Por Francisco Alves dos Santos Júnior
O deficiente visual, cujo olho bom tenha acuidade igual ou inferior a 20/200, pode comprar certo tipo de automóvel com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados. Na decisão que segue, uma determinada Deficiente Visual, que preenchia os requisitos legais, teve esse pedido negado na Receita Federal do Brasil, tendo os d. Julgadores administrativos alegado que ela não preencheria requisitos que não estavam e não estão na Lei que trata do assunto, a Lei nº 8.989, de 1995, cuja vigência foi prorrogada para 31 de dezembro de 2021, pela Lei nº 13.146, de 2015.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0815048-52.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: K DE O
ADVOGADO: V S
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
IMPETRANTE: K DE O
ADVOGADO: V S
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
K DE O, qualificada
na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do Ilmo. Sr.
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, vinculado à Secretaria
Especial da Delegacia da Receita Federal do Brasil em Recife. Requereu,
preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em
síntese, que: a Impetrante seria deficiente visual, sem percepção
luminosa em olho direito e 20/20 em olho esquerdo com melhor correção;
seria portadora de Miopia, Astigmatismo, Cegueira em um olho (CID: H52.1
/ H52.2 / H54.4); também teria sido diagnosticada com Nevralgia do
Trigêmeo (CID: 10 G50.0), conforme documentação anexa; por conta de
tal deficiência e da necessidade premente de aquisição de veículo para
constante locomoção, pretenderia seu enquadramento na situação prevista
na Lei 8.989/95,
a qual disporia sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis para pessoas
portadoras de deficiência física; teria sido requerido, junto a Receita
Federal dois pedidos para isenção de IPI - Pessoa com Deficiência Física
e/ou visual (nº de protocolo: 13000.059435/2019-20 e nº
13000.15469/2019-59), em conjunto com os relatórios médicos e Laudo de
Avaliação para Isenção IPI, restando comprovado a deficiência
visual da Impetrante; em 10/03/2019, em resposta ao pedido (nº
13000.059435/2019-20), não teria sido reconhecido o direito ao gozo do
benefício fiscal pleiteado, alegando que a interessada não teria
atendido aos seguintes requisitos legais, pois no campo de observações
da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) pelo menos uma das letras (C,
D, E, F, G, G, I, J, K, L, T, U, X, W), caracterizando, assim, ausência
de restrição compatível com a deficiência física apontada; já no segundo
pedido (nº 13000.15469/2019-59), junto com os documentos, teria sido
realizado o envio a cópia da CNH Especial (Carteira Nacional de
Habilitação) já inclusa com as letras (A e X), significando a letra A
(uso obrigatório de lentes corretivas) e X (outras restrições), restando
assim, comprovado e necessário a isenção requerida; a Impetrante
possuiria diversos laudos e relatórios médicos, comprovando sua
deficiência visual; mas, para sua surpresa, o seu pedido para gozo da
mencionada isenção tributária fora indeferido novamente, sob o motivo do
não preenchimento, porque seria portadora de carteira de habilitação
(CNH) valida, situação incompatível com a deficiência indicada, e por
não ter localizado o CPF do médico no cadastro de profissionais do
Ministério da Saúde; mesmo de posse de todas esses documentos e
informações apresentadas a Impetrante estaria sendo impedida de obter a
isenção de IPI para aquisição de veículo, não restando outra alternativa
senão bater as portas do judiciário a fim de demonstrar a violação do
direito líquido e certo da Impetrante; analisando-se o despacho
decisório; seria possível verificar que o indeferimento teria se baseado
no disposto no disposto no § 2º do Art. 1º da lei federal 8989/95,
nos termos ali transcritos; a decisão administrativa não mereceria
prosperar, uma vez que, conforme relatório anexo, a deficiência da
Impetrante se enquadraria perfeitamente no que dispõe o artigo acima
descrito; nem toda deficiência visual seria necessariamente dentre as
opções supracitadas de comprometimento funcional, haja vista a
Impetrante seria portadora de visão monocular, o que comprometeria
somente o olho direito; os condutores de veículos automotores que
possuem visão monocular, ou seja, que só enxergam de um olho, só
poderiam conduzir veículos das categorias "A" e "B"; portanto, não
poderão dirigir caminhões, ônibus e carretas; também seriam considerados
inaptos a direção desses veículos, os condutores que possuíssem baixa
de visão em um dos olhos, de modo que não atingisse os limites mínimos
exigidos pelas normas do CONTRAN; a visão monocular afetaria a visão do
indivíduo de
diversas maneiras; haveria duas conclusões principais que seriam
dirigidas uniformemente e predominantemente pela literatura publicada e
pelas autoridades; os dois déficits preliminares seriam a perda da visão
binocular estereóptica (visão de profundidade / noção de distância) e
redução do campo de visão periférico (visão lateral); a maioria dos
sintomas da visão monocular seria um resultado dessas duas deficiências;
a
Visão Monocular (CID 10 H54-4) seria caracterizada pela capacidade de
uma pessoa de conseguir enxergar com apenas um olho, possuindo desse
modo, noção de profundidade e sensação tridimensional e visão periférica
limitada afetando assim, sua capacidade de atenção e convívio social; por
essas limitações, os indivíduos com visão monocular só poderiam
conduzir os veículos das categorias "A" e "B", inclusive com
recomendações de espelhos retrovisores maiores, dispositivos auxiliares
de entrada nas garagens como espelhos nas laterais dos portões e no caso
de motocicletas, capacetes com maior abertura lateral, limitando menos o
campo de visão; embora a cegueira monocular tenha sido reconhecida como
deficiência e doença grave dando o direto a isenção de imposto de renda
sobre proventos de aposentadoria e pensão, nos casos de pedido de
isenção de IOF - Impostos sobre operações financeiras e IPI - Impostos
sobre produtos industrializados na compra de carro novo, o deficiente
visual monocular ainda enfrentaria dificuldades e não tem muitas vezes
seu direito reconhecido tendo que impetrar ação judicial para garantir o
benefício; para que o contribuinte tenha o benefício, seria necessário
que é
o seu melhor olho também tivesse a visão comprometida, ou seja,
acuidade visual igual ou inferior a 20/200 da Tabela Snellen, após a
melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, ou ocorrência
simultânea de ambas as situações, a chamada cegueira legal, como seria o
caso da Impetrante; vários estados brasileiros
já possuiriam leis classificando a visão monocular como uma deficiência
e garantindo aos portadores todos os diretos reservados aos deficientes
físicos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao
final, pela concessão de medida liminar inaudita altera parte,
para determinar que a União conceda a Isenção do Imposto sobre
produtos Industrializados (IPI) para aquisição de veículo pela
Impetrante, conforme entendimento já pacificado nos Tribunais pátrios.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
A
concessão de medidas liminares em mandados de segurança está atrelada
ao disposto no artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09, que possibilita seu
deferimento em caso de concomitância da plausibilidade do direito
invocado (fundamento relevante) e do risco de perecimento de tal direito
face à urgência do pedido (periculum in mora).
A regra legal, mais especificamente, determina que o segundo requisito estará presente quando "do ato impugnado puder resultar ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida".
Pois bem.
Constato, nos documentos acostados sob id nº 4058300.11410132,
que, na primeira r. decisão administrativa, o benefício fiscal foi
negado porque a ora Impetrante seria portadora de Carteira CNH, situação
essa que seria incompatível com o benefício perseguido(compra de
automóvel) e o número do CPF do médico, que assinara o respectivo laudo
médico, não constaria do cadastro do Ministério da Saúde.
Já na
segunda r. decisão administrativa argumentou o respectivo d. Julgador que
o benefício não seria concedido porque não constaria da Carteira CNH da
ora Impetrante, na coluna observações, uma das seguintes letras: C, D,
E, F, G, H, I, J, K, L, T, U, X, W.
Ocorre que mencionadas exigências não fazem parte das exigências fixadas na Lei que trata do benefício fiscal em debate.
Não
argumentou, nenhum dos d. Julgadores Administrativos, que a ora
Impetrante não preenchia os requisitos legais, descritos no § 2º do art.
1º da Lei nº 8.989, de 24.02.1995, cuja vigência foi estendida para
31.12.2021, pelo art. 126 da Lei nº 13.146, de 2015, o qual tem a
seguinte redação:
"§ 2o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações." (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)
Como está dito na petição inicial e consta do respectivo Laudo Médico, acostado pela Parte Impetrante, sob id 4058300.11409961, é ela cega de um olho e o olho bom tem acuidade visual de 20/200.
Então,
como as exigências dos d. Julgadores Administrativos não estão na
referida Lei e a Impetrante comprovou que preenche os requisitos que
estão em tal Lei, sobretudo no acima transcrito § 2º do seu art. 1º,
tenho que comprovou a existência do fumus boni iuris.
O
perículum in mora também se faz presente, porque necessita do
automóvel, que pretende comprar com o mencionado benefício fiscal, para
locomoção.
Ante
o exposto, defiro o pedido de concessão de medida liminar e determino
que a DD Autoridade Impetrada tome providências para que a ora
Impetrante adquira automóvel com o referido benefício fiscal,
consistente na isenção do IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados,
na forma da Lei indicada na fundamentação supra.
Outrossim,
determino que se notifique a DD. Autoridade Impetrada para prestar as
informações legais e a intime para cumprir a decisão supra, sob as penas
do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
Determino,
ainda, que se dê ciência deste mandado de segurança à representação
judicial da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, no caso, a Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional em Recife, para os fins do inciso II do art. 7º da
mencionada Lei.
No momento oportuno, ao Ministério Público Federal para o parecer legal.
Cumpra-se, com urgência.
No momento oportuno, ao Ministério Público Federal para o parecer legal.
Cumpra-se, com urgência.
Recife, 14.08.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE