tudo o que foi exposto, denego a pretendida segurança e extingo o processo com resolução do mérito(art. 487, I,  CPC).




Sem condenação em honorários em respeito ao art. 25 da Lei n.12.016/2009.




Registre-se. Intimem-se.




Recife, 27.07.2020




Francisco Alves dos Santos Júnior 




Juiz Federal, 2ª Vara/PE


(lsc)
 ______________________________________
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (AgInt nos EDcl no AREsp 1176156/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 07/06/2019.
Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=1.221.170%2FPR+E+TAXA+E+CART%C3O+E+CR%C9DITO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
Acesso em 09.06.2020.


ISENÇÃO DO IRPF. APOSENTADO. CÂNCER DE PRÓSTATA. RECONHECIMENTO DO PEDIDO PELA UNIÃO-FAZENDA NACIONAL.CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E DE PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS SOBRE O § 1º DO ART. 19 DA LEI 10.522, DE 2002.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A regra do § 1º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, estabelece que a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL não deve ser condenada em verba honorária quando, em ação tributária, o seu Procurador concordar com  o pleito da petição inicial. Na sentença que segue, diante do princípio da causalidade e de princípios de direito administrativo que orientam pela boa administração, afasta-se a aplicação dessa regra legal e, não obstante o reconhecimento do  pedido pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, foi ela condenada ao pagamento da verba honorária mínima. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0803856-88.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: L A DE O
ADVOGADO: L A M L De A
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A

EMENTA:- TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. ISENÇÃO DO IR E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEOPLASIA MALIGNA. APOSENTADO.  RECONHECIMENTO DO PEDIDO PELA RÉ.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NOS TERMOS DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO,  QUE PRIMAM PELA BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Vistos, etc.

1. Breve Relatório





Trata-se de ação de rito comum proposta em 13/02/2020 por LINDINALDO ALVES DE OLIVEIRA, aposentado,  contra a UNIÃO/FAZENDA NACIONAL. Requereu, preliminarmente, a prioridade na tramitação do feito e benefício da gratuidade judiciária. No final, pediu:

"c) julgar procedente o pedido, para o fim de:
c.1) declarar a não-incidência do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria do Autor, sob pena de negativa de vigência ao art. 6º, inciso XIV da Lei Federal de nº 7.713/88, confirmando, assim, a tutela antecipada eventualmente deferida;
c.2) determinar que o seja oficiado ao INSS e à FACHESF para se absterem em proceder com a retenção do imposto de renda na fonte;
c.3) condenar a UNIAO a proceder com REPETIÇAO DE INDÉBITO das importâncias retidas e pagas a título de imposto de renda, a partir da concessão do início da doença (que seria de 06/10/2016 a 04/2018 - anteriores à primeira isenção - e a partir de 2019 até a data da nova isenção a ser deferida na presente ação ), respeitada o prazo prescricional, corrigidas pela taxa SELIC, na conformidade da Súmula de nº 162 do STJ e do art. 39, § 4º da Lei Federal de nº 9.250/95.
Requer-se, ainda, a condenação do Réu no ressarcimento das custas processuais e demais despesas com a propositura da presente ação, e no pagamento dos honorários advocatícios, a serem fixados em não menos do que 20% (vinte por cento) do valor total atualizado da condenação.
Os documentos que instruem a presente contestação são declarados autênticos pelas causídicas/signatárias, tratando-se de cópias fidedignas dos respectivos originais, o que declaram sob as penas da lei.
Requer, ainda, por ser o autor pessoa pobre, na acepção jurídica do termo, sem condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento e de sua família (conforme declaração anexa), digne-se Vossa Excelência a conceder ao mesmo o BENEFÍCIO DA JUSTICA GRATUITA, na forma do artigo 4°, da Lei n° 1.060/50, com a redação imposta pela Lei n° 7.510/86, e artigos 128, Lei n° 8.213/91.".


Foi determinada a citação da Requerida(Id. 4058300.13662305).

A União (Fazenda Nacional), em resposta, concordou com a procedência do pedido para declarar a isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria do Autor, sob pena de negativa de vigência ao art. 6º, inciso XIV, da Lei Federal de nº 7.713/88. Não se opôs, ainda, à repetição de indébito das importâncias retidas e pagas a título de imposto de renda, a partir do início da doença (que seria de 06/10/2016 a 04/2018 - anteriores à primeira isenção - e a partir de 2019 até a data da nova isenção a ser deferida na presente ação), respeitado o prazo prescricional, corrigidas pela taxa SELIC. Registrou ainda, que, nos termos do art. 19, §1.º, inciso I, da Lei n.º 10.522/2002, não seria o caso de condenação em honorários (Id. 4058300.14056594).

A parte autora defendeu que seria o caso de condenação em honorários advocatícios, em face da triangularização da relação jurídico-processual.(Id. 4058300.14747065)



É o relatório, no essencial.



Passo a decidir.







2. Fundamentação




2.1 - No que diz respeito  ao  mérito, diante do quadro descrito no Relatório supra, sem maiores delongas, há de ser  homologado o reconhecimento, por parte da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, da integralidade do pleito do Autor,  com consequente decretação de procedência dos pedidos.
2.2 - No que diz respeito ao pedido da UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL para não ser condenada em verba honorária, com base no § 1º do art. 19 da Lei 10.522/2002, mudando o meu posicionamento anterior, tenho que referida  regra, embora  veiculada em Lei específica, o que afastaria a aplicação das regras do vigente Código de Processo Civil relativas ao assunto, tenho que não merece vingar, porque fere o princípio da causalidade e princípios de direito administrativo,  os quais até podem ser agasalhados em Lei, mas por Lei não podem ser revogados.
Realmente, além de ferir o princípio da causalidade, mencionada regra legal também fere princípios de direito administrativo, que orientam pela boa administração pública, pois, diante de tal regra legal, nota-se uma  clara tendência da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL de negar pleitos tributários, feitos na via administrativa, ainda que o Administrado/Contribuinte tenha plena razão,  como no presente caso, remetendo esse Administrado/Contribuinte, forçosamente,  para  o Judiciário e, quando aqui chega, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, calcado no referido dispositivo legal, concorda e pede liberação do pagamento da verba honorária sucumbencial.
Então, a UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL está se valendo dessa regra legal para aumentar a já gigantesca carga de trabalho do Poder Judiciário Federal, num despropósito administrativo inaceitável.
Admissível sim, que haja, na referida  situação processual, uma  redução,  pela metade, do valor do mínimo legal da verba honorária,  mas não a sua dispensa total.
Então, à luz de tais argumentos,  tenho por bem aplicar o § 4º do artigo 90 do vigente CPC, observando-se a regra do § 2º e a gradação do §3º do art. 85 do  mesmo diploma  processual.





3. Dispositivo



Posto isso:



a) Homologo, por sentença, o reconhecimento dos pedidos (art. 487, II, a, do CPC) e os julgo procedentes,  condenando a UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL a conceder isenção de imposto de renda ao Autor, desde a data em que essa isenção deixou de ser concedida(2019), e, quando ao período de 06/10/2016 a 04/2018, relativamente ao qual referida  isenção foi reconhecida na via administrativa, mas as parcelas já cobradas não lhe foram restituídas, que agora o sejam, com atualização pelos índices da tabela SELIC, conforme regra do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995.

Outrossim, com base no princípio da causalidade,  nos princípios de direito administrativo que levam à boa administração e nas regras legais indicadas no subitem "2.2" da fundamentação supra,  condeno a UNIÃO - FAZENDA  NACIONA a pagar ao Patrono da Parte Autora  verba honorária, na metade do mínimo legal, observada a gradação do § 3º do art. 85 do CPC e as regras de apuração dos §§ 4º e 5º desse artigo legal.





Custas, ex lege.



Registrada, intimem-se.



Recife, 27.07.2020



Francisco Alves dos Santos Júnior



 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.