Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Pode uma regra administrativa de um Plano de Saúde de Servidores da Administração Pública criar critério de enquadramento de uma Mãe como Dependente do filho-Servidor, de forma contrária às regras da Constituição da República e da Lei do Estatuto do Idoso quanto à manutenção ou ampliação do amparo ao idoso?
Na sentença que segue, esse assunto é amplamente debatido.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0806384-66.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: R S C DE O e Outra ADVOGADO: E L S ADVOGADO: P S C De ORÉUS: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e OUTRO 2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença Tipo A, registrada eletronicamente.
Vistos, etc.
EMENTA: - PLANO DE SAÚDE. DEPENDENTE. RENDA. EXCLUSÃO. NÃO CABIMENTO.
Se
a Dependente de Segurado de Plano de Saúde, atualmente com mais de
80(oitenta) anos de idade, não tem benefícios previdenciários com
reajustes vinculados aos índices de atualização da Tabela do IRPF,
tampouco o rendimento do próprio Segurado, e se a referida Tabela não é
reajustada pelo índice de reajuste do benefício previdenciário da
mencionada Dependente, tampouco pelo índice de reajuste dos vencimentos
do seu Filho, o Segurado, não pode a sua(da Segunda Autora) qualidade de
Dependente ficar vinculada a valor enquadrável no rol de dependentes do
IRPF, porque fere a lógica do sistema e contraria regras da
Constituição da República e da Lei do Estatuto do Idoso, as quais
orientam no sentido do mais completo amparo ao idoso, com alargamento
dos benefícios ao passo que a sua idade aumenta.
Procedência.
1. Relatório
R S C DE O e N C DE O,
qualificados na inicial, ajuizaram a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da UNIÃO
FEDERAL e do CONSELHO GESTOR DO PROGRAMA DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Requereram preliminarmente, a prioridade
na tramitação do feito. Aduziram, em síntese que: a) o primeiro
demandante seria técnico administrativo do Ministério Público da União e
teria inserido sua mãe, segunda demandante, no Programa de Saúde e
Assistência Social - Plan-Assiste, desde 26/10/2006, porque recebia
apenas 02 salários mínimos de aposentadoria/pensão e seria sua
dependente economicamente; b) em 2007, a segunda demandante teria sido
diagnosticada com Câncer no ovário, atualmente em estágio IV, com
metástase; c) no corrente ano, o primeiro demandante, ao receber da
segunda demandante os comprovantes de rendimento, para fins de
declaração do Imposto de Renda, constatou que os valores auferidos em
2017 teriam excedido o teto fixado pela Receita Federal para fins de
inclusão de dependente, no total de R$ 22.847,86; d) o primeiro
demandante teria procurado a ajuda da ADUSEPS - Associação de Defesa
dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, a qual enviou um
Ofício ao Plan-Assiste, em 25 de abril de 2018, levando ao conhecimento
do Plano de Saúde Réu os fatos específicos da segunda demandante, no
intuito de evitar o corte no resectivo serviço de assistência à saúde;
e) em 02 de maio de 2018, o Diretor de Assistência e Benefícios Sociais
do Plan-Assiste/MPF, proferiu despacho negando o pleito de permanência
da segunda demandante no plano. Fundamentou seu pedido citando textos de
lei e da jurisprudência pátria, anexou documentos e ao final requereu o
deferimento do pedido de Tutela Provisória de Urgência, no sentido de
que fosse determinada a permanência da segunda demandante, Sra. N C DE O, no Programa de Saúde e Assistência Social do
Ministério Público da União - PLAN-ASSISTE, independentemente de
comprovação de que ela seja dependente do seu filho, primeiro
demandante, para fins de Imposto de Renda.
R.
Decisão proferida sob identificador nº 4058300.5367567, pela qual foi
deferida a tutela provisória de urgência e determinado que a União e o
Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério
Público da União mantivessem a Autora, N C DE O, no
Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União
-PLAN-ASSISTE, como dependente do Autor, R S C DE
O, independentemente da comprovação de ser ela dependente para
fins de Imposto de Renda.
Devidamente citada, a União apresentou contestação sob identificador nº 4058300.5696785 requerendo a improcedência dos pedidos.
O
Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério
Público da União foi citado por meio de Carta Precatória anexada sob
identificador nº 4058300.5955608 e deixou transcorrer o prazo sem
apresentar contestação, conforme certidão de Id. 4058300.9857658.
A Parte Autora apresentou réplica à contestação requerendo a procedência dos pedidos formulados na exordial.
Pelas
peças anexadas sob identificadores nªs 4058300.14791747 e
4058300.15328530 é possível constatar que a União interpôs Agravo de
Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, autuado no TRF 5ª Região
sob o nº 0810227-10.2018.4.05.8300, contra decisão que deferiu o pedido
de tutela de urgência. Consultando a movimentação processual comprova-se
que o pedido de efeito suspensivo foi indeferido liminarmente (Id.
4050000.11666348) e na sequência, conforme acórdão proferido pela
Terceira Turma, foi negado provimento ao Agravo de Instrumento (Id.
4050000.13040746).
Vieram os autos conclusos.
É o breve relatório.
Fundamento e decido.
2. Fundamental
2.1 - Preliminarmente, cabe a decretação da revelia do Conselho
Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público
da União, sem os respectivo efeitos, quer pelo fato de que a UNIÃO
apresentou contestação, quer tendo em vista que se trata de pessoa
jurídica de direito público, cujos bens são indisponíveis(incisos I e
II, respectivamente, do art. 344 CPC).
2.2
- Nos presentes autos, a controvérsia consiste em saber se a Autora
Necy Carvalho de Oliveira pode permanecer na qualidade de dependente no
plano de saúde de titularidade de seu filho, independentemente da
comprovação de sua dependência para fins de Imposto de Renda.
Por
meio da decisão inicial, proferida pela d. Juíza Federal Substituta
desta 2ª Vara/PE, Dra. DANIELLI FARIAS RABÊLO LEITÃO RODRIGUES, a Tutela
Provisória de Urgência foi concedida com a determinação de que a União e
o Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do
Ministério Público da União mantivessem a Autora, N C DE
O, no Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério
Público da União -PLAN-ASSISTE, como dependente do Autor, R S C DE O, independentemente da comprovação de ser ela
enquadrável como dependente para fins de Imposto de Renda.
Apresentada
contestação por parte da União e com o silêncio do Conselho Gestor do
Programa de Saúde e Assistência Social do MPU, nada de novo foi
apresentado no sentido de desconstituir os argumentos expostos na
fundamentação daquela r. Decisão.
E,
consta, também, nos autos que em sede de agravo de instrumento,
interposto pela União, a Egrégia Terceira Turma do TRF 5ª Região negou
provimento ao recurso e manteve a decisão agravada.
Sendo
assim, adentrando no mérito, tenho que merece ser ratificada a
mencionada r. Decisão, proferida pela MM. Juíza Federal Substituta da 2ª
Vara/PE, Dra. DANIELLI FARIAS RABELO LEITÃO RODRIGUES, da qual
transcrevo alguns trechos da sua d. fundamentação: verbis:
"2. Fundamentação
2.1 (...).
2.2. Da tutela provisória de urgência
(...).
Nos
presentes autos, pretende-se a título tutela de urgência seja
determinado aos Réus a permanência da Autora N C de O,
como dependente no plano de saúde de titularidade de seu filho,
independentemente da comprovação de sua dependência para fins de Imposto
de Renda.
Pelo
que se depreende da documentação anexada aos autos, a segunda Autora,
N C de O é uma pessoa idosa, com 81 anos, e com grave
problema de saúde (câncer no ovário, atualmente com metástase) e desde o
ano de 2006 é dependente do seu filho, o primeiro Autor, R S de C de O, no Plan-Assiste.
De acordo com o Regulamento Geral do Plan-Assiste, à época de sua inclusão (Id. 4058300.5360409):
"II - dependentes econômicos:
(....)
(...)
c) os pais, inclusive adotantes, o padrasto ou a madrasta com renda familiar de até três salários mínimos que constem como dependentes na Declaração de Imposto de Renda do titular.".
E
foi em face desse regulamento que a segunda Autora foi inscrita,
aprovada e vinculada como dependente no PLAN-ASSISTE, tendo em vista ser
mãe com renda familiar de até três salários mínimos e constar na
declaração de imposto de renda do seu filho como dependente.
O
rendimento auferido pela segunda Autora ao longo de 2017, incluído o
13º salário, atingiu a cifra de R$ 24.205,00, quando o teto fixado pela
Receita Federal, para fins de inclusão de dependentes no Imposto de
Renda, naquele ano, era de R$ 22.847,86, desde 2015. Com isso, a segunda
Autora não pôde ser incluída como dependente do seu filho na declaração
do IR 2017/2018.
Atualmente, a Norma Complementar nº 13/2017, estabelece em seu art. 1º, inciso II, alínea "c":
"Art. 1º São beneficiários do PLAN-ASSISTE, na condição de:
(...)
II - dependentes:
(c) o pai ou o padrasto e a mãe ou a madrasta que constem como dependentes ou pensionistas na declaração de imposto de renda do titular.;
(...)"
Numa
interpretação restritiva da regra acima, considerou-se que a segunda
Autora deixara de cumprir um dos requisitos para a sua configuração como
dependente econômica do titular do plano (figurar como dependente na
declaração do Imposto de Renda), o que levou à sua exclusão do plano de
assistência à saúde.
Em
face da questão posta, vislumbro o preenchimento dos requisitos para a
concessão da tutela de urgência, invocada pelos Autores.
Primeiramente, cumpre consignar o que está disposto na Constituição da República sobre o direito dos idosos:
"Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Art.
2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do
Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação
do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,
ao respeito e à convivência familiar e comunitária.".
No
caso dos autos, a Autora é uma pessoa idosa, com mais de 80 anos e com
graves problemas de saúde, sendo obrigação da sociedade assegurar-lhe o
direito à vida e à saúde, conforme disposição constitucional. Tal
direito não pode ser restringido por norma infra legal.
Com
efeito, a segunda Autora continua recebendo mensalmente parcos
rendimentos, tendo ultrapassado por muito pouco o limite para inclusão
como dependente no Imposto de Renda do seu filho."
E
isso só ocorreu porque a UNIÃO não cumpriu com o seu dever social e
moral de atualizar a tabela do IRPF, a qual, inexplicavelmente,
encontra-se congelada desde 2015, quando o benefício previdenciário da
autora gozou de atualização, embora meramente monetária e abaixo do
reajuste do salário mínimo, findou por ultrapassar o mínimo para ser
considerada dependente perante o IRPF, por conta da referida
imoralidade: falta de atualização dos valores da tabela do IRPF.
O
equilíbrio econômico-financeira das obrigações das duas Partes exigiria
que a referida Tabela fosse atualizada, pelo menos pelo mesmo índice
de reajuste do beneficio da referida Dependente, a ora Segunda Autora,
ou pelo mesmo índice de reajuste de vencimentos do seu Filho, o Segurado
e ora Primeiro Autor.
Note-se
que não existe mais o requisito cumulativo de que o ascendente aufira
menos de 3 (três) salários mínimos para sua inclusão como dependente no
plano de saúde, assim como acontecia quando da inserção da segunda
Autora no Plan-Assiste, há 12 anos.
Então,
as regras não poderiam ser mudadas unilateralmente, porque os Autores
têm direito adquirido a esse requisito, especialmente a Dependente, a
Segunda Autora, por conta da proteção constitucional e legal a que faz
jus, conforme já demonstrado e ao que retornaremos abaixo.
Por
outro lado, o valor do benefício da Autora, sempre reajustado por
índice inferior ao de um salário mínimo, nunca ultrapassou o patamar de
três salários mínimos e só ultrapassa o mínimo da referida Tabela do
IRPF, na declaração do IR do seu Filho, o Primeiro Autor, pelas razões
já expostas: a falta de atualização da famigerada Tabela do IRPF, no mínimo pelos índices de reajuste do benefício da Segunda Autora.
Ora,
se o poder aquisitivo da Segunda Autora, frente ao valor do salário mínimo,
cai, ano a ano, porque o valor do seu benefício é reajustado por índice
inferior ao do reajuste do salário mínimo, não pode ser punida com a
exclusão do rol de dependentes do seu Filho perante a Entidade de Plano
de Saúde do Emprego Público deste, em face da culpa única e exclusiva
da UNIÃO, na qual encontra-se no rol de Órgãos o Ministério Público
Federal, onde trabalha o seu Filho, o Primeiro Autor.
Princípios
de Justiça orientam de que, nessa situação, deve-se manter os
parâmetros de quando a Sra. Mãe do Primeiro Autor, a Segunda Autora, foi
admitida no referido Plano de Saúde, uma vez que o descompasso,
meramente financeiro, decorre de, repito, culpa única e exclusiva da
UNIÃO, a qual, de forma imoral, não atualiza a referida Tabela do IRPF.
Por
outro lado, a mencionada regra do referido Plano de Saúde, de vincular a
renda do Dependente a valor fixado para cada Dependente na declaração
do IRPF do Servidor Segurado, não se mostra razoável, pois o que tem a
ver mencionado Plano com o IR dos Beneficiários?
Os Parâmetros que gozariam de um equilíbrio justo mínimo seriam os que já adiantei: 1) atualização da Tabela do IRPF pelo mesmo índice de atualização do valor do benefício da Segunda Autora e dos vencimentos do Primeiro Autor; ou, 2) aquele da renda da data da inclusão da Dependente, ora Segunda Autora, isto é, vinculação da sua renda, naquela data, à luz do total de salários mínimos que ganhava quando da
sua inclusão: tome-se
o valor total da renda da ora Segunda Autora, na data em que foi
incluída como dependente, e divida pela valor de um
salário mínimo, e chegue ao total de salários mínimos que a Segunda Autora ganhava naquela época, sem
dúvida alguma, constatar-se-á que ganha, hoje, um número de salários mínimos
bem menor do que ganhava naquela época. E isso decorre do fato, já
dito: aqueles que se aposentaram ganhando mais de um salário mínimo,
perdem ano a ano frente ao valor do salário mínimo, porque o total de
tais benefícios é reajustado por índice inferior ao do reajuste do
salário mínimo.
O
mencionado arcabouço jurídico constitucional e legal não admite que
norma infra legal elimine o mencionado direito de uma idosa, que já
conta com mais de 80(oitenta) primaveras, sem descurar que o Primeiro
Autor vem pagando, religiosamente, o valor do mencionado Plano de Saúde há mais
de 12(doze)anos.
Não
pode, exatamente agora quando a sua Mãe já com mais de 80(oitenta)anos de idade e mais necessita de utilizar-se dos recursos do Plano de Saúde, vê-la dele
excluída, porque há uma singela e ilógica norma administrativa, que fere
todo o mencionado conjunto de regras constitucionais e legais,
asseguradoras dos direitos dos idosos e que, ao invés de ser reduzidos, devem é ser ampliados com o passar do tempo.
Não, isso não é aceitável, não pode acontecer.
Nessa situação, sem maiores delongas, a decretação da procedência dos pedidos é medida que se impõe.
3. Dispositivo
POSTO ISSO, ratifico a mencionada r. Decisão Inicial, na qual se
deferiu o pedido de tutela provisória de urgência de antecipação, julgo
procedentes os pedidos, tornando definitiva a determinação constante na
mencionada r. Decisão, para todos os fins de direito, e dou este
processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, CPC).
Outrossim, condeno às Rés, pro rata, ao
ressarcimento do valor atualizado das custas desembolsadas pelos
Autores, com atualização pelos índices da tabela SELIC, por ser um
tributo, a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso, e a pagar
ao(à,s) Patrono(a,s) dos Autores verba honorária advocatícia, a qual, à
luz dos §§ 2º e 8º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil,
arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), que serão atualizados(correção
monetária e juros de mora) pelos índices do manual de cálculos do
Conselho da Justiça Federal, vigentes na data da execução, sendo que os
juros de mora incidirão sobre o valor já monetariamente corrigido, mas
somente a partir do trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que
venha a substituí-la(§ 19 do art. 85, CPC).
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, I do CPC).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 20.07.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.